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Acta Scientiarum. Education

versão impressa ISSN 2178-5198versão On-line ISSN 2178-5201

Acta Educ. vol.43  Maringá  2021  Epub 01-Nov-2020

https://doi.org/10.4025/actascieduc.v43i1.48188 

FORMAÇÃO DE PROFESSORES E POLÍTICAS PÚBLICAS

A balhestilha (1603) como um instrumento matemático para o estudo de medidas na formação de professores de matemática

The cross-staff (1603) as a mathematical instrument for the study of measures in the math teachers training

A Balhestilha (1603) como instrumento matemático para el estudio de la formación del profesor de medición

Antonia Naiara de Sousa Batista1 
http://orcid.org/0000-0003-2305-7088

Ana Carolina Costa Pereira1 
http://orcid.org/0000-0002-3819-2381

1Centro de Ciências e Tecnologia, Universidade Estadual do Ceará, Av. Parajana, 1700, 60740-000, Fortaleza, Ceará, Brasil.


RESUMO.

Dentre os vários estudos que pesquisam a inserção da história da matemática na formação de professores, sob uma perspectiva historiográfica atualizada, encontramos uma corrente teórica que propõe a construção de uma interface entre História e ensino de Matemática por meio do estudo de instrumentos matemáticos históricos. Entre os aparatos que possuem conhecimentos Matemáticos incorporados na sua fabricação e no seu uso, tem-se a balhestilha, um instrumento náutico e astronômico muito utilizado entre os séculos XV e XVII, que se encontra inserido no documento Chrnographia, Reportorio dos Tempos..., de 1603. Este artigo tem o intuito de apresentar algumas potencialidades didáticas para o uso na formação de professor, tomando como base as Atividades Orientadoras de Ensino (AOE) no estudo sobre medidas. Dessa maneira, os conceitos relacionados à unidade de medida, como, por exemplo, a polegada, podem ser estudados quando se constrói ou se manipula a balhestilha. Isso acontece, principalmente, devido à construção de conhecimentos Matemáticos que são mobilizados nessas práticas, fazendo com que o professor repense os saberes até então aprendidos e ressignifiquem os mesmos.

Palavras-chave: interface entre história e ensino de matemática; balhestilha; formação de professores

ABSTRACT.

Among the several studies that research the insertion of the history of mathematics in the teachers training from an updated historiographical perspective, we find a theoretical current that proposes the construction of an interface between history and teaching of mathematics through the study of historical mathematical instruments. Among the devices that possess mathematical knowledge incorporated in its manufacture and its use, there is the cross-staff, a nautical and astronomical instrument very used between the fifteenth and seventeenth centuries, which is inserted in the document Chrnographia, Reportorio dos Tempos…, from 1603. This article intends to present some didactic potentialities for use in teacher training, based on the Teaching Guiding Activity in the study on measures. In this way, the concepts related to the unit of measurement, such as the inch, can be studied when constructing or manipulating the cross-staff. This happens mainly due to the construction of mathematical knowledge that are mobilized in these practices, causing the teacher rethink the knowledge to then learn and resignify the same ones.

Keywords: interface between history and mathematics teaching; cross-staff; teacher training

RESUMEN.

Entre los diversos estudios que investigan la inserción de la Historia de las Matemáticas en la formación docente desde una perspectiva historiográfica actualizada, encontramos una corriente teórica que propone la construcción de una interfaz entre la historia y la enseñanza de las matemáticas a través del estudio de instrumentos matemáticos históricos. Entre los aparatos que tienen conocimiento matemático incorporado a su fabricación y uso, está la balhestilha, un instrumento náutico y astronómico ampliamente utilizado entre los siglos XV y XVII, que se inserta en el documento Chrnographia, Reportorio dos Tempos..., 1603. Este articulo tiene como objetivo presentar algunas potencialidades didácticas para su uso en la formación del profesorado, basadas en las Actividades de Orientación Docente (AOE) en el estudio sobre medidas. De esta manera, los conceptos relacionados con la unidad de medida, como la pulgada, se pueden estudiar al construir o manipular la Balhestilha. Esto sucede principalmente debido a la construcción del conocimiento matemático que son movilizado en estas prácticas, haciendo que el maestro reconsidere el saber hasta entonces aprendido y redefinir los mismos.

Palabras-clave: interfaz entre la historia y la enseñanza de las matemáticas; balhestilha; formación de profesores

Introdução

A história da matemática, uma das tendências pedagógicas da Educação Matemática, apresenta-se como um campo de investigação repleto de recursos e estratégias que visam à construção do conhecimento matemático por meio de um viés histórico. Nela, encontra-se uma vertente que se preocupa com o ensino e a aprendizagem relacionados ao desenvolvimento dos conceitos matemáticos. Diferente da Educação Matemática, a história da matemática possui outros objetos de estudo, que são construtos que se definem no decorrer de uma pesquisa, a partir da intencionalidade do historiador ou educador.

Segundo Chaquiam (2017), pesquisas relacionadas à história da matemática, nas últimas cinco décadas, estão contribuindo para uma melhor qualidade no ensino e na aprendizagem, em diversos níveis e aspectos, entre eles, permitindo entender as origens das ideias que deram forma matemática à nossa cultura ou procurando compreender o processo por trás de certos conceitos e fórmulas que chegam prontos na sala de aula.

Partindo dessa perspectiva, Fauvel (1991) afirma que a história da matemática, quando inserida na sala de aula, tem a competência de contribuir para uma melhoria e compreensão da aprendizagem e da organização curricular, tornando-a menos ‘monstruosa’ e mostrando para os alunos que as dificuldades enfrentadas, hoje, também já foram vivenciadas na antiguidade, inseridas em diferentes contextos. Logo, a história da matemática não fornece recursos para apenas trabalhar a matemática em si, mas possibilita demonstrar que a mesma é fruto de uma sociedade, tornando-a mais humana.

Dessa forma, encontra-se na proposta do grupo de estudo e pesquisa de História e Epistemologia na Educação Matemática (HEEMa), coordenado pelo Prof. Dr. Fumikazu Saito, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC - SP) e pela Profa. Dra. Marisa da Silva Dias, da Universidade Estadual Paulista (UNESP), a possibilidade de aproximar o diálogo entre historiadores e educadores matemáticos, de maneira a produzir propostas que articulem história e ensino, pautadas em tendências historiográficas atuais, para a construção de uma interface (Saito & Dias, 2018). Essas orientações sugeridas pelo HEEMa são aplicadas, atualmente, na formação de professores de Matemática.

Entretanto, Saito e Dias (2013) ressaltam que não é tão simples articular a História e o ensino de Matemática, pois esse processo precisa contemplar duas situações, sendo elas: a compreensão de modo bem contextualizado dos objetos que se deseja trabalhar e uma metodologia de abordagem que possibilite a implementação de uma proposta didático-pedagógica. Na visão dos autores, uma melhor maneira de articular ambos os campos de conhecimento seria pautando a história da matemática em tendências historiográficas atuais.

Nesse contexto, o estudo, aqui proposto, fundamenta-se sob uma perspectiva historiográfica atualizada para o estudo da história da matemática, que, conforme Saito (2015), possibilita a compreensão da construção dos conhecimentos matemáticos e das diferentes técnicas e conteúdos Matemáticos, considerando a rede complexa de concepções que as norteia. E ainda se baseia em dois movimentos indicado por Saito e Dias (2013), que são o movimento do pensamento na formação do conceito Matemático e o contexto no qual os conceitos Matemáticos foram desenvolvidos, para a construção de uma interface entre História e ensino.

Nessa perspectiva, a formação de professores tende a ganhar uma nova abordagem para o conteúdo Matemático articulado com a História, sem que haja sobreposição de propostas e objetivos, mas que seja posta uma maneira diferenciada para a construção do conhecimento Matemático, considerando diversos aspectos que, na maioria das vezes, são deixados de lado por quem utiliza a história da matemática, que são os elementos políticos, econômicos e religiosos que, predominantemente, justificam tal conhecimento encontrado pronto hoje nos nossos livros.

O processo da construção da interface é bem dinâmico e considera diferentes caminhos a partir do momento que se escolhe o objeto de estudo. Portanto, a balhestilha se tornou o tema de estudo, contida no documento histórico intitulado Chronographia Reportorio dos tempos, no qual se contem VI. partes, f. dos tempos: esphera, cosmographia, e arte da navegação, astrologia rustica, e dos tempos, e pronosticação dos eclipses, cometas, e samenteiras. O calendario Romano, com os eclypses ate 6301, de Manoel de Figueiredo, publicada em 1603, em Portugal.

O documento Chronographia Reportorio dos Tempos...remonta a tradição de navegantes e navegadores, que mobilizavam conhecimentos de geometria prática, apropriados por estudiosos de geometria no século XVI e que já faziam parte da arte de navegar. Além disso, o tratado reúne diversos conhecimentos que estavam em pleno desenvolvimento no século XVI, como a Astronomia, a Geografia, a Cosmografia, questões relacionadas ao calendário, as divisões do tempo, entre outros. O mesmo ainda apresenta a descrição da fabricação e o uso de três instrumentos, sendo a balhestilha ou rádio astronômico, o quadrante geométrico e diversos tipos relógios.

Dessa forma, este artigo pretende dar ênfase nas potencialidades didáticas que emergem a partir da balhestilha, mais especificamente, na formação do professor de matemática. Para isso, foram desenvolvidas atividades baseadas na Atividade Orientadora de Ensino (AOE), fundamentada no excerto da fabricação e do uso do balhestilha, contido na Sexta Parte do documento Chronographia Reportorio dos Tempos... (1603). Essa Sexta parte, ou também chamada de Livro Sexto, é composta por 12 capítulos, somando um total de 19 folhas.

Este artigo está dividido em quatro partes. Na primeira parte, apresenta-se os elementos que compõem o processo de construção da interface, proposta por Saito e Dias (2013), juntamente com o conceito de AOE, que subsidiou a elaboração da atividade. Na segunda parte, procurou-se contextualizar a balhestilha a partir do documento Chronographia, Reportorio dos Tempos... e expor seus componentes e sua função para o período, de acordo com as descrições de Figueiredo (1603). Na terceira parte, descrevemos como se deu o desenvolvimento da atividade no decorrer dos quatro encontros propostos no curso. E, por fim, na quarta parte, discutimos o estudo de algumas questões que emergiram dos excertos, envolvendo conceitos de medidas e grandezas.

Aportes teóricos e metodológicos

Baseada em estudos que visam à construção de interfaces para melhor articular História e ensino de Matemática, a atividade descrita e discutida, neste artigo, teve por pressupostos os estudos de Saito e Dias (2013, p. 92), que definem a construção de interface como sendo um “[...] conjunto de ações e produções que provoca a reflexão sobre o processo histórico da construção do conhecimento matemático para elaborar atividades didáticas que busquem articular história e ensino de matemática”. Essa ideia utiliza a vertente historiográfica atualizada, que, segundo Saito (2015, p. 27), “[...] a (re)construção histórica, dessa maneira, procura partir do passado em direção ao presente na medida que é a partir de um acontecimento do passado que se deve entender o presente, e não ao contrário”.

Além disso, é, por meio de uma História pautada nessa perspectiva, que se pode conhecer tal conceito Matemático no passado e entender como se deu seu processo de desenvolvimento, considerando diferentes aspectos culturais, econômicos, religiosos, políticos e matemáticos, que estavam por trás dessa multifacetada rede de conhecimentos.

Partindo desse princípio, a construção de interface tem o intuito de promover a articulação entre esses dois campos, cuja história da matemática esteja pautada em uma historiografia atualizada, que busca compreender o processo de desenvolvimento dos conhecimentos matemáticos, diferentemente da perspectiva historiográfica tradicional2, que vem sendo ainda desenvolvida em algumas pesquisas e aplicações em sala de aula.

Como se ressaltou anteriormente, a interface se dá em um espaço bem amplo, contemplando ações que iniciam sobre o documento ou instrumento com o qual se quer trabalhar. Em seguida, são realizados sobre o objeto escolhido dois movimentos, “[...] contexto no qual os conceitos matemáticos foram desenvolvidos [...]” e o “[...] o movimento do pensamento na formação do conceito matemático” (Saito & Dias, 2013, p. 92 -95).

No primeiro movimento, explora-se três esferas de análise, sendo elas: contextual, epistemológica e historiográfica, para a devida contextualização do objeto investigado. No segundo movimento, procura-se desenvolver um diálogo com o objeto, vislumbrando levantar questões de ordem epistemológica, matemática, didática, entre outras, para elencar algumas potencialidades didáticas. Por fim, as produções consistem em atividades didáticas pautadas em teorias da didática, envolvendo as potencialidades didáticas encontradas no segundo movimento do pensamento.

Por fugir um pouco do nosso objetivo, não tratar-se-á aqui sobre o primeiro movimento na interface, pois o mesmo se encontra em outra pesquisa. Nesse estudo, será apresentado um fruto do segundo movimento, que surgiu mediante a articulação da balhestilha, com os textos que apresentam a fabricação e o uso dela, com vista a elencar outros tantos potenciais didáticos. Para essas potencialidades didáticas emergirem, a atividade foi baseada na Atividade Orientadora de Ensino (AOE,) que conduziu a discussões que serão apresentadas, aqui, neste estudo.

Em conformidade com Moura (1992), a AOE está pautada no conceito de atividade de Leontiev (1978, 1983) e traz uma sugestão de organização da atividade voltada para o ensino e a aprendizagem matemática, amparada pelos preceitos da Teoria Histórico Cultural. Ela ainda se “[...] apresenta como uma possibilidade de realizar a atividade educativa tendo por base o conhecimento produzido sobre os processos humanos de construção de conhecimento” (Moura, Barbosa, Amaral, & Santos, 2010, p. 208).

Por conseguinte, a AOE efetivar-se-á a partir da organização de uma situação desencadeadora para que o discente se aproprie do conceito, que deve elucidar a origem desse conceito, ou seja, sua essência, algo que durante o desenvolvimento da humanidade surgiu a necessidade da sua produção, sendo “[...] elaborado soluções ou sínteses no seu movimento lógico-histórico” (Moura et al., 2010, p. 104). E essa AOE deve ser iniciada, por exemplo, apoiada em um jogo, em uma situação contextualizada ou no cotidiano, em que, na elaboração da situação-problema desencadeadora, o movimento lógico-histórico do conceito esteja presente3 (Moura, 1992).

Nesse sentido, Moura et al. (2010, p. 217) observam que a AOE “[...] mantém a estrutura de atividade proposta por Leontiev ao indicar uma necessidade (apropriação da cultura), um motivo real (apropriação do conhecimento historicamente acumulado), objetivos (ensinar e aprender) e propõe ações que considerem as condições objetivas da instituição escolar”.

Ressalta-se que as AOE têm o caráter intencional, ou seja, no decorrer do desenvolvimento da atividade de ensino, o docente e o discente devem estar envolvidos, “[...] é preciso que o professor e o estudante se tornem sujeitos da atividade no seu processo de desenvolvimento” (Moura et al., 2010, p. 84). Assim, todas as atividades, propostas no curso de extensão universitária destinado a esse estudo, seguiram os preceitos da AOE e partiram de uma situação desencadeadora, em que a experimentação e a teoria fizeram parte de todo o processo.

A balhestilha de Manoel de Figueiredo

O estudo, aqui, da balhestilha partiu da descrição da fabricação e do seu uso, contida na Sexta Parte do documento Chronographia Reportorio dos Tempos..., publicada no final do século XVI para o início do século XVII, mais especificamente, em 1603, na cidade de Lisboa, capital de Portugal. Esse documento apresenta algumas particularidades que difere das outras Chronographias dispostas nesse período, tendo a presença de um Livro Sexto, no qual é apresentada a fabricação e o uso de três instrumentos, dentre eles: a balhestilha ou rádio astronômico; o quadrante geométrico; e diversos tipos de relógios para medir o tempo.

A Chronographia Reportorio dos Tempos... congrega diversos campos do saber que estavam em pleno desenvolvimento entre os séculos XVI e XVII, dentre eles, a astronomia, a geografia, a astrologia, a cosmografia, entre outras que eram essenciais para o desenvolvimento e o progresso da navegação astronômica durante esse período.

Na fabricação da balhestilha, Figueiredo (1603) apresenta uma sucessão de passos, que culminam em um gabarito para a construção e a graduação de outras balhestilhas. Essa sequência se mostra repleta de conhecimentos matemáticos incorporados, que são mobilizados através de construções geométricas. Essas construções geométricas não surgiram apenas no século XXI, mas em meados do século XVI começaram a ser recolhidas pela geometria prática e a agrimensura, sob o nome de geometria construtiva e se faziam presentes nos cadernos de desenhos de arquitetos, mestres de obras, agrimensores, entre ouros (Saito, 2014).

A balhestilha, que aparece nesse documento, é utilizada na navegação e na astronomia, para medir a distância angular do astro em relação à linha do horizonte e o intervalo entre dois astros, respectivamente. Ela se apresenta como um artefato simples, feito de pau (madeira) do tipo preto, brasil ou cedro, no qual Figueiredo (1603) destaca que é composta por uma ‘regoa quadrada’ ou virote, que seria um tipo de vara longa com as quatros faces iguais e um ‘pinacido’ ou ‘pinacidio’ ou soalha, como aqui irá se chamar, que é um pedaço de madeira menor que o comprimento do virote, com um furo quadrado no centro, para a devida inserção do mesmo, como podemos ver na Figura 1.

Fonte: Adaptado de Figueiredo (1603, f. 267).

Figura 1 Tábua da fabricação da balhestilha.  

Na Figura 1, pode-se ver uma tábua exposta por Figueiredo (1603) no documento, que contém a representação do virote e da soalha e, além disso, mostra, de maneira bem resumida, o processo de graduação da balhestilha, que aparece um pouco mais detalhado dentro do excerto da fabricação. Logo, podemos ver que a balhestilha possui uma escala angular e distribuída de 10º em 10º graus. No capítulo 2 da Sexta Parte do documento, aparece uma imagem de um navegador realizando uma observação astronômica, como podemos ver na Figura 2.

Fonte: Adaptado de Figueiredo (1603, f. 268).

Figura 2. Uso da balhestilha.  

Nessa Figura 2, pode-se ver as peças da balhestilha dispostas na posição correta para a realização das medições. Note que a transversal, que é denominada por soalha, move-se para frente e para trás e é responsável por marcar, no virote, o grau de visualização que corresponde ao ângulo formado por AOB, sendo O o olho do observador. Como se pode ver na Figura 2, o piloto está realizando a medição da distância angular entre dois astros, que corresponde a um arco de 40º graus, como está exposto na figura.

Esse instrumento recebeu diversas denominações, entre eles, a mais conhecida seria baculus Jacob, em latim. A partir dessa terminologia, vão aparecendo outras. Entre os ingleses, foi denominada por ballastella, vara de Jacob (Jacob’s staff) ou fore-staff, enquanto que, pelos italianos, foi chamada de Escada de Jacob (scala di Jacob). Os franceses o tratavam por bastão de Jacob (baton de Jacob); entre os espanhóis, era conhecido por balestilla; os holandeses a intitulavam, no século XVI, de staf baculus. E, entre os alemães, era chamado de rádio astronômico (radius astronomicus) e, dentre os portugueses, de balhestilha (Bruyns, 1994). Portanto, como esse tratado possui um cunho português, de Lisboa, a nomenclatura adotada por Figueiredo (1603), na maioria das vezes, dentro do documento é balhestilha, apesar de aparecer em alguns momentos ‘rádio astronômico’.

Desenvolvimento da atividade

A atividade foi elaborada baseada em algumas questões de ordem matemática e epistemológica, que emergiram de um estudo do Livro Sexto do documento Chronographia Reportorio dos Tempos... Inicialmente, a situação-problema partiu da articulação entre o instrumento físico e os excertos que contêm a fabricação e o uso da balhestilha, de maneira a emergir outros questionamentos de ordem matemática, que possibilitassem o estudo de unidades de medidas.

Essa atividade teve a participação de doze integrantes, no entanto, um participante desistiu, restando até o final onze. Desses onze participantes, seis são professores da Educação Básica e cinco são graduandos, sendo importante destacar que todos possuem, em comum, no seu currículo, o curso de Licenciatura em Matemática no estado do Ceará.

A atividade desenvolvida, nesse estudo, ocorreu em três etapas que foram realizadas em quatro encontros, que ocorreram do dia 23 a 26 de julho de 2018, no período da manhã, com carga horária total de 4h/a por dia. Todos os encontros foram fotografados, filmados e gravados em áudios. Além disso, ao final de cada dia, os participantes deveriam entregar um relatório por grupo, que apresentasse suas hipóteses e conclusões da discussão do dia.

Para que a atividade fosse bem desenvolvida, dividimos os onze integrantes em três trios e uma dupla. Disponibilizou-se, para eles, uma mesa com diversos objetos que poderiam dar suporte durante as etapas da atividade, sendo quatro balhestilhas já construídas e com um metro de comprimento, diversos pares de esquadros de 45 e 60º e sem escalas, fios de prumo, compassos, estiletes, apontadores, tesouras, folhas de papel A4, lápis, borrachas, entre outros.

No primeiro encontro, teve-se por intuito apresentar o contexto histórico no qual a balhestilha estava inserida, por volta do final do século XVI e início do século XVII, destacando elementos da geometria prática e das grandes navegações que estavam em torno do ano de publicação do documento Chronographia, Reportorio dos Tempos..., que continha a mesma. Ademais, procurou-se expor um pouco sobre o conteúdo que o documento apresenta e a sua importância para o período.

No segundo encontro, deu-se início a primeira etapa da atividade, na qual se teve por objetivo compreender as partes da balhestilha e o porquê delas estarem em determinado local, de maneira a elencar possíveis conhecimentos matemáticos presente nessa articulação. Nessa aula, para cada equipe, foi entregue uma balhestilha e a mesma foi estudada em dois momentos. No primeiro momento, articulou-se o instrumento com o texto que traz a fabricação da balhestilha e, no segundo momento, articulou-se a balhestilha com o texto que apresenta o uso do instrumento. A balhestilha que se utilizou no curso é apresentada na Figura 3.

Fonte: Elaborado pelas autoras (2018).

Figura 3 Balhestilha utilizada no curso de extensão.  

A partir do momento em que os discentes estavam com os instrumentos em mãos, para que se realizasse a articulação citada anteriormente, foram disponibilizados os textos que apresentam a fabricação e o uso do balhestilha, baseando-se na descrição e nas Figuras 4 e 5, elaboradas por Figueiredo (1603, f. 266-267) como se pode ver a seguir:

O radio astronômico, ou balhestilha se fabrica de um semicírculo, ou de um quarto de círculo pela seguinte ordem: construa um quarto de círculo (ABC) em uma taboa. E dividiremos o arco BC^ pelo meio, no ponto D. E do ponto D até o ponto B dividiremos em quarenta e cinco partes iguais. Partiremos primeiro o espaço DB^ em três partes iguais. E depois cada uma em outras três. E assim ficará partida em nove espaços. E logo cada um destes em cinco partes. E ficará partido em 45 partes iguais. E cada parte dessas partiremos pelo meio. E serão noventa partes, para o que havemos de buscar uma taboa muito plana, e lisa de cedro, ou pereiro em que tracemos a presente demonstração. E depois de traçada veremos de que tamanho quero que seja, o pinacido que é o que os marinheiros chamam de soalha. E suponho ser do tamanho do segmento GE- cujo meio será o ponto A. E do ponto E lançaremos um segmento paralelo ao segmento AB- , o segmento EF- . E pondo uma régua muito bem direita, e com cautela no ponto A e em cada parte do quarto BA- faremos divisões onde cortará a régua o segmento EF- , no qual o segmento ficará dividido em outras noventa partes como está dividido o arco BD- : o que teremos muito bem operado como está dito.E pelo conseguinte faremos uma régua quadrada de pau preto, ou de brasil, ou de cedro, a qual tenha todos os quatros lados iguais. E em um dos lados lhe lançaremos três, ou quatro segmentos paralelos ao comprido, dois mais chegados, e outros dois mais apartados, como mostra a figura HY [segmento de reta]. E com um compasso lhe passaremos todos os espaços do segmento EF- . E assim teremos dividida toda a régua quadrada em tantas partes em quantas estiver o segmento EF- as quais partes chamamos graus. E os poremos com suas divisões de dez em dez graus com seus números como demonstra a presente figura. A pinacidio4 será de largura três vezes quanto for à régua quadrada, a qual se fará de uma polegada de largura. E a soalha de três. E será de tamanho do segmento GE- . E no meio lhe faremos um buraco quadrado quanto caiba a régua quadrada o mais justo que puderem ser. E assim ficara feito o radio astronômico, ou balhestilha.

Figura 4 Taboa com a demonstração da graduação da balhestilha. 

Os astrônomos chamaram a este instrumento radio astronômico, por quanto observarão por este a distância das estrelas de umas as outras observadas por via do raio visual que sai do nosso olho, do qual usam os navegantes para tomarem a estrela do norte quando dito do horizonte sobre a terra para acharem a elevação do polo ártico. E lhe chamaram balhestilha. E quanto ao uso dele é muito fácil, como o demonstra a presente figura.

Figura 5 O uso do radio astronomico para medição dos astros. 

No instrumento HY- pelo qual observo a distância das duas estrelas AB^ passam os raios visuais do olho H pelas extremidades do pinacidio5 GE- , o raio HA- e raio HB- . E corta o pinacidio no radio HY- em 40 graus, os quais me mostra o arco AB^ distância de ambas as estrelas, mas os pilotos não tomam distâncias, senão a altura, ou distância do horizonte, pondo uma extremidade da soalha no horizonte, e outra na estrela do norte. E usam as regras do capítulo dezessete6 da terceira parte deste livro, onde copiosamente pos regras para se achar a elevação do polo pela estrela do norte. Também por outra qualquer estrela tomada no meridiano, tomaremos a elevação do polo, ou latitude da região como no dito capítulo está. E muito bem se pode tomar o sol com a balhestilha assim como obramos nas estrelas (Figueiredo, 1603, f. 267-268).

No terceiro encontro, a segunda etapa da atividade se apresentou de maneira semelhante à primeira. Entregamos as balhestilhas construídas para os grupos e a partir das duas situações de uso do instrumento, realizou-se, de maneira adaptada, a primeira delas, sendo a medição da altura de uma estrela em relação à linha do horizonte. Essa etapa teve por intuito manusear o instrumento de maneira a emergir possíveis questões de ordem matemática potencialmente didática.

No quarto encontro, a terceira etapa da atividade, consistiu-se na (re)aplicação dessa situação de medição em um observatório astronômico de uma universidade, no final da tarde, entre 17 e 18h, em que se pôde fazer o uso da lua como sendo o nosso astro no momento. Essa atividade teve por propósito validar o instrumento por meio da abstração matemática em relação à prática e possibilitar o encontro de novos potenciais didáticos apoiados na manipulação do instrumento. A seguir, apresenta-se um dos possíveis potenciais didáticos relacionados ao uso de medidas imersas nos textos de Figueiredo (1603).

O estudo de alguns conceitos envolvendo medidas na fabricação da balhestilha

Dentre os vários pontos observados no decorrer da atividade, serão pontuados alguns aspectos relacionados aos conceitos de grandezas e medidas. De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais (1998) e a Base Nacional Comum Curricular (BNCC, 2018), pode-se perceber que esse tema tem ganhado bastante destaque, principalmente, quando se trata da Educação Básica. Esse assunto possibilita desenvolver a construção do conceito de medida e de grandeza, que, na maioria das vezes, aparece pronto e acabado nos livros didáticos.

Durante as etapas da atividade, a discussão sobre medidas percorreu, principalmente, o processo em torno da leitura do texto que traz a fabricação da balhestilha, inclusive, no passo inicial, quando os discentes se encontravam ainda articulando o instrumento físico com a descrição. Um dos integrantes de um dos grupos levantou uma questão sobre a unidade de medida tratada no texto, fazendo o seguinte questionamento, “[...] o conceito de polegada é diferente do de hoje?” (Grupo 1, 2018).

Essa dúvida logo gerou uma inquietação em todo grupo, pois, segundo eles, seria um fator importante para poder mensurar o comprimento do virote, da soalha, como também para realizar as medições, destacando que, sem saber desse detalhe, seria muito difícil pôr em prática o uso do instrumento.

Nessa argumentação, pode-se ver a necessidade dos discentes de ter uma unidade de medida padrão para utilizar e de conferir se poderiam usar o valor da polegada disposto no século XXI. No entanto, nenhum deles levantou a hipótese sobre o estabelecimento de sua própria unidade de medida para realizar todo o processo da fabricação do instrumento.

Muitas vezes isso acontece porque não está claro, para o discente, alguns aspectos definidos dentro do processo de medição, como, por exemplo, Saito (2014, p. 33, grifo do autor) explica que “[...] ‘medir’ significa essencialmente ‘comparar’ e, muitas vezes, para medirmos, subdivimos uma das grandezas para obter a unidade de medida que caiba um número inteiro de vezes em ambas as grandezas a serem comparadas”. Veja que o simples processo de medir envolve uma série de conceitos essenciais que o aluno deve saber e, se o mesmo não souber, não terá condições de conseguir articular o processo de medição com outras unidades de medidas, ficando limitado o seu processo de medição apenas com o que o texto apresenta.

Esse contexto permite que o discente compreenda que não é a unidade de medida exatamente que está em jogo, mas o processo no qual ela está inserida. Portanto, o discente tem a possibilidade de perceber que não basta apenas ter uma unidade de medida para pôr o instrumento em uso, contudo é preciso compreender o processo, os detalhes, as comparações com outras unidades, que estão por trás dessas medições. Além disso, Saito (2017, p. 934) ressalta que o significado de medir “[...] é um procedimento geométrico e que para realizá-lo, é necessário mobilizar conhecimentos matemáticos [...]”, reforçando, assim, que, para realizar uma medição, não é necessário ter conhecimento apenas técnico sobre instrumentos ou ter anos de prática voltada para tal aplicação de um instrumento, mas sim o conhecimento matemático precisa estar presente.

Essa questão da unidade de medida possibilitou também explicar, historicamente, que essa e outras unidades de medidas, apesar de possuírem a mesma nomenclatura, em determinados períodos distintos, assumiram diferentes valores e significados. Isso pode ser visto por volta do século XVII, no qual o documento foi escrito, que existiam outros tipos de unidades de medida, como Apiano (1524) apresenta, que eram baseadas nas mãos ou nos pés, no caso, podendo ser dedo, onça (três dedos), palmo (quatro dedos), passada, passada simples, passada dupla, entre outras. Crease (2013, p. 31) complementa também que, na antiguidade, essas medidas

[...] baseavam-se em partes do corpo, sobretudo dedos e mãos; às vezes era feita distinção inclusive entre medidas da mão de um homem e da mão de uma mulher. As principais medidas derivadas do corpo eram o chi (pronuncia-se, aproximadamente, chãr), uma medida de pé que podia variar de 16 a 24 centímetros, dependendo da época e da região, e o cun (pronuncia-se tswun), que um dia foi relacionado com a largura de um dedo, mas que, ao menos já em 400 a. C., era regulado com um décimo do chi. Na era neolítica essas unidades já eram corporificadas - vinculadas não só aos pés dos indivíduos, mas a bastões de medição facilmente reproduzíveis.

Nesse processo, observa-se que, no período dessa obra, não existia ainda uma unidade de medida padrão, todavia cada região poderia ter a sua, baseada na mão ou no pé de alguma pessoa ou de algum rei do período. Somente no decorrer dos anos, essas medidas foram sendo padronizadas e apresentadas em réguas, esquadros, fitas, de maneira que pudessem ser reproduzidas com facilidade para outros povos. Corroborando com isso, Saito (2014, p. 33, grifo do autor) afirma que

Nesse sentido, o corpo humano foi talvez o primeiro e o mais antigo instrumento medida. Assim, uma vez que o pé, o palmo, o côvado, a polegada, por exemplo, são estabelecidos como padrão, eles ‘corporificam’ a unidade, conferindo-lhe identidade específica e concreta, como se fosse um artefato.

Portanto, pode-se perceber que, ao passo que temos unidades de medida padrões hoje, como o metro, centímetro, milímetro, entre outros, em determinados períodos da antiguidade, outras unidades como o pé, o palmo, a polegada, o côvado assumiram seus lugares como medidas padrões da época, dando ao conceito de unidade um corpo sólido, existente e palpável de ser medido, como algo concreto.

Dessa forma, foi posta a questão dessa unidade de medida, a polegada, de se estender a outras partes do instrumento, pois, de acordo com Figueiredo (1603), essa é uma medida usada na espessura do virote e na largura da soalha. Será que não poderia ser utilizada no comprimento do virote e da soalha? Todavia, o autor não fala nada a respeito do tamanho dos mesmos. Mas é interessante que os discentes perceberam que o comprimento da soalha e do virote influencia no processo de graduação do instrumento.

Entretanto, essa questão não vem ao caso agora, mas sim a unidade de medida no processo de fabricação e uso da balhestilha, visto que, conforme os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN),

As atividades em que as noções de grandezas e medidas são exploradas proporcionam melhor compreensão de conceitos relativos ao espaço e às formas. São contextos muito ricos para o trabalho com os significados dos números e das operações, da ideia de proporcionalidade e um campo fértil para uma abordagem histórica (Parâmetros Curriculares Nacionais, Ensino Médio, 1998, p. 52).

Logo, quando trabalhamos com grandezas e unidades de medidas, temos a possibilidade de ir além do passo de simplesmente medir algo, podendo compreender o significado dos números atribuídos a essas noções de grandezas, tendo a possibilidade de despertar os alunos para o processo de construção histórica dessa abordagem.

Nessa mesma perspectiva, o estudo que envolve grandezas e medidas permite que os alunos participem de experiências que lhe proporcionem uma visão mais compreensiva do processo de medição, de maneira a perceber que ambos são de extrema utilidade para descrever e comparar fenômenos e, além disso, como já foi dito anteriormente, quando se realiza o link desses aspectos de grandezas e medidas com elementos da História, como aspectos sociais, políticos, econômicos e religiosos, podemos despertar no aluno um interesse mais intenso para o campo da matemática (Parâmetros Curriculares Nacionais, Ensino Médio, 1998).

Assim, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC, 2018, p. 271) traz que os trabalhos com grandezas e medidas proporcionam a articulação entre ambas, de maneira a perceber que “[...] as medidas quantificam grandezas do mundo físico e são fundamentais para a compreensão da realidade”. Além disso, o estudo, com os temas envolvendo grandezas e medidas, possibilita que o professor estabeleça a noção de número e expanda o seu significado de maneira a conhecer novas abordagens desse tema envolvendo questões de ordem geométrica e algébrica (BNCC, 2018).

Ademais, segundo a BNCC (2018, p. 271), é nos anos iniciais que alunos precisam reconhecer que “[...] medir é comparar uma grandeza com uma unidade e expressar o resultado da comparação por meio de um número [...]” e que esse processo dever ser dado primeiro passo por meio de “[...] unidades não convencionais para fazer as comparações e medições, o que dá sentido à ação de medir, evitando a ênfase em procedimentos de transformação de unidades convencionais”. Com relação ao uso das unidades não convencionais (ou informais), Schemberger e Ribas (2013, p. 4) afirmam que

[...] o professor deve usar unidades informais, não convencionais, pois os alunos perceberão que medir é comparar grandezas, porém através dessas atividades bem elaboradas, eles notarão que o uso social exige uma padronização. O raciocínio ao ser desenvolvido com medidas não convencionais, por exemplo, palmos, braços, caderno, lápis, etc., ajuda-o a entender que, dependendo da situação-problema, às vezes há necessidade de uma resposta exata e, em outras, dá para resolver com uma medida aproximada. É também uma possibilidade de identificar as propriedades de objetos que possam ser medidos, escolher instrumentos e unidades e estabelecer comparações entre elas.

Assim, concordando com o autor, o uso de unidades de medida, como palmo, polegada, braças, possibilita realizar o estudo histórico que contribuiu para a padronização delas hoje. Também mostra que o aluno não é capaz de medir algo apenas se tiver uma ferramenta com uma medida padrão, como metro, centímetro ou milímetro, mas, por meio de comparações de unidades não convencionais, pode-se chegar a um resultado plausível no final do processo de medição.

Por conseguinte, não queremos chamar a atenção para o ensino do conceito de grandeza e medida em si, como um conteúdo matemático, cheio de regras e passo a passo, no entanto, queremos mostrar o quanto o estudo dessas categorias possibilitam construir um significado para o aluno, por meio de um percurso histórico articulado com o ensino de matemática, mostrando-lhe uma ressignificação do conceito de medida e grandeza.

Considerações finais

A construção da interface é muito mais do que um passo dentro de uma sequência, ela é mais ampla e contempla diversos movimentos que precisam ser realizados, como a contextualização do âmbito nos quais os conceitos matemáticos estão inseridos e o movimento do pensamento na formação do conceito matemático. Tudo isso precisa ser executado, para que, ao realizar o diálogo entre ambos os movimentos, surjam questões potencialmente didáticas para articular com o ensino de matemática.

Assim, este estudo procurou dar ênfase às potencialidades didáticas que poderiam emergir a partir de atividades baseadas na Atividade Orientadora de Ensino (AOE), fazendo uso dos textos da fabricação e do uso do balhestilha, contido na Sexta Parte do documento Chronographia Reportorio dos Tempos... (1603). Essas potencialidades didáticas podem ser diversas, entre elas, destacamos, aqui, o bloco de grandezas e medidas, mais especificamente, unidade de medida.

Pode-se ver que, por meio do conceito de polegada, trazido pelo instrumento balhestilha, foi possível articular o contexto histórico com os PCN e a BNCC, de maneira a promover a construção desse conhecimento matemático que aparece, na maioria das vezes ,pronto e acabado nos materiais didáticos. Logo, percebe-se o quanto a construção de interface tem o intuito de colaborar para a organização do ensino articulando o conhecimento matemático, no contexto histórico, com o currículo que temos na Educação Básica.

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1A partir desse trecho em diante no texto, chamaremos a obra por Chronographia, Reportorio dos Tempos..., devido ser extensa sua titulação.

2Segundo Saito (2015, p. 23-24), na perspectiva historiográfica tradicional, “[...] o passado é visto com os olhos de hoje. Admite-se que a ciência e a matemática teriam se desenvolvido progressiva e linearmente [...]” e “[...] além disso, sua narrativa privilegia apenas os aspectos internos à própria área de conhecimento e outros desdobramentos, que não são essencialmente matemáticos, são deixados de lado”.

3Maiores detalhes sobre a Teoria da Atividade e o Movimento lógico-histórico vide: Duarte (1987), Giardinetto (1996), Dias e Saito (2009).

4Tem o mesmo significado de pinacido ou soalha, neste caso, a transversal.

5Tem o mesmo significado de pinacido ou soalha, neste caso, a transversal.

6Provavelmente o autor se enganou ao referenciar o capítulo que tinha essas regras, pois as mesmas se encontram no capítulo dezesseis.

9NOTAS: As autoras são responsáveis pela concepção, análise e interpretação dos dados; redação e revisão crítica do conteúdo do manuscrito e, ainda, aprovação da versão final a ser publicada.

Recebido: 01 de Junho de 2019; Aceito: 23 de Dezembro de 2019

* Autor para correspondência. E-mail: naiara.batista@uece.br

Antonia Naiara de Sousa Batista: Possui graduação em Licenciatura em Matemática (2016), pela Universidade Estadual do Ceará (UECE) e mestrado (2018) pela Pós-graduação em Ensino de Ciências e Matemática (PGECM), no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE). É vice-líder do Grupo de Pesquisa em Educação e História da Matemática (GPEHM) e doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE). Atualmente, é professora substituta do Curso de Licenciatura em Matemática da Universidade Estadual do Ceará (UECE). Tem experiência na área da Educação Matemática e da História da Matemática, com ênfase na formação de professores de matemática, articulação entre história e ensino de matemática e instrumentos matemáticos. ORCID: orcid.org/0000-0003-2305-7088 E-mail: naiara.batista@uece.br

Ana Carolina Costa Pereira: Possui graduação em Licenciatura em Matemática pela Universidade Estadual do Ceará (2001), mestrado em Educação Matemática pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2005), doutorado em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (2010) e pós-doutorado em Educação Matemática pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Ainda atua como docente Adjunta da Universidade Estadual do Ceará e líder do Grupo de Pesquisa em Educação e História da Matemática (GPEHM). Tem experiência na área de Educação Matemática, com ênfase em História de Matemática, atuando, principalmente, nos seguintes temas: formação de professores de matemática e interface entre história e ensino de matemática. ORCID: orcid.org/0000-0002-3819-2381 E-mail: carolina.pereira@uece.br

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