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Acta Scientiarum. Education

versión impresa ISSN 2178-5198versión On-line ISSN 2178-5201

Acta Educ. vol.43  Maringá  2021  Epub 01-Nov-2020

https://doi.org/10.4025/actascieduc.v43i1.48181 

HISTÓRIA E FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO

Ensino e aprendizagem: educação como encontro inter-humano em Rogers e Morin

Enseñanza y aprendizaje: la educación como encuentro interhumano en Rogers y Morin

Nery Charlon Ribeiro Chaves1 
http://orcid.org/0000-0003-2959-3519

Maryeli Corrêa Cheiram1 
http://orcid.org/0000-0001-9079-311X

Marcele Pereira da Rosa Zucolotto1  * 
http://orcid.org/0000-0002-6856-8626

Marcos Alexandre Alves1 
http://orcid.org/0000-0002-5271-0624

1Universidade Franciscana, Rua Silva Jardim, até 1819, 970-10491, Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brasil.


RESUMO.

Tem-se por objetivo, com o presente artigo, apontar uma visão crítica sobre a desumanização na educação, a partir de Rogers e Morin, considerando o panorama atual no ensino. Utilizou-se da metodologia bibliográfica e exploratória. Uma vez detectada uma situação de fragilidade e necessidade de revisão da conjuntura atual no campo educacional, apresentou-se a visão de cada autor, com um acento especial para o resgate do humano e a valorização da pessoa do aluno, enquanto protagonista do processo de educação. A postura do ‘aprender a aprender’ torna-se fundamental nesta discussão e funciona aqui como uma dobradiça, pois encontra-se presente tanto à reflexão de Morin (2011, 2014) como de Rogers (1973, 1987), o que vai justamente colaborando para o encontro de pontos de intersecção entre os dois pensadores. Ao final, apresenta-se algumas chaves de leitura que articulam a análise anterior sobre via de possibilitar saídas frente ao atual momento vivido pela educação.

Palavras-chave: educação; ensino; humano; complexidade

RESUMEN.

El objetivo de este artículo es señalar una visión crítica sobre la deshumanización de la educación, desde Rogers y Morin, teniendo en cuenta el panorama actual en la enseñanza. Se utilizó la metodología bibliográfica y exploratoria. Una vez detectada una situación de fragilidad y necesidad de revisión de la coyuntura actual en el ámbito educativo, se presentó la opinión de cada autor, con un acento especial para el rescate del ser humano y la apreciación de la persona del alumno, como protagonista del proceso de la educación. La postura de ‘aprender a aprender’ se vuelve fundamental en esta discusión y trabaja aquí como bisagra, porque está presente tanto en el reflejo de Morin (2011, 2014) como en el de Rogers (1973, 1987), que colaborará con razón para la reunión de puntos de Intersección entre los dos pensadores. Al final, presentamos algunas claves de lectura que articulan el análisis anterior sobre la forma de permitir salidas al momento actual experimentada por la educación.

Palabras-clave: educación; enseñanza; humano; complejidad

ABSTRACT.

The objective of this article is to present a critical view on dehumanization in education, based on Rogers and Morin, considering the current panorama in education. We used the bibliographic and exploratory methodology. Once a situation of fragility and a need to revise the current conjuncture in the educational field was detected, the vision of each author was presented, with a special emphasis on the rescue of the human being and the valuation of the student’s person as protagonist of the education process. The posture of ‘learning to learn’ becomes fundamental in this discussion and works here as a hinge, because it is present both to Morin's reflection (2011, 2014) and from Rogers (1973, 1987), which will rightly collaborate to meet points of intersection between the two Thinkers. At the end, some keys of reading that articulate the previous analysis on the way of making possible exits in front of the current moment lived by the education.

Keywords: education; teaching; human; complexity

Introdução

É certo que muitos são os avanços nas diversas áreas do conhecimento humano. A nova conjuntura mundial proporcionou certa organização das sociedades que, pode-se dizer, reconhecida e efetivamente, veio inaugurar não apenas o início de um novo século, mas também novas e surpreendentes etapas na história da humanidade.

Muitos são os aspectos ligados à educação hoje que podem ser tomados como desafios; elementos que vão desde a questão estrutural de nossa sociedade ao elemento histórico. Tal amplitude tornaria impossível a completa análise em se tratando de um artigo, no entanto, alguns pontos importantes poderão servir de apoio de onde partirá a análise em questão.

De maneira pontual e representativa, cita-se aqui um dado que, em nível de Brasil, pode indicar uma direção para a reflexão aqui proposta. Em sua edição de nº 2289, a ‘Revista Isto é’ trouxe uma matéria que apontava um dado alarmante:

Uma nova pesquisa da Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade), com base em informações da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios do IBGE, revela que apenas metade dos jovens com idade entre 15 anos e 17 anos está matriculada no ensino médio. Pior: entre 1999 e 2011, a taxa de evasão nesta faixa mais que dobrou, saltando de 7,2% para 16,2% (Loes, 2013).

A reportagem trazia o foco na etapa referente ao ensino médio, mas que, de maneira emblemática, dizia respeito a um dado que repercutia de uma situação muito mais ampla. Era como a ponta de um iceberg que denunciava uma série de questões que diziam respeito à Educação no Brasil como um todo.

Embora o número de analfabetos no país tenha caído exponencialmente a partir da década de noventa1, mesmo que às custas de grandes esforços e políticas voltadas para este objetivo, é importante colocar que não se trata apenas de observar estes dados, mas da necessidade de revisar elementos como a relação entre professor e aluno no processo educativo, a inserção das novas tecnologias no ambiente de ensino, assim como recordar os graves problemas sociais, a exemplo do abismo que existe entre as demandas mundiais e o processo educacional.

De fato, a educação não se encontra separada da sociedade como um todo, o que nela acontece é reflexo do grande panorama no qual a mesma se encontra inserida, de maneira que, no século da globalização, tudo se articula em teia e a educação é entendida nesta mesma dinâmica.

Trata-se de um mundo em constante transformação, de um ambiente ritmado pelo surgimento das novidades, das novas mídias, das técnicas, das novas formas de relacionamento interpessoal, do aparecimento de novos e desafiantes paradigmas. Em meio a isso, é preciso repensar a educação e não a tomar como mecanismo que proporcione a adaptação da pessoa à sociedade ou mesmo, simplesmente, como instrumento por meio do qual se dá a transmissão de conteúdo, funcionando como instância de acumulação de dados, o que vem colaborar para o que entendemos por um amplo processo de desumanização.

Desta maneira, pretende-se com este artigo abordar os novos paradigmas da educação a partir de alguns desafios deste contexto, tendo como referência e buscando uma aproximação do pensamento desenvolvido por Carl Rogers (1973, 1987) e Edgar Morin (2002, 2011, 2014). Carl Ransom Rogers, nascido em 08 de janeiro de 1902 e falecido em 04 de fevereiro de 1987, foi um psicólogo que desenvolveu uma abordagem centrada na pessoa, também conhecida como abordagem humanista. Edgar Morin, nascido em Paris em 08 de julho de 1921, é antropólogo, sociólogo e filósofo, um dos principais teóricos da contemporaneidade, sobretudo no campo de estudos da complexidade.

Muitos são os elementos que poderiam ser referidos ao aproximar os autores Rogers e Morin, uma vez que é vasta a obra de ambos e quase infinita a temática que daí se poderia extrair no tocante à educação e ao ensino. O presente estudo, no entanto, vai se limitar a alguns aspectos considerados importantes, sobretudo no que dizem respeito à necessidade de resgate dos aspectos humanos diante do panorama educacional atual.

Assim, em Rogers, buscar-se-á discutir as noções de ensino enquanto acontecimento relacional entre professor e educando, e enquanto processo centrado na pessoa. Sobre este assunto, Zimring (2010, p. 38) vai afirmar:

Acredito que todos os mestres e educadores preferem facilitar este tipo de aprendizagem experiencial significante, que vise à pessoa como um todo intelectual e afetivo, em vez do tipo das sílabas absurdas. Contudo, na vasta maioria de nossas escolas, em todos os níveis educacionais, achamo-nos trancados dentro de uma abordagem tradicional e convencional que torna a aprendizagem significante improvável, senão impossível.

Esta constatação emblemática desinstala e faz pensar sobre o atual modelo de educação adotado e que aqui quer-se tocar brevemente. Em consonância, Morin (2011), com seu conceito de ‘ensino educativo’ e de ‘saber pertinente’ vai evocar o ensino para a vida numa perspectiva de complexidade. É preciso, como diz Morin (2014, p. 23): “[...] transmitir não o mero saber, mas uma cultura que permita compreender nossa condição e nos ajude a viver, e que favoreça, ao mesmo tempo, um modo de pensar aberto e livre”. O autor vai questionar a atual tendência à segmentação, à especialização e à compartimentalização dos saberes, mas sobretudo de um ensino que não esteja articulado em teia e enraizado no humano.

Assim, além da pertinência destas questões e reflexões propostas pelos autores, este estudo busca elegê-los também pela necessidade de refletir sobre a postura do ‘aprender a aprender’. Considera-se que, neste estudo, esta expressão funcione como uma espécie de dobradiça, a unir ambos os autores, pois encontra-se presente tanto nas reflexões de Morin como de Rogers, o que vai justamente colaborar para o encontro de pontos de intersecção entre os dois pensadores. Assim, a postura do aprender a aprender vai colocar a necessidade de que seja priorizada, para o ensino na atualidade, uma postura de abrir-se para as nuances da aprendizagem.

Esta pesquisa é considerada como bibliográfica ou estudo exploratório. Segundo Michel (2015), a pesquisa bibliográfica tem o objetivo de levantar informações a partir de leituras para que se possa definir os objetivos e problemas a serem resolvidos. A partir dessas leituras é que se pode entender, aprofundar-se sobre o assunto e descrevê-lo. Nesta direção, metodologicamente, este estudo elencou a seguinte bibliografia para fundamentar o tema: em Morin (2014, 2011), as obras Cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento e Os sete saberes necessários à educação do futuro; e em Rogers (1973), a obra Liberdade para aprender. Utilizou-se, ainda, o auxílio de alguns comentadores, como Cury (2012), Moreira (1999); Zimring, (2010). Assim, inspirado nestes dois autores, este estudo compreendeu que se pode conceber o ensino e o educar como um espaço de realização e encontro do humano, sob e conduzido por uma ética, que assumirá nuances próprias no referente a cada autor aqui proposto.

Interdisciplinariedade e ensino em Morin

Para Edgar Morin, grande pensador dos tempos atuais, existe um descompasso gigantesco entre os desafios atuais que são complexos, interconectados, globais e o processo educacional que se tornou cada mais fragmentado e especializado. Diante disso, ele vai propor uma reforma do ensino que, para ele, começa pela reforma do pensamento, daí a expressão ‘cabeça bem-feita’, pois não basta acumular conhecimentos, é preciso que estes possam ser articulados numa forma de pensamento que os conjugue com a vida. Como resultado desta constatação e desta leitura da realidade, Morin (2014, p. 13) afirma: “Há inadequação cada vez mais ampla, profunda e grave entre os saberes separados, fragmentados, compartimentados entre disciplinas e, por outro lado, realidades ou problemas cada mais polidisciplinares, transversais, multidimensionais, transnacionais, globais, planetários”.

Torna-se necessária e urgente uma reelaboração do próprio conhecimento, pois em lugar da superespecialização e da fragmentação dos saberes, Morin (2011, 2014) quer pensar a complexidade. Para o autor, a complexidade é um termo cada vez mais utilizado, no entanto, seguimos “[...] separando os objetos de seus contextos, separamos a realidade em disciplinas compartimentadas umas das outras” (Morin, 2002, p. 11). Para ele, é imprescindível entender que “[...] a realidade é feita de laços e interações, [e que] nosso conhecimento é incapaz de perceber o complexus, o tecido que junta o todo” (Morin, 2002, p. 11). O modelo atual de ensino colabora para que tenhamos indivíduos adaptados à sociedade, mas que não conseguem compreender os problemas do mundo e a si mesmos. A análise toca no cerne da questão do ensino, pois aqui se coloca em suspenso os objetivos, os agentes principais e a dinâmica sobre a qual se desenvolve o mesmo.

Todo conhecimento se constitui como uma tradução que é seguida de uma reconstrução, mas o que está em jogo, para Morin (2014), é que existe um ponto vital que não é colocado pelo ensino, que é a compreensão humana e, desta maneira, “[...] a crise emerge em decorrência da ausências destas matérias; ensina-se o aluno a ser um indivíduo adaptado, mas ele também precisa se adaptar aos fatos e a si mesmo” (Rangel, 2017, p. 17). Neste sentido, a inteligência vai sendo treinada para fragmentar a complexa realidade em pequenos pedaços, atrofiando a sua capacidade de compreensão e tornando unidimensional aquilo que é multidimensional, o que, para Morin (2014, p. 15), possibilitou o “[...] conhecimento e a elucidação, mas também a ignorância e a cegueira”.

A multiplicação dos saberes, numa escala nunca vista antes, numa expansão descontrolada, desafia ainda mais o indivíduo que aí se encontra inserido, pois o conhecimento precisa estar organizado e relacionado com as informações de maneira que este ajude na condução das diversas situações da vida. É neste sentido que Morin (2014) introduz o conceito de ‘ensino educativo’, pois é preciso não somente transmitir o saber, mas permitir uma cultura que favoreça a compreensão da condição humana e que ajude a viver, promovendo um modo de pensar aberto e livre. Nessa mesma perspectiva, Cury (2012) elucida e chama a atenção para a necessidade de articular os dados, a informação em conhecimento:

Aprender a viver é uma condição que também deve ser objeto da educação. Para isso, é primordial que entendamos a diferença entre informação, conhecimento e sabedoria. A informação está disponível abundantemente, porém, por melhor que seja nosso banco de dados, não há garantias de que ela venha a se converter em conhecimento. Transformar informação em conhecimento pertinente é tarefa do pensamento, através de uma ação que exige dedicação por parte do sujeito - reflexão não estimulada pela cultura do fast. As informações se convertem em conhecimento mediante ações que estimulem os estudantes a pensá-las, conectá-las e contextualizá-las, encontrando pontos de aproximação e distanciamento para articular a diversidade dos dados (Cury, 2012, p. 41).

E neste ponto podemos questionar: até que ponto os processos ligados ao ensino têm ajudado os alunos na compreensão da realidade, na formulação de uma leitura da mesma e na resolução de problemas concretos? Estariam as informações sendo articuladas de maneira a que se pudessem constituir enquanto conhecimento pertinente? As mídias e as novas tecnologias colaboram no objetivo de construção da compreensão desta complexidade ou são um amontoado de ‘novidades’, desconexas e sobrepostas trazidas para a sala de aula, mas que ainda reproduzem o mesmo paradigma de separação e unilateralidade?

Aqui emerge um outro elemento importantíssimo para o tema proposto: a noção de sujeito. Se o atual modelo privilegia a preparação do indivíduo no desenvolvimento de aptidões que o coloquem em atendimento às demandas vigentes, como, por exemplo, as necessidades de mercado, existe um risco muito grande de que o mesmo perceba a si próprio de maneira limitada, preparado apenas para experiências de determinados teores e completamente despreparado para outros tipos de vivências.

Por conseguinte, Morin reconhece a falta de uma concepção integral do indivíduo, pois, sendo a realidade complexa, é preciso que o mesmo se compreenda dentro da chamada ‘condição humana’, uma vez que, para ele, conhecer o humano não é separá-lo do universo, mas situá-lo nele.

Estamos, a um só tempo, dentro e fora da natureza. Somo seres, simultaneamente, cósmicos, físicos, biológicos, culturais, cerebrais, espirituais [...]. Somos filhos do cosmo, mas, até em consequência de nossa humanidade, nossa cultura, nosso espírito, nossa consciência, tornamo-nos estranhos a esse cosmo do qual continuamos secretamente íntimos (Morin, 2014, p. 38).

Percebe-se aqui o estabelecimento de um paradoxo, pois ao mesmo tempo em que o ser humano continua unido, atrelado ao universo, ao cosmo, dele se separa por meio da cultura. De alguma maneira, ele participa desta pertença de uma maneira particular, segundo uma condição própria; a condição humana. Vale dizer, Morin (2002, 2011, 2014) é revolucionário pois, diagnosticando a vigência de um sistema que privilegia a separação e a análise, ele incorpora a necessidade e a pertinência da síntese e da ligação. Torna-se evidente a necessidade de uma nova concepção do humano, que não pense a realidade apenas por partes, que não se pense mutilado e que não se compreenda separado do cosmos, da terra e da vida. Este tipo de pensamento, que vigora sobretudo nas sociedades ocidentais, sustenta e promove um tal relacionar do homem com as demais formas de vida que muitas vezes se baseia na superioridade, na dominação e na exploração irresponsável.

Aqui, torna-se necessário falar de uma dicotomia que muito tem colaborado para este estado das coisas: a grande separação entre a cultura das humanidades e cultura científica. Para Morin (2014), estes dois universos precisam ‘conversar’, pois um se articula em complementaridade em relação ao outro. Enquanto a cultura humanista estimula as grandes perguntas que norteiam o destino humano e fecunda a reflexão sobre o saber e favorece a integração pessoal dos conhecimentos; a cultura científica separa as áreas do conhecimento e proporciona descobertas fantásticas e teorias que muito colaboram na explicação da realidade. Uma precisa da outra para se equilibrar e proporcionar os avanços da humanidade, com o rigor científico e a reflexão humanista. Sobre este assunto, Cury (2012, p. 41) irá afirmar:

O principal problema enfrentado pelo conceito de ensino educativo apresentado em A cabeça bem-feita é estrutural das sociedades ocidentais, remetendo as duas culturas historicamente contrapostas: a científica e a humanista. A origem dessa contraposição entre razão e emoção, cultura e natureza, pode ser encontrada na separação platônica entre o mundo do sensível e do inteligível.

É preciso reestabelecer o movimento e conexão entre razão e emoção, afinal, desde o século XVIII, vem se observando o quanto a razão pura não existe. Ora, Morin considera que o humano se dá a conhecer a partir das ciências sociais, biológicas, mas também por meio da literatura, das artes e da poesia pois, por meio deles se toma contato com “[...] a emoção estética que possibilita o reconhecimento da beleza, da bondade e da harmonia” (Rangel, 2017).

Deste modo, uma das grandes contribuições de Morin é justamente propor a reconciliação destas duas abas a partir do elemento humano. Elas não se atrapalham ou competem uma com a outra, mas tornam possível o contato com a riqueza, com a profundidade e a complexidade da vida. Para Morin (2014), o ensino deveria justamente recompor, ligar, abrir o pensamento para a amplitude, o extenso e o complexo, pois seria preciso conceber uma ciência antropossocial religada, que concebesse a humanidade em sua unidade antropológica e em suas diversidades culturais.

Por meio desta integração, Morin (2014) quer habilitar um pensamento capaz de se reinventar a cada desafio, de se decepcionar e se encantar, pois a incerteza é uma condição do pensamento e da própria condição humana. No seu pensamento integrado, ele não separa o ser humano de suas atitudes em relação a si mesmo, do mundo e das coisas. Segundo Morin (2014, p. 55), “[...] a maior contribuição de conhecimento do século XX foi o conhecimento dos limites do conhecimento. A maior certeza que nos foi dada é a da indestrutibilidade das incertezas, não somente na ação, mas também no conhecimento”. É por isso que a ética será postulada, uma vez que a mesma supõe a capacidade do cidadão de escolher para si valores e ideais e revesti-los de ternura, compaixão e solidariedade para que se torne um sujeito livre e responsável.

Na perspectiva de Cury, em Morin, a ética assume a condição de reconstrutora do pensamento e ampara a consciência individual e coletiva do sujeito, exigindo assim uma “[...] educação voltada para o autoconhecimento, para a convivência, para a construção do conhecimento e para a tomada de decisões” (Cury, 2012, p. 45). O ensino deverá estar a serviço do desenvolvimento do senso crítico dos alunos, ele não poderá ignorar a curiosidade e o questionamento, ele precisa estimulá-lo, incorporá-lo, instigá-lo. Assim, pode-se entender a extensão deste pensamento quando Morin (2014, p. 46) afirma:

[...] o ensino pode tentar, eficientemente, promover a convergência das ciências naturais, das ciências humanas, da cultura das humanidades e da Filosofia para a condição humana. Seria possível, daí em diante, chegar a uma tomada de consciência da coletividade do destino próprio de nossa era planetária, onde todos os humanos são confrontados com os mesmos problemas vitais e mortais.

O ensino estaria, deste modo, buscando edificar uma humanidade inserida numa coletividade cujo maior desafio seria construir as condições de sustentação da constante e incansável postura do ‘aprender a aprender’. Expressão emblemática, ela funciona aqui como uma dobradiça, pois, ao encontrar-se presente tanto em Morin como em Rogers, vai contribuir para a aproximação entre ambos e para o encontro de pontos de intersecção entre os dois pensadores.

Assim, atual e profundamente enraizado na história e na tradição, Morin representa o limiar de uma nova interpretação da realidade, um habilitar contínuo e generoso do pensamento humano para a convivência, para o complexo e para a busca de soluções dos problemas que são comuns a toda humanidade, aqui pensados a partir do ensino. Neste ponto, pretende-se visitar o pensamento de Carl Rogers e encontrar em sua fecunda reflexão espaços para refletir sobre a problemática em questão para, em um terceiro momento, postular as vias de comunicação entre ambos.

Perspectiva humanista do ensino em Rogers

Rogers foi um psicólogo, especialista em terapia clínica e terapia infantil. Ele criou uma psicoterapia bastante original, onde chamava seus pacientes de clientes, pois acreditava que as pessoas não eram passivas em seus processos de terapia, mas sim ativas e extremamente capazes de buscar por suas próprias respostas. E foi a partir desses princípios que Rogers escreveu sobre a educação, a aprendizagem e o ensino (Zimring, 2010).

Para Rogers (1973), no cenário do ensino, o aluno torna-se ‘agente’ de sua mudança e de seu processo de aprender. O aluno é ativo, livre para ir atrás de seus aprendizados. O ensino é centrado no aluno, na pessoa como um todo. Rogers confia na potencialidade do ser humano, desde que a mesma lhe traga liberdade. É importante dizer que Rogers acreditou em uma aprendizagem significativa e, dessa forma, justifica-se que o educando seja protagonista. Pois a aprendizagem para ser significativa precisa fazer parte do cotidiano de quem aprende, da sua vida, ela precisa ter sentido.

Assim, a aprendizagem deve fazer parte do contexto de quem aprende, deve ter relevância, ser carregada de sentimentos e capaz de mobilizar mudanças. Se de fato ocorrer esse processo não haverá esquecimento daquilo que se aprendeu. Rogers (1973, p. 41) afirma que a aprendizagem ocorre quando “[...] envolve, ao mesmo tempo, o seu pensar e o seu sentir”. A aprendizagem significante acontece, portanto, quando há um envolvimento pessoal (sensível e cognitivo).

A fim de compreender melhor o que Rogers (1973) propõe, é necessário entender que o aluno, sendo o centro do seu processo de aprendizagem, quer dizer que parte dele, vêm de dentro dele, a vontade de aprender sobre algum assunto. Esta é a aprendizagem que ele designou como ‘auto-iniciada’ e, decorrente dela, ocorrem mudanças importantes nesse educando. Assim, para Rogers, a aprendizagem ocorre quando envolve o aluno como um todo, quando o educando tem liberdade para aprender e consequentemente constrói sua autonomia.

Segundo Moreira (1999), Rogers identificava três tipos de aprendizagem: cognitiva, afetiva e psicomotora. A aprendizagem cognitiva caracteriza-se em armazenar as informações, a afetiva que está relacionada com as experiências e a psicomotora está ligada às práticas musculares. O autor acreditava que as pessoas viam o mundo a partir de suas realidades, daquilo que se vive, portanto, o aprendizado para ser significante precisaria partir da realidade de cada ser que aprende. A teoria de Rogers tem como centralidade a auto-realização e o crescimento pessoal, por isso suas teorias eram focadas no aluno e suas potencialidades (Moreira, 1999).

Por conseguinte, para Rogers, considera que deve existir uma educação onde os conhecimentos sejam trabalhados de uma maneira que a aprendizagem seja facilitada e, a partir disso, ele postula os “[...] princípios de aprendizagem” (Rogers, 1973, p. 157). Começando pelo primeiro princípio, onde Rogers afirma que os seres humanos possuem potencialidade natural para aprender, ou seja, tem desejo natural de aprender. Seu segundo princípio afirma que a aprendizagem é significante quando o aluno consegue unir o que está aprendendo com seus próprios objetivos. O terceiro princípio está ligado às mudanças do eu e às dificuldades em aceitar valores externos. O quarto princípio está relacionado a diminuir as ameaças externas, as dificuldades trazidas pelo aluno, para que ele possa progredir. O progredir deste aluno relaciona-se ao quinto princípio, onde Rogers afirma que com as ameaças externas diminuídas o aluno percebe de maneira diferenciada e assim sua aprendizagem pode progredir. No sexto princípio, Rogers fala sobre a aprendizagem significante, sendo que, para que ela ocorra, é necessário colocar os assuntos de maneira prática na vida do aluno de maneira que ele possa expandir suas experiências. A aprendizagem é facilitada quando o aluno faz suas próprias escolhas, quando é ativo no seu processo de aprendizagem, isto é o que diz o sétimo princípio. Para complementar o princípio anterior, o oitavo princípio traz que a aprendizagem deve envolver quem está aprendendo, deve envolver seu intelecto e sentimentos para que essa seja mais abrangente e duradoura. O nono princípio discute sobre a importância da criatividade e da autoconfiança no processo de aprendizagem, sendo que Rogers afirma que a criatividade é uma maneira de ter liberdade, e a autocrítica participa desse processo da construção da autonomia. Por último, o décimo princípio é sobre a importância de aprender a aprender e, com isso, estar em constante mudança, em contínua busca pelo conhecimento, estar aberto a novas experiências (Moreira, 1999).

Assim se concretizam os dez princípios da aprendizagem em Rogers, que são a base para a construção de seu pensamento sobre o ensino. Para ele, o objetivo do ensino é facilitar a mudança e a aprendizagem, pois estamos em uma era em que tudo o que é ensinado rapidamente se torna obsoleto. É ter certeza que nenhum conhecimento é seguro, tudo está em constante mudança. Por isso o professor precisa ser um facilitador do ensino, aceitando o aluno como pessoa, sendo que compreender o aluno sem julgá-lo é criar um ambiente de aprendizagem.

O professor como um facilitador do ensino, não se trata do termo coloquial facilitar, mas sim assegurar que o educando tenha liberdade de aprender e de se realizar. O aluno precisa ser livre para analisar seus próprios objetivos. A facilitação ocorre quando o professor tem uma escuta sensível, somente a partir dela é possível fazer com que a aprendizagem seja conduzida de modo que funcione. Facilitar a aprendizagem não significa, para Rogers (1973), abarrotar o aluno de conteúdos para, mais tarde, poder cobrar. Significa, ao contrário, ir conduzindo a aprendizagem de modo sensível, com atenção e empatia. Trata-se de uma postura em que o professor se coloca como, ao mesmo tempo, rigoroso e afetivo, para que o próprio aluno possa ir construindo sentidos. Assim, facilitar é conduzir uma aprendizagem que constrói um conteúdo para a vida. Além disso neste processo o professor precisa compreender o tempo de aprendizagem do aluno e seus interesses, pois a aprendizagem surge através dos questionamentos do aluno e das respostas buscadas por ele.

Deste modo, o papel do professor neste contexto é de acolher e respeitar o educando, e conduzir de maneira que ele possa desenvolver-se, autorrealizar-se e construir sua autonomia. Também cabe ao professor ser criativo, autêntico e utilizar-se de métodos avaliativos diferentes dos convencionais, onde “[...] o estudante não passará por um conjunto de rituais para conquistar uma nota” (Rogers, 1973, p. 38), ou seja, o que importa é que o aluno construa o seu processo de maneira significativa, dando ênfase ao aprendizado e tornando-se crítico, para a realização de seus objetivos.

Dessa maneira, podemos afirmar que a abordagem de Rogers sobre a educação tem o aluno como centro. O ensino é focado nele e tudo parte da busca e desenvolvimento das potencialidades do aluno, para então serem construídas as condições favoráveis para aprender. Segundo Moreira (1999), para Rogers, é fundamental deixar o aluno livre para aprender e criar sua própria autonomia, seu desejo de autorrealização. Quanto à questão da liberdade, que muitas vezes se coloca como algo difícil de se pensar na prática cotidiana de educadores, Rogers (1973, p. 73) singelamente sugere:

Reconheço que, para outros, dar liberdade a um grupo pode ser uma coisa arriscada e perigosa de fazer e que, consequentemente, eles não podem, genuinamente, dar esse grau de liberdade. A estes sugeriria: experimente dar o grau de liberdade que você pode, genuína e confortavelmente dar, e observe seus resultados.

Pode-se afirmar a partir desta citação, que o aluno precisa da liberdade e da autonomia para desenvolver seu processo de aprendizagem. Rogers acredita nisso, pois afirma que o ser humano sempre agirá para ser próprio bem se ele não for obrigado a se conformar com algum ensinamento imposto pela sociedade (Zimring, 2010).

Rogers (1973) afirma que a liberdade é capaz de fazer com que as pessoas possam agir por elas mesmas, indo em busca da realização de seus objetivos. No campo educacional, quando se dá liberdade e confiança aos educandos, está se dando oportunidade de aguçar a sua curiosidade ou interesse e, com isso, eles podem ir atrás de seus próprios objetivos, “[...] tornam-se descobridores. Tentam encontrar o significado das suas vidas” (Rogers, 1973, p. 217). Assim, a liberdade confere estímulo para as pessoas, tornando seu empenho maior e, por consequência, obtém-se resultados significativos no que se refere aos processos de aprendizagem.

Ainda com relação à “[...] liberdade para aprender ou para escolher” (Rogers, 1973, p. 243), Rogers afirma que um dos temas mais profundos da vida moderna é saber o conceito de liberdade pessoal, pois há um controle imposto pela sociedade, mobilizando uma alienação por parte das pessoas. No contexto da sociedade atual, pode-se pensar, com o autor, que a liberdade real está diretamente relacionada com o interior, com as vivências subjetivas, tratando-se muito mais de uma liberdade subjetiva, existencial e contextual, que se reflete na capacidade de escolher quais atitudes tomar perante as variadas situações da vida.

A partir de Rogers (1973, 1987), portanto, podemos pensar sobre a educação atual e sobre a necessidade de se construir uma educação menos tecnicista, menos mercadológica. Com Rogers, percebe-se a necessidade de não visar uma educação voltada exclusivamente para o lucro, mas, principalmente, voltada para o humano.

Humanização e educação

Muito se fala sobre a necessidade de recursos materiais, mudança nos salários, planos de carreira, aquisição de novas tecnologias e equipamentos didáticos; e é certo que todas estes itens citados são importantíssimos para a melhoria das condições no campo educacional, até essenciais; mas, tendo em vista os atuais desafios colocados à educação, também se faz necessário - e fundamental - repensar sobre outros aspectos, como a questão da humanização da educação. O fato é que, se as mudanças estruturais ou materiais não forem precedidas, ou mesmo acompanhadas, pela reflexão sobre os rumos da educação, sobre a sua essência enquanto tal, corre-se o risco de, simplesmente, reforçar ou replantar o sistema vigente em outras paredes, ou mesmo dentro de um software aparentemente moderno, mas que traz as mesmas respostas para as perguntas que estão sendo feitas, numa espécie de remake mal sucedido.

A reflexão aqui apresentada quer provocar justamente a retomada de aspectos que não podem ser relegados a um segundo plano, janelas que não podem permanecer fechadas e que talvez precisem se transformar em vias por meio das quais sejam vislumbrados outros horizontes prospectivos. Ainda que se corra o risco de ser considerado tendencioso ou mesmo impreciso, este artigo quer postular a percepção de que em Rogers e Morin pode-se definir algumas chaves de leitura que permitam um olhar específico sobre a educação. Assim, por meio de duas chaves de leitura, pretende-se, a seguir, articular o pensamento destes dois autores na proposta de reflexão sobre os problemas levantados. Longe de qualquer tentação de se querer encontrar soluções, pois estas não existem de modo tão simplório, o que se pode fazer é instigar o pensamento, habilitar as reflexões pertinentes, abrir vias de acesso.

A primeira chave de leitura a que se pretende tocar é a chave humanista, ou seja, a categoria do humano. Embora possa parecer redundante ou mesmo óbvio demais, tem-se aqui em pauta, a reflexão e a percepção de dois pensadores humanistas. Rogers (1973), com o resgate do humano em sua cognição, psicomotricidade e afeto, refunda o olhar sobre a educação. A saber, para Rogers, é o humano que se dever escutar, é dele que devem partir as demais definições:

Foi ouvindo pessoas que aprendi tudo o que sei sobre pessoas, sobre a personalidade sobre as relações interpessoais. Ouvir verdadeiramente alguém resulta numa outra satisfação especial. É como ouvir a música das estrelas, pois por trás da mensagem imediata de uma pessoa qualquer que seja esta pessoa, há o universal (Rogers, 1987, p. 5).

Assim também, certo humanismo é retomado com Morin (2011); é sobre a condição humana que se estabelecem as conexões essenciais com o cosmos e com a vida, é a partir do humano que se poderá fazer a leitura da realidade, costurar a complexidade e construir compreensões aos problemas ora experienciados. Além disso, para Morin (2011, p. 54), é no humano que se contempla a integralidade do fazer da educação, assim “[...] uma das vocações essenciais da educação do futuro serão o exame e o estudo da complexidade humana”.

Não existe outra instância, outro patamar que se possa evocar: a educação precisa se estabelecer sob a égide do humano, no respeito a ele, no mergulho de sua complexidade e no acreditar do seu valor e da sua capacidade de superar-se e ir além. Qualquer outro parâmetro pode ser movediço. Não se fará uma real incursão para uma reforma do pensamento e da educação se o humano não for o elemento essencial e referencial para isso. tal. Humano conectado, humano traspassado, humano interligado, humano articulado, humano em constante e incansável construção.

Outra chave de leitura que se pretende mencionar é a dinamicidade do pensamento, que se reflete diretamente na dobradiça anteriormente apresentada, do aprender a aprender. Deste modo, como bem menciona Morin (2014), num mundo de incertezas e em constante mudança, é preciso que a educação ensine a viver, que cultive um pensamento livre, que colabore na ligação dos conhecimentos, no intercâmbio disciplinar, na construção de estratégias para o enfrentamento com a realidade. No entanto, é preciso lembrar que é preciso cultivar uma proximidade com a compreensão de si, para que não haja um descompasso entre o si e o para além. Rogers (1973, p. 110), por sua vez também vai afirmar que “[...] o único homem que se educa é aquele que aprendeu como aprender: que aprendeu como se adaptar e mudar; que se capacitou de que nenhum conhecimento é seguro, que nenhum processo de buscar conhecimento oferece uma base de segurança”.

Para ambos pensadores, afinal, não existe outra forma de educar, senão educar para um pensamento dinâmico e em constante revisão, numa busca de reformulação vital. O lugar do conhecimento reside justamente na capacidade de se adaptar de recriar-se de renascer das próprias cinzas como a Fênix grega. Trata-se, assim, de um humano num constante fazer-se de si que, ao mesmo tempo, encontra-se despregado da natureza pela cultura e conectado a ela como peça vital de um cosmos em constante mutação e movimento. Um explodir estelar cíclico que vai findando algo enquanto inaugura a matéria de novos planetas e corpos celestes. Talvez esta possa ser uma via de acesso para que os estudantes se sintam contemplados e integrados à educação e não apenas uma peça dentro dela. Segundo Ausani e Alves (2019), talvez com estas considerações possa ser ressignificada uma redemocratização do saber que não se encontra a serviço de um grupo esotérico, hermeticamente fechado, mas que se abre em perspectivas cada vez mais acessíveis, pois cada vez mais humanas.

Considera-se que, com Rogers e Morin, tem-se pistas para trilhar caminhos que insistam na valorização da dúvida, no revisar positivo do papel do erro que instaura um movimento de retificação e movimento, no resgate da importância da curiosidade dos alunos e também da capacidade dos mesmos em opinar e atuar significativamente nos rumos do processo de sua própria educação. Para Alves e Ghiggi (2014), no restabelecimento da dialogicidade do processo, onde professor e aluno aprendem e estão a serviço de algo muito maior que a transmissão de conteúdos prontos e compartimentados. Talvez seja por isso que no fundo de toda a problemática que envolve a educação seja necessário perceber a desumanização da mesma para que se possa empreender um resgate, uma virada, uma humanização da educação.

Considerações finais

O presente artigo apontou, a partir de uma visão crítica, uma leitura que indica um processo de possível humanização na educação. Tomando-se o Brasil como ponto de partida, quis-se tratar desta problemática tendo em vista uma visão abrangente e global. Por meio da análise do panorama apresentado, foi possível considerar a eminência de grandes desafios.

Na visão dos autores selecionados neste estudo, Rogers e Morin, cumpre trazer a questão para o universo do humano, que hora seccionado em especialidades e fragmentos precisa ser situado num universo do complexo onde o conhecimento está em constante reconstrução e articulação. Sobretudo, é preciso aprender a aprender, a repensar os elementos que fazem parte da vivência de maneira criativa e tendo em vista as múltiplas realidades que compõem o humano.

Neste estudo, o relacionamento professor/aluno inerente ao processo de ensino/aprendizagem é retomado sob uma perspectiva humanista; centrado na pessoa. A confiança no aluno, a liberdade do pensar precisam incentivar o processo educativo na construção de um conhecimento significativo. Desta forma, pôde-se pensar a contribuição reflexiva destes dois autores, tendo como referência duas chaves de leitura, a recuperação do humano em sua inteireza e complexidade e a característica do pensamento na atualidade, que precisa se articular num constante movimento de revisão e reconstrução, sempre dinâmico e complementar e que remete ao constante ‘aprender a aprender’.

Desta maneira, o professor tem diante de si o grande desafio de estar sempre em busca de novos conhecimentos, pois no panorama atual o conhecimento não é algo seguro, mas aquilo que está em constante mudança. A supervalorização do ensino tecnicista, levando-se em conta a agilidade, a funcionalidade e a pressa do plano atual, precisa ser questionada, uma vez que, segundo os autores supracitados, as humanidades, a arte e a poesia também têm seu espaço e relevância na educação. Se é preocupante a quantidade de agentes que ainda hoje se encontram fora do processo de educação formal, também precisa ser levado em consideração o fato de que a educação atual parece não contribuir para pensar a realidade em sua complexidade. Afinal, embora os problemas estejam interpenetrados e se relacionem continuamente de modo complexo, ainda hoje, se insiste em ensine a pensar de modo simplista, por meio de disciplinas que parecem não se articular entre si. Não se ensina a pensar complexo, não se ensina a pensar no humano que somos.

O humano precisa ser reaprendido. Neste novo panorama, ele não é apenas um elemento presente ao todo, quando se trata de educação, é na relação, no considerar do processo no qual se encontram inseridos, aluno e professor, que se dá o ensino/aprendizagem, ponto essencial que nunca poderá ser perdido de vista. É preciso entender que estes atores encontram-se presentes a um ambiente global, conectado e mediado por múltiplas formas de acesso e interações. Será assim pensando que se pretende contribuir para uma reflexão que recoloque esta questão numa perspectiva que se considera essencial, da antiga - mas atual e sempre nova - da realidade do humano.

Referências

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1Segundo o portal do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2016), o Brasil ainda tem 12,9 milhões de analfabetos, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad). A taxa de analfabetos vem caindo de forma muito lenta nas últimas décadas.

NOTAS: Declaramos para os devidos fins que: Nery Charlon Ribeiro Chaves, Maryeli Corrêa Cheiram, Marcele Pereira da Rosa Zucolotto e Marcos Alexandre Alves somos autores e fomos responsáveis pela concepção, análise e interpretação dos dados; redação e revisão crítica do conteúdo do manuscrito e ainda, aprovação da versão final a ser publicada.

Recebido: 01 de Junho de 2019; Aceito: 27 de Janeiro de 2020

*Autor para correspondência. E-mail: marcelepr@hotmail.com

INFORMAÇÕES SOBRE OS AUTORES Nery Charlon Ribeiro Chaves: Mestre em Ensino de Humanidades e Linguagens - Universidade Franciscana - UFN. Especialista em Docência do Ensino Superior - FINOM. MBA em Gestão Estratégica de Negócios - UNOPAR. Especialista em Ensino de Filosofia no Ensino Médio - UFSM. Bacharel em Filosofia - PUCCAMP. Licenciado em Filosofia - Centro Universitário Franciscano. Bacharel em Teologia - Seminário Arquidiocesano Sagrado Coração de Jesus. Bacharel em Administração - UNOPAR. Atualmente é Capelão Militar, Oficial da Força Aérea Brasileira. ORCID: http://orcid.org/0000-0003-2959-3519 E-mail: nerycharlon@yahoo.com.br

Maryeli Corrêa Cheiram: Mestre em Ensino de Humanidades e Linguagens - Universidade Franciscana - UFN. Bacharel em Design de Moda - Centro Universitário Franciscano. Graduanda em Pedagogia - Universidade Federal de Santa Maria - UFSM. Especialista em Neurociências do Desenvolvimento e da Cognição - Universidade Franciscana - UFN. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9079-311X E-mail: marycorreacontato@outlook.com

Marcele Pereira da Rosa Zucolotto: Doutora e Mestre em Psicologia Social e Institucional - Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS. Bacharel em Psicologia - Universidade Federal de Santa Maria - UFSM. Docente Permanente do Curso de Psicologia e do Mestrado em Ensino de Humanidades e Linguagens - Universidade Franciscana - UFN. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6856-8626 E-mail: marcelepr@hotmail.com

FAFIMC. Docente Permanente no Programa de Pós-graduação em Ensino de Ciência e Matemática e no Mestrado em Ensino de Humanidades e Linguagens - Universidade Franciscana - UFN. ORCID: http://orcid.org/0000-0002-5271-0624 E-mail: maralexalves@gmail.com

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