SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.43El desafío de denotar el pasado: la enseñanza de la historia medieval en BrasilLa Revista Retratos da Escola en el contexto de la formación pedagógica y política de docentes índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Servicios Personalizados

Revista

Articulo

Compartir


Acta Scientiarum. Education

versión impresa ISSN 2178-5198versión On-line ISSN 2178-5201

Acta Educ. vol.43  Maringá  2021  Epub 01-Sep-2021

https://doi.org/10.4025/actascieduc.v43i0.56780 

HISTÓRIA E FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO

Hermes, o logos e a educação de um jovem romano: uma análise do Epítome das tradições teológicas dos gregos, Lucius Annaeus Cornutus (Século I d. C.)

Hermes, el logos y la educación de un joven romano: un análisis del Repaso de las tradiciones teológicas de los griegos, Lucius Annaeus Cornutus (siglo I d.C.).

Edson Arantes Junior1  * 
http://orcid.org/0000-0002-6624-9242

1Universidade Estadual de Goiás, Campus Norte/Sede Uruaçu, Rua 607, 42, Setor Sul I, 76400-000, Uruaçu, Goiás, Brasil.


RESUMO.

Os mitos são narrativas partilhadas que remetem a uma memória cultural. A alegoria foi um dos recursos utilizados para validar seus enredos, o que era muito útil no processo educacional e no processo de transmissão de valores que se desejavam hegemônicos. Um escritor pouco conhecido que fez uso dos mitos foi Lucius Annaeus Cornutus, da família do filósofo estoico Séneca. Em seu livro de mitologia Epítome das tradições teológicas dos gregos, Cornuto apresenta uma função propedêutica e pedagógica, na qual busca ensinar ideias estabelecidas entre os estoicos, por meio da mitologia, ligando os mitos e possíveis etimologias das palavras. Tais epítomes eram muito comuns no Império Romano e tinham como função fornecer informações precisas à aristocracia senatorial e equestre, sendo um manual com ideias presentes nos círculos estoicos romanos. O mito de Hermes será analisado, tendo em vista, os valores culturais cultivados para a formação de um cidadão romano piedoso. Trata-se de um campo fértil à análise historiográfica. Cultuado como deus dos mercadores e dos trapaceiros aqui, é a deidade das palavras, que eleva o homem forte a ocupar os espaços dignos na sociedade. A proposta pedagógica desse escritor vincula a compreensão dos mitos com o entendimento filosófico e as antigas narrativas guardadas na memória greco-romana seriam a fonte de conhecimento ideal para a formação do cidadão romano.

Palavras-chave: mito; cornutus; estoicismo; educação romana; alegoria

RESUMEN.

Los mitos son narrativas compartidas que hacen referencia a una memoria cultural. La alegoría fue uno de los recursos que utilizó para validar sus tramas, lo que resultó de gran utilidad en el proceso educativo y en el proceso de transmisión de valores que se deseaban hegemónicos. Un escritor poco conocido que hizo uso de los mitos fue Lucius Annaeus Cornutus, de la familia del filósofo estoico Séneca. En su libro de mitología Repaso de las tradiciones teológicas de los griegos, Cornuto presenta una función propedéutica y pedagógica, en la que el escritor busca enseñar ideas establecidas entre los estoicos a través de la mitología, vinculando mitos y posibles etimologías de las palabras. Tales epítomes eran muy comunes en el Imperio Romano y tenían la función de transmitir información veraz a la aristocracia senatorial y ecuestre, siendo un manual con ideas presentes en los círculos estoicos romanos. El mito de Hermes será analizado a la luz de los valores culturales cultivados para la formación de un ciudadano romano piadoso. La propuesta pedagógica de este escritor vincula la comprensión de los mitos con la comprensión filosófica y las narrativas antiguas guardadas en la memoria grecorromana serían la fuente ideal de conocimiento para la formación del ciudadano romano.

Palabras-clave: mito; cornutus; estoicismo; educación romana; alegoría

ABSTRACT.

Myths are shared narratives that refer to a cultural memory. The allegory was one of the resources used to validate its plots, which was very useful in the educational process and in the transmission of values that were desired hegemonic. A little-known writer who made use of the myths was Lucius Annaeus Cornutus, from the family of the Stoic philosopher Seneca. In his mythology book Epitome of the theological traditions of the Greeks, Cornuto presents a propaedeutic and pedagogical function, in which the writer seeks to teach ideas established among the Stoics through mythology, linking myths and possible etymologies of words. Such epitomes were very common in the Roman Empire and their function was to provide accurate information to the senatorial and equestrian aristocracy, being a manual with ideas present in Roman Stoic circles. The Hermes myth will be analyzed in view of the cultural values nurtured in the formation of a pious Roman citizen. It is a fertile field for historiographic analysis. Worshiped as the merchants and trickster’s god, here it is the deity of words that elevates the strong man to occupy decent spaces in society. The pedagogical proposal of this writer connects the comprehension of myths with the philosophical understanding and the ancient narratives kept in the Greco-Roman memory would be the ideal source of knowledge for the formation of the Roman citizen.

Keywords: myth; cornutus; stoicism; roman education; allegory

Introdução

Os mitos apresentam narrativas que concentram significados das mais distintas ordens socioculturais com sentidos bastante flexíveis, desse modo, sua apropriação pode fornecer embasamento para posições sociais, por vezes, contraditórias1.

Propomos estudá-los, em sua manifestação coletiva e histórica, a partir das formações discursivas disponíveis nos mais diferentes suportes. Interessa-nos tratar os mitos como elementos fundamentais para a História da Educação Greco-romana, já que transmitem valores sociais e culturais, explicam fenômenos e ritos, legitimam normas e estabelecem fronteiras para a vida prática e sustentam concepções políticas diversas.

Ultimamente, o termo mito2 vem sendo utilizado para se referir a determinados atores políticos controversos3, novidade semântica que nos estimula a analisar o conceito e a refletir sobre a plasticidade dele4. Lembramos que os mitos não narram apenas eventos gloriosos, por vezes, representam também o que há de mais grotesco e repugnante nas culturas.

Para nós, mito é a narrativa compartilhada socialmente (Ginzburg, 2001), transmitida de geração a geração por meio da memória cultural (Assmann, 2010). Suas referências impregnam a sociedade e os valores, suas indicações permitem construir elos e propagar informações, valores e sentimentos. Concordamos com Walter Burkert ao afirmar que o:

Mito é narrativa aplicada, narrativa como verbalização dos dados complexos, supra individuais, colectivamente importantes. [...] O mito neste sentido nunca existe ‘puro’ em si, mas tem por alvo a realidade; o mito é simultaneamente uma metáfora em nível da narração. A seriedade e dignidade do mito procedem dessa ‘aplicação’: um complexo de narrativas tradicionais proporciona o meio primário de concatenar experiências e projecto da realidade de o exprimir em palavras, de o comunicar e dominar, de ligar o presente ao passado e simultaneamente de canalizar as expectativas do futuro (Burkert, 1991, p. 18).

Esse diálogo entre o presente, passado e futuro das narrativas míticas é o fator que estabelece os elementos para nossa exposição, uma vez que cada época, cada lugar ou mesmo grupo sociopolítico irá se apropriar do mito a fim de legitimar determinada postura, apropriar-se dele para identificar uma origem ou construir um projeto comum, podemos observar como a análise das recorrências dos mitos é intrigante.

Textualizar mitos não é uma tarefa simples. Tal trabalho depende de elementos meta-narrativos que organizam a seleção e a transmissão dos enunciados. Trata-se do processo de releitura dos mitos, já que, como bem nos explica Luís Costa Lima, a narrativa não é anterior ao ato da escrita, mas concomitante a ela (Lima, 1989, 2006). O ato de escrita não é ingênuo. Escreve-se para se inscrever no mundo, narra-se também com o intuito de marcar-se na vida e para transpor a barreira entre a mortalidade da vida, para adentrar a utopia (vista como real possível) da imortalidade. Por exemplo, os aspectos políticos que são apropriados por agentes políticos para legitimar determinadas posturas hegemônicas. Filóstrato de Lemnos fornece um exemplo interessante de como o mito pode ser o veículo, ou melhor, a estratégia para posicionar-se diante do poder. Filóstrato cita um grafite da cidade de Roma que apresentaria a seguinte frase Nero, Orestes, Alcméon, matricidas5 (Filóstrato, Vida dos sofistas, I, 481).

Essa frase, presente também em Suetônio e Dion Cássio6, coloca com precisão a ambiguidade presente nos enunciados míticos. Tal grafite pode expressar valores que revelariam o apoio ao Imperador Nero, uma vez que, tanto Orestes como Alcméon, assassinam suas progenitoras em contextos tradicionalmente justificados. Ou ainda, poderíamos acusar o princeps de cometer um crime de sangue. São essas sutilezas que motivam nossa análise. Desse modo, evocarei como estratégia analítica a descrição densa proposta por Clinfford Geertz (1978). Nesse sentido, acreditamos que cada apropriação dos mitos carrega uma estratificação de significados que pode ser compreendida de forma distinta na interação social, já que a partilha dos sentidos é apropriada e reproduzida de maneira específica a partir da ação de cada agente social que se insere nessa teia. Como afirma Geertz, ao se referir ao trabalho do etnólogo, o qual ampliamos para todo o pesquisador da cultura que encontra “[...] uma multiplicidade de estruturas conceptuais complexas, muitas delas sobrepostas ou amarradas uma as outras, que são simultaneamente estranhas, irregulares e inexplícitas, e que ele tem que, de alguma forma, primeiro aprender e depois apresentar” (Geertz, 1978, p. 20).

Para entender o contexto de produção desses discursos, partimos de algumas premissas. Inicialmente, tomamos os mitos como narrativas construídas socialmente, que expressam significados referentes a um suposto passado comum. A expressão cultural vincula essa narrativa a um pretérito, ela é sentida socialmente como parte de um passado. Nessa acepção específica, os discursos míticos são também relatos de memória, já que são aceitos como expressão de outra temporalidade (Era uma vez...) (Eliade, 1981).

Ao ser escrito, o mito fixa uma das interpretações possíveis que paulatinamente, - é levada ao status de cânone. Tais textos permitiram a ação de uma prolífica crítica do discurso mitológico, especialmente, aquele exposto por meio dos poemas tradicionais. Uma das formas desse processo se materializar foi a utilização da alegoria que pretendia ver um valor moral subscrito na narrativa. Essa atitude é impulsionada especialmente pelos filósofos estoicos7.

A narrativa mítica é um elemento muito importante na educação antiga, o que fora notado por Werner Wilhelm Jaeger, em seu clássico Paideia: a formação do homem grego, publicado originalmente em 1936, enfatiza o valor normativo do mito , sendo importante na educação por meio da comparação (Jaeger, 2010). Entretanto, observamos que a ampla divulgação dos mitos e a possibilidade de reconhecimento imediato da narrativa contada é o elemento didático que permite os usos diferentes, de acordo com a necessidade da mensagem que se deseja transmitir. Por isso, os mitos são potentes transmissores de valores, imagens e sentidos, sejam por meio de narrativas reelaboradas ou por alusões independentes que buscam a benevolência do ouvinte.

No horizonte de uma História da Educação, temos de observar que a interpretação que os textos estoicos testemunham sobre o uso da alegoria são muito fragmentários. Richard Goulet, enfatiza três aspectos importantes sobre o estoicismo e o método alegórico: 1) há evidências bem atestadas da análise dos textos de Hesíodo, por esse meio; 2) em um contexto mais amplo, os estoicos usaram a etimologia dos nomes dos deuses; 3). Em termos gerais, a intenção desses escritores não era encontrar a grandeza de Homero, mas sim a de recuperar seu testemunho para confirmar as doutrinas estoicas, especialmente, físicas e, talvez, éticas (Goulet, 2005). Esses elementos são muito importantes para a compreensão da prática educativa dos filósofos estoicos, tendo em vista que a formação, tanto ética quanto moral do cidadão, passava por compreender profundamente aspectos da física desenvolvidos por essa escola filosófica.

Ken Dowden e Niall Livingstone destacam a importância dos mitos na consolidação das identidades e seu papel como uma memória coletiva ou cultural, os autores afirmam que:

[...] a mitologia grega define o que deve ser grego e gregos, por acordo comum com lembre-se que esses mitos forjam uma ferramenta poderosa de identidade social que tem sido explorado por Halbwachs (‘Memória Coletiva’) e, mais recentemente, por Jan Assmann (‘Memória Cultural’). Os mitos não são, no entanto, lembrados isoladamente: são interativos entre si e em inúmeras ocasiões com cada aspecto da vida e pensamento grego. Eles são um ponto de referência contínuo, ou sistema de referências, e constituem o que desde o final dos anos 1980 foi reconhecido na literatura sob o termo ‘intertexto’. Qualquer coisa que pode ser pensada, pode ser pensada melhor com o mito, ou contra seu pano de fundo, ou contra ele completamente (Dowden & Livingstone, 2014, p. 4).

Seguindo por essa trilha, os mitos fornecem suportes para a manutenção de identidades, assim como são a expressão de expectativas para o futuro. Podemos observar, em suas distintas releituras, apropriações de um passado compartilhado e a representação de uma imagem de futuro, desejada naquele momento histórico. Nesse artigo, analisaremos como Lucius Annaeus Cornutus, um estoico, apropriou-se das tradições míticas gregas, adaptando-as a seu modo ao estoicismo romano.

Acreditamos que os círculos literários romanos estavam familiarizados com esse debate, visto que Cícero, o apresenta no Livro II de seu diálogo filosófico De Natura Deorum (Sobre a natureza dos deuses), por meio do filósofo estoico Balbo. Entretanto, cabe-nos ressaltar que, além das diferenças do final do período republicano e do Império Romano, especialmente, do governo de Nero, Cícero era um cidadão engajado com a vida religiosa e cívica da cidade, e não queria parecer um filósofo profissional, o que iria contra a dignitas8 romana, ponto diferenciador importante para compreender o Epítome de Cornuto, documento que pretendo analisar nessa apresentação.

Cornuto e a educação de um jovem romano: Hermes e o logos

Lucio Aneo Cornuto teria nascido em Lepsi Magna na Líbia, ao Norte da África, entretanto, passou a maior parte da vida na cidade de Roma, durante o Governo de Claúdio, no século I d.C., Dion Cássio fornece informações sobre a proximidade de Cornuto com o Imperador Nero, que o teria mandado ao exílio, também com o intuito de arrefecer seus vínculos com outros escritores relevantes do período. Existem poucos dados biográficos na História de Roma dioniana. Todavia, esse relato, por mais significativo e verossímil que seja, é mais relevante por marcar a presença do escritor nos círculos letrados do período neroniano que pelo conteúdo apresentado, posto que a perseguição aos intelectuais pelo tirânico governo de Nero pode ser entendida como parte de um topos literário, explorado pela historiografia senatorial para marcar as características de um mau Imperador.

Seu prenome e seu nome (praenomen et nomen) referem-se, muito provavelmente, à relação próxima com a família de Sêneca, possivelmente, tendo adotado o nome da gens anneus com sua manumissão. G. W. Most. Em um artigo intitulado Cornutus and Stoic Allegoresis: a Preliminary Report (Most, 1989), salienta não haver vestígios da proximidade de Cornuto com o filósofo estoico. O autor ainda argumenta que esse distanciamento seria sustentado pela temática do manual de Cornuto, uma vez que seriam bem atestadas as objeções senequianas ao uso das alegorias9.

Está bem documentada a relação de Cornuto e o poeta satírico Pérsio, especialmente, nas fontes tardias, que lhe dedicaram a Sátira V. Cornuto foi seu preceptor a partir dos dezesseis anos, assumindo sua educação e ensinando-lhe a filosofia estoica, por meio da qual Pérsio conheceu Lucano, sobrinho do filósofo Séneca. Ao morrer, Persio deixou de herança a Cornuto cem mil sestércios e toda a sua biblioteca. Como prova de retidão moral, Cornuto recusa o dinheiro, mas aceita os livros. Essas informações estão contidas em um pequeno opúsculo atribuído a Suetônio, a Vita Persii (Bellandi, 2003), onde informa ainda que o mitógrafo estoico teria sido editor da obra do poeta Pérsio após o falecimento deste.

Esses exemplos são suficientes para atestar seus vínculos com círculos literários influentes. Escreveu em grego e em latim. Em relação ao latim, há pequenos fragmentos de seus textos, presentes em autores tardios. A tradição conhece bastante esse escritor por seu trabalho como gramático e comentador dos poemas virgilianos, o que temos por meio de escólios (Cugusi, 2003).

O mais importante escrito de Cornuto é o Epítome das tradições teológicas dos gregos10, um tratado sobre mitologia grega, influenciado pelo estoicismo. O texto não é um resumo das narrativas míticas, como encontramos na Biblioteca de Apolodoro, mas uma interpretação alegórica ao estilo estoico.

Os estoicos, de maneira geral, se preocupavam com o princípio governador do cosmo que, de alguma forma, poderia ser chamado de ‘deus’ (Algra, 2006). Como afirma o autor polonês Michal Wojciechowski (2017), é importante ter em mente que a cosmologia apresentada por Cornuto tem questões muito mais relacionadas à física, que com a filosofia, “[...] interpretando as divindades gregas como fenômenos e noções físicas [...]” (Wojciechowski, 2017, p. 120). Na visão desse autor, Cornuto apresenta os Deuses em uma linguagem para a ciência, sendo que os nomes mitológicos são o ponto de partida para a compreensão do mundo11 (Wojciechowski, 2017). Vários estoicos farão uso de elementos interpretativos que buscam encontrar nos mitos, especialmente, nos poemas épicos de Homero e nos de Hesíodo. Essas interpretações buscaram sentidos ocultos nos nomes ou nas palavras. As leituras alegóricas buscam nas entrelinhas do mito, sub-repticiamente por trás das narrativas, um significado ausente, escondido. Os discursos míticos apresentariam significados obscuros que solicitavam um intérprete. Interessa-nos essa segunda atitude colocada em prática por Cornuto.

No tomo V da História da literatura grega, Maurice Cruzet ressalta ser Cornuto um gramático que escreveu um longo comentário sobre a obra de Virgílio, como um escrito sobre a pronúncia e a ortografia. Sobre o Epítome, o autor afirma que: “É um resumo sem valor literário, mas bastante curioso, com interpretações etimológicas e simbólicas colocadas pela escola estoica à mitologia poética e popular” (Croiset, 1938, p. 418). A divisão entre mitologia poética e popular, proposta pelo eminente erudito, é muito frágil, já que a transmissão dos relatos mitológicos no mundo antigo sempre foi marcada pela oralidade e pela recorrência aos textos antigos.

Trata-se de um documento muito mais complexo, uma vez que o autor parte de uma análise etimológica, prática comum entre os estoicos e já exposta em Roma por Cícero no De Natura Deorum, dos mitos gregos, na tentativa de explicar sua dimensão teológica. Não se busca nesse texto fazer apenas uma adequação temática, mas também um esforço de interpretação filosófica, cuja estratégia de conhecimento é a análise das palavras e de seu campo semântico.

O título da obra em grego apresenta informações instigantes para a análise documental: Ἐπιδρομὴ τῶν κατὰ τὴν Ἐλληνιχὴν θεολογíαν παραδεδομéνων (Epítome das tradições teológicas dos gregos). Epítome ou compêndio refere-se ao caráter escolar do texto. Como destaca Glenn Most, esse texto é um exemplo interessante de manual voltado ao ensino de filosofia (Most, 1989). O que é ampliado por José Bernardino Torres Guerra que “[...] propõe que o ᾿Επιδρομή não seja considerado simplesmente como exemplo de manual didático senão, concretamente, como exemplo de manual ad hominem” (Torres Guerra, 2010, p. 101).

Diferente do que faz Cícero, envolvido com as práticas religiosas da cidade de Roma, por isso mesmo escreve um texto para a aristocracia, Cornuto, nesse texto, dirige-se especificamente a um jovem aluno, trata-se então de um texto de estudos, objetivando ensinar ideias já estabelecidas, que já fazem parte dos ensinamentos do grupo social no qual ambos estariam inseridos. O próprio escritor se dirige a um aluno na primeira linha do texto: ‘ó jovem’ (ō̃ paídion, Cornuto, Epítome, I, 1). Comuns no Império Romano, os epítomes tinham como função fornecer informações precisas a jovens membros da aristocracia senatorial e equestre. O autor não tem o desejo de propor reflexões inéditas, mas de que seu texto seja um manual, cujas opiniões condensariam premissas estabelecidas entre os estoicos romanos. Guerra Torres ressalta que o uso do vocativo é estrutural, pois denota a ideia de despertar a atenção do discípulo e, possivelmente, estabelecer um canal de comunicação (Torres Guerra, 2010).

A teologia estoica, desde Zenon de Cício, se preocupou com o princípio governador do cosmo, possivelmente, esse ponto de partida foi muitas vezes confundido com a ideia de um Deus (Algra, 2006).

Nesse contexto, Cornuto parte da premissa de que o cosmo é animado e racional, por esse motivo, existe uma divindade. Os deuses, no plural, seriam as alegorias referentes à racionalidade do mundo sensível. A mitologia, expressa nas obras dos poetas, principalmente, na Teogonia de Hesíodo, seria a expressão simbólica deste mundo12.

Cornuto dialoga com Hesíodo na tentativa de corrigir as falhas do poeta da Beócia. Sua postura identifica nos mitos o testemunho de que os antigos compreendiam de várias formas as relações dos mitos com a natureza. O autor rejeita a concepção corrente de que os deuses tradicionais tinham formas e sentimentos humanos. Entretanto, o mitógrafo deve manter o que Jan Assmann chama de coerência textual, sua interpretação deve mostrar como a tradição já apresentava os signos para sua compreensão. O discurso mítico pode, em sua nova rememoração, conter novos significados. Interpretar a tradição, assim como a repetição, é uma forma de garantir a produção da coerência cultural (Assmann, 2010).

Todo o documento tem o fito de caracterizar o cosmo, a partir da mitologia, vinculando etimologicamente os deuses a um princípio racional que estaria por trás de tudo. Por exemplo:

O céu (ouranós), ó jovem, envolve no círculo a terra, o mar e todas as coisas sobre a terra e o mar, por isso adquire essa denominação, sendo o limite (oûros) superior de tudo e também a fronteira (horízōn) da natureza. Outros dizem que se chama assim por cuidar (ōreîn) ou tomar cuidado (ōreúein) das coisas que existem, isto é, por protegê-las13. (Cornuto, Epítome, I, 1).

Essa pequena passagem explicita os procedimentos explicativos mobilizados pelo mitógrafo. Não podemos esquecer que Cornuto era um gramático conceituado na cidade de Roma. O conhecimento que o escritor tem sobre a língua grega serve de suporte para sua investigação dos mitos. Observe como sua apreciação prioriza os sons da palavra, a maneira como ela é ouvida. Cornuto não poderia agir de maneira diferente, as sociedades antigas eram sociedades orais, o que sugere um cuidado com o universo performático que cada palavra apresentava na cultura greco-romana.

Nesse trecho devemos destacar dois procedimentos que se complementam, mas que não podem ser confundidos, a alegoria de uma ordem interior ao cosmo e como ela se organiza e a análise das etimologias das palavras. Não podemos confundir alegoria com etimologia, metáfora ou personificação, pois dizem respeito a ações explicativas distintas, porém que podem caminhar juntas, como ocorre nesse caso. A alegoria é a exegese de uma narrativa, apreendida na análise de seu enredo, observando os personagens e as ações. Cornuto estuda a etimologia dos nomes divinos, seus epítetos para desprender a significação física desses, como se espera de um filósofo estoico (Pià-Comella, 2012).

São esses os elementos que compõem o regime de memória no qual se inscrevem o texto de Cornuto. Trata-se de um documento voltado à instrução, ao ensino. Cornuto conclui seu tratado com o vocativo ὦ παῖ, (XXXV, 78) que pode ser traduzido por filho, como uma marca de afeto. Entretanto, o texto é, principalmente, direcionado à formação de jovens e não à divulgação de ideias entre os cidadãos. O mitógrafo segue explicando que os antigos poetas entendiam a natureza do cosmo, por isso, filosofavam sobre ela por meio de símbolos e de enigmas que escondiam a verdade com palavras em elaborados enredos. O objetivo de Cornuto, naquele momento, era apenas reinterpretar essas narrativas em um formato útil. As relações com os deuses eram assunto importante para a formação de um jovem, por isso o escritor aconselha o aluno da seguinte maneira:

Em relação aos deuses e seus cultos e a tudo o que surgiu para sua honra, acolha as tradições pátrias e a narrativa imaculada sobre eles, para que se direcione apenas à piedade, e não à superstição; que os jovens instruam-se e aprendam a sacrificar e suplicar, reverenciar e fazer juramentos de maneira certa, segundo o senso de medida tomado para si, na ocasião apropriada14 (Cornuto, Epítome, XXXV, 76).

A transmissão de conhecimentos filosóficos sobre os deuses não pode confrontar a ordem estabelecida. O jovem que estiver recebendo essa instrução deve saber que honrar os deuses é um ato cívico que o vincula à comunidade. Nesse sentido, o mitógrafo apresenta um corpo de saberes familiarizado socialmente nos círculos cultivados da cidade de Roma. O modelo de validação enunciativa em todo o documento baseia-se em uma análise etimológica e semântica das palavras, em um modo de pensar os termos em sua grafia e em sua sonoridade.

Em seu tratado, temos sempre a referência aos antigos, lê-se Hesíodo e Homero, o que é um topos literário comum. Como bem ressalta a filósofa alemã Hanna Arendt, o homem antigo tem a consciência de que o passado é melhor (Arendt, 1992). Claro que a forma homem antigo é muito vaga, o que queremos ressaltar é que predominava nas culturas mediterrânicas esse regime de historicidade, para usar uma expressão consagrada por François Hartog (2003). Nesse sentido, os estoicos eram muito cuidadosos ao ressaltarem que as lendas contadas pelos antigos tinham elementos de sua verdade. O comentário não pode romper a ordem, mas pode promover a coerência.

Cornuto escreve em Roma, cuja cultura expressava outra premissa importante, o mos maiorum (costumes dos antigos). Como afirma Maria Helena da Rocha Pereira: “Os romanos tinham como suporte fundamental e modelo de seu viver comum a tradição, no sentido de observância dos costumes dos antepassados” (Pereira, 2009, p. 357)15.

Dessa forma, Cornuto precisa dialogar com as autoridades antigas. Em vários momentos, o autor se refere aos cânones. Provavelmente, está se referindo aos muitos textos mitográficos disponíveis até então. A própria validação enunciativa é construída por meio de imagens do cosmos, nas quais os deuses são relacionados. A investigação etimológica a que referimos anteriormente também tem a intenção de construir a veracidade do texto. São dois os processos utilizados pelo autor, a descrição das imagens e a referência aos antigos.

Entretanto, Cornuto estabelece um diálogo mais acentuado com Hesíodo, ressaltando a importância desse escritor para a transmissão dos mitos, mas criticando o fato dele ter iniciado a degeneração dos mitos. Veja como ele se refere à genealogia presente na Teogonia de Hesíodo:

No entanto, poderia haver para você uma exegese mais completa [da genealogia] de Hesíodo, que recebeu algumas coisas, creio eu, daqueles mais antigos do que ele e acrescentou para si assuntos ainda mais míticos, de modo que a maioria da teologia antiga foi corrompida. Agora, devemos examinar o que ressoa entre a maioria16 (Cornuto, Epítome, XVII, 31).

Cornuto não pode romper completamente com a Teogonia hesiódica, visto que ela precisa ser o ponto de partida para sua análise, mesmo vendo nela o início da degradação da teologia antiga. Para o mitógrafo, os mitos são apenas um ponto de partida para a compreensão da teologia, ponto mais elevado da compreensão da relação do homem com o mundo, o último estágio para a formação nos conhecimentos filosóficos.

O mitógrafo constrói analogias que inserem no cosmo um princípio regulador, orientador. Cornuto afirma que: “Como nós somos regidos por uma alma, o cosmo também tem uma alma que o mantém unido. Esta se chama Zeus (Zeús)” (Cornuto, Epítome, 2, 6-7)17. Zeus seria a causa pela qual vivem e preservam todas as coisas. O autor o relaciona ao fogo primordial (éter), um tema clássico para a física estoica. Hera, por sua vez, será relacionada com o ar (Cornuto, Epítome, III, 4); Poseidon é o elemento líquido (Cornuto, Epítome, IV, 4); Hades “É o ar composto por partículas mais densas é o mais próximo da terra” (Cornuto, Epítome, V, 5). O escritor vai deslindando os mitos, de maneira ordenada, seguindo a física estoica.

Ao apresentar a mitologia por meio de sua física, Cornuto responde a uma demanda política de seu tempo, a saber, contribuir para a formação de cidadão romanos cultivados no conhecimento helênico e consciente de sua responsabilidade pública. Ele se coloca como um educador estrangeiro da elite romana.

O autor do compêndio analisa Hermes como o deus olímpico vinculado ao lógos, o que nos remete aos epítetos disponíveis, por exemplo, no Hino Homérico a Hermes. Ao analisar esta deidade, Jean-Pierre Vernant afirma que: “Não há nele nada fixo, estável, permanente, circunscrito, nem fechado. Ele representa no espaço e no mundo humano, o movimento, a passagem, a mudança de estado, as transições, o contato com elementos estranhos” (Vernant, 1990, p. 192). Seus epítetos ligam-no aos assaltos, por atravessarem muros e portas fechadas; ele reside nas estradas e encruzilhadas, conduz as almas dos mortos; mensageiro dos deuses; presente nas trocas comerciais e nos debates da ágora, nas competições; testemunha dos acordos, tréguas e juramentos; mediador entre os homens e os deuses. Quando um diálogo cai no silêncio, era costume dos gregos dizerem: Hermes passa (Vernant, 1990).

São esses os atributos nos quais Cornuto constrói sua análise. A necessidade de dar coerência cultural, a partir da visão de mundo estoica, faz com que ele se aproxime ou se distancie dessa interpretação. Entretanto, temos claro que, tanto Vernant como o gramático estoico, pensam a figura de Hermes tendo em vista o Hino Homérico dedicado a esta divindade, principal fonte textual sobre essa deidade, uma vez que os atributos presentes no Hino se repetem no mitógrafo, logo há um vínculo com essa fonte, mesmo que indiretamente (Guerra Torres, 2016) entretanto, uma diversidade de tradições míticas provavelmente existiam e não nos chegaram.

Hermes é o deus que concede favores (charízesthai) de forma razoável (eulogístōs) aos que merecem. Hermes é a razão (lógos)” (Cornuto, Epítome, XVI, 20). A identificação do filho de Maia com o lógos já está presente na tradição estoica, mas não somente nela18. Os deuses o enviaram para junto dos homens, únicos seres racionais (logikón) sobre a terra.

Ele que ensina o homem a questionar e a falar racionalmente (légein) em sua defesa. Hermes é um deus das palavras, do bem dizer, divindade das trocas simbólicas e materiais. Onde houver encontros humanos ele estará. Cornuto analisa seus epítetos, verbos e enunciados relacionados as suas funções, mostrando a proximidade entre significado e sonoridade das palavras. Ele é o diáktoros (mensageiro), ele é diátoros (penetrante, agudo). Nesse caminho, diáktoros se aproxima de diágéin (faz passar, cruzar de um lado a outro). Ele é o mensageiro justamente pelo fato de sua voz se fazer presente nos ouvidos por meio do lógos. Nesse ponto, o autor liga a análise etimológica com a interpretação alegórica como expressamos anteriormente, uma vez que ele seria o arauto dos deuses, pois só conhecemos a vontade deles por causa das noções (énnoiai) que concordam com o lógos, que ele desperta nos homens (Cornuto, Epítome, XVI, 21-22). Observe que o conceito de énnoiai é fundamental para a tradição estoica, pode ser traduzido por noções ou por concepções, as quais expressam justamente os conhecimentos adquiridos pela observação e instrução cautelosa, atenta (Hankinson, 2006).

Hermes é chamado de akákēta (aquele que não faz mal, o benfeitor), uma vez que o lógos não existe para executar o mal, causar danos. Sua existência volta-se para o bem, para salvar as pessoas e as casas (sōtḕr tôn oíkōn). Ele é conhecido como argifonte, matador de Argos. Foi ele que assassinou o gigante de cem olhos que vigiava Ío. Entretanto, Cornuto constrói outra explicação para esse epíteto: “É Argifonte (argeiphóntēs) por Argefante (argephantēs), porque mostra (phaínein) tudo de forma luminosa e lhe esclarece ̶̶ é que os antigos chamavam o que era luminoso de brilho (árgon) ̶ ou pela rapidez da voz ̶ é que também chama argón o que é o que é rápido” (Cornuto, Epítome, XVI, 21)19. Aproximação entre luz e logos, ou seja, somente com o lógos os homens poderão clarear seu caminho.

Sobre sua origem, o estoico afirma que:

Disseram que Hermes foi engendrado por Zeus em Maia (Maías), dando assim a entender novamente que o lógos é produto da reflexão e da indagação: aquelas que ajudam no parto (maioúmenai) das mulheres são chamadas de parteiras (maîai) que, como na indagação, trazem algo à luz, os fetos20 (Cornuto, Epítome, XVI, 23).

Retoma-se aqui a famosa acepção socrática do sábio como um parteiro do conhecimento, já que, nessa concepção epistemológica, o conhecimento não é produzido, mas lembrado. Ele já existe dentro de cada ser humano e precisa apenas de um sábio que o ajude a ‘parir’ o lógos. Nesse passo, ecoa implicitamente a noção de que o bem é inato ao homem, já que o mesmo é o resultado das ações refletidas, pensadas.

Cornuto propõe uma análise alegórica para as imagens do deus, o qual é representado sem mãos e sem pés, em uma figura quadrangular. As estátuas são quadradas para mostrar a firmeza de caráter, posto que este, mesmo caído, continua firme. E se lhe faltam mãos e pés é porque não precisa deles. Esse deus ainda seria representado de duas maneiras: jovem e velho. A representação jovem tem a barba rala no queixo e o pênis flácido, já a representação velha teria barbas e o falo ereto. O autor associa a virilidade dos velhos com o uso maduro da razão que é ‘fecunda e perfeita’ (Cornuto, Epítome, XVI, 23).

Para o gramático, Hermes é o deus que preside as assembleias (Agoraîos) e vela por todos que falam em público (agoreuóntōn). Por meio do logos, ele estaria presente na atividade comercial, assim como em todos os momentos em que o encontro se coloca.

O escritor refuta a ideia de que esse deus se vincularia aos ladrões. Ele afirma que:

Quiseram mostrar seu poder inclusive por meio de incongruências e transmitiram a tradição de que ele era um ladrão (kléptēn) e alguns levantaram um altar para ‘Hermes Trapaceiro’. Acontece que, furtivamente, ele subtrai as crenças sustentadas pelos homens e, às vezes, rouba (kléptōn) a verdade com a persuasão, por isso dizem que ele usa palavras arteiras (epiklópois): de fato, o uso de sofismas é próprio de quem conhece o logos21 (Cornuto, Epítome, XVI, 25).

Como podemos ver, Hermes é também o deus da retórica, o que legitimaria seus vínculos com as trapaças, já que estão ligadas ao uso da palavra. Caracteristicamente, ecoa nesse passo as objeções platônicas aos sofistas. Essa divindade não se vincula ao roubo material, mas à capacidade de persuadir, de convencer. “Ele usa sandálias aladas e se desloca no ar como as palavras aladas (épēpteróenta)”. (Cornuto, Epítome, XVI, 22)22.

O autor conclui o capítulo que analisa essa deidade, com uma surpreendente aproximação, ao recordar que o filho da ninfa Maia é cultuado nas palestras juntamente com Héracles, para marcar o uso da força acompanhado do logos. Deve-se reprovar a todos que só exercitam o corpo e se esquecem do logos. Conclui citando a Andrómaca homérica, quando ela se dirige a Heitor e diz: “Homem maravilhoso, é a tua coragem que o matará!” (Homero, Ilíada, VI, 407). Cornuto descontextualiza a citação, já que os vínculos entre a princesa troiana e seu amado são mais complexos, mas neste regime de memória, o hexâmetro homérico vale em si mesmo, o estoico diz apenas que ter um corpo semelhante aos heróis, desacompanhado do lógos levara os homens a ruína.

Considerações finais

A plasticidade do mito permite a exegese conciliatória de Cornuto onde harmoniza narrativas antigas com preceitos filosóficos. Acreditamos que essa fonte permite investigar não somente esse diálogo, mas deslindar mecanismos subliminares da apropriação romana do estoicismo. Hipoteticamente, podemos notar o interesse ampliado por essa doutrina, vista, não somente em seus aspectos morais, mas em sua lógica e física, uma vez que o autor do Epítome mobiliza todo seu conhecimento do estoicismo para produzir a harmonia entre visão de mundo estoica e textos antigos. Como afirma Jordi Pià Comella, Cornuto compreende que o conhecimento dos mitos pode:

[...] ser decisivo na educação religiosa dos jovens: pois é ele que garante a piedade e erradica a superstição. É porque vamos perceber deuses como poderes físicos benevolentes e não como seres dotados de paixões que não os temeremos. Todavia Cornutus não restringe duas noções no campo espiritual: estende sua aplicação ao espaço religioso cívico. Na religião romana, a piedade consiste em realizar os ritos, seguindo estritamente as regras prescritas pela lei religiosa e tradição comum ou pela obediência a uma ordem emanando da autoridade religiosa (Pià Comella, 2012, p. 18).

De maneira geral, a análise do Epítome de Cornuto nos permite contextualizar uma proposta pedagógica para a elite romana, na qual a educação religiosa era um elemento fundamental e deveria garantir que os jovens cumprissem seus deveres religiosos com a cidade, sendo piedosos, observando a importância dos ritos para a ordem. O que deveria garantir a formação de um cidadão cioso de suas obrigações com as divindades, especialmente, com as da pátria e com a família.

Referências

Algra, K. (2006). Teologia estoica. In B. Inwood (Org.), Os estoicos. (p. 171-198, Ferreira, P. F. T. & Fiker, R. Trad.). São Paulo, SP: Odysseus. [ Links ]

Apolodoro. (2002). Biblioteca mitológica (Calderón Felice, J., trad.). Madrid, ES: Akal. [ Links ]

Arantes Junior, E. (2011). Os usos da imagem de Hércules: mito, memória e identidade no mundo romano. Mneme. Revista de Humanidades, 12(30), 53-66. [ Links ]

Arendt, H. (1992). Entre o futuro e o passado (Almeida, M. W. B., Trad.). São Paulo, SP: Perspectiva. [ Links ]

Assmann, J. (2010) La mémoire culturelle: Écriture, souvenir et imaginaire politique dans les civilizations antiques (Meur, D., Trad.). Paris, FR: Aubier. [ Links ]

Bellandi, F. (2003, maggio) Anneo Cornuto nelle Saturae e nella Vita Persi. Gli annei: una famiglia nella storia e nella cultura di Roma Imperiale. In Atti del Convegno internazionale di Milano (p. 185-210). Pavia, Milani: IT. [ Links ]

Brisson, L. (2014). Introdução à filosofia do mito (Baracat Junior, J. C., Trad.). São Paulo, SP: Paulus. [ Links ]

Burkert, W. (1991). Mito e mitologia (Pereira, M. H. R., Trad.). Lisboa, PT: Setenta. [ Links ]

Cassius Dio. (1961). Roman History VIII (Cary, E., trad). London, UK: William Heinemann. [ Links ]

Cornuto. (2009). Repaso de las tradiciones teológicas de los griegos. In Mitógrafos griegos (p. 201-278, Torres Guerra, J. B., Trad). Madrid, ES: Gredos. [ Links ]

Cornutus. (2018). Compendium de Graecae Theologiae Traditionibus (Ed. Torres Guerra, J. B.). Berlin, DE: De Gruyter. [ Links ]

Croiset, M. (1938). Période romaine. In M. Croiset, & A. Croizet, Histoire de La littérature grecque (p. 315-1067, Tome V). Paris, FR: Boccard. [ Links ]

Cugursi, P. (2000, maggio). Lucio Anneo Cornuto esegeta di Virgilio. Gli annei: una famiglia nella storia e nella cultura di Roma Imperiale. In Atti del Convegno internazionale di Milano (p. 211-244). Pavia, Milani, IT. [ Links ]

Dowden, K. & Livingstone, N. (2014). Thinking through myth, thinking myth through. In K. Dowden & N. Livingstone (Eds.), A companion to greek mythology (p. 3-28). Oxford, UK: Blackwell Publishing. [ Links ]

Eliade, M. (1981). O mito do eterno retorno (Torres, M., trad). Lisboa, PT: Setenta [ Links ]

Filóstrato. (1999). Vida de los sofistas (Giner Soria, M. C., Trad.). Madrid, ES: Gredos . [ Links ]

Geetz, C. (1978). A interpretação das culturas (Wrober, F., Trad.). Rio de Janeiro, RJ: Zahar. [ Links ]

Ginzburg, C. (2001). Olhos de madeira: nove reflexões sobre a distância (Brandão, E., Trad.). São Paulo, SP: Companhia das Letras. [ Links ]

Goulet, R. (2005). La méthode allégorique chez stoïciens. In J. B. Gourinant (Éd.), Les stoïciens (p. 93-119). Paris, FR: Librairie philosophique Vrin. [ Links ]

Grimal, P. (2005). Dicionário de mitologia grega e romana (Jabouille, V., Trad.). Rio de Janeiro, RJ: Bertrand Brasil. [ Links ]

Hankinson, R. J. (2006). Epistemologia estoica. In B. Inwood (Org.), Os estoicos (p. 65-93, Ferreira, P. F. T. & Fiker, R., Trad.). São Paulo, SP: Odysseus . [ Links ]

Hartog, F. (2003). Régimes d’historicité. Paris, FR: Seuil. [ Links ]

Homero. (2010) Ilíada (Lourenço, F., Trad.). Lisboa, PT: Cotóvia. [ Links ]

Jaczynowska, M. (1981). Le Culte de l’Hercule romain au temps du hautempire. Aufstieg Niedergang und Romschen Welt, 2(17), 631-670. [ Links ]

Jaeger, W. W. (2010). Paideia: a formação do homem grego (Pereira, A. M., Trad.). São Paulo, SP: Martins Fontes. [ Links ]

Lima, L. C. (1989). A aguarrás do tempo. Rio de Janeiro, RJ: Rocco. [ Links ]

Lima, L. C. (2006). História. Ficção. Literatura. São Paulo, SP: Companhia das Letras . [ Links ]

Most, G. W. (1989). Cornutus and stoic allegoresis: A preliminary report'. Aufstieg Niedergang und Romschen Welt , 3(36), 2014-2065. [ Links ]

Pépin, J. (1976). Mythe et allégorie: les origenes grecques et les contestations judéo-chrétiennes. Paris, FR: Études Augustiniennes. [ Links ]

Pereira, M. H. R. (2009). Estudos de história de cultura clássica-cultura romana. Lisboa, PT: Calouste Gulbenkian. [ Links ]

Pià-Comella, J. (2012). De la nature des dieux de Cicéron à l’Abrégé de Cornutus: une nouvelle représentation des élites dans la réflexion théologique ? Camenae, 10, 1-27. [ Links ]

Schilling, R. L. (1979). Rites, cultes, dieux de rome. Paris, FR: Klincksieck. [ Links ]

Suetonius. (1914). Lives of the Caesars: Claudius. Nero. Galba, Otho, and Vitellius. Vespasian. Titus, Domitian. Lives of Illustrious Men: Grammarians and Rhetoricians . Poets ( Terence. Virgil. Horace. Tibullus. Persius. Lucan ). Lives of Pliny the Elder and Passienus Crispus (2 vols., Rolfe, J. C., Trad). Cambridge, MA: Harvard University Press, 1914. [ Links ]

Torre, C. (2003, maggio). Cornuto, Seneca, i poeti e gli dei. Gli annei: una famiglia nella storia e nella cultura di Roma Imperiale. In Atti del Convegno internazionale di Milano (p. 167-184.). Pavia, Milani, IT . [ Links ]

Torres Guerra, J. B. (2010). Mitos didácticos. El significativo caso de Aneo Cornuto. In E. Borrell Vidal y P. Gómez Cardó (Eds.), Artes ad humanitatem (p. 95-101). Barcelona, ES: Sociedad Española de Estudios Clásicos. [ Links ]

Torres Guerra, J. B. (2016). The Homeric Hymns, Cornutus and the mythographical stream. In A. Faulkner, A. Vergados & A. Schwab (Eds.), The reception of the Homeric Hymns (p. 187-202). Oxford, UK: Oxford University Press. [ Links ]

Vernant, J. P. (1990). Mito e pensamento entre os gregos (Sarian, H., Trad.). Rio de Janeiro, RJ: Paz e Terra. [ Links ]

Vernant, J. P. (1986). ‘Œdipe’ sans complexe. In J. P. Vernant, & P. Vidal-Naquet, Mythe et tragédie en grèce ancienne I (p. 77-98). Paris, FR: Découvert [ Links ]

Wojciechowski, M. (2017, March). Pseudo-Cornutus, his religious physics and the New Testament. Biblica et Patristica Thoruniensia, 10(1), 119-130. [ Links ]

1Por exemplo, o mito de Héracles, cuja narrativa atendia aos mais diferentes interesses sociais, tanto da plebe romana, como da aristocracia senatorial.

2Para uma visão mais panorâmica a respeito da História do Mito Grego, é importante mencionar a coletânea A Companion to Greek Mythology organizada por Ken Dowden e Niall Livingstone (2014) a qual traz em sua introdução elementos atualizados dos estudos referentes ao conceito de mito e seu lugar na cultura. Os organizadores afirmam que a palavra “‘Mito’ (derivada do grego mythos, porém nem sempre ‘mito’ no sentido que o compreendemos) refere-se a uma rede de histórias gregas onde é convencional aplicar o termo "mito". Essa é uma questão, de fato, empírica, não de filosofia ou circular” definição. Conhecemos um mito grego quando o vemos, sendo assim, não há necessidade de definições, orientações ou códigos de prática para identificá-lo como tal. No entanto, não é uma rede aleatória, já que possui forte estrutura de algo sistematizado (Dowden & Livingstone, 2014, p. 3).

3Destacamos o caso de Jair Bolsonaro, presidente eleito do Brasil em 2018, chamado de mito nas redes sociais e em suas aparições públicas.

4As narrativas míticas se adaptam aos diversos contextos socioculturais e políticos. Jean Pierre Vernant analisa esse tema em diversos textos, entretanto, destacamos o artigo Édipo sem complexo (Vernant, 1986), no qual o historiador francês analisa como a psicanálise freudiana se apropriou de uma versão do mito de Édipo, especialmente, a que fora eternizada na tragédia de Sófocles, todavia, essa era uma das versões disponíveis na Antiguidade. Os usos políticos do mito também podem variar de acordo com o contexto, um caso interessante é o uso político do mito de Hércules pelos Generais e Imperadores Romanos, que se aproximam ou afastam suas imagens deste dependendo da imagem que desejam transmitir (Schilling,1979; Jaczynowska, 1981; Arantes Junior, 2011).

5Νέρων Ὀρέστης Ἀλκμαίων μητροκτόνοι.

6Essa inscrição também aparece citada em Suetônio (Nero, 39), presente também em Dion Cássio (História romana, LXII, 16)

7Indicamos o livro Introdução a filosofia do mito, de Luc Brisson (2014), que analisa, detalhadamente, o uso da alegoria como forma de reabilitar o uso dos mitos, o autor fornece ao leitor uma ampla bibliografia especializada para aprofundar no debate (Brisson, 2014). Outro livro importante é o clássico Mythe et allégorie: les origines grecques et les contestations judéo-chrétiennes de Jean Pépin (1976). Para uma visão ampla do uso do método alegórico entre os filósofos estoicos, Richard Goulet (2005) explica que a interpretação praticada pelos filósofos estoicos é uma etapa decisiva na constituição da História da exegese alegórica.

8Qualidade necessária àquele que ocupa uma magistratura, seria uma autoridade honesta (Pereira, 2009, p. 350-352)

9O debate sobre a proximidade de Cornuto e Sêneca pensado por esses critérios é muito frágil, uma vez que a utilização de determinado método de análise das narrativas míticas, é um critério muito duvidoso para pensar uma a proximidade social. Em maio de 2000, na cidade de Milão, houve um congresso internacional sobre a gens annei e seu lugar na cultura da Roma Imperial, nos anais desse evento foi publicado o artigo de Chiara Torre (2003) intitulado Cornuto, Seneca, i poeti e gli dei em que a autora faz uma ampla análise historiográfica das posturas que os autores firmaram sobre o tema desde o tema, até o texto de Most (1989) supracitado. Ele poderia ter sido um liberto ou um cliente da gens Annea, entretanto, temos clareza de sua proximidade com círculos intelectuais importantes desse período.

10Não existem traduções desse texto em português, as traduções são de nossa responsabilidade. O texto original é da edição crítica do Compendium de Graecae Theologiae Traditionibus, publicada por Torres Guerra (2018), esse mesmo especialista é responsável pela tradução espanhola publicada pela Editora Gredos (2009).

11Em consequência, o autor polonês chega a afirmar que: “Portanto, o Epitome é em seu núcleo irreligioso. Tenta reduzir a religião à ciência natural. Os deuses são radicalmente desmitologizados, mesmo que o autor não tenha percebido as consequências de suas abordagens” (Wojciechowski, 2017, p. 123). A necessidade de enquadrar Cornuto em parâmetros modernos coloca a dificuldade dessa posição, que quer ver nesse texto algo que ele não era, um cientista avant la lettre. Nossa postura é que o escritor entendia a relevância das narrativas mitológicas para a vida pública romana, produzindo um texto que orientava o jovem cidadão a uma relação pública condizente com as práticas religiosas romanas.

12Esta postura teológica não era unânime entre os estóicos. Os filósofos da Stoa variavam entre o ateísmo e estas posturas alegóricas.

13Ὁ οὐρανός, ὦ παιδίον, περιέχει κύκλῳ τὴν γῆν καὶ τὴν θάλατταν καὶ τὰ ἐπὶ γῆς καὶ τὰ ἐν θαλάττῃ πάντα καὶ διὰ τοῦτο ταύτης ἔτυχε τῆς προσηγορίας, οὖρος ὢν ἄνω πάντων καὶ ὁρίζων τὴν φύσιν· ἔνιοι δέ φασιν ἀπὸ τοῦ ὠρεῖν ἢ ὠρεύειν τὰ ὄντα, ὅ ἐστι φυλάττειν.

14Περὶ δὲ ἐκείνων καὶ περὶ τῆς θεραπείας τῶν θεῶν καὶ τῶν οἰκείως εἰς τιμὴν αὐτῶν γινομένων καὶ τὰ πάτρια καὶ τὸν ἐντελῆ λήψῃ λόγου οὕτω μόνον ὡς εἰς τὸ εὐσεβεῖν ἀλλὰ μὴ εἰς τὸ δεισιδαιμονεῖν εἰσαγομένων τῶν νέων καὶ θύειν τε καὶ εὔχεσθαι καὶ προσκυνεῖν καὶ ὀμνύειν κατὰ τρόπον καὶ ἐν τοῖς ἐπιβάλλουσι καιροῖς καθ᾿ἣν ἁρμόττει συμμετρίαν διδασκομένων.

15O exemplo do Imperador Augusto ilustra bem todas as mudanças efetuadas em seu governo são acompanhadas por um discurso de restauração e permanência. Não estaria criando nada de novo, mas apenas ordenando a vida social nos moldes já existentes.

16Ἀλλὰ τῆς μὲν Ἡσιόδου [γενεαλογίας] τελειοτέρα ποτ’ἂν ἐξήγησίς σοι γένοιτο, τὰ μέν τινα, ὡς οἶμαι, παρὰ τῶν ἀρχαιοτέρων αὐτοῦ παρειληφότος, τὰ δὲ μυθικώτερον ἀφ᾿αὑτοῦ προσθέντος, ᾧ τρόπῳ καὶ πλεῖστα τῆς παλαιᾶς θεολογίας διεφθάρη· νῦν δὲ τὰ βεβοημένα παρὰ τοῖς πλείστοις ἐπισκεπτέον.

17Em grego: “Ὥσπερ δὲ ἡμεῖς ὑπὸ ψυχῆς διοικούμεθα, οὕτω καὶ ὁ κόσμος ψυχὴν ἔχει τὴν συνέχουσαν αὐτὸν, καὶ αὕτη καλεῖται Ζεύς”.

18Ver nota 4.

19No grego: “Ἀργειφόντης δέ ἐστιν οἷον ἀργεφάντης ἀπὸ τοῦ λευκῶς πάντα φαίνειν καὶ σαφηνίζειν - τὸ γὰρ λευκὸν ἀργὸν ἐκάλουν οἱ παλαιοί - ἢ ἀπὸ τῆς κατὰ τὴν φωνὴν ταχυτῆτος - καὶ γὰρ τὸ ταχὺ ἀργὸν λέγεται”

20Ἐκ δὲ Μαίας ἔφασαν γεγεννῆσθαι Διῒ τὸν Ἑρμῆν ὑποδηλοῦντες πάλιν διὰ τούτου θεωρίας καὶ ζητήσεως γέννημα εἶναι τὸν λόγον· καὶ γὰρ αἱ μαιούμεναι τὰς γυναῖκας ἐντεῦθεν εἴρηνται μαῖαι τῷ ὡσὰν ἐξ ἐρεύνης προάγειν εἰς φῶς τὰ βρέφη.

21Παραστῆσαι δὲ αὐτοῦ τὴν δύναμιν καὶ διὰ τῶν ἀπεμφαινόντων θέλοντες κλέπτην αὐτὸν παρέδωκαν καὶ Δολίου Ἑρμοῦ βωμὸν ἔνιοι ἐνιδρύσαντο· λανθάνει γὰρ ὑφαιρούμενος τὰ προδεδογμένα τοῖς ἀνθρώποις καὶ κλέπτων ἔσθ’ ὅτε τῇ πιθανότητι τὴν ἀλήθειαν, ὅθεν τινὰς καὶ ἐπικλόποις λόγοις χρῆσθαι λέγουσι· καὶ γὰρ τὸ σοφίζεσθαι τῶν εἰδότων λόγῳ χρῆσθαι ἴδιόν ἐστι.

22No grego: Πέδιλα δὲ φέρει πτερωτὰ καὶ δι' ἀέρος φέρεται συμφώνως τῷ καθὼς εἴρηται τὰ ἔπη πτερόεντα.”

23For example, the myth of Heracles, whose narrative served the most different social interests, both of the Roman plebs and the senatorial aristocracy.

24For a more panoramic view of the History of Greek Myth, it is important to mention the collection A Companion to Greek Mythology organized by Ken Dowden and Niall Livingstone (2014). This book brings in its introduction updated elements of studies related to the concept of myth and its place in culture. Organizers claim that the word “'Myth' (derived from the Greek mythos, but not always 'myth' as we understand it) refers to a network of Greek stories where it is conventional to apply the term “myth”. This is, in fact, an empirical question, not a philosophy or circular” definition. We know a Greek myth when we see it, so there is no need for definitions, guidelines, or codes of practice to identify it as such. However, it is not a random network, as it has a strong structure of something systematized (Dowden & Livingstone, 2014, p. 3).

25We highlight the case of Jair Bolsonaro, president-elect of Brazil in 2018, called a myth on social networks and in his public appearances.

26The mythical narratives adapt to different sociocultural and political contexts. Jean Pierre Vernant analyzes this theme in several texts, however, we highlight the article Oedipus without a complex (Vernant, 1986), in which the French historian analyzes how Freudian psychoanalysis appropriated a version of the Oedipus myth, especially the one that had been eternalized in Sophocles’ tragedy, however, this was one of the versions available in antiquity. The political uses of the myth can also vary according to the context, an interesting case is the political use of the myth of Hercules by Roman Generals and Emperors, who approach or distance their images from it depending on the image they want to convey (Schilling,1979; Jaczynowska, 1981; Arantes Junior, 2011).

27Νέρων Ὀρέστης Ἀλκμαίων μητροκτόνοι.

28This inscription is also cited in Suetonius (Nero, 39) and is also present in Dio Cassius (History of Rome, LXII, 16)

29We recommend the book Introduction to the philosophy of myth, by Luc Brisson (2014), which analyzes in detail the use of allegory as a way to rehabilitate the use of myths. The author provides the reader with a wide, specialized bibliography to deepen the debate (Brisson, 2014). Another important book is the classic Mythe et allégorie: les origines grecques et les judeo-chrétiennes contestations by Jean Pépin (1976). For a broad view of the use of the allegorical method among Stoic philosophers, Richard Goulet (2005) explains that the interpretation practiced by Stoic philosophers is a decisive step in the constitution of the History of allegorical exegesis.

30The debate about the proximity between Cornutus and Seneca thought by these criteria is very fragile, since the use of a certain method of analysis of mythical narratives is a very dubious criterion for thinking about social proximity. In May 2000, in Milan, there was an international congress on the gens annei and its place in the culture of Imperial Rome. In the annals of this event an article by Chiara Torre (2003) entitled Cornuto, Seneca, i poeti e gli dei was published. I found that the author makes a broad historiographical analysis of the positions that the authors established on the subject, from the subject to the text by Most (1989) mentioned above. He could have been a freedman or a client of the Annea gens. However, we are clear about his proximity to important intellectual circles of this period..

31There are no translations of this text in Portuguese, the translations are our responsibility. The original text is from the critical edition of the Compendium de Graecae Theologiae Traditionibus, published by Torres Guerra (2018). This same specialist is responsible for the Spanish translation published by Editora Gredos (2009).

32This theological stance was not unanimous among the Stoics. Stoa philosophers ranged between atheism and these allegorical postures.

33Ὁ οὐρανός, ὦ παιδίον, περιέχει κύκλῳ τὴν γῆν καὶ τὴν θάλατταν καὶ τὰ ἐπὶ γῆς καὶ τὰ ἐν θαλάττῃ πάντα καὶ διὰ τοῦτο ταύτης ἔτυχε τῆς προσηγορίας, οὖρος ὢν ἄνω πάντων καὶ ὁρίζων τὴν φύσιν· ἔνιοι δέ φασιν ἀπὸ τοῦ ὠρεῖν ἢ ὠρεύειν τὰ ὄντα, ὅ ἐστι φυλάττειν.

34Περὶ δὲ ἐκείνων καὶ περὶ τῆς θεραπείας τῶν θεῶν καὶ τῶν οἰκείως εἰς τιμὴν αὐτῶν γινομένων καὶ τὰ πάτρια καὶ τὸν ἐντελῆ λήψῃ λόγου οὕτω μόνον ὡς εἰς τὸ εὐσεβεῖν ἀλλὰ μὴ εἰς τὸ δεισιδαιμονεῖν εἰσαγομένων τῶν νέων καὶ θύειν τε καὶ εὔχεσθαι καὶ προσκυνεῖν καὶ ὀμνύειν κατὰ τρόπον καὶ ἐν τοῖς ἐπιβάλλουσι καιροῖς καθ᾿ἣν ἁρμόττει συμμετρίαν διδασκομένων.

35The example of Emperor Augustus illustrates well that all the changes made in his government are accompanied by a discourse of restoration and permanence. He would not be creating anything new, but just ordering social life in the already existing molds.

36Ἀλλὰ τῆς μὲν Ἡσιόδου [γενεαλογίας] τελειοτέρα ποτ’ἂν ἐξήγησίς σοι γένοιτο, τὰ μέν τινα, ὡς οἶμαι, παρὰ τῶν ἀρχαιοτέρων αὐτοῦ παρειληφότος, τὰ δὲ μυθικώτερον ἀφ᾿αὑτοῦ προσθέντος, ᾧ τρόπῳ καὶ πλεῖστα τῆς παλαιᾶς θεολογίας διεφθάρη· νῦν δὲ τὰ βεβοημένα παρὰ τοῖς πλείστοις ἐπισκεπτέον.

37See note 4.

38In Greek: “Ἀργειφόντης δέ ἐστιν οἷον ἀργεφάντης ἀπὸ τοῦ λευκῶς πάντα φαίνειν καὶ σαφηνίζειν - τὸ γὰρ λευκὸν ἀργὸν ἐκάλουν οἱ παλαιοί - ἢ ἀπὸ τῆς κατὰ τὴν φωνὴν ταχυτῆτος - καὶ γὰρ τὸ ταχὺ ἀργὸν λέγεται”

39Ἐκ δὲ Μαίας ἔφασαν γεγεννῆσθαι Διῒ τὸν Ἑρμῆν ὑποδηλοῦντες πάλιν διὰ τούτου θεωρίας καὶ ζητήσεως γέννημα εἶναι τὸν λόγον· καὶ γὰρ αἱ μαιούμεναι τὰς γυναῖκας ἐντεῦθεν εἴρηνται μαῖαι τῷ ὡσὰν ἐξ ἐρεύνης προάγειν εἰς φῶς τὰ βρέφη.

40Παραστῆσαι δὲ αὐτοῦ τὴν δύναμιν καὶ διὰ τῶν ἀπεμφαινόντων θέλοντες κλέπτην αὐτὸν παρέδωκαν καὶ Δολίου Ἑρμοῦ βωμὸν ἔνιοι ἐνιδρύσαντο· λανθάνει γὰρ ὑφαιρούμενος τὰ προδεδογμένα τοῖς ἀνθρώποις καὶ κλέπτων ἔσθ’ ὅτε τῇ πιθανότητι τὴν ἀλήθειαν, ὅθεν τινὰς καὶ ἐπικλόποις λόγοις χρῆσθαι λέγουσι· καὶ γὰρ τὸ σοφίζεσθαι τῶν εἰδότων λόγῳ χρῆσθαι ἴδιόν ἐστι.

41In Greek: Πέδιλα δὲ φέρει πτερωτὰ καὶ δι' ἀέρος φέρεται συμφώνως τῷ καθὼς εἴρηται τὰ ἔπη πτερόεντα.”

Recebido: 19 de Novembro de 2020; Aceito: 04 de Março de 2021

*E-mail: edson.arantes@ueg.br

Edson Arantes Junior: Doutor em História pela Universidade Federal de Goiás. Professor de História Antiga da Universidade Estadual de Goiás - Campus Norte-Sede Uruaçu, docente do mestrado em História da UEG. ORCID: http://orcid.org/0000-0002-6624-9242 E-mail: edson.arantes@ueg.br

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons