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Acta Scientiarum. Education

versão impressa ISSN 2178-5198versão On-line ISSN 2178-5201

Acta Educ. vol.42  Maringá  2020  Epub 01-Mar-2020

https://doi.org/10.4025/actascieduc.v42i1.45356 

FORMAÇÃO DE PROFESSORES E POLÍTICAS PÚBLICAS

Softwares educativos e as práticas de leitura e escrita: possibilidades didáticas e metodológicas

Softwares educacionales y las prácticas de lectura y escritura: posibilidades didácticas y metodológicas

Rita de Cassia de Souza Landin1  * 
http://orcid.org/0000-0002-7793-7438

Maria Iolanda Monteiro2 
http://orcid.org/0000-0002-4534-1437

1Prefeitura Municipal de São Carlos, Rua Episcopal, 1575, 13560-570, São Carlos, São Paulo, Brasil.

2Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, São Paulo, Brasil.


RESUMO.

Neste artigo apresentamos um recorte da pesquisa de mestrado de Landin (2015) sobre a análise pedagógica de três softwares educativos voltados para a área da alfabetização e do letramento, com o objetivo de ampliar suas reflexões sobre as possibilidades didáticas e metodológicas para a promoção das práticas de leitura e escrita com tais recursos. Para tanto, discorremos brevemente sobre as principais características da pesquisa de Landin (2015), a qual se baseou na análise qualitativa dos softwares educativos no processo de ensino da alfabetização e do letramento e entrevistas com docentes, a fim de refletir sobre os saberes docentes (Tardif, 2012) necessários para o uso didático e metodológico destes recursos no processo de ensino. Ao final, propomos algumas reflexões para a ampliação de possíveis práticas de leitura e escrita e, nos arriscamos também, a refletir sobre algumas necessidades formativas para tanto.

Palavras-chave: recursos tecnológicos de informação e comunicação; alfabetização e letramento; formação docente

RESUMEN.

En este artículo presentaremos un recorte de la investigación de máster de Landin (2015) sobre el análisis pedagógica de tres softwares educacionales orientados hacia el área de alfabetización y del letramiento, con el objetivo de ampliar sus reflexiones sobre las posibilidades didácticas y metodológicas para la promoción de las prácticas de lectura y escritura con tales recursos. Para tanto, discurrimos brevemente sobre las principales características de la investigación de Landin (2015), la cual se basó en el análisis cualitativo de los softwares educacionales en el proceso de enseñanza de la alfabetización y del letramiento y entrevistas con docentes, con el fin de reflexionar sobre los saberes docentes (Tardif, 2012) necesario para el uso didáctico y metodológico de estos recursos en el proceso de enseñanza. Al final, propusimos algunas reflexiones para la amplificación de posibles prácticas de lecturas y escritura y, nos arriscamos también, a reflexionar sobre algunas necesidades formativas para tanto.

Palabras-clave: recursos tecnológicos de información y comunicación; alfabetización y letramiento; formación docente

ABSTRACT.

In this article we present an excerpt from Landin's master's research (2015) on the pedagogical analysis of three educational software aimed at the area of ​​literacy and literacy, with the aim of broadening his reflections on the didactic and methodological possibilities for the promotion of practices reading and writing with such resources. Therefore, we briefly discuss the main characteristics of Landin's research (2015), which was based on the qualitative analysis of educational software in the process of teaching literacy and literacy and interviews with teachers, in order to reflect on the teaching knowledge (Tardif, 2012) necessary for the didactic and methodological use of these resources in the teaching process. At the end, we propose some reflections for the expansion of possible reading and writing practices and, we also risk, to reflect on some training needs for this.

Keywords: technological information and communication resources; literacy and literacy; teacher training

Introdução

O desenvolvimento da internet, especificamente, nas décadas finais do século XX e sua popularidade e expansão, advindas ao longo de quase duas décadas deste século XXI, promove novos espaços de divulgação de informações, vendas, comunicação, entretenimento, estudos, etc. É o chamado cyber espaço (Fialho & Matos, 2010; Kenski, 2007; 2012), local onde são armazenados virtualmente os dados, que por meio das linguagens e códigos informacionais são transmitidos (Fernandes, 2003) e podem ser acessados de qualquer parte do mundo e a qualquer hora.

Com o avanço e o desenvolvimento cada vez mais intenso das tecnologias digitais (Belloni, 2012) e, consequentemente, dos recursos tecnológicos de informação e comunicação (Kenski, 2007; 2012), observamos o uso desses recursos em várias esferas do nosso dia-a-dia, desde o uso de celulares, computadores e notebooks para a comunicação, as atividades laborais, de lazer ou para nos mantermos informados.

No campo educacional não é diferente. Embora ainda sejam ínfimos o uso e a presença qualitativa dos recursos tecnológicos de informação e comunicação (TIC) nos ambientes e currículos escolares, Alonso (2008) e Kenski (2007; 2012) apontam investimentos governamentais e políticas públicas, tanto para a ampliação da presença das TIC nos espaços escolares, quanto para os currículos da formação docente.

Landin (2015), em sua pesquisa de mestrado, a partir de uma base de dados do Grupo Horizonte1, pontua que as produções acadêmicas (especificamente teses de Doutorado) ainda são efêmeras na área da formação de professores e tecnologias de informação e comunicação, enquanto no tripé que sustentou sua pesquisa - formação de professores - alfabetização e letramento - tecnologias de informação e comunicação - nenhuma produção fora encontrada. A fim de atingir seu objetivo central, analisar os saberes docentes (Tardif, 2012) para o uso didático e metodológico de softwares educativos no processo de alfabetização e letramento, Landin (2015), ainda realizou um levantamento bibliográfico para referenciar suas análises, pesquisou a presença de softwares educativos voltados para a alfabetização e o letramento presentes no cyber espaço (Carvalho, 2009; Fialho & Matos, 2010) e também entrevistou seis docentes dos anos iniciais do Ensino Fundamental da rede estadual de São Carlos (SP), ouvindo-as, por meio de um questionário semiestruturado (Gil, 2002), sobre suas experiências pedagógicas com softwares educativos. A partir dos dados coletados nessas entrevistas, a pesquisadora analisou qualitativamente os softwares citados pelas docentes quanto aos embasamentos teóricos que sustentam suas atividades de alfabetização e letramento, apresentando uma reflexão sobre os saberes docentes necessários para uma maior exploração didática e metodológica destes recursos no processo de ensino e aprendizagem.

Neste artigo apresentamos um recorte da pesquisa de Landin (2015) quanto aos softwares educativos analisados e os fundamentos teóricos que embasam os aspectos da alfabetização e do letramento, assim como também os percursos metodológicos que a pesquisadora percorreu até chegar ao recorte dos softwares analisados.

De acordo com Soares (2002, p. 148)

Considerando que letramento designa o estado ou condição em que vivem e interagem indivíduos ou grupos sociais letrados, pode-se supor que as tecnologias de escrita, instrumentos das práticas sociais de leitura e de escrita, desempenham um papel de organização e reorganização desse estado ou condição.

Neste sentido, aprofundaremos nossas análises qualitativas sobre os softwares educativos apresentados, analisando e refletindo também sobre as práticas de leitura e escrita por eles possibilitadas.

Alfabetização e letramento: conceitos e práticas socialmente (re)construídos

As práticas de leitura e escrita são fundamentais para a comunicação, veiculação de informações, aquisição de conhecimentos, entretenimento e lazer: ler um livro, fazer uma busca na internet, consultar um manual de instruções de um videogame e se informar sobre os aplicativos do celular são alguns exemplos das habilidades de leitura e escrita presentes e fundamentais nas relações pessoais e sociais, mesmo em meio a tantos recursos tecnológicos de informação e comunicação.

Embora o conceito de alfabetização e letramento seja algo historicamente construído, guardando em si influências sociais e políticas (Soares, 2013), podemos compreendê-lo basicamente como sendo as habilidades de codificação e decodificação dos sinais gráficos para compreensão social e finalidade de uso das mensagens textuais nele inscrito (Soares, 2013; Landin, 2015). Nesta perspectiva, o domínio e a compreensão crítica da leitura e escrita em uma sociedade ágrafa são relevantes, pois garantem ao indivíduo determinado status social frente aquele que não a domina (Kleiman, 1995).

Para Soares (2013) o termo alfabetização traz um conceito muito amplo e multifacetado, considerando as habilidades não só de codificação e decodificação, compreensão contextual dos usos e das finalidades sociais das mensagens escritas, mas também o aspecto social de aquisição e desenvolvimento da língua. Ainda, de acordo com Soares (2013), sendo uma habilidade social e um registro de nossa linguagem falada, a escrita carrega em si mesma as marcas sociais e linguísticas dos grupos sociais, ou seja, se há variação na fala de um grupo social a outro é fato que a escrita também apresente estas marcas.

Mediante o uso cada vez maior dos recursos tecnológicos de informação e comunicação, o domínio crítico das habilidades de leitura e escrita, bem como compreensão das mensagens textuais e linguagens midiáticas proporcionadas por esses meios, ao conceito de alfabetização e letramento, são agregados os adjetivos digital e midiático e informacional. Esses adjetivos não descaracterizam o conceito histórico e social da alfabetização e do letramento, mas ampliam o entendimento destes conceitos, associando as habilidades necessárias para a apropriação e uso mais crítico de tais recursos. Soares (2002, p. 146), assim, se refere ao letramento

[...] o momento atual oferece uma oportunidade extremamente favorável para refiná-lo e torná-lo mais claro e preciso. É que estamos vivendo, hoje, a introdução, na sociedade, de novas e incipientes modalidades de práticas sociais de leitura e de escrita, propiciadas pelas recentes tecnologias de comunicação eletrônica - o computador, a rede (a web), a Internet.

Para Fantin e Girardello (2009), a alfabetização e o letramento digital correspondem aos domínios das linguagens oferecidas pelos recursos tecnológicos digitais, como os softwares, os sites, os aplicativos de computadores e celulares. Estas linguagens, no entanto, não se caracterizam apenas como as mensagens escritas, mas também as linguagens informacionais presentes nestes meios de comunicação, que possibilitam e ampliam as formas de comunicação, “[...] como imagens, gráficos e cores, e demais recursos de acesso utilizados por eles” (Landin, 2015, p. 57). O domínio das linguagens informacionais, como o teclado, as cores, os aplicativos e links para acesso são fundamentais para a aquisição e o desenvolvimento das habilidades de alfabetização e letramento digital (Fantin & Girardello, 2009).

Com o acesso cada vez mais fácil aos computadores e ambientes virtuais, possibilitado com o avanço e a ampliação maior da internet e, consequentemente, o contato com as mensagens textuais produzidas e divulgadas nestes recursos, a alfabetização midiática e informacional também é relevante para a formação crítica do leitor e escritor. Para o documento ‘Alfabetização Midiática e Informacional’ (Wilson, Grizzle, Tuazon, Akyempong, & Cheung, 2013), as habilidades de leitura e escrita, em meio e por meio dos recursos tecnológicos de informação e comunicação, devem promover uma reflexão crítica sobre os aspectos políticos e ideológicos que sustentam tais informações e/ou meios de comunicação, como as redes sociais, softwares educativos, sites de informação, currículos de formação docente e discente, etc.

É neste sentido que compreendemos as habilidades de alfabetização e letramento, leitura e escrita. Conceitos sociais e históricos, amplos e multifacetados, que recebem influências sociais, políticas, históricas, epistemológicas e tecnológicas. Compreender as práticas de leitura e escrita no contexto atual, tanto nos meios tecnológicos digitais como nos meios tecnológicos ‘tradicionais’, suas características e particularidades, é fundamental para a formação de leitores e escritores críticos, desde os princípios do desenvolvimento da alfabetização e do letramento.

As práticas de leitura e escrita

A leitura e a escrita são habilidades essenciais em uma sociedade ágrafa (Mill & Jorge, 2013), para que possamos ter acesso a informações, conhecimentos, entretenimento, comunicação escrita, etc. Dominar estas habilidades de forma satisfatória dentro de seus aspectos da alfabetização e do letramento (Kleiman, 1995; Soares, 2013) é indispensável e traz certo ‘status social’ ao indivíduo (Kleiman, 1995), sendo relevante que o ensino e a aprendizagem de ambos ocorram simultaneamente.

No entanto, ao longo de nossa história, nem sempre estas habilidades tiveram importância e nem delegavam ao indivíduo certo ‘status social’. A relevância do ensino e da aprendizagem da leitura e escrita tiveram diferentes importâncias, de acordo com o contexto social e político de cada período histórico brasileiro (Monteiro, 2010), assim como a partir das influências teóricas no campo da alfabetização e do letramento, as quais embasaram e embasam, até o presente momento, as experiências e práticas de leitura e escrita.

Do período colonial brasileiro até décadas iniciais do século XX, as práticas de leitura e escrita eram embasadas na perspectiva tradicional de ensino, seja no método sintético ou analítico, com o aprendizado da leitura sendo mais enfatizado por ser menos custoso, enquanto que o desenvolvimento da escrita era circunscrito às camadas mais privilegiadas economicamente (Monteiro, 2010). Para aqueles que possuíam mais recursos econômicos, o domínio da leitura e escrita visavam a continuidade dos estudos, enquanto para as camadas mais populares representavam apenas o domínio de mensagens simples, como a leitura e escrita de pequenos bilhetes e/ou a assinatura do próprio nome (Monteiro, 2010). Durante esse período não havia preocupação com o desenvolvimento do letramento (Monteiro, 2010), ou seja, as práticas de leitura e escrita desenvolvidas não objetivavam a compreensão dos usos e finalidades sociais (Kleiman, 1995; Soares, 2013) dos diversos gêneros textuais, enfatizando a codificação e decodificação dos sinais gráficos (Soares, 2013) sem um processo de reflexão sobre a própria escrita.

No início do século XX, com a expansão e influência do movimento escolanovista, a âmbito internacional, e com a democratização do ensino, a nível nacional, as habilidades de leitura e escrita começam a ampliar suas funções dentro da sociedade. Dominar apenas a codificação e decodificação dos sinais gráficos, em um processo de ensino passivo, já não bastava mais. Com a influência dos estudos escolanovistas surge a necessidade de um ensino mais ativo, em que o aluno seja produtor de sua própria aprendizagem (Mortatti, 2000; Monteiro, 2010). A leitura e a escrita passam a ser vistas como habilidades capazes de ampliar as experiências mentais. Neste contexto, a leitura e a escrita recebem mais incentivos e suas práticas são desenvolvidas (Mortatti, 2000; Monteiro, 2010). Neste período, surgem também nomenclaturas para diferenciar aqueles que dominavam ou não as habilidades de leitura e escrita, como alfabetizado e analfabeto (Monteiro, 2010).

Já no final do século XX, particularmente por volta dos anos de 1980, a perspectiva construtivista de ensino passa a influenciar fortemente as práticas de alfabetização. Representada principalmente pelos estudos de Emília Ferreiro, a perspectiva construtivista traz o aluno como agente principal de sua aprendizagem, rompendo de vez com a passividade do ensino (Ferreiro, 1994). Os estudos de Ferreiro (1994) corroboram para uma nova análise do processo de ensino da leitura e escrita, tanto na perspectiva do ‘erro’ - visto como hipóteses de escrita do aluno em sua tentativa de representação da linguagem oral em escrita, quanto na perspectiva de como ensinar - as representações de fonemas em grafemas advém da experiência do aluno com a escrita e não devem seguir um padrão rígido de ensino por meio simplesmente da decodificação - codificação (como ocorre nos métodos tradicionais), assim como as habilidades de leitura e escrita devem ocorrer simultaneamente.

Também nas décadas finais de século XX observamos as influências da perspectiva sociolinguística nas práticas de ensino da leitura e escrita (Monteiro, 2010; Soares, 2013; Landin, 2015). Nesta perspectiva, a linguagem escrita é vista como uma representação da linguagem oral, sendo influenciada pelos contextos sociais, culturais, econômicos e geográficos.

Compreendendo-se a linguagem escrita como uma representação gráfica da linguagem oral, os estudos sociolinguísticos contribuem para a compreensão de como esta representação será construída de maneiras diferentes. Para essa perspectiva torna-se fundamental a consideração dos aspectos sociais, culturais e históricos que influenciam os dialetos apresentados pelos indivíduos (Landin, 2015, p. 68).

Neste sentido, os possíveis erros ortográficos e gramaticais apresentados pelos alunos, assim como a maneira como desenvolvem seus registros (produções textuais), estão relacionados às experiências socioeconômicas e culturais. As variações linguísticas (Cagliari, 2009), apresentadas na linguagem oral ou na escrita, não devem ser tratadas como erros, mas sim como variações da linguagem padrão, caracterizando os dialetos (Cagliari, 2009). Para Soares (2013) o fracasso do processo de ensino da leitura e escrita nas escolas brasileiras está relacionado com o ensino da linguagem padrão sem considerar os aspectos das variações linguísticas. De acordo com Monteiro (2010), o processo de ensino da alfabetização não pode negligenciar as variações linguísticas, tanto em sua norma padrão quanto em seus dialetos, devendo promover o ensino da linguagem culta de uma forma crítica e reflexiva, sem pormenorizar os dialetos apresentados pelos alunos.

Os estudos sobre o conceito de letramento (Kleiman, 1995; Monteiro; 2010; Soares, 2013) também contribuíram significativamente para novas práticas de leitura e escrita em fins do século XX. Para Soares (2013), o letramento e a alfabetização não são conceitos e/ou habilidades distintas, mas sim o letramento é uma faceta da alfabetização, preocupando-se com o aspecto da leitura e escrita dentro de usos e funções sociais. No entanto, o desenvolvimento das habilidades de letramento não é uma relação sine qua non ao processo de alfabetização, enquanto apenas o domínio do código escrito. Ou seja, uma pessoa não alfabetizada pode beneficiar-se do conhecimento e domínio das funções e usos sociais da leitura e da escrita (Kleiman, 1995; Soares, 2013). Para Kleiman (1995), o letramento pode apresentar-se em graus ou modalidades diferentes de acordo com as experiências textuais e culturais do indivíduo, sendo que tais experiências podem ser iniciadas antes mesmo da aquisição do código escrito, ou seja, antes do indivíduo ser alfabetizado. Ainda de acordo com Kleiman (1995), os graus ou modalidades de letramento relacionam-se com a qualidade e/ou desempenho escolar do aluno, sendo que o processo escolar visa o desenvolvimento do letramento autônomo, ou seja, “[...] é visto como um atributo pessoal, referindo-se à posse individual de habilidades de leitura e escrita [...]” (Soares, 2013, p. 30), desconsiderando-se os aspectos socioculturais e econômicos que envolvem o seu processo de aquisição.

Buscamos, neste tópico, apresentar as principais influências teóricas que permeiam as práticas de ensino da leitura e escrita nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Não intentamos, contudo, esgotar as discussões sobre os métodos e/ou perspectivas de alfabetização. A seguir, apresentamos brevemente os softwares educativos que foram objeto de estudo de Landin (2015), a partir das experiências docentes com alunos dos anos iniciais do Ensino Fundamental, realizando uma contextualização do que são os softwares educativos e a caraterização daqueles que constituíram a amostra de análise da pesquisadora. Ao final, apresentamos uma reflexão sobre os softwares educativos e suas possibilidades de práticas de leitura e escrita.

Os recursos tecnológicos de informação e comunicação

O uso das tecnologias para a realização de atividades cotidianas, laborais, de estudo, de lazer, entre outras, já estão social e culturalmente tão inseridas em nossos hábitos e costumes diários que, muitas vezes, não nos conscientizamos de sua presença ou lhes damos a conceituação adequada. Esta conceituação advém “[...] da compreensão do senso comum, arraigada em nossa sociedade, de tecnologia como algo sofisticado, que demanda complexos conhecimentos para seu desenvolvimento, apropriação e utilização” (Landin, 2015, p. 79).

No entanto, Kenski (2007) indica que as tecnologias e seus usos cotidianos estão presentes ao longo de todo processo histórico do ser humano, sendo o desenvolvimento tecnológico elemento propulsor da sobrevivência e evolução desta espécie. As tecnologias evoluíram de acordo com as necessidades sociais, políticas e econômicas de cada grupo, sendo que cada ‘era tecnológica’, ou período tecnológico, guardou em si características peculiares (Lévy, 1993; Kenski, 2007; 2012). Para Kenski (2012, p. 18), as tecnologias são um “[...] conjunto de conhecimentos e princípios científicos que se aplicam ao planejamento, à construção e à utilização de um equipamento em um determinado tipo de atividade”.

No século XX, particularmente em sua segunda metade, assistimos ao rápido desenvolvimento das tecnologias digitais e a emergências das chamadas tecnologias de informação e comunicação (TIC). Para Kenski (2012, p. 21, grifo do autor)

Articuladas às tecnologias da inteligência nós temos as ‘tecnologias de comunicação e informação’ que, por meio de seus suportes (mídias, como o jornal, rádio, a televisão...), realizam o acesso, a veiculação das informações e todas as demais formas de ação comunicativa, em todo o mundo.

As tecnologias de informação e comunicação ainda “[...] articulam várias formas eletrônicas de armazenamento, tratamento e difusão da informação. Tornam-se ‘midiáticas’ após a união da informática com as telecomunicações e o audiovisual” (Kenski, 2012, p. 25-26, grifo do autor). Assim, com a ampliação e popularização das tecnologias de informação e comunicação, recursos tecnológicos, como os telefones celulares e os computadores, aliados ao acesso à internet, passaram a possibilitar a comunicação, o acesso às informações e conhecimentos, entretenimento e estudos, entre outras atividades cotidianas, de forma quase que instantânea.

A pesquisadora Kenski (2012) observa ainda que toda mudança e/ou avanço tecnológico traz a necessidade de [re]adaptação aos seus usos e costumes sociais e culturais. Para Lévy (1993) esta [re]adaptação ao novo só é possível graças à tecnologia da inteligência. No entanto, o uso destes e outros recursos tecnológicos de informação e comunicação (Belloni, 2012), atualmente, está tão presente em cotidiano e em nossas atividades diárias que não nos damos mais conta das mudanças sociais e culturais (Fantin & Rivoltella, 2012) que as TIC trouxeram.

Dentre os diversos recursos tecnológicos de informação e comunicação que encontramos em nossa sociedade, temos os softwares.

Softwares educativos: o que são e como se caracterizam

O termo software, embora muitas vezes compreendido como recursos específicos a serem instalados nos computadores e/ou outros recursos tecnológicos de informação e comunicação, é muito mais amplo. Entende-se por softwares os “[...] programas desenvolvidos através de linguagens e códigos informacionais, capazes de transmitir informações para e pelas máquinas” (Landin, 2015, p. 91). Para Fernandes (2003, p. 29, grifo nosso)

[...] software é um artefato virtual, incapaz de realizar trabalho a menos que exista uma máquina que carregue e interprete as instruções e informações contidas no mesmo, o que resulta na construção de outra máquina, de ordem superior, com a qual interage o usuário.

Assim, os softwares são todos os programas informacionais e digitais que possibilitam o funcionamento dos recursos tecnológicos de informação e comunicação. Compreendem desde ações simples - como ligar e desligar -, o uso de recursos populares - como programas de edição de texto -, até os programas que podem ser instalados com habilidades e funcionamentos mais específicos, a partir de cd’s2 licenciados ou mesmo encontrados em sites na internet.

Os softwares podem ser considerados livres e não livres, abertos ou fechados. Os softwares livres são aqueles que não possuem um direito autoral sobre seus dados e informações, enquanto os não livres têm este direito e ainda “[...] são programas licenciados com os direitos reservados a seus proprietários e sua aquisição está submetida a licenças de uso e custos comerciais” (Landin, 2015, p. 91). A classificação de abertos ou fechados refere-se à configuração de seus dados, uma vez que os softwares de código fechado não são passíveis de modificação em sua base de dados, enquanto os de código aberto possuem uma “[...] ‘linguagem’ computacional que permite alterações em sua base de codificação” (Landin, 2015, p. 91, grifo do autor).

Para Dall’asta e Brandão (2004) e Pereira (2008), os softwares educativos podem ser compreendidos como sendo todo e qualquer programa computacional com objetivos e conteúdos educativos, com ou sem intenção educacional. No cyber espaço (Carvalho, 2009; Fialho & Matos, 2010) encontramos muitos desses recursos digitais disponíveis seja para download ou para uso online. Para Fialho e Matos (2010) estes softwares podem oferecer recursos visuais e auditivos, interatividade e dinamicidade para o processo de ensino.

O uso dos recursos tecnológicos de informação e comunicação, por si só, no processo educativo, não garante mais qualidade ao ensino (Kenski, 2007; 2012), mas sim o que o professor fará com os recursos, sua didática e metodologia, suas análises das possibilidades e limitações pedagógicas que farão a diferença qualitativa no processo de ensino, especificamente no trabalho com os softwares educativos. No entanto, para que o uso dos softwares educativos agregue mais qualidade, interatividade e dinamicidade ao processo de ensino, é necessário que o professor tenha saberes docentes (Tardif, 2012) que embasem sua análise pedagógica quanto às possibilidades e limitações de ensino e aprendizagem, aos métodos e às perspectivas de alfabetização e letramento que subsidiam as atividades oferecidas, assim como também as práticas de leitura e escrita que as tecnologias digitais promovem.

Nesta perspectiva, analisamos, pedagogicamente, os softwares livres HagáQuê (2014); Show do Milhão Infantil (2014); Caça-palavras e Jogo da Forca, presentes no site Racha Cuca (2014), conforme a pesquisa de Landin (2015).

Os softwares educativos sob uma análise pedagógica

Landin (2015), em sua pesquisa de mestrado, analisou pedagogicamente os softwares educativos livres HagaQuê (2014); Show do Milhão Infantil (2014); Caça-palavras e Jogo da Forca, presentes no siteRacha Cuca (2014), utilizados por docentes dos anos iniciais do Ensino Fundamental em algumas de suas práticas de alfabetização e letramento. A partir de entrevistas, a pesquisadora analisou quais os saberes docentes (Tardif, 2012) necessários para o uso didático e metodológico destes recursos, a fim de proporcionar um uso mais qualitativo no processo de ensino.

A pesquisa de Landin (2015) ocorrera no ano de 2014, na cidade de São Carlos (SP). Para a realização da coleta e análise de dados, a princípio a pesquisadora fez um levantamento na internet sobre sites e softwares educativos e com conteúdos relacionados à alfabetização e ao letramento, disponíveis online ou para download na internet. No entanto, devido à instabilidade destes recursos no cyber espaço (Fialho & Matos, 2010; Kenski, 2007; 2012) e seu objetivo em analisar as experiências docentes com os recursos, Landin (2015) optou apenas por manter para a análise os softwares educativos utilizados e indicados pelas docentes participantes.

Para compor a amostra de sua pesquisa, Landin (2015), primeiramente, fez o convite para a participação na pesquisa a todas as escolas estaduais do perímetro urbano de São Carlos (SP) dos Anos Iniciais Ensino Fundamental. Àquelas que aceitaram o convite, a pesquisadora entregou um questionário, com perguntas abertas e fechadas, direcionado à coordenação pedagógica e/ou direção das unidades escolares, por acreditar que estes profissionais tenham uma visão geral do funcionamento didático e metodológico da unidade escolar.

A partir dos questionários, Landin (2015) mapeou os dados obtidos e selecionou para a segunda etapa de sua pesquisa as unidades escolares que apontaram o uso de softwares educativos nas práticas docentes de alfabetização e letramento, assim como possuírem a sala do programa estadual Acessa Escola3. Porém, somente duas escolas aceitaram continuar na pesquisa e indicar docentes para a realização das entrevistas, as quais também ocorreram com as coordenadoras pedagógicas. Nas duas escolas participantes foram entrevistadas seis docentes, as quais atuavam em salas do 1 ao 3º ano do Ensino Fundamental. As entrevistas seguiram um roteiro semiestruturado (Gil, 2002), por meio do qual foi possível a pesquisadora direcionar suas perguntas de acordo com seus objetivos.

Neste trabalho, objetivamos apresentar uma análise pedagógica sobre as práticas de leitura e escrita possibilitadas pelos softwares educativos citados pelas docentes entrevistadas. Os softwares educativos em questão são: HagaQuê; Caça-palavras e Jogo da Forca - presentes no site Racha Cuca; e Show do Milhão Infantil. Ressaltamos que a autora da pesquisa não teve interesse em apontar falhas e/ou esgotar as possibilidades de análise dos softwares apresentados, mas apresentar uma análise pedagógica de acordo com referenciais teóricos quanto às práticas de leitura e escrita que os recursos possibilitam. Intentamos, dessa maneira, contribuir para a produção de referenciais que possam vir a embasar novas experiências pedagógicas com estes e outros softwares educativos.

Os softwares educativos e suas características de leitura e escrita

Apresentamos, neste tópico, uma breve descrição pedagógica dos softwares livres, analisados por Landin (2015) em sua pesquisa de mestrado, para posteriormente, refletirmos sobre as possibilidades didáticas e metodológicas oferecidas por tais recursos para o ensino da alfabetização e do letramento. Não intentamos esgotar as caracterizações e/ou análises quanto aos softwares indicados, mas pontuar as características das práticas de leitura e escrita presentes nas atividades oferecidas, a partir dos referenciais teóricos outrora já mencionados.

Iniciamos com a descrição do software livre HagaQuê, recurso desenvolvido pelo grupo de pesquisas Núcleo de Informática Aplicada à Educação (NIED)4 da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Este é um software livre disponível para download em computadores. Sua principal característica para as práticas de leitura e escrita é o desenvolvimento do gênero textual história em quadrinhos, apresentando “[...] recursos similares a softwares populares, como as ferramentas inverter imagens, apagar, copiar, colar, salvar arquivo, entre outros” (Landin, 2015, p. 125). Segundo um banco de imagens já presentes neste recurso, é possível a produção de histórias em quadrinhos com personagens e cenários coloridos ou a colorir; é possível também a seleção de imagens a partir de um banco de dados do próprio computador. Os ícones de balões para caracterizar os diálogos dos personagens também fazem parte do banco de dados deste software, sendo possível a seleção dos balões de acordo com a intencionalidade das falas, como podemos observar na Figura 1:

Figura 1. Tela do software HagáQue: modelos de balão para criação de diálogo entre os personagens. 

Fonte: Landin (2015, p. 126).

Todos os recursos acima apresentados podem ser acessados por meio do recurso periférico mouse e a seleção é realizada pelas linguagens informacionais, como os botões de seleção de setas, avançar, retroceder, colorir, salvar, abrir arquivo, ok, entre outros (Landin, 2015), como ocorrem em softwares popular, como editores de textos e/ou de imagens.

Os softwares Caça Palavras e Jogo da Forca estão presentes no site Racha Cuca e são recursos online, não tendo a necessidade de realizar o download no computador. No site Racha Cuca encontramos também outros softwares online, tanto com conteúdos educativos, como também recursos com características mais voltadas ao entretenimento. Pela apresentação visual deste site, podemos inferir que é um site comercial, embora não tenha sido possível verificar a origem do mesmo, pois apresenta muitas propagandas e anúncios publicitários em meio às atividades oferecidas (Landin, 2015).

Iniciamos nossa descrição pelo software Caça Palavras. Este recurso apresenta características muito similares com um caça palavras ‘tradicional’, cujo objetivo principal é encontrar determinadas palavras em meio a um quadro de letras, as quais podem estar grafadas no sentido convencional de nossa escrita (na horizontal da esquerda para a direita) ou de formas não convencional (direita para a esquerda, na transversal ou na vertical - de cima para baixo). As palavras a serem encontradas pertencem sempre a um determinado grupo semântico e/ou tema, o qual deve ser selecionado antes do início da atividade.

O quadro do caça palavras é formado por dez linhas na horizontal e dez linhas na vertical, sendo que ao lado estão escritas as palavras que devem ser procuradas no quadro. Todas as letras estão grafadas no tipo bastão (de forma maiúscula ou caixa alta). Quando ocorre a seleção de uma palavra correta há um feedback visual, ficando a palavra grafada em cor de realce. De acordo com Landin (2015, p. 132), nesta atividade é “[...] exigido do usuário a decifração do código escrito, ou seja, a distinção e seleção correta das letras que compõem as palavras dentro do quadro”. O uso do mouse é essencial para a realização desta atividade, sendo que, por meio dele, são realizadas as devidas seleções para acesso e realização das atividades.

O software Jogo da Forca também apresenta características similares ao jogo ‘tradicional’, como o fato de cada letra errada corresponder ao desenho de uma parte do corpo humano. Quando a letra selecionada for a correta, a mesma aparecerá grafada no local correto. Para a seleção de letras corretas ou incorretas há um feedback visual, respectivamente nas cores verde e vermelha (Landin, 2015). Este jogo “[...] é composto por três palavras a serem escritas, não necessariamente em ordem e nem do mesmo tema, existindo um banco de letras para que o usuário escolha e selecione” (Landin, 2015, p. 135). Logo abaixo do jogo há uma pequena caixa contendo dicas sobre as palavras que compõem a rodada, as quais podem ou não serem visualizadas.

No entanto, os modelos de letra deste recurso variam entre o tipo de forma maiúscula e minúscula/maiúscula, em locais determinados. Por exemplo, as letras de forma maiúscula aparecem no banco de letras a serem selecionadas e também na grafia das palavras na forca; enquanto as letras de forma tipo minúscula/maiúscula aparecem tanto no banco de dicas quanto em um pequeno texto explicativo sobre o jogo ao final da página.

Por fim, o jogo ‘Show do milhão infantil’ é uma versão digital do jogo televisivo já realizado pelo apresentador Silvio Santos, nome público e artístico de Senor Abravanel (Possenti, 1995), apresentando recursos visuais e auditivos similares ao jogo televisionado, “[...] tais como os prêmios em dinheiro, as opções de ajuda (cartas, placas, convidados, pular, parar) e as próprias questões e respostas a serem feitas ao(s) jogador(es)” (Landin, 2015, p. 138). Este recurso ainda

[...] caracteriza-se por ser um jogo de perguntas e respostas, com temas infantis, como filmes e desenhos, curiosidades e educativos, contemplando questões das áreas de Matemática, Ciências, Língua Portuguesa, Geografia e História, totalizando um banco de dados em torno de 300 questões (Landin, 2015, p. 138).

Com as caracterizações brevemente descritas acima, apresentamos a seguir algumas reflexões sobre as possíveis práticas de leitura e escrita que podem ser realizadas com os recursos citados a partir das atividades oferecidas. Reafirmamos nossa posição sobre a importância do uso dos recursos tecnológicos no processo de ensino e aprendizagem, uma vez que tais recursos, cada vez mais, fazem parte de nosso cotidiano dentro e fora dos ambientes escolares. Mas também reafirmamos nossa perspectiva sobre a relevância das intervenções didáticas e propostas metodológicas a serem desenvolvidas pelos(as) docentes para, de fato, estes softwares proporcionarem mais dinamicidade e qualidade ao processo de desenvolvimento e aprendizagem da leitura e escrita.

Softwares educativos e as (possíveis) práticas de leitura e escrita

Antes de iniciarmos nossas reflexões e análises sobre as possíveis práticas de leitura e escrita proporcionada pelos softwares HagaQuê, Caça-palavras e Jogo da Forca - presentes no site Racha Cuca - e Show do Milhão Infantil, é relevante ressaltar que não intentamos apontar falhas, mas refletir pedagogicamente sobre as possibilidades de práticas de leitura e escrita que estão implícitas em suas formatações.

Como outrora já pontuado, o software HagaQuê tem como objetivo a produção textual dentro do contexto das histórias em quadrinhos. Para Micarello e Magalhães, (2014, p. 160)

Os gêneros são, então, uma forma de colocar a voz do sujeito no centro do processo de aprendizagem: buscar na vida as práticas cotidianas de produção de linguagem, comuns aos sujeitos sociais, e trazê-las para a escola pode renovar a motivação necessária para o aprendizado da língua. É preciso, como já foi bastante dito, que os sujeitos, na escola, leiam e produzam textos construindo sentido.

As práticas de escrita e leitura, possibilitadas por este recurso, apresentam características que remetem o aluno/usuário a métodos ativos de alfabetização e letramento, colocando-os como agentes ativos do processo de construção da(s) mensagem(ns) textual(is). Para a produção textual não há um banco de dados prévio, fazendo com que a produção da escrita seja realizada pelo próprio aluno, pressupondo que o mesmo tenha domínio sobre o processo de leitura e escrita alfabética, assim como conhecimento acerca do gênero textual história em quadrinhos.

A partir da construção das falas dos personagens é possível colocar em prática seus conhecimentos sobre o processo de escrita e elaboração de textos, relacionando-os ao contexto da história que está sendo produzida e com seu uso e função social, ou seja, além das habilidades especificas da alfabetização quanto à escrita em si mesma, este recurso possibilita o desenvolvimento do letramento (Kleiman, 1995; Soares, 2013). E ainda “[...] é importante notar que, na produção do texto, no que diz respeito aos aspectos formais da língua, a criança deixa evidências muito claras do que sabe sobre a escrita e do que ainda precisa aprender [...]” (Costa & Gontijo, 2017, p. 426), portanto, é uma atividade em que o docente também pode avaliar o processo de aprendizagem do aluno, problematizando o que ainda o discente precisa aprender.

Porém, é necessário considerar que o aluno deve dominar/conhecer as letras maiúsculas e minúsculas, pois no teclado do computador as mesmas se apresentam em maiúscula e quando digitadas são representadas na tela em letra minúscula e maiúscula. Esta atividade também proporciona o ensino e a aprendizagem dos sinais de pontuação ao longo da produção textual, bem como suas relações com os processos de leitura textual, relacionando-se com a compreensão global do texto e com as ênfases a serem dadas ao longo da leitura.

O software Caça Palavras apresenta como característica principal a decifração das palavras dentro de um quadro alfabético. Embora sejam pertencentes a uma determinada classe gramatical, tais palavras não estão inseridas em um contexto textual, o que pode não representar uma leitura significativa na perspectiva do letramento (Kleiman, 1995). No entanto, é válido também ressaltar que analisando o aprendizado da leitura de palavras no sentido restrito da alfabetização (Abud, 1987), “[...] ou seja, o aprendizado do código linguístico em si mesmo [...]” (Landin, 2015), esta atividade traz contribuições significativas, ainda para Costa e Gontijo (2017, p. 423) “[...] uma palavra ou uma oração tornam-se um enunciado a depender da situação comunicativa em que são utilizadas”. Porém, essas situações exigem do docente uma intervenção constante e atenta para direcionar os alunos na leitura nos sentidos não convencionais da escrita alfabética (transversal, de baixo para cima) - características específicas deste tipo de jogo, como também contextualizar o jogo em si mesmo, criando uma situação didática para o aprendizado significativo destas palavras.

No entanto, cabe ao docente ainda explorar as práticas de leitura que podem ser realizadas em uma atividade lúdica. Contextualizar o Jogo Caça Palavras com um determinado tema a ser estudado e/ou utilizá-lo para aprofundar alguns estudos, como gramática ou ortografia, são possibilidades didáticas. Desta maneira, o professor irá proporcionar o aprendizado da leitura de palavras dentro de sua função social (Soares, 2013), abarcando também o sentido amplo da alfabetização (Abud, 1987).

Quanto ao software Jogo da Forca são válidas as mesmas considerações registradas anteriormente quanto às práticas de leitura e escrita presentes no software Caça Palavras, mas com a ressalva de que o Jogo da Forca proporciona a leitura das regras e dicas sobre o mesmo, o que já inicialmente possibilita uma leitura significativa e contextualizada.

É válido ressaltar ainda que, por serem jogos online, exigem também atenção e preparo docente para possíveis intervenções para manter os alunos na atividade, pois, além de ser um ambiente com muitos estímulos visuais (Landin, 2015), há os links de acesso para outras páginas do mesmo site e para outros.

Já o software Show do Milhão pressupõe, além de saberes acerca das áreas do conhecimento relacionadas no jogo, que o jogador ou aprendiz domine a leitura com compreensão e autonomia, pois as perguntas e respostas devem ser lidas pelos participantes. A habilidade de escrita não está presente neste recurso. Há feedbacks auditivos e visuais para as respostas corretas e também para as incorretas, sendo reproduzidas com a voz do apresentador Silvio Santos. As práticas de leitura proporcionadas por este recurso estão contextualizadas dentro de um jogo de perguntas e respostas, possibilitando ao professor a exploração deste gênero textual.

Conclusão

Embora saibamos que o contexto social e tecnológico atualmente traz a importância e a necessidade da inserção dos recursos tecnológicos de informação e comunicação ao processo de ensino e aprendizagem, não podemos desconsiderar que os softwares analisados, por si só, não proporcionam mais dinamicidade, inovação e qualidade a este processo.

Consideramos que as atividades oferecidas pelos softwares em questão não trazem práticas de leitura e escrita que podemos avaliar como inovadoras ao processo de alfabetização e letramento, pois são facilmente reproduzidas com recursos tecnológicos tradicionais, como lápis, papel, lousa. Dessa maneira, o papel e a função docente são primordiais para que haja inovação no processo de ensino e aprendizagem com os softwares educativos, desde a escolha do software que será utilizado até as intervenções didáticas e metodológicas que serão planejadas e propostas.

Para tanto, faz-se necessário proporcionar aos docentes saberes pedagógicos e curriculares (Tardif, 2012) em consonância com as TIC, para que tenham subsídios teóricos para analisarem e explorarem pedagogicamente os softwares educativos, suas possibilidades e limitações, a fim de que promovam novas e inovadoras práticas de leitura e de escrita com tais recursos.

A formação docente sobre o uso pedagógico dos softwares - os recursos tecnológicos de informação e comunicação de modo geral - são extremamente importantes. Como propõe o documento ‘Alfabetização midiática e informacional’ (Wilson et. al., 2013), esta formação deve abranger não somente os aspectos instrumentais e/ou técnicos das TIC, mas, e principalmente, seus aspectos pedagógicos, ideológicos e políticos. Ou seja, o docente não somente deve ser capacitado a usar as TIC em suas linguagens informacionais, mas também ter subsídios para avaliá-las quanto às suas contribuições para o processo de ensino e aprendizagem, quais as ideologias e políticas que sustentam e embasam as atividades oferecidas e/ou sites utilizados, de forma promovam também esta formação crítica em seus alunos.

A proposta de Fantin e Girardello (2009) é de extrema relevância, para que o letramento digital possa ser promovido entre os docentes e, consequentemente, os discentes. O conhecimento técnico e o uso das linguagens informacionais oferecidas pelos softwares são relevantes também no processo de ensino com a finalidade de promover situações didáticas diferenciadas e, assim, explorar de forma qualitativa os recursos específicos que estes trazem.

Por fim, as propostas de leitura e escrita com os recursos tecnológicos de informação e comunicação não podem perder sua característica primordial: proporcionar e promover a comunicação. Assim, o planejamento didático e metodológico para promover situações de escrita e leitura, mesmo com atividades como as apresentadas (Jogo da forca, Caça-palavras), são fundamentais para contextualizá-las dentro de suas funções comunicativas. De acordo com Micarello e Magalhães (2014, p. 158)

[...] o papel da escrita, os sujeitos a ela associados e o contexto de uso são de extrema importância para que as práticas de letramento tenham repercussão na vida dos sujeitos/alunos. Tratar a escrita como uma questão de habilidade individual significa adotar uma postura teórica simplista e reducionista para o ensino: significa separar sujeito, língua e vida.

No entanto, sabemos que, para que essas propostas aconteçam, como já pontuado, é importante que os professores tenham saberes docentes (Tardif, 2012) que lhes subsidiem tanto a análise técnica quanto pedagógica dos recursos tecnológicos de informação e comunicação, assim como também o planejamento de propostas didáticas de leitura e escrita que promovam a alfabetização e o letramento de forma ampla e contextualizada. Estes saberes docentes (Tardif, 2012) devem permear todo o processo de formação docente, ou seja, faz-se necessária a reflexão sobre os currículos de formação docente, promovidos pelas instituições e suas abordagens teóricas.

Ao mesmo tempo, observa-se a importância da interação entre as diversas áreas do conhecimento - como a área de formação de professores e tecnologias de informação e comunicação - para o desenvolvimento de softwares educativos que promovam maior interatividade entre docentes-discentes-recursos e as práticas de alfabetização e letramento.

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1Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Inovação em Educação, Tecnologias e Linguagens.

2Compact disc.

3Ver: http://www.educacao.sp.gov.br/acessa-escola

4Ver: https://www.nied.unicamp.br/

10NOTA: As autoras foram responsáveis pela concepção, análise e interpretação dos dados; redação e revisão crítica do conteúdo do manuscrito e ainda, aprovação da versão final a ser publicada.

5Study and Research Group on Innovation in Education, Technologies and Languages.

6See: http://www.educacao.sp.gov.br/acessa-escola

7See: https://www.nied.unicamp.br/

Recebido: 13 de Novembro de 2018; Aceito: 07 de Novembro de 2019

* Autor para correspondência. E-mail: ritalandinead2@gmail.com

Rita de Cassia de Souza Landin: Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de São Carlos, na linha de pesquisa Estado, Política e Formação Humana. Mestre em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de São Carlos (2015), na linha de pesquisa Formação de Professores e outros agentes educacionais, novas tecnologias e ambientes de aprendizagem. Graduada em Pedagogia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2007). Professora dos anos iniciais do Ensino Fundamental na rede municipal de São Carlos (SP). ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7793-7438 E-mail: ritalandinead2@gmail.com

Maria Iolanda Monteiro: Graduada em Pedagogia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (1993), mestre em Educação Escolar pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2000) e doutora em Educação pela Universidade de São Paulo (2006). Tem experiência na área de Educação, com ênfase em métodos e técnicas de ensino, atuando principalmente nos seguintes temas: práticas e saberes docentes, êxito e fracasso escolar, alfabetização, letramento, variação linguística, educação a distância, formação inicial e continuada de educadores da educação básica. Pós-doutora na Faculdade de Educação da Universidade de Campinas (2010). Professora Associada I da Universidade Federal de São Carlos, atuando no curso de Licenciatura em Pedagogia na modalidade presencial e a distância. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4534-1437 E-mail: mariaimonteiro18@gmail.com

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