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Acta Scientiarum. Education

versão impressa ISSN 2178-5198versão On-line ISSN 2178-5201

Acta Educ. vol.43  Maringá  2021  Epub 01-Set-2021

https://doi.org/10.4025/actascieduc.v43i0.54767 

HISTÓRIA E FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO

A Revista Retratos da Escola no contexto da formação política pedagógica dos professores

La Revista Retratos da Escola en el contexto de la formación pedagógica y política de docentes

Cristina Cardoso1  * 
http://orcid.org/0000-0002-0563-1413

Andréa Barbosa Gouveia1 
http://orcid.org/0000-0002-8260-2720

*Universidade Estadual do Paraná, Rua Comendador Ferreira Júnior, 117, 83203-560, Paranaguá, Paraná, Brasil.


RESUMO.

O artigo tem como foco a ação sindical e a formação continuada político-pedagógica de professores, analisando especificamente o potencial de contribuição da revista Retratos da Escola, publicação da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE). O objetivo central deste artigo foi mapear os editorais à luz da conjuntura educacional contemporânea, de forma a caracterizar o potencial da revista em apresentar o contexto nacional para a realidade escolar, o que é próprio dos debates de uma organização sindical nacional. A pesquisa documental tem como fonte os editoriais da publicação disponíveis na rede mundial de computadores. O texto estrutura-se em três eixos: considerações sobre a formação política dos professores; breve histórico da revista; mapeamento e análise de seus editoriais. A revista oferece uma análise histórica e política da realidade educacional brasileira, articulando-a com a conjuntura social; transita entre os temas da agenda nacional e demandas, que são específicas da escola, o que é possível considerando-se que tanto uns quanto os outros são fruto do tensionamento social; oferece um registro histórico dos avanços e retrocessos na educação do país, que contribuirá também como registro para as novas gerações de professores e professoras dos processos da política, o movimento da política educacional, global, em que se travam as lutas, constroem-se avanços e geram-se retrocessos para a categoria no país.

Palavras-chave: políticas educacionais; sindicalismo docente; formação de professores

RESUMEN.

El artículo se centra en la acción sindical y la formación político-pedagógica continua del profesorado, analizando específicamente el potencial de contribución de la revista Retratos da Escola, publicación de la Confederación Nacional de Trabajadores de la Educación (CNTE). El objetivo principal de este artículo fue mapear las editoriales a la luz de la situación educativa contemporánea, a fin de caracterizar el potencial de la revista para presentar el contexto nacional de la realidad escolar, propio de los debates de una organización sindical nacional. La investigación documental se basa en las editoriales de la publicación disponibles en la World Wide Web. El texto se estructura en tres ejes: consideraciones sobre la formación política del profesorado; breve historia de la revista; mapeo y análisis de sus editoriales. La revista ofrece un análisis histórico y político de la realidad educativa brasileña, articulándola con el contexto social; se mueve entre los temas de la agenda nacional y las demandas, propias de la escuela, lo cual es posible considerando que tanto uno como los otros son producto de la tensión social; ofrece un registro histórico de los avances y retrocesos de la educación en el país, que también aportará como registro para las nuevas generaciones de docentes de los procesos políticos, el movimiento de política educativa global, en el que se libran luchas, se construyen avances y se generan retrocesos para la categoría en el país.

Palabras-clave: políticas educativas; sindicalismo docente; formación de profesores

ABSTRACT.

The article focuses on union action and the continued political-pedagogical education of teachers, specifically analyzing the potential contribution of the Retratos da Escola journal, a publication of the National Confederation of Workers in Education (CNTE). The main objective of this article was to map the editors in the light of the contemporary educational environment, in order to characterize the journal's potential to present the national context for the school reality, which is proper to the debates of a national union organization. The documentary research has as its source the editorials of the publication available in the world wide web. The text is structured in three axes: considerations on teacher political education; brief history of the journal; mapping and analysis of its editorials. The journal offers a historical and political analysis of the Brazilian educational reality, articulating it with the social conjuncture; it debates the national agenda and demands that are specific to the school, which is possible considering that both are the result of social tension; it offers a historical record of the advances and setbacks in the country's education, contributing as well as a record to the new generations of teachers regarding political processes, the global educational policy movement, in which the struggles take place, advances are made and setbacks are generated for the category in the country.

Keywords: educational policies; teacher unionism; teacher education

Introdução1

A necessidade de formação do professor pode ser compreendida como um campo que vai além das questões pedagógicas relacionadas com a sua disciplina. Cada vez mais a complexidade do mundo contemporâneo impõe aos professores um amplo espectro de conhecimentos acadêmicos e atualizações sobre a política, política educativa, as questões sociais e questões específicas do conhecimento relacionadas às disciplinas de sua área de formação. Compreender sua disciplina em um contexto mais amplo pode ser uma estratégia para diminuir as frustações frente aos desafios cotidianos, numa perspectiva de que há problemas que são do tempo em que se vive e não apenas da sua escola ou de seus estudantes (Pereira, 2017).

O amplo acesso a diversas publicações sobre todos os assuntos supramencionados é também possível, mas esses veículos acabam sendo capilarizados e dispersos. Muitas vezes, o próprio profissional não relaciona o seu saber específico com outras demandas por ausência de debates no processo de formação, dadas a falta de tempo e de oportunidades, resultado das suas condições de trabalho. A revista Retratos da Escola - publicação da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação, que será mencionada como CNTE daqui por diante - é um veículo acadêmico sindical, que tem, ao longo da sua existência, comportado publicações que debatem, elucidam e apresentam temáticas relacionadas ao trabalho em educação. Ela tem potencial para uma contribuição significativa em um dos aspectos que constitui a formação continuada, a formação político-pedagógica dos trabalhadores em educação, sendo uma das raras publicações com essa natureza especificamente acadêmica sindical do país e, por comportar uma diversidade de assuntos necessários ao saber dos professores e demais trabalhadores em educação, é objeto do presente artigo.

O objetivo central deste artigo foi mapear os editorais à luz da conjuntura educacional contemporânea, de forma a caracterizar o potencial da revista em trazer o contexto nacional para a realidade escolar, o que é próprio dos debates de uma organização sindical nacional. Para tanto, o texto está organizado em três momentos: no primeiro momento, apresentam-se considerações sobre a formação política e pedagógica dos professores; no segundo, expõe-se um breve histórico da revista, tomando como base a leitura de seus editoriais e a entrevista feita com a professora Juçara Vieira (Vieira, 2019 2), presidente da CNTE entre 2002 e 2008, uma das responsáveis pela criação da revista; no último momento, faz-se um levantamento e uma análise do conteúdo da Retratos da Escola com base nos editoriais, buscando relacioná-los com a conjuntura educacional brasileira.

Algumas considerações sobre a formação política pedagógica dos professores

Gindin (2011), ao investigar o sindicalismo docente na América Latina, afirma a formação dos professores como uma das dimensões que o Estado assume na regulação do trabalho docente. Ao longo de sua pesquisa, escreve que o Estado tem com os professores do setor público uma íntima relação, já que deu uma nova missão ao trabalho docente no século XIX e passou a ser o principal empregador, colocando como tarefa a formação dos professores, regulamentando-a como atividade.

Uma das formas pelas quais essa força do Estado se apresenta na regulação do trabalho docente é pela definição do arcabouço legal. Essa dimensão também é destacada por exemplo em Fischman e Razquin (2019). Ao analisarem os conflitos sobre o sistema de formação de professores na Argentina, ressaltam a centralidade das mudanças legais na conformação da profissão docente e o papel dos sindicatos na disputa desse processo. No caso brasileiro, também é possível constatar uma ampla e contínua disputa pelos sentidos e formas de implementação das políticas de formação (Dourado, 2015; Gatti, 2016), que têm permeado a política educacional, tal como o mais recente embate sobre as alterações da Resolução do Conselho Nacional de Educação nas diretrizes para formação de professores no âmbito das licenciaturas. No Brasil, tanto as entidades sindicais quanto as entidades de estudos e pesquisas em educação têm sido atores fortes na disputa que envolve a produção da legislação e as políticas de implementação dessas.

O conjunto de orientações sobre como a formação de professores organiza as condições do exercício profissional, tanto em termos de licença para a atuação profissional (Resolução, 2009) quanto das condições para o desenvolvimento profissional, com previsão de formação continuada, inclusive como elemento constitutivo da valorização dos trabalhadores, nos termos da LDB 9394/1996.

Quando da aprovação das Diretrizes Curriculares para formação de professores, Dourado (2015, 2016) destacava a amplitude da formação continuada num projeto educacional:

Segundo as novas DCNs, a formação continuada compreende dimensões coletivas, organizacionais e profissionais, bem como o repensar do processo pedagógico, dos saberes e valores, e envolve atividades de extensão, grupos de estudos, reuniões pedagógicas, cursos, programas e ações para além da formação mínima exigida ao exercício do magistério na educação básica, tendo como principal finalidade a reflexão sobre a prática educacional e a busca de aperfeiçoamento técnico, pedagógico, ético e político do profissional docente (Dourado, 2015, p. 312).

A revogação das diretrizes fixadas na Resolução 2/2015, bastante criticada pelas entidades nacionais de pesquisa em educação (ANFOPE, 2019) e sua substituição pela Resolução 2/2019 do Conselho Nacional de Educação, responde a uma visão reducionista da formação de professores e pragmática, ao promover o alinhamento entre a formação e a Base Nacional Comum Curricular (Farias, 2019). A análise desse aspecto foge do escopo deste artigo, mas salienta-se que, mesmo na versão 2019, a questão da formação continuada segue em relevo, ao ser definida no documento como parte de um projeto de formação:

A formação continuada que deve ser entendida como componente essencial para a profissionalização docente, devendo integrar-se ao cotidiano da instituição educativa e considerar os diferentes saberes e a experiência docente, bem como o projeto pedagógico da instituição de Educação Básica na qual atua o docente (Resolução, 2019, p. 3).

A chave com que a Resolução apresenta a questão se diferencia da ideia de valorização e reafirma a profissionalização, outra dimensão que se pode considerar permeada por disputas de concepção de sentido para a política educacional (Oliveira, 2010). Nesse contexto, cabe considerar que a formação continuada dos professores, além de ser função dos sistemas de ensino como mantenedores do sistema educacional, pode ser considerada como espaço de confronto de concepção entre diferentes grupos sociais, dentre os quais, os sindicatos de professores que têm disputado o protagonismo. Por outro lado, os cursos de formação inicial nem sempre comportam a formação política do professor, de forma que lhe seja oportunizada a condição de compreender sua profissão no contexto social ou as especificidades da sua carreira. Entre os princípios que norteiam a base comum nacional para a formação inicial e continuada estão elencados:

compromisso com a igualdade e a equidade educacional, como princípios fundantes da BNCC;

reconhecimento de que a formação de professores exige um conjunto de conhecimentos, habilidades, valores e atitudes, que estão inerentemente alicerçados na prática, a qual precisa ir muito além do momento de estágio obrigatório, devendo estar presente, desde o início do curso, tanto nos conteúdos educacionais e pedagógicos quanto nos específicos da área do conhecimento a ser ministrado;

respeito pelo direito de aprender dos licenciandos e compromisso com a sua aprendizagem como valor em si mesmo e como forma de propiciar experiências de aprendizagem exemplares que o professor em formação poderá vivenciar com seus próprios estudantes no futuro;

reconhecimento do direito de aprender dos ingressantes, ampliando as oportunidades de desenvolver conhecimentos, habilidades, valores e atitudes indispensáveis para o bom desempenho no curso e para o futuro exercício da docência;

atribuição de valor social à escola e à profissão docente de modo contínuo, consistente e coerente com todas as experiências de aprendizagem dos professores em formação;

fortalecimento da responsabilidade, do protagonismo e da autonomia dos licenciandos com o seu próprio desenvolvimento profissional;

integração entre a teoria e a prática, tanto no que se refere aos conhecimentos pedagógicos e didáticos, quanto aos conhecimentos específicos da área do conhecimento ou do componente curricular a ser ministrado;

centralidade da prática por meio de estágios que enfoquem o planejamento, a regência e a avaliação de aula, sob a mentoria de professores ou coordenadores experientes da escola campo do estágio, de acordo com o Projeto Pedagógico do Curso (PPC);

reconhecimento e respeito às instituições de Educação Básica como parceiras imprescindíveis à formação de professores, em especial as das redes públicas de ensino;

engajamento de toda a equipe docente do curso no planejamento e no acompanhamento das atividades de estágio obrigatório;

estabelecimento de parcerias formalizadas entre as escolas, as redes ou os sistemas de ensino e as instituições locais para o planejamento, a execução e a avaliação conjunta das atividades práticas previstas na formação do licenciando;

aproveitamento dos tempos e espaços da prática nas áreas do conhecimento, nos componentes ou nos campos de experiência, para efetivar o compromisso com as metodologias inovadoras e os projetos interdisciplinares, flexibilização curricular, construção de itinerários formativos, projeto de vida dos estudantes, dentre outros;

avaliação da qualidade dos cursos de formação de professores por meio de instrumentos específicos que considerem a matriz de competências deste Parecer e os dados objetivos das avaliações educacionais, além de pesquisas científicas que demostrem evidências de melhoria na qualidade da formação;

adoção de uma perspectiva intercultural de valorização da história, da cultura e das artes nacionais, bem como das contribuições das etnias que constituem a nacionalidade brasileira (Resolução, 2019).

Essa amplitude elencada nesses princípios não é possível sem a formação na sua dimensão política. Não se afirma aqui que os cursos de graduação e ou de formação continuada deveriam realizar a formação dos professores, exclusivamente, da perspectiva política, posto que profissionalização implica domínio técnico do seu campo de saber. Outra consideração oportuna sobre a dimensão política dos referidos processos é que essa extrapola o debate conceitual, efetivando-se também na experiência vivida ao longo da formação. É por exemplo o que ocorre em experiências de movimentos sociais, como o movimento estudantil, que marcam as trajetórias de alguns estudantes, contribuindo, assim, para sua formação. Porém, são dimensões que estão além do controle estrito do que é a formação inicial acadêmica. Do mesmo modo, seria muito difícil que durante um curto espaço de tempo fosse possível formar o profissional para o exercício da docência com pleno conhecimento pedagógico e político. Explicado isso, observa-se que, ao longo da carreira, parte dos docentes e trabalhadores da educação percebe que a compreensão das suas condições de trabalho estão além do fazer pedagógico e/ou do que esse conhecimento por si só alcança, já que as mudanças políticas são dinâmicas e nem sempre os acontecimentos correspondem aos tempos de formação. Portanto, parece justo afirmar que, dada a dinâmica da realidade, as novas necessidades de formação se colocam nesse movimento histórico.

Cabe considerar que cada grupo político, que se torna dirigente do estado, e por consequência da gestão da educação, traz consigo um projeto de sociedade e, obviamente, de educação. O termo dirigente aqui refere-se ao sentido tratado por Gramsci (2004). As disputas aí contidas precisam ser compreendidas por aqueles que vislumbram uma educação de qualidade social para todos e todas.

Entre os interesses de diferentes projetos estatais, no que se refere à formação de professores, encontra-se o papel que os agentes privados ligados ao mercado têm desempenhado no setor público, priorizando os interesses do capital (Caetano, 2019); o fato de as próprias redes, em um sistema descentralizado como o brasileiro, apresentam uma diversidade de projetos de formação, mesmo quando feitos inteiramente na esfera pública; e, finalmente, nesse campo, em que os sindicatos podem ser entendidos também como agentes privados, que disputam a direção dos processos de formação política em uma direção oposta aos interesses de mercado (Andrade, 2017). Afinal, não existe nenhuma formação ou ação educativa isenta de interesse político, embora esse nem sempre se encontre explícito, como já escreveram Evangelista e Shiroma.

As providências concretas para o exercício do controle político-ideológico sobre o magistério envolvem sua formação e sua atuação profissional. Ou seja, a reforma dos anos de 1990, e seu prosseguimento no novo século, atingiu todas as esferas da docência: currículo, livro didático, formação inicial e contínua, carreira, certificação, lócus de formação, uso das tecnologias da informação e comunicação, avaliação e gestão (Evangelista & Shiroma, 2007, p. 538).

Dessa perspectiva, sendo a CNTE um espaço de construção da resistência e, por seus documentos, formações e debates se situarem no campo que defende os interesses dos seus filiados, os trabalhadores de educação, a revista Retratos da Escola apresenta-se como um instrumento para uma formação individual ou como roteiro de uma formação coletiva, que abarca temáticas essenciais dos últimos 20 anos da educação do nosso país. O que se destaca nessa publicação é, em sendo um veículo sindical, seu diferencial editorial acadêmico-científico, com análises densas, que procuram atender às demandas dos professores da Educação Básica, mantendo uma interface com a luta por modificações e transformações na educação e na sociedade. Nessa direção, a escola ESFORCE e suas publicações apresentam-se como uma possibilidade de contribuir para transformações na educação e na sociedade, como se poderá observar no mapeamento dos artigos publicados nos diferentes números da revista. Tem-se ali uma retrospectiva dos embates que a categoria tem enfrentado, bem como das leis que têm sido efetivadas e como se situam na história.

Escola de formação da CNTE: ESFORCE

A Escola de Formação da CNTE (ESFORCE) é uma escola virtual dentro da estrutura dessa instituição, onde se fazem publicações e cursos voltados para a formação dos dirigentes sindicais, os quais, por meio de seus sindicatos filiados à Confederação, podem replicar em suas bases, visto que o material do curso fica disponível no site para consulta e utilização. A ESFORCE foi criada em 2003, agregando a sua base de dados materiais que já haviam sido produzidos, como os da Internacional da Educação e pelo sindicato do Mato Grosso. Além desses materiais específicos de formação, existem várias publicações periódicas, dentre as quais destacam-se a revista Mátria, voltada às questões das mulheres (disponível na plataforma da CNTE/Esforce desde o ano de 2003); os cadernos de Educação (disponível no site desde 2009); além de amplo material de formação político-sindical (pesquisas, cartilhas, subsídios e sistematizações de encontros e reuniões). A ESFORCE abriga, desde 2008, também a revista Retratos da Escola, um tipo de publicação pouco comum no país, por isso foco desta análise.

De acordo com relato de Juçara Vieira em entrevista, presidente da CNTE entre os anos de 2002 e 2008, e atualmente parte do corpo editorial da revista, a Retratos da Escola foi uma iniciativa que decorreu da necessidade percebida pela entidade de organizar um processo formativo sistematizado na e da CNTE. Assim, pelas palavras de Vieira, a revista é

[...] voltada para os profissionais da educação básica. Ainda colaboro com a revista Retratos da Escola, que foi uma inciativa da minha época como dirigente, achando que era fundamental ter um processo formativo na CNTE, por meio de uma escola de formação chamada ESFORCE, de vários elementos, entre os quais a produção de uma revista científica, voltada para os profissionais da educação básica, em nada menos válida que outros trabalhos científicos, mas pensando em textos menores para as urgências que têm os profissionais da Educação Básica (Vieira, 2019).

Para a criação da revista acadêmica sindical foi necessário estabelecer um vínculo com a Academia, o que se constituiu com a Universidade Nacional de Brasília (UnB). O professor Luiz Fernandes Dourado, da Universidade Federal de Goiás (UFG), foi o primeiro editor da publicação nesse formato, atuando na função de 2008 até 2014, ano em que a professora Leda Scheibe da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), que já era membro do comitê editorial, assumiu a editoria. A revista organiza-se na forma de dossiês temáticos. Na primeira edição nesse formato, o texto do editorial explica:

Retratos da Escola abrigará estudos, análises e pesquisas que tenham por foco a escola e o protagonismo de seus profissionais. A linha editorial, portanto, possui um eixo específico, abrangendo: (i) formação profissional; (ii) trabalho educativo, condições e práticas; e (iii) organização escolar e dos sistemas [...]. Na nova proposta editorial de periódico científico para a educação básica, estruturamos Retratos da Escola nas seções: Entrevista, Artigo, Resenha e Documento (Dourado, 2008, p. 7).

Ao longo da existência de Retratos da Escola, essa estrutura se manteve com algumas variações quanto à distribuição dos temas. Observa-se que a partir do ano de 2018 o número da revista passa a se quadrimestral e mantém uma versão em português e em espanhol, o que se articula com a ação na CNTE no âmbito da Internacional da Educação. Os títulos de cada dossiê no seu formato acadêmico sindical seguem na Tabela 1.

Como se pode perceber, os títulos das revistas acompanham os acontecimentos educacionais do país, abrangendo tanto uma pauta sindical mais voltada especificamente às condições da categoria, em sentido mais corporativo, como também se dedica aos temas do conteúdo da política educacional com enfoque nas disputas pedagógicas, na gestão do sistema de ensino, na organização das diferentes etapas e modalidades. Dessa forma, oportunizam acesso a subsídios científicos ao debate educacional. O acesso à revista, somente disponível em formato eletrônico, é livre e gratuito.

Tabela 1 Títulos da revista desde a sua configuração acadêmica sindical. 

Ano Título das revistas / Dossiês
2008 Formação de Professores: Impasses e Perspectivas
2009 Financiamento e Gestão da Educação Básica Funcionário de Escola: Identidade e Profissionalização
2010 Estado, Políticas e Educação: O Novo PNE Educação Básica Obrigatória
2011 Ensino Médio e Educação Profissional Educação Infantil
2012 Federalismo e Educação Condições de Trabalho e Saúde dos Profissionais da Educação
2013 Avaliação da Educação Básica Educação e Diversidade
2014 Educação Básica: Políticas e Processos Mundiais PNE 2014-2024: Desafios para Educação Brasileira
2015 Diversidade na Escola: Gênero e Sexualidade Base Nacional Comum: Projetos Curriculares em Disputa
2016 Valorização Profissional: Piso Salarial e Carreira 20 Anos de LDB
2017 A Reforma do Ensino Médio em Questão Privatização da e na Educação: Projetos Societários em Disputa
2018 CONAPE 2018: Carta de Belo Horizonte (Des)Democratização da Educação Brasileira Educação: 30 anos de Constituição Federal
2019 Custo Aluno-Qualidade: A Quem Interessa? A BNCC e a Formação de Professores: Concepções, Tensões, Atores e Estratégias Ataques à Educação: Um Balanço de Perdas e Danos

Com base nos editoriais de cada volume da revista, pode-se ter um mapeamento dos propósitos e uma organização da história recente das políticas e demandas educacionais no país. Sem a pretensão de esgotar a discussão, a seguir apresenta-se uma análise temática dos editoriais (Lapadat, 2010) cotejando-os com a história da revista.

Editoriais

Os editoriais contam a história da revista que, por sua vez, conta parte da história da educação nos últimos vinte anos. Assim, a revista aprofunda as discussões sobre a educação brasileira, como apresentado em seu primeiro número. Esse novo formato e a nova linha editorial de renovado conteúdo pretendem dar início a um patamar de reflexões sobre a educação brasileira. É assim que Retratos da Escola procura se estruturar, promovendo sua consolidação institucional por meio dessas alterações substantivas na concepção gráfica e aprofundando a densidade das análises (Dourado, 2008).

A revista direciona cada dossiê para questões essenciais da conjuntura. No primeiro número (2008) em formato acadêmico sindical foi publicado um dossiê, no segundo ano do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, ano da emblemática aprovação da Lei do Piso Salarial Nacional e de intensos debates sobre a formação dos trabalhadores no âmbito do CNE e da CAPES. O primeiro dossiê dedica-se à questão específica da formação de professores, opção que o editor justifica:

O nosso objetivo é contribuir para a discussão e a avaliação dos atuais marcos e políticas que têm como objeto a própria educação dos professores brasileiros, vital para se traçar um futuro auspicioso para a docência nacional e, por consequência, aprimorar a qualidade educacional no País (Dourado, 2008, p. 13).

O segundo número (2009), já com dois dossiês, volta-se para o debate do financiamento e da gestão da educação, quando as conferências municipais e estaduais preparatórias para a primeira Conferência Nacional de Educação CONAE/2010 estavam em curso. O editorial destaca o evento como um instrumento de participação popular e a intenção do dossiê em contribuir com os debates no contexto das conferências locais de educação. Cabe relevância para o fato de, em 2009, já estar em vigor o Fundo de Manutenção de Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB) e os debates sobre a necessidade de ampliação dos recursos para educação serem intensos (Pinto, 2009).

O segundo dossiê de 2009, volume 3 da revista, dedica-se a uma categoria de ator na escola, sob o título ‘Funcionário de escola: identidade e profissionalização’. Essa edição analisa a construção da identidade e profissionalização desse segmento de trabalhadores nas escolas, debate que se articula à conjuntura de importante conquista do movimento sindical na valorização dos funcionários de escola, com a aprovação da emenda à Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), que estabeleceu as bases para o reconhecimento dos funcionários de escola, desde que devidamente habilitados, como profissionais da educação.

O ano de 2009 terminou com a aprovação da Emenda Constitucional 59, que ampliou a obrigatoriedade da educação brasileira. Assim, os temas de 2010 são articulados pelo eixo central dos debates da CONAE/2010, que se deram com intensas discussões e a participação de diversos segmentos da sociedade. Da conferência resultou o Plano Nacional de Educação (2011-2020).

O primeiro dossiê de 2010, ‘Estado, Políticas e Educação: o novo PNE’, com o propósito de trazer subsídios para as discussões desse assunto, compõe-se de temáticas, que objetivaram apresentar reflexões, avaliações e proposições relacionadas ao documento. O propósito era alcançar uma larga participação da sociedade, em um momento de intenso processo democrático. O segundo dossiê de 2010 apresentou um debate sobre o direito à educação. A discussão se deu a partir da EC n. 59/09.

À medida em que alterou a Constituição Federal, dispondo sobre a redução anual do percentual da Desvinculação das Receitas da União (DRU), incidente sobre os recursos destinados à manutenção e desenvolvimento do ensino de que trata o art. 212 da Constituição Federal; a obrigatoriedade e gratuidade do ensino de quatro a 17 anos; a ampliação da abrangência dos programas suplementares para toda a educação básica; a definição de que os entes federados deverão estabelecer formas de colaboração, de modo a assegurar a universalização do ensino obrigatório; a definição da duração decenal do Plano Nacional de Educação e o estabelecimento de meta de aplicação de recursos públicos em educação como proporção do Produto Interno Bruto (PIB) (Dourado, 2010, p. 179).

Assim, os textos desse volume circundaram a contribuição para o debate no sentido da melhoria da educação como direito social, com objetivo de adensar a discussão e subsidiar a disputa da política educacional na construção do PNE.

Em 2011, os volumes mantêm o intento do ano anterior, com textos sobre o ensino médio e profissional no primeiro volume, apresentando um balanço, alguns limites e das possibilidades desse nível de ensino no sentido da superação da dualidade estrutural pela qual é marcado historicamente. Nesse momento, tramitavam no Congresso Nacional o PL n. 8.035 de 2010, que propunha 20 metas e 170 estratégias, além de 2.915 emendas encaminhadas ao PL. Pretendia-se um avanço para garantir a universalização da educação básica com qualidade social. Vale lembrar que a E.C n. 59 (2009) propõe a universalização na educação de 4 a 17 anos, até 2016, além do Decreto n. 5.154, de 2004, que tratou especificamente do ensino médio e profissional. O segundo volume de 2011 tratou especificamente da educação infantil, cujo enfoque foi a legislação e as implicações da oferta relação público-privada, tensão grande no processo de expansão dessa modalidade de ensino, e que tem um peso significativo sobre as redes municipais.

Em 2012, a revista comemora o seu décimo número e passa a ser publicada também em espanhol, além de ser indexada pela Library of Congress (USA). Nesse número, o dossiê segue o diálogo sobre o Plano Nacional de Educação (PNL), tendo como foco o federalismo e a educação, problematizando a urgência da instituição do Sistema Nacional de Educação.

Neste número especial o objetivo é contribuir para o debate sobre o avanço dos atuais marcos de organização e descentralização desconcentração da educação brasileira, a partir de uma concepção de política de Estado, no planejamento, financiamento e gestão, em sintonia com os dispositivos constitucionais, envolvendo a gestão democrática dos sistemas e instituições, a sua autonomia, enfim, a garantia de condições objetivas para uma ação articulada da União, estados, Distrito Federal e municípios, em prol da educação como direito social (Dourado, 2012, p. 8).

O número seguinte, ainda em 2012, inaugura o quinto ano da revista e comporta análises de estudos e pesquisas sobre as condições de trabalho e saúde dos trabalhadores em educação. Nesse ano, foi aprovado o documento referência para a segunda CONAE, que aconteceria em 2014. Portanto, em 2013 seriam organizadas as conferências municipal, distrital e estadual. Assim, como o objetivo era articular a discussão em torno do eixo da valorização profissional, o dossiê manteve seu foco nessa discussão, na saúde e nas condições de trabalho dos profissionais da educação, além da sua valorização.

O ano de 2013 inicia com a discussão sobre a avaliação da educação básica, suas interfaces, processos e organização nacional, e apresenta a necessidade da criação de um subsistema nacional de avaliação que se articule com as deliberações da CONAE. Os debates situam-se no contexto da universalização da educação que deveriam acontecer até 2016, considerando a educação de zero a três anos e a ampliação da obrigatoriedade de quatro a dezessete anos, como preconizado na Emenda 59.

No segundo semestre de 2013, o dossiê ‘Educação e Diversidade’ inaugura na revista um debate específico sobre o projeto pedagógico. A tensão sobre as questões da diversidade estavam intensas no processo de tramitação do PNE. Especificamente, o dossiê objetivou discutir a relação diversidade e direitos humanos, considerando as desigualdades e especificidades regionais e foi aprovado à seleção pública da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPED), decorrente do convênio firmado com a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI), do Ministério da Educação (MEC). Esse é um reconhecimento importante do espaço acadêmico que a Retratos da Escola passou a ocupar no conjunto das revistas científicas.

No ano seguinte (2014), o tema da edição foi ‘Educação básica: políticas e processos mundiais’. Como o próprio título do dossiê sugere, a intenção foi analisar a educação brasileira a partir da agenda para educação mundial, mais especificamente, os princípios postos a partir da Conferência de Jomtien, realizada em 1990. As discussões foram dedicadas a caracterizar e problematizar as políticas públicas, ‘em especial à educação obrigatória, registrando, entre outros, os processos de organização, gestão e indicadores educacionais, bem como as regulações que lhes dão contornos’ (Dourado, 2014). Nesse mesmo volume, as entrevistas são sobre garantia da ampliação dos direitos na Argentina, Brasil, Canadá, Espanha, França, Portugal e Uruguai, oferecendo contribuições importantes para análise educacional do Brasil, inclusive em comparação com outros países. Foi a última publicação da revista sob a edição do professor Luís Dourado.

A segunda revista de 2014 tem como editora-chefe a professora Leda Scheibe. Sob o título ‘PNE 2014-2024: desafios para a educação brasileira’, pretendeu trazer à luz as disputas em jogo no PNE e delimitar perspectivas do Plano Nacional de Educação (PNE), instituído pela Lei n. 13.005. A revisita ao tema do PNE é interessante na medida em que se considera uma perspectiva de formação continuada. Potencialmente, os debates que foram realizados ao longo da tramitação do plano podem agora ser retomados à luz da legislação aprovada.

A Retratos da Escola de 2016 tem como tema ‘Diversidade na escola: gênero e sexualidade’. Novamente é um número mais intensamente dedicado a um projeto pedagógico contrário ao conservadorismo. A proposição anunciada na revista foi contribuir para reflexão e reafirmação da inclusão na educação e na sociedade, bem como a luta contra o preconceito. No editorial, afirmam Leda Scheibe e Roselane Fátima Campos:

Somar esforços é particularmente importante neste momento em que vivemos retrocessos na educação brasileira motivados pelo conservadorismo - dominante inclusive no Congresso Nacional - que culminou, por exemplo, na modificação do texto final do PNE (2014-2024), ao substituir a expressão ‘promoção da igualdade racial, regional, de gênero e de orientação sexual’ por ‘superação das desigualdades educacionais, com ênfase na promoção da cidadania e na erradicação de todas as formas de discriminação’ (Scheibe & Campos, 2015, p. 7, grifos das autoras).

O último número de 2015, intitulado ‘Base Nacional Comum: projetos curriculares em disputa’, pretende oferecer subsídios para o debate, que era previsto na Constituição Federal, na LDB 9394/96 e reafirmada no PNE 2014/2025 (Lei n. 13.005, de 25 de junho de 2014). O editorial oferece toda a trajetória da Base Nacional Curricular Comum e seu conteúdo, aponta limites e possibilidades, já que o conteúdo desse documento não é consenso. Como se sabe, currículo é sempre um terreno de disputas históricas.

Em 2016, os números 18 e 19 tratam, respectivamente, do piso salarial dos professores e dos 20 anos de existência da LDB. No primeiro número do ano, a discussão gira em torno do piso salarial profissional nacional para os profissionais do magistério da Educação Básica pública, uma vez que a lei (Lei n. 11.738, 2008) já estava aprovada, e agora precisava ser cumprida, assim era - e continua sendo - necessárias ações que valorizem o profissional da educação. Esse número apresenta basicamente dois eixos fundamentais para o debate sobre valorização profissional: salário digno e carreira apropriada, para usar as palavras do próprio editorial.

O número 19 de 2016 apresenta análises sobre as mudanças, sobretudo pelas alterações trazidas pela PEC 241/55, que congelam gastos públicos por vinte anos, e pela Medida Provisória (MP) n. 746, de 22 de setembro de 2016, que modifica a LDB e altera o ensino médio. O editorial anuncia ainda os projetos em tramitação.

Na mesma direção, há diversos projetos de lei tramitando no Congresso Nacional, nas assembleias legislativas, câmaras de vereadores e Câmara Legislativa Distrital, que visam instituir a ‘Escola Sem Partido’, ferindo os princípios que regem a educação brasileira, dispostos na Constituição Federal e na LDB. Tais projetos visam definir o que os professores podem ou não trabalhar em sala de aula, ferindo, assim, a liberdade de ensinar e aprender (Comitê Editorial, 2016, p. 362).

Esse número da revista foi marcado pelas perdas e retrocessos que a educação sofreria, bem como oferecia uma análise das conquistas e apontava os desafios para que se prosseguisse com a busca por uma educação democrática e de qualidade social.

No ano de 2017, décimo ano da revista, o primeiro volume apresenta o debate sobre a reforma do ensino médio, além das outras perdas e retrocessos descritos no volume anterior. As ameaças naquele momento, trazidas também pelo avanço do conservadorismo, eram preocupantes, como se pode constatar no texto editorial.

O momento atual - junho de 2017 - nos leva a uma grave ponderação a respeito de mais uma ameaça ao futuro educacional que vínhamos construindo. Em 27/04/2017, o Ministério da Educação (MEC) publicou a Portaria n. 577, por meio da qual promoveu mudanças na gestão e composição do Fórum Nacional de Educação (FNE), excluindo representações tradicionalmente combativas e alterando as deliberações democráticas e colegiadas anteriores do Pleno do FNE (Scheibe, 2017a, p. 8).

O segundo dossiê de 2017 tem como título ‘Privatização da e na educação: projetos societários em disputa’. Esse ano foi o primeiro em que os efeitos do golpe parlamentar jurídico midiático, sofrido em 2016 (Jinkings, 2016), seguiam cada vez mais evidentes, por exemplo, pelo desmonte dos espaços de participação social e das próprias políticas sociais que seguem progressivamente. A CONAE, por exemplo, que tinha sua terceira edição prevista legalmente para 2018, foi descaracterizada pelo governo do momento, como explicita o editorial.

Para 2018, estava prevista a realização de uma nova Conae, coordenada pelo Fórum Nacional de Educação (FNE), o qual foi descaracterizado pelo atual governo por meio de exclusões autoritárias e inclusões de novas entidades, de acordo com interesses da nova ordem antidemocrática. As entidades excluídas do FNE, reunidas em um Comitê Nacional em Defesa da Educação, decidiram promover a Conferência Nacional Popular de Educação, Conape-2018, que dará continuidade às iniciativas anteriores, tendo como meta garantir o aperfeiçoamento e a implementação do Plano Nacional de Educação (PNE), a implantação de um Sistema Nacional de Educação que possibilite o fortalecimento da educação pública e a regulamentação do ensino privado (Scheibe, 2017b, p. 385).

Esse volume da revista organiza-se refletindo, subsidiando e organizando aquele momento tão difícil em que projetos de sociedade, por consequência, de educação, se impõem ao país de forma conservadora e nociva à construção de uma educação democrática de qualidade social.

O número 22, do volume 12, apresenta algumas mudanças editoriais. A revista passa a ter três números anuais, atendendo assim aos requisitos de periódico científico qualificado. Nesse volume, dedica-se ao tema da resistência, enfatizando os resultados da CONAPE 2018: Carta de Belo Horizonte. A carta é um documento histórico, na qual consta um plano de luta, objetivando o cumprimento do PNL 2014-2024, assim como a construção de um SNE na perspectiva democrática. ‘Exige também o fim da interferência do Ministério da Educação no Fórum Nacional da Educação, defendendo a reconstituição desse espaço em sua composição original, entre outras manifestações’ (Scheibe, 2018).

Nos volumes de 2018, a resistência e a necessidade do diagnóstico sobre a onda conservadora que cresceu no país se apresentam, primeiro, no dossiê ‘(Des)Democratização da educação’, que retrata, já em seu título, o movimento da política de retrocesso nacional da educação e reafirma a defesa dos princípios básicos da educação pública. Toda a revista é articulada no sentido de analisar e compreender a situação do momento, em que no país foi eleito um projeto de sociedade oposto ao que defende a CNTE. O último número desse mesmo ano marca os 30 anos de vigência da Constituição Federal aprovada em 1988 e o seu significado para educação. A revista é um balanço das conquistas que se efetivaram e dos avanços ainda necessários, além dos desafios postos nesse momento da História. Esse número foi o último com tiragem impressa; desde então, os números seguintes passaram a ser exclusivamente eletrônicos.

A partir de 2019, ano em que completa 12 anos, a revista passa a ser quadrimestral, ou seja, um volume anual dividido em três dossiês, buscando atender os critérios indexadores de revistas, mas também evidenciando a consolidação de um veículo acadêmico com interesse da comunidade. O número 26, intitulado ‘Custo Aluno-Qualidade: a quem interessa?’, debate questões relacionadas com a temática proposta pelo título do dossiê. No texto do editorial, os autores chamam a atenção para o movimento que apregoa a retirada das crianças da escola sob o pretexto de proteção e aponta algumas implicações possíveis pela militarização das escolas, entre outras ideias postuladas pelo movimento Escola sem Partido.

O último número do ano ‘Ataques à educação: um balanço de perdas e danos’ apresenta uma síntese do ciclo pós 2016. Ao finalizar esse editorial, os autores afirmam:

Desde o Golpe de 2016, presenciamos o meticuloso desmantelamento, tijolo por tijolo, de um projeto de sociedade voltado à melhoria das condições do povo brasileiro - e particularmente daqueles mais necessitados - duramente construído no País desde as lutas pela Constituição de 1988. O que assistimos agora é à avalanche de calamitosas políticas neoliberais, já iniciadas nos governos da década de 1990, como a derrubada de consagrados direitos trabalhistas, aumento do desemprego, a entrega de importantes fatias do erário nacional à sanha exploradora do mercado internacional, a privatização dos bens estatais, que transferem aquilo que pertence ao povo brasileiro para uma minoria privilegiada de bilionários mancomunada aos conglomerados internacionais (Comitê Editorial, 2019).

A trajetória descritiva sobre os editoriais não pretende esgotar as possibilidades de interpretação do papel da Retratos da Escola no contexto da educação brasileira, mas retomar alguns elementos anunciados nos pressupostos teóricos deste artigo: a necessidade de os professores terem material disponível que lhes permita articular o cotidiano profissional às grandes questões educacionais, usando-o como instrumento para combater o isolamento, assim como a perspectiva de que o movimento sindical tem uma proposta de formação continuada, apresentando-se como um interlocutor forte tanto para a construção das políticas educacionais específicas de projeção dos trabalhadores, ou seja, corporativas quanto para as disputas sobre o horizonte do direito à educação e do alcance do projeto educacional. Em seus editoriais, a revista transita da proposição à resistência, com uma capacidade intensa de dar visibilidade aos debates da conjuntura, a partir da reunião temática de dossiês.

Considerando o desmonte e a opressão que sofre o projeto de sociedade descrito anteriormente pelo comitê editorial da revista, nos parece necessário recorrermos às lições que se encontram na primeira e na última página do livro Pedagogia do Oprimido, do professor Paulo Freire.

Mais uma vez os homens, desafiados pela dramaticidade da hora atual [...]. Se nada ficar destas páginas, algo, pelo menos, esperamos que permaneça: nossa confiança no povo. Nossa fé nos homens e na criação de um mundo em que seja menos difícil amar (Freire, 2019, p. 39 e 253).

Considerações finais

Ler os editoriais da revista Retratos da Escola é fazer uma retrospectiva das conquistas da categoria, bem como dimensionar, pouco a pouco, a perda de cada um dos direitos conquistados durante muita luta, pagos por alguns com a própria vida nos porões da Ditadura.

A revista oferece aos leitores uma análise histórica e política da realidade educacional brasileira, articulando sempre a política educacional com a conjuntura social. Transita entre os temas da agenda nacional e demandas que são específicas da escola, o que é possível considerando-se que tanto uns quanto os outros são fruto do tensionamento social.

Nessa direção oferece também um registro histórico dos avanços e retrocessos na educação do país, que contribuirá também como registro às novas gerações de professores e professoras dos processos da política, o movimento da política educacional, global, em que se travam as lutas, se constroem avanços e geram retrocessos para a categoria no país.

Este artigo foi escrito em um momento da Pandemia do Coronavírus 19, momento em que as desigualdades aparecem de forma mais contundentes. Os mais pobres sofrem severamente com os efeitos do isolamento social e com a impossibilidade de estar na escola. Revisitar a história das conquistas da educação brasileira certamente poderá ser um elemento importante para as novas gerações que não viveram esta história. Assim, a geração que nasceu depois da promulgação da Constituição de 1988 poderá saber a dimensão da importância das organizações das entidades de classe. Contar a história da perspectiva daqueles que lutaram para que todos e todas tivessem o direito à educação é essencial, a fim de não voltarmos ou caminharmos em direção a um lugar onde os direitos são retirados e o mercado seja maior que o ser humano.

As lutas por políticas que garantam a todas e todos os brasileiros nunca foi nem fácil e nem linear, tanto no campo teórico como na militância. A História segue e como já escreveu Gramsci, ao citar Rolland, é necessário “O pessimismo da inteligência e o otimismo da vontade” (Gramsci, 2004, p. 342).

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1O artigo apresenta um dos resultados da pesquisa ‘CNTE, FENPROF e as disputas da política educacional: a luta de professores brasileiros e portugueses no período democrático recente’, financiada pelo Edital Universal do CNPQ 2016.

2Entrevista concedida para a pesquisa, como compromisso com os procedimentos éticos da pesquisa em Ciências Humanas, a entrevistada concordou e assinou o termo de Consentimento Livre e Esclarecido, esse termo compõe o acervo documental da pesquisa.

7NOTA: As autoras Cristina Cardoso e Andrea Gouveia foram responsáveis pela concepção, análise e interpretação dos dados, redação e revisão crítica do conteúdo do manuscrito e ainda, aprovação final a ser publicada.

3The article presents one of the results of the research ‘CNTE, FENPROF e as disputas da política educacional: a luta de professores brasileiros e portugueses no período democrático recente’ (CNTE, FENPROF and the educational policy disputes: the struggle of Brazilian and Portuguese teachers in the recent democratic period), sponsered by Edital Universal do CNPQ 2016.

4Interview granted for the research, as a commitment to the ethical procedures of research in Human Sciences, the interviewee agreed and signed the Free and Informed Consent Form, this form is part of the documentary collection of the research.

Recebido: 07 de Julho de 2020; Aceito: 30 de Setembro de 2020

*Autor para correspondência. E-mail: cardosocristina2015@gmail.com

Cristina Cardoso: Graduada em Pedagogia pela Faculdade TUIUTI (1991), mestrado (2007) e doutorado (2015) em Educação pela Universidade Federal do Paraná, Setor de Educação, na área de concentração Educação. Entre 2013/2014 esteve em estágio de doutorado sanduiche na Université de Limoges-França. Atualmente é professora Adjunta da Universidade Estadual Paraná-UNESPAR onde atua no Grupo de pesquisa Margem. Atua no Grupo de pesquisa de Financiamento e Trabalho docente na Universidade Federal do Paraná, vinculado ao Núcleo de Pesquisa em Políticas Educacionais (NUPE). ORCID: https://orcid.org/000-0002-0563-1413 E-mail: cardosocristina2015@gmail.com

Andréa Barbosa Gouveia: Graduada em Pedagogia pela Universidade Federal do Paraná (1995), mestrado (2002) e doutorado (2008) em Educação pela Universidade de São Paulo, Faculdade de Educação, na área de concentração Estado, Sociedade e Educação. Em 2020 esteve em estágio de pós-doutorado na Universidade do Estado do Arizona/ Mary Lou Fulton Teachers College/ Center for Advanced Studies in Global Education no período de março a agosto. Atualmente é professora da Universidade Federal do Paraná onde atua no Núcleo de Pesquisa em Políticas Educacionais (NUPE). É professora do curso de Pedagogia. Está credenciada no Programa de Pós-Graduação em Educação da UFPR na linha de pesquisa em Políticas Educacionais. Foi coordenadora do Grupo de Trabalho Estado e Educação da ANPED no período de 2010-2012; vice-presidente Sul da diretoria da ANPED na gestão 2013-2015; presidente da ANPED nas gestões 2015-2017 e gestão 2017-2019. Atuou como editora adjunta no periódico Educar em Revista (2008-2010). ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8260-2720 E-mail: andrea-gouveia@uol.com.br

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