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Acta Scientiarum. Education

versión impresa ISSN 2178-5198versión On-line ISSN 2178-5201

Acta Educ. vol.43  Maringá  2021  Epub 01-Ago-2021

https://doi.org/10.4025/actascieduc.v43i1.46902 

Formação de Professores e Políticas Públicas

Para compreender a proposta de alfabetização: o livro didático para o primeiro ano do ensino fundamental em foco

Para entender la propuesta de alfabetización: el libro didáctico de texto, para el primer año de la escuela primaria, en foco

Vinícius Adriano de Freitas1 
http://orcid.org/0000-0002-4922-9565

Maria Terezinha Bellanda Galuch1 
http://orcid.org/0000-0001-5154-9819

1Universidade Estadual de Maringá, Av. Colombo, 5790, 87020-900, Maringá, Paraná, Brasil.


RESUMO.

Fundamentando-se na Teoria Crítica da Sociedade, este artigo tem como objetivo compreender a relação entre os encaminhamentos dados ao ensino e à aprendizagem inicial da língua escrita e a proposta de formação cultural para crianças em processo de alfabetização. Os dados foram coletados no livro didático ‘Aprender juntos: letramento e alfabetização’, destinado ao componente curricular letramento e alfabetização para o primeiro ano do ensino fundamental. As análises apontam que a proposta apresentada prioriza situações de vivência do uso social da leitura e da escrita, com poucas atividades voltadas ao estudo explícito das habilidades de ler e de escrever quaisquer palavras, frases ou textos. Apesar de este encaminhamento se pautar na ideia da necessidade de formar o sujeito crítico, ao enfatizar a forma (no dualismo forma e conteúdo), acaba concorrendo para a formação cuja ênfase é a adaptação à realidade vigente, portanto concorre para a pseudoformação.

Palavras-chave: alfabetização; letramento; livro didático; teoria crítica da sociedade

RESUMEN.

Con base en la Teoría Crítica de la Sociedad, este artículo tiene como objetivo entender la relación, entre las directrices dadas a la enseñanza y al aprendizaje inicial, de la lengua escrita y también de la propuesta de formación cultural para niños, durante el proceso de alfabetización. Los datos fueron colectados en el libro didáctico ‘Aprender juntos: letramiento y alfabetización’, destinado al componente curricular letramiento y alfabetización, para el primer año de la enseñanza fundamental. Los análisis apuntan, que la propuesta presentada da prioridad a situaciones de vivencia, del uso social, de la lectura y de la escrita, con pocas actividades orientadas al estudio explícito, de las habilidades de leer y de escribir todas y cualesquier palabras, frases o textos. A pesar de esta orientación pautarse en la idea de la necesidad de formar el sujeto crítico, al destacar la forma (y no la dualidad forma y contenido), termina auxiliando para la formación, cuyo énfasis es la adaptación a la realidad vigente. Por lo tanto, contribuye para la pseudo formación.

Palabras clave: alfabetización; letramiento; libro didáctico; teoría crítica de la sociedad

ABSTRACT.

Underpinned by the Critical Theory of Society, the aim of this article was to understand the relationship between the orientation given to education and the initial teaching of the written language, and the proposal of cultural training for children in the process of learning to read and write. The data were collected in the textbook entitled ‘Aprender juntos: letramento e alfabetização’ (meaning ‘Learning together: literacy and learning to read and write’) intended for the literacy & reading/writing syllabus in the first year of elementary education. The analyses show that the presented proposal prioritizes situations of experience of the social application of reading and writing, with few activities devoted to the explicit study of the ability to read and write words, phrases or texts. Despite this orientation being predicated on the idea of the need to educate the critical subject, by emphasizing form (within the dualism of form and content), it ends up contributing to an education where the emphasis is on adapting to the prevailing reality, and therefore encourages pseudo-education.

Keywords: learning to read and write; literacy; textbook; critical theory of society

Introdução

No Brasil, o analfabetismo não é um problema exclusivo dos dias atuais; já se fazia presente no período colonial, mas foi apenas no início do século XX que passou a ser uma questão enfrentada pelo Estado (Mortatti, 2004).

Em termos quantitativos, na transição do século XX para o XXI, quase a totalidade da população infantil brasileira em fase de alfabetização passou a ter acesso à escolarização (Mortatti, 2004), todavia, no que se refere à qualidade, dados da Avaliação Nacional de Alfabetização (ANA) de 2014, embora sejam referentes a uma avaliação externa padronizada, demonstram que o analfabetismo não é um problema superado. De acordo com o Ministério da Educação (MEC), em 2014, o índice de alunos com nível insuficiente em leitura era de 56,17%, indicativo de nível de desempenho em que o aluno não é capaz de identificar a finalidade de um texto e de localizar uma informação explícita nele. No caso da escrita, 34% estão no patamar daqueles que não são capazes de escrever as palavras de maneira alfabética e de produzir textos legíveis1 (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira [INEP], 2015).

Essa questão nos instigou a analisar a concepção de alfabetização que tem servido de base para as práticas pedagógicas. Para tanto, buscamos analisar o livro didático do ciclo 2016-2018 do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), intitulado ‘Aprender juntos: letramento e alfabetização’, destinado ao componente curricular ‘Letramento e alfabetização’. Entendemos que esse material revela a tendência assumida para a alfabetização pelo Estado brasileiro, já que se trata de um material didático avaliado mediante critérios estabelecidos pelo PNLD. Em outras palavras, mesmo que os livros adotados por escolas públicas brasileiras que aderem ao PNLD não sejam os mesmos, certamente há uma semelhança entre eles, uma vez que são avaliados mediante os mesmos critérios. Dessa forma, conduzimos a discussão apresentada neste artigo no sentido de compreender a concepção de alfabetização que orienta as propostas didático-metodológicas para a alfabetização infantil e, por conseguinte, para a formação humana.

Para analisar o livro didático no qual os dados foram coletados, buscamos compreender os seguintes aspectos que perpassaram as propostas de alfabetização adotadas nas últimas décadas (1980-2016): (i) métodos sintéticos e analíticos; (ii) psicogênese da língua escrita; (iii) disputa entre o ‘como se ensina’ e o ‘como se aprende’; (iv) letramento; (v) ciência cognitiva da leitura.

Do ponto de vista metodológico, entendemos que as propostas de alfabetização devem ser analisadas na sua relação com o contexto social. Assim, devemos levar em conta o cenário que a sociedade industrial desenvolvida confere à formação humana nos dias atuais, bem como a formação esperada para que se cumpra o objetivo de se manter a ordem vigente. Dessa forma, recorremos a autores da Teoria Crítica da Sociedade, como Adorno (2017), Benjamin (2012), Horkheimer (2007), Horkheimer e Adorno (1985) e Marcuse (2015), na busca de fundamentos para a compreensão do processo educativo escolar no contexto atual e as implicações desse processo para a formação cultural (bildung). O intuito é investigar como esses pensadores se posicionaram em relação à perda da autonomia do sujeito diante do predomínio da razão instrumental, da cultura massificada e como é possível tal perda no momento em que a maioria das pessoas tem acesso à formação escolar. Embora esses teóricos não tenham-se ocupado especificamente com o processo educativo escolar, tampouco com o processo de alfabetização infantil, analisaram a sociedade moderna industrializada, a formação humana e a cultura contemporânea, categorias fundamentais para a compreensão das propostas de alfabetização e da formação almejada no contexto atual.

Teoria crítica da sociedade e formação cultural (bildung)

Para Horkheimer (2007), a compreensão do processo de formalização da razão requer que se leve em consideração o dualismo pelo qual esta categoria tem perpassado no mundo ocidental: razão subjetiva e razão objetiva.

A razão subjetiva se refere à faculdade que torna possível as ações racionais, isto é, trata-se da “[...] faculdade de classificação, inferência e dedução, não importando qual o conteúdo específico dessas ações [...]” (Horkheimer, 2007, p. 9); nesse sentido, “[...] a razão subjetiva é a capacidade de calcular probabilidades e desse modo coordenar os meios corretos com um fim determinado” (Horkheimer, 2007, p. 11). Já a razão objetiva diz respeito àquela almejada por grandes sistemas filosóficos que buscaram “[...] desenvolver um sistema abrangente, ou uma hierarquia, de todos os seres, incluindo o homem e os seus fins” (Horkheimer, 2007, p. 10-11).

Os sistemas filosóficos fundados na razão objetiva implicam a possibilidade da descoberta de uma estrutura essencial que abarca todo o ‘ser’ e de que disso se pode emanar uma concepção do destino humano (Horkheimer, 2007). O problema é que, na modernidade, a razão tende à dissolução, perdendo seu conteúdo objetivo. Tem predominado, nesse contexto, a razão subjetiva que, formalizada, torna-se um instrumento, ou seja, passa a ser razão instrumental e, assim, “[...] as idéias se tornam automáticas, instrumentalizadas [...]. São consideradas como coisas, máquinas [...]”, aponta Horkheimer (2007, p. 27).

Quanto mais formalizada a razão humana, menos enxergamos as contradições sociais. Conforme afirma Marcuse (2015, p. 45), “[...] quanto mais radical, produtiva, técnica e total se torna a administração repressiva da sociedade, mais inimagináveis se tornam os meios e modos pelos quais os indivíduos administrados poderiam quebrar sua servidão.”

Em outras palavras, quanto mais imunes às contradições, menos pensamos de maneira crítica, dialética e negativa, pois enxergamos o mundo conforme a ideologia da sociedade industrial: tudo deve ser visto positivamente, de maneira formalizada, imutável e eterna. Dessa forma, o homem unidimensional é o sujeito que enxerga o presente (desprezando o passado e o futuro) e o positivo (desvalendo-se do negativo), afirma Marcuse (2015).

Com o processo de formalização da razão, a sociedade ocidental enfrenta uma crise em sua formação cultural (bildung); para compreendê-la, pautamo-nos no conceito de indústria cultural, criado por Horkheimer e por Adorno em meados do século XX. Com esse termo, apresentado no ensaio ‘A indústria cultural: o esclarecimento como mistificação das massas’, capítulo da obra ‘Dialética do Esclarecimento’, escrita em 1947, os autores explicam que a dualidade entre ‘cultura de massa’ e ‘cultura popular’ permitia supor que existiria uma alta cultura para a elite burguesa, em oposição à cultura produzida pelo povo ou para o povo. Já o termo ‘indústria cultural’ deixa claro que, no mundo burguês, existe uma só cultura, ou melhor, uma falsa cultura, a qual é industrializada e alcança a todos, sem distinção; é, portanto, uma pseudocultura.

Na língua alemã, bildung (formação cultural) é inseparável do termo kultur (cultura). Esses termos estão intrinsecamente vinculados à ascensão da burguesia na Alemanha, pois é a classe social que se sente “[...] orgulhosa de ser a autora de produções culturais que idealizam um futuro bem diferente daquele apoiado no elogio aos hábitos e costumes ‘civilizados’ e sustentados pela ociosa nobreza européia” (Pucci, Zuin, & Ramos-de-Oliveira, 2008, p. 56, grifo dos autores). No entanto, como a ascensão da burguesia esteve atrelada ao triunfo da sociedade moderna industrializada, que, por sua vez, foi respaldada pela indústria cultural, a própria cultura tornou-se questionável, pois ela seria a própria realidade à qual o sujeito deve adaptar-se para poder formar-se culturalmente, isto é, por um lado, o sujeito se apropria dessa cultura; por outro lado, quando há a ideologia de que não pode existir outra cultura além dessa que se faz presente.Trata-se de uma determinação perigosa, pois essa premissa não admite a contradição e, portanto, a superação da falsa cultura inerente ao mundo moderno industrializado.

Horkheimer e Adorno (1985) apontam que a divulgação da cultura industrializada como cultura é um mecanismo de ocultação da possibilidade de superação da cultura burguesa. Isto porque, ao se autointitular como autêntica e insuperável, a pseudocultura se torna ideologia da sociedade moderna industrializada e, ao mesmo tempo, um fetiche que sustenta a perpetuação do capitalismo. Em contrapartida, a ideia de que a apropriação da cultura erudita, que significaria a negação da pseudocultura, seria suficiente para a emancipação humana é falsa como fim, porém verdadeira como meio para se alcançar a cultura autêntica. Em outras palavras, dialeticamente, a apropriação da cultura, como meio, é a condição para o acesso à verdadeira cultura.

O que é, então, a cultura verdadeira? É a cultura capaz de fazer a ‘autocrítica da razão’. De acordo com Horkheimer (2007), essa autocrítica pressupõe, em primeiro lugar, “[...] que o antagonismo entre a razão e a natureza está em uma fase aguda e catastrófica [...]”; em segundo lugar, “[...] que nesse estágio de completa alienação a idéia de verdade é ainda acessível” (Horkheimer, 2007, p. 182). Apesar disso, enquanto a razão não exercer a autocrítica, a pseudoformação continuará cúmplice das sugestões imagéticas da estética contemporânea, ou seja, da indústria cultural.

No ensaio ‘Teoria da semicultura’, Adorno (2017) apresenta uma reflexão que contribui para a compreensão da crise da formação humana a qual permanece atual. Segundo os argumentos do autor, “[...] a formação cultural agora se converte em uma semiformação socializada, na onipresença do espírito alienado que, segundo sua ênfase e seu sentido, não antecede à formação cultural, mas a sucede” (Adorno, 2017, p. 1). A pseudoformação passou a ser a forma de consciência que predomina na sociedade burguesa e é ela que ajuda a “[...] manter no devido lugar aqueles para os quais nada existe de muito elevado ou caro [...]” (Adorno, 2017, p. 6); a pseudoformação é, portanto, uma representação do “[...] espírito conquistado pelo caráter de fetiche da mercadoria” (Adorno, 2017, p. 11).

Conforme apontamos na introdução deste artigo, apesar de haver um amplo acesso da população ao processo de escolarização, não está sendo garantida à criança uma aprendizagem que lhe torne capaz de se envolver em práticas sociais de leitura e de escrita com autonomia. Sabemos que múltiplos fatores participam desse cenário, desde a formação do professor alfabetizador até as políticas educacionais que têm sido adotadas em relação a esse conteúdo escolar. Diante disso, há que compreendermos um campo específico que pode implicar a formação cultural (bildung): o percurso/processo de aprendizagem inicial da língua escrita, ou seja, as propostas metodológicas que têm feito parte desse conteúdo escolar nas escolas brasileiras nas últimas décadas. Nesse sentido, voltamo-nos às concepções de aprendizagem inicial da língua escrita que têm, desde a década de 1980, fundamentado os encaminhamentos teórico-metodológicos.

A literatura acadêmica e científica acerca de métodos e de propostas de alfabetização a partir da década de 1980

Na análise do processo de aprendizagem da língua escrita, os métodos de alfabetização são uma questão importante, mas; todavia, após a década de 1960, houve uma queda acentuada em pesquisas acadêmicas centradas nesse assunto. Segundo Soares (2014), na década de 1970, apenas 14% da produção acadêmica e científica brasileira esteve voltada à questão dos métodos de alfabetização, caindo para 4% na primeira metade dos anos de 1980. Nos últimos anos, porém, o método voltou a ser objeto de pesquisas e de embates acadêmicos.

Em síntese, no Brasil, desde o início da república, as discussões acerca dos métodos de alfabetização oscilaram e, recentemente, voltaram a oscilar, tanto nas pesquisas acadêmicas como nas práticas pedagógicas de professores alfabetizadores, entre os métodos sintéticos e os analíticos (Carvalho, 2005).

Em relação aos métodos sintéticos, três são os principais: o método da soletração (alfabético), cujo ensino tem como ponto de partida o nome das letras; o da silabação que enfatiza a pronúncia de sílabas; o método fônico que parte dos sons correspondentes às letras (fonemas). Por outro lado, temos os métodos de alfabetização que propõem o percurso oposto ao dos métodos sintéticos, os chamados métodos analíticos. No Brasil, essas propostas apareceram no final do século XIX e início do século XX, passando a se fazer presentes quando, por meio de uma biopsicologização da infância, entra em cena a necessidade “[...] de tornar a aprendizagem significativa e, para isso, partir da compreensão da palavra escrita, para dela chegar ao valor sonoro de sílabas e grafemas” (Soares, 2016, p. 18). Nesse sentido, o principal pressuposto que norteia os métodos analíticos é este: “[...] o ensino da leitura deveria ser iniciado pelo ‘todo’, para depois se proceder à análise de suas partes constitutivas” (Mortatti, 2006, p. 7). No entanto, como explica Mortatti (2006), os teóricos dos métodos analíticos tiveram diferentes visões acerca desse ‘todo’, isto é, seus defensores consideravam o ‘todo’ ora a palavra, ora a sentença, ora a ‘historieta’, constituindo-se, então, os três principais métodos analíticos: o da palavração, o da sentenciação e o global, respectivamente.

Essa disputa entre os métodos sintéticos e os analíticos continua a fomentar as discussões sobre a alfabetização. Isso pode ser explicado pelo fato de o construtivismo não ter apresentado um encaminhamento para direcionar o processo de alfabetização. Na verdade, Ferreiro e Teberosky (1999), pesquisadoras da psicogênese da língua escrita, consideram que a disputa entre os métodos, quer sejam os sintéticos, quer sejam os analíticos, implica uma querela insolúvel, a menos “[...] que conheçamos quais são os ‘processos de aprendizagem do sujeito’, processos que tal ou qual metodologia pode favorecer, estimular ou bloquear [...]” (Ferreiro & Teberosky, 1999, p. 29, grifo das autoras), ou seja, a saída para a disputa entre esses métodos só pode haver caso se considere ‘como a criança aprende’.

Ferreiro esclarece que a pergunta fundamental que guiou suas investigações epistemológicas e psicológicas acerca da apropriação da escrita foi a seguinte: “[...] como se passa de um estado de menor conhecimento a um estado de maior conhecimento?” (Ferreiro, 2017, p. 9). Segundo Ferreiro e Teberosky (1999, p. 32, grifo das autoras), a resposta é que

[...] nenhuma aprendizagem conhece um ponto de partida absoluto, já que, por mais novo que seja o conteúdo a conhecer, este deverá necessariamente ser ‘assimilado’ pelo sujeito e, conforme os esquemas assimiladores à disposição, a assimilação será mais ou menos deformante.

Para Ferreiro (2017), o avanço na escrita ocorre quando a criança age sobre ela, isto é, as informações do mundo da escrita “[...] não são recebidas passivamente pelas crianças [...]” (Ferreiro, 2017, p. 25); “[...] quando tentam compreender, elas necessariamente transformam o conteúdo recebido” (Ferreiro, 2017, p. 25). “Este é o significado profundo da noção de ‘assimilação’ que Piaget colocou no âmago de sua teoria [...]”, destaca Ferreiro (2017, p. 25, grifo da autora).

Em síntese, a psicogênese da língua escrita inaugurou uma nova disputa acerca das propostas para a alfabetização de crianças: por um lado, o método voltado para o ensino - ‘como se ensina’ - (métodos sintéticos e métodos analíticos); por outro lado, o método voltado para a aprendizagem - ‘como se aprende’ - (método natural/construtivismo).

Após a década de 1990, novos termos passaram a ser usados para denominar o processo de aprendizagem inicial da língua escrita: letramento, alfabetismo e literacia. No limite deste artigo, não nos cabe aprofundar as tensões e as ambiguidades em relação às semelhanças e às diferenças entre os três termos; no entanto, é necessário dizer que a produção do conceito de letramento e a distinção entre alfabetização e letramento são formulações simplificadoras e lineares do ‘complexo processo de aprendizagem da escrita’, que responde à necessidade (ideológica) de nomear as coisas, os fatos e os fenômenos a fim de controlá-los por meio de um saber específico.

Etimologicamente, a palavra é uma tradução do termo inglês literacy, que, por sua vez, tem origem do latim littera, que se refere à palavra ‘letra’. Por sua vez, a palavra literacy poderia ser decomposta da seguinte forma: litera (letra) + cy (condição ou estado de), ou seja, “[...] literacy é a ‘condição de ser letrado’” (Soares, 2009, p. 35, grifo da autora). Soares, no entanto, evidencia que a definição da palavra pode ser expandida: “[...] ‘letramento’ é, pois, o resultado da ação de ensinar ou de aprender a ler e escrever [...]” (Soares, 2009, p. 18, grifo da autora); é “[...] o estado ou a condição que adquire um grupo social ou um indivíduo como consequência de ter-se apropriado da escrita” (Soares, 2009, p. 18).

Diante da necessidade de ampliar o acesso de seus cidadãos à cultura letrada, no contexto atual (século XXI), basicamente três ‘facetas’2 referentes à aprendizagem inicial da língua escrita têm ganhado espaço tanto no âmbito acadêmico quanto no pedagógico: a linguística, a interativa e a sociocultural (Soares, 2016). Dessas três facetas, vêm à tona “[...] três objetos de conhecimento diferentes na composição do processo de aprendizagem inicial da língua escrita, objetos a que correspondem domínios cognitivos e linguísticos distintos [...]” (Soares, 2016, p. 29) e, por conseguinte, “[...] três categorias de competências a serem desenvolvidas”, conceitua Soares (2016, p. 29).

Ao focalizar a ‘faceta linguística’, encontramos a alfabetização em sentido estrito. Nesse contexto, o objeto de conhecimento “[...] é a apropriação do sistema alfabético-ortográfico e das convenções da escrita, objeto que demanda processos cognitivos e linguísticos específicos” (Soares, 2016, p. 29).

Já na ‘faceta interativa’, o objeto de aprendizagem e de ensino “[...] são as habilidades de compreensão e produção de textos [...]” (Soares, 2016, p. 29). Esse objeto requer o conhecimento de processos cognitivos - a metalinguística - e estratégias de leitura e de escrita.

Por fim, em relação aos objetos da ‘faceta sociocultural’, temos “[...] eventos sociais e culturais que envolvem a escrita, objeto que implica conhecimentos, habilidades e atitudes específicos que promovam inserção adequada nesses eventos [...]” (Soares, 2019, p. 29), ou seja, habilidades sociodiscursivas que permitam ao sujeito letrado participar/interagir com diferentes situações e contextos de uso social das práticas de leitura e da escrita (Soares, 2019).

Assim, a faceta caracterizada como ‘linguística’ tem como objeto de conhecimento algo essencialmente linguístico: o sistema alfabético-ortográfico de escrita (Soares, 2016), ou seja, a ‘alfabetização’. As duas outras facetas - interativa e sociocultural - implicam outros objetos de conhecimento que vão além do linguístico. Na faceta interativa, o objeto de conhecimento é o uso da língua escrita para a interação entre pessoas, o que envolve, para além da dimensão linguística, “[...] elementos ‘textuais’ e ‘pragmáticos’, não exclusivamente linguísticos [...]” (Soares, 2016, p. 38, grifo nosso); já na faceta sociocultural, o objeto de conhecimento são os usos e as funções da língua escrita em diferentes contextos sociais e em diferentes eventos de letramento; considera-se, portanto, inúmeros elementos não linguísticos, como os epistemológicos, os lógicos, os cognitivos, os psicológicos etc.

Trabalhar com uma proposta que favoreça o letramento do aluno não é tão simples quanto trabalhar tendo um método de alfabetização, segui-lo à risca e, no caso de fracasso, ficar conjeturando sobre os possíveis responsáveis. Desenvolver atividades que preparem o aluno para as práticas sociais da leitura e da escrita exige que o professor possua conhecimentos científicos da área, que pesquise, que planeje com antecedência e que use sua criatividade (Araújo, Rêgo, & Fernandes, 2008, p. 116).

Smolka (2003, p. 49) assinala que as palavras têm, certamente, um significado, mas que “[...] elas podem não ter sentido algum para as crianças [...]”; em outros termos, “O significado pode ser ‘explicado’ por sinônimos, tipo dicionário, mas o sentido é fruto da utilização das palavras nos diversos contextos das situações” (Smolka, 2003, p. 49, grifo da autora). Diante disso, o ‘letramento’ surge quando se “[...] toma a leitura e a escrita como práticas sociais e bens culturais e busca compreender o valor simbólico da escrita nos diferentes contextos sociais” (Araújo, Rêgo & Carvalho, 2009a, p. 74).

Mortatti (2004, p. 80, grifo da autora) busca evidenciar que o surgimento do conceito de ‘letramento’ se deve a um “[...] certo esgotamento dos limites teóricos e práticos do termo ‘alfabetização’”. Assim sendo, no quadro paradigmático de aprendizagem inicial da língua escrita, atualmente se considera que não basta alfabetizar3; é preciso promover o letramento. Além disso, vem à tona que os dois processos, alfabetização e letramento, embora distintos, são indissociáveis. Concordamos com Mortatti (2004), mas é necessário, a nosso ver, fazer duas ressalvas: (i) devido ao fato de o conceito de letramento ter sua origem em uma ampliação do conceito de alfabetização, esses dois processos têm sido frequentemente confundidos (Soares, 2019), o que tem causado problemas teórico-práticos ao invés de avanços; (ii) consideramos válido o argumento de Soares (2019) de que, no plano conceitual, “[...] talvez a distinção entre alfabetização e letramento não fosse necessária, ‘bastando que se ressignificasse o conceito de alfabetização’ ” (Soares, 2019, p. 96-97, grifo nosso).

Além do letramento, outra discussão que, na atualidade, está na base de propostas de alfabetização é a ciência cognitiva da leitura. Trata-se de uma área cujos pressupostos podem contribuir para a compreensão da formação almejada no contexto atual, em relação à aprendizagem da língua escrita.

Um dos pressupostos que norteia a ciência cognitiva da leitura é o de que a formação de bons leitores deve priorizar a leitura fluente. Conforme apontam Snow e Juel (2013, p. 525), “[...] existem muitos estudos que mostram que os bons e os maus leitores diferem não no uso do conteúdo para fazer previsões melhores, mas na identificação rápida e eficiente de palavras”.

Sabemos que a ciência não é neutra; a ciência cognitiva da leitura, portanto, também carrega em si a não neutralidade. Ao conceber a língua como ‘código’, a ciência cognitiva da leitura entende o texto como mero instrumento de comunicação, “[...] o texto é visto como simples produto da codificação de um emissor a ser decodificado pelo leitor/ouvinte, bastando a este, para tanto, o conhecimento do código” (Koch, 2003, p. 90). Assim, “[...] o texto, uma vez decodificado, é totalmente explícito” (Koch, 2003, p. 90). Isso significa que, segundo essa concepção, o leitor é um ‘decodificador’ passivo do conteúdo da leitura.

Faraco (2016, p. 47), baseando-se em ideias do ‘Círculo de Bakhtin’, apresenta questões acerca da relação entre linguagem, enunciado e ideologia, as quais fornecem elementos para pensarmos sobre aprendizagem da língua escrita, com destaque para o fato de que,

Algumas vezes, o adjetivo ideológico aparece como equivalente a axiológico. Aqui é importante lembrar que, para o Círculo [de Bakhtin], a significação dos enunciados tem sempre dimensão avaliativa, expressa sempre um posicionamento social valorativo. Desse modo, qualquer enunciado é, na concepção do Círculo, sempre ideológico [...]. E ideológico em dois sentidos: qualquer enunciado se dá na esfera de uma das ideologias (i. e., no interior de uma das áreas da atividade intelectual humana) e expressa sempre uma posição avaliativa (i. e., não há enunciado neutro; a própria retórica da neutralidade é também uma posição axiológica).

Isso significa dizer que toda prática de linguagem é ideológica. A ideologia não é algo exterior ao semiótico, mas intrínseco a ele: “[...] o domínio do ideológico coincide com o domínio dos signos: são mutuamente correspondentes. Ali onde o signo se encontra, encontra-se também o ideológico. Tudo que é ideológico possui um valor semiótico”, enfatiza Bakhtin (1997, p. 32). Assim, estamos cientes de que mesmo o simples ato de decifrar palavras (leitura) é ideológico, masé um processo indispensável para que a função social da língua escrita se efetive. Em outras palavras, se o reconhecimento automático de palavras não ocorre, as demais habilidades relacionadas à leitura (compreensão, inferência, dedução, reconhecimento de informações etc.) estarão, no mínimo, comprometidas.

Saber ler e escrever é condição para ler sem esforço. Isso nos leva a pensar sobre conhecimentos necessários para se aprender a ler. De acordo com Morais (2014), dois tipos de conhecimento são exigidos: o linguístico e a habilidade de identificação da palavra escrita.

Ao defender a decodificação e a codificação como princípios cognitivos para o aprendizado da leitura e da escrita, a ciência cognitiva da leitura tem sido considerada de base psicológica ‘behaviorista’.

Durante muito tempo acreditou-se que o processo de ensino-aprendizagem [da língua escrita] estava calcado na cópia e na assimilação de conteúdos a partir da gradação do mais simples para o mais complexo, sob a ótica do adulto. Nessa perspectiva, as atividades voltadas para o ensino da leitura e escrita centravam-se em exercícios de repetição e na memorização de fragmentos silábicos apresentados em uma dada seqüência. Vendo o sujeito aprendiz como uma ‘tábula rasa’, a ação pedagógica centrou-se na concepção de ensino ditada pelo método e no uso eficiente das cartilhas que guiavam os passos do professor (Araújo, Rêgo & Carvalho, 2009b, p. 117, grifo das autoras).

Nesse âmbito, reconhecemos que na situação em que se encontra o limite, encontra-se também a possibilidade. Assim também considera Marcuse (2015), ao discorrer sobre a racionalidade tecnológica: ela é ideológica, pois é nela que estão os elementos de perpetuação da sociedade capitalista; porém, nela, como meio, há elementos necessários para a emancipação humana. Nesse sentido, não são negadas as contribuições da ciência para o entendimento dos fatores que estão envolvidos no desenvolvimento da autonomia do sujeito em relação à aprendizagem da leitura e da escrita; a escola, porém, não pode se limitar a proporcionar à criança a apropriação do sistema de escrita alfabética; necessita introduzi-la em práticas autênticas, sociais, contextualizadas, de leitura e de escrita.

Isso não significa considerarmos que está nos métodos fônicos, defendidos pela ciência cognitiva da leitura, a solução para os problemas que o Brasil tem enfrentado no campo da alfabetização. Conforme alertou Adorno (2017, p. 2) sobre as reformas pedagógicas, elas estão inseridas em um cenário no qual “[...] os sintomas de colapso da formação cultural que se fazem observar por toda parte, mesmo no estrato das pessoas cultas, não se esgotam com as insuficiências do sistema e dos métodos da educação, sob a crítica de sucessivas gerações.”

Desse modo, reformas pedagógicas em campos específicos, embora imprescindíveis, podem ‘reforçar a crise’ da formação cultural (Adorno, 2017, p. 2), pois amenizam “[...] as necessárias exigências a serem feitas aos que devem ser educados e porque revelam uma inocente despreocupação frente ao poder que a realidade extrapedagógica exerce sobre eles [...]” (Adorno, 2017, p. 2), ou seja, mesmo que a ciência cognitiva da leitura apresente elementos que nos levam à reflexão sobre a emancipação humana, é ideológico considerar que adotar os métodos de alfabetização considerados por ela como superior seria suficiente para resolver os problemas que o Brasil enfrenta em relação à alfabetização infantil.

Podemos perceber, com os apontamentos até aqui realizados, que há diferentes perspectivas em relação ao processo de alfabetização. Questionamos, então, o seguinte: quais propostas para esse processo têm sido feitas às escolas brasileiras?

Livro didático ‘Aprender juntos: letramento e alfabetização’: evidências sobre as propostas de alfabetização e de formação no contexto atual

No livro didático ‘Aprender juntos: letramento e alfabetização’ (Vasconcelos, 2014), destinado ao primeiro ano do ensino fundamental, predominam atividades que envolvem a ‘motivação’, a ‘troca de ideias e informações’ e o ‘trabalho colaborativo em equipe’, o que demonstra que a obra atende a um dos enfoques que a pedagogia do aprender a aprender mais valoriza: os aspectos procedimentais.

A ênfase na subjetividade do conteúdo da leitura e da escrita que caracteriza cada unidade do livro - ‘Tudo tem nome’, ‘Uni, duni, tê’, ‘Sem pé nem cabeça’, ‘Ser criança é bom demais’ - e as atividades em que predominam a vivência e as situações do cotidiano - ‘Agenda telefônica da sala’, ‘Lançamento da coleção de livros’, ‘Gosto de ser como sou’ etc. - indicam que o foco da proposta é a função social da escrita, isto é, prioriza-se o letramento em detrimento do trabalho voltado ao desenvolvimento da consciência fonológica e do ensino explícito da correspondência entre letra e som e entre som e letra.

De certa forma, o livro didático está inserido no dualismo presente no mundo ocidental (Horkheimer, 2007), ou seja, está entre a razão subjetiva e a razão objetiva. Ele se torna um objeto que estimula o mecanismo abstrato da razão - a razão subjetiva -, pois propõe que a criança reflita acerca da escrita; por outro lado, relativiza a importância de dominar o sistema de escrita alfabética como um princípio que permite fazer o uso da língua com autonomia, quer dizer, ao se centrar no letramento, o processo de alfabetização perde a sua especificidade, a sua objetividade.

Consideramos retomar a ideia defendida por Soares (2016), segundo a qual analisar criticamente a disputa entre os métodos de alfabetização exige compreender que “[...] cada um deles privilegia determinada função, determinada faceta, determinados pressupostos teóricos, ignorando ou marginalizando os demais [...]” (Soares, 2016, p. 32), isto é, “[...] toma-se uma ‘parte’ do objeto como se fosse o ‘todo’” (Soares, 2016, p. 32, grifo da autora).

Embora não se possa atribuir a uma só causa a persistência de problemas e controvérsias em torno de métodos de alfabetização, já que vários fatores relacionam-se com a ‘questão’, uma explicação prevalece sobre outras possíveis: métodos de alfabetização têm sido sempre uma ‘questão’ porque derivam de concepções diferentes sobre o ‘objeto’ da alfabetização, isto é, sobre ‘o que’ se ensina quando se ensina a língua escrita (Soares, 2016, p. 25, grifo da autora).

O professor, quando encaminha o seu trabalho por uma perspectiva crítica, busca articular teorias e resultados de pesquisas de vários campos do conhecimento sobre a alfabetização (Soares, 2016). Os múltiplos métodos, mesmo que se voltem cada um à faceta que privilegiam, “[...] podem e devem associar-se na orientação de um processo de aprendizagem e ensino da língua escrita em que as ‘muitas facetas’ atuem integradamente” (Soares, 2016, p. 12, grifo da autora). Assim, em lugar de método de alfabetização, a proposta é esta: “[...] alfabetização com múltiplos métodos” (Soares, 2016, p. 12). No entanto, o livro didático de alfabetização ‘Aprender juntos: letramento e alfabetização’ secundariza o conhecimento do sistema de escrita alfabética4, ou seja, ele não é contemplado, de maneira explícita, no livro em análise.

Para analisarmos o caminho proposto para a aquisição da língua escrita pelo livro didático ‘Aprender juntos: letramento e alfabetização’, no limite que um artigo permite, observamos uma atividade que trabalha com gêneros textuais, encaminhamento priorizado por propostas cujo foco é o letramento. No capítulo 2 da unidade 2, “Como é bom [...]” (Vasconcelos, 2014, p. 100), inicia-se o direcionamento da atividade com este questionamento: “Quem é que não gosta de brincar e de se divertir com os amigos?”. Em seguida, a atividade passa a dizer que “[...] uma das brincadeiras mais gostosas é pular corda em grupo. Existem várias formas de realizar essa brincadeira e, em muitas delas, são usadas parlendas [...]” (Vasconcelos, 2014, p. 100) e, então, apresenta dois exemplos desse gênero textual, conforme a Tabela 1.

Tabela 1 Parlendas que fazem parte da atividade ‘Como é bom’, presentes no capítulo 2 da unidade 2 do livro didático de letramento e de alfabetização ‘Aprender juntos: letramento e alfabetização’. 

A B
Batalhão, lhão, lhão
quem não entrar é um bobão.
Abacaxi, xi, xi Salada, saladinha,
quem não sair é um saci. bem temperadinha,
- Quem é? com sal, pimenta,
- É o padeiro? fogo, foguinho!
- O que quer?
- Dinheiro.
- Pode entrar que eu vou buscar o seu dinheiro,
lá debaixo do travesseiro,
na cama de solteiro, 1, 2, 3.

Fonte: Vasconcelos (2014, p. 101).

Após a breve exposição do gênero textual, são expostas as seguintes questões:

Roda de conversa

1) Você já conhecia essas parlendas? Elas são iguais às que você conhece ou parecidas com elas?

2) Você já brincou de corda recitando alguma parlenda? Qual?

3) Na parlenda A, os participantes têm de entrar e sair pulando na área da corda, sem errar. Em sua opinião, quem vence o jogo?

4) Que parte da parlenda A está sendo declamada no momento da brincadeira mostrado abaixo?

5) Na parlenda B, o que você imagina que acontece quando chega a parte ‘fogo, foguinho’?

6) Você conhece outras formas de brincar de corda? Se souber, conte para os colegas como se brinca? (chicotinho, cobrinha, subi na roseira) (Vasconcelos, 2014, p. 101, grifo do autor).

Mediante tais questões, observamos a ênfase na faceta interativa da língua escrita. Os encaminhamentos voltam-se à função social da escrita, sem contemplar o trabalho com a consciência fonológica, por exemplo. O gênero textual é trabalhado como vivência, diluído em procedimentos; não são sistematizados características e conceitos que fazem parte dele (no caso da parlenda, o ritmo, as rimas, a repetição de palavras etc.), ou seja, priva-se a criança da experiência com conceitos que poderiam conduzir-lhe à autonomia em relação ao sistema de escrita alfabética. Morais (2012) sistematiza tal confusão metodológica no processo de alfabetização da seguinte forma:

[...] ‘desinventamos’ o ensino da escrita alfabética, criamos certa ditadura do texto (segundo a qual seria proibido trabalhar com unidades menores, como palavras ou sílabas), como se fosse verdade que a maioria das crianças ‘descobre’, por conta própria e sem instrução sistemática, como a escrita alfabética funciona e quais são as suas convenções. Na realidade, esta ‘descoberta sem ensino’ não ocorre para a grande maioria das crianças de grupos socioculturais favorecidos. Mesmo a maioria dos filhos da classe média e da burguesia só se alfabetiza recebendo um ensino específico sobre a escrita alfabética (Morais, 2012, p. 25, grifo do autor).

De certa forma, quando o foco é o método global (ênfase no texto), percebemos um fenômeno típico da pseudocultura fazendo parte do processo de escolarização: a valorização da forma ganha espaço enquanto o conteúdo deixa de ocupar lugar de destaque. Do ponto de vista da escrita, trata-se de o gênero textual se sobrepor ao conteúdo do texto, ao próprio texto, às palavras e às frases. Ao mesmo tempo que o livro propõe que a criança reflita sobre a escrita (letramento), relativiza a importância da apropriação da relação letra-som, da leitura fluente, enfim, de a criança decifrar a língua escrita. Assim, o processo de alfabetização perde a sua especificidade, a sua objetividade, distorcendo o encaminhamento para a aprendizagem inicial da língua escrita. Inserido na sociedade de massas, o livro didático tende a obedecer a lógica que nela se faz presente acerca da novidade: “[...] o que é novo é que os elementos irreconciliáveis da cultura, da arte e da distração se reduzem mediante sua subordinação ao fim a uma única fórmula falsa: a totalidade da indústria cultural. Ela consiste na repetição” (Horkheimer & Adorno, 1985, p. 112).

Acerca dessa constância da sociedade administrada, Horkheimer e Adorno (1985) explicam que, no contexto dessa inalterabilidade, o novo é justamente a exclusão do novo, aquilo que romperia com o princípio adaptativo. Nesse sentido, o livro didático, ao excluir a alfabetização e as suas especificidades, passa a corroborar a adaptação à sociedade vigente.

No livro didático em análise, todas as unidades são iniciadas com o foco no letramento e, quantitativamente, as situações de letramento se sobrepõem às de alfabetização (vide Tabela 2). Isso pode ser considerado um avanço do ponto de vista daqueles que criticam o processo de alfabetização centrado no ensino das letras, dos sons, das palavras etc. Nesse discurso, todavia, a alfabetização passa a ‘concorrer’ com o letramento. No livro didático analisado, mais da metade das atividades propostas é voltada à reflexão da língua escrita por meio de situações de letramento - o que, por sinal, é importante; secundariza-se, porém, a apropriação de conceitos que possibilitam a leitura (consciência fonológica, consciência fonêmica, fluência na leitura, leitura de palavras etc.), ou seja, pode-se dizer que a proposta busca dar autonomia no momento em que o ensino, o direcionamento e a autoridade do professor e do conteúdo são imprescindíveis.

Conforme aponta Morais (2017, p. 2-3, grifo do autor), depois que a proposta da psicogênese da língua escrita chegou ao Brasil e pesquisas acerca da psicolinguística diversificaram-se, a busca pelo desenvolvimento de estratégias de ensino da língua escrita entrou em decadência e, então, passou-se à hegemonia do letramento. Nas palavras do autor:

[...] a partir da divulgação da teoria da psicogênese da escrita nossas pesquisas na área se diversificaram: a um progressivo ‘desinvestimento’ no estudo de métodos de ensino, correspondeu um crescente interesse por investigar processos de aprendizagem, interações na sala de aula de alfabetização e outros temas correlatos. [...]. Interpretamos que, com a hegemonia do discurso do letramento, muitos estudiosos de linguística e de didática da língua, em nosso país, passaram a apostar numa aprendizagem espontânea da escrita alfabética, que supostamente resultaria do mero fato das crianças estarem expostas a situações onde se lessem e escrevessem os textos do mundo real.

As atividades do livro ‘Aprender juntos: letramento e alfabetização’ também revelam que o letramento está em primeiro plano: em todos os capítulos, cuja quantidade de páginas é de 21 a 29, em média, 66,6% delas mantêm o foco no letramento; os 33,3%, que representam o fim do capítulo, são dedicados a atividades que procuram ‘alfabetizar letrando’.

A secundarização da alfabetização também pode ser percebida pelo fato de o livro didático ‘Aprender juntos: letramento e alfabetização’ começar a tratar de questões específicas da alfabetização, como alfabeto, vogais, consoantes, sílaba e espaço entre as palavras, depois de transcorridas mais de cem páginas. Embora o material seja composto por 287 páginas, o conceito de vogal, além de ser diluído no letramento, é tratado apenas entre as páginas 117 e 120; o conceito de sílaba, por sua vez, aparece apenas a partir da página 174; a necessidade de espaço entre as palavras é tratada explicitamente apenas na página 206. É claro que o professor não precisa seguir a ordenação dada pelo livro, porém não podemos desconsiderar aquilo que o livro propõe: somente após muito tempo envolvida com o letramento é que a criança terá contato com atividades que tratam de conceitos ligados à apropriação do sistema de escrita alfabética.

Outro aspecto que caracteriza o livro analisado é que o processo de alfabetização se volta prioritariamente ao ‘aprender a aprender’, tanto é que, logo no início do livro, na atividade que abre a Unidade 1, cujo título é “Tudo tem nome” (Vasconcelos, 2014, p. 8), há um encaminhamento que predomina em toda a obra: um texto é apresentado, sem que a leitura por parte da criança seja requerida e, em seguida, são expostas atividades de compreensão textual. Nesse caso, sugere-se a observação de um cenário urbano. No exercício, as seguintes questões são elencadas:

O nome da escola que aparece na cena é Sementinha. E o nome da sua escola, qual é?

O nome da empresa do ônibus que aparece na cena é Viação Conforto. Que ideia o nome da empresa passa?

Que nome você daria ao cachorrinho que aparece na cena?

Na cena ao lado, há pessoas aguardando para atravessar a rua. Que cuidados devemos ter ao atravessar a rua? (Vasconcelos, 2014, p. 8).

No encaminhamento proposto pela atividade em análise, observamos que a ênfase não é em direção ao ensino sistematizado para que seja possível a apropriação do sistema de escrita alfabética, mas em questões relacionadas a comportamentos e a atitudes. Além disso, boa parte das atividades sugeridas pelo livro didático ‘Aprender juntos: letramento e alfabetização’ está orientada no sentido de o aprendiz ser aquele que conduz o processo de apropriação da língua escrita, ou seja, pressupõe-se que a criança é quem conduzirá o seu próprio aprendizado, implicando a secundarização tanto do professor quanto do conteúdo da alfabetização.

Aprender a ler e a escrever não é um processo que ocorre naturalmente; a criança precisa ter contato com alguém que domina o sistema de escrita para que possa instruir-lhe. Esses pressupostos, entretanto, são negligenciados no livro didático em análise, já que no lugar do professor alfabetizador ora está o método, ora a própria criança sendo responsabilizada por seu aprendizado.

Na época de predomínio da razão instrumental, até mesmo o processo de aprendizagem da língua tende a ser reificado. Conforme apontam Horkheimer e Adorno (1985), quanto mais a técnica de duplicação se aperfeiçoa, maior é o ar de semelhança entre aquilo que é reproduzido pela indústria cultural e o cotidiano. Nas palavras dos autores:

Quanto maior a perfeição com que suas técnicas duplicam os objetos empíricos, mais fácil se torna hoje obter a ilusão de que o mundo exterior é o prolongamento sem ruptura do mundo que se descobre no filme. Desde a súbita introdução do filme sonoro, a reprodução mecânica pôs-se ao inteiro serviço desse projeto. A vida não deve mais, tendencialmente, deixar-se distinguir do filme sonoro (Horkheimer & Adorno, 1985, p. 104).

Para sintetizar o percurso proposto pelo livro em análise, na Tabela 2, são apresentados os encaminhamentos metodológicos dados às atividades de alfabetização:

Tabela 2 Atividades de alfabetização do livro didático ‘Aprender juntos: letramento e alfabetização’, segundo os pressupostos dos métodos de alfabetização. 

-------------------------------- Unidade 1 Unidade 2 Unidade 3 Unidade 4 Total %
Páginas 8-69 70-131 132-187 188-241 233 100
Método natural/imersão/por eventos de letramento 83 73 80 81 317 54,65
Método alfabético/soletração 25 26 19 4 74 12,75
Método da palavração 20 19 14 13 66 11,37
Método fônico 19 30 6 9 64 11,04
Método silábico 5 3 14 4 26 4,49
Método da sentenciação 1 3 8 6 18 3,11
Método global 2 0 5 8 15 2,59
Total 155 154 146 125 580 100

Fonte: Vasconcelos (2014).

Conforme a Tabela 2, o livro didático ‘Aprender juntos: letramento e alfabetização’ apresenta um total de 317 atividades voltadas aos pressupostos do método natural (imersão/letramento). Cabe ressaltar que, mesmo quando há atividades voltadas à sistematização do sistema de escrita alfabética, elas partem da ‘imersão’ para, depois, tratar de propriedades da escrita; consequentemente, temos o que Morais (2012) denominou ‘ditadura do texto’.

Considerações finais

Neste artigo, indagamo-nos sobre os métodos e as propostas de alfabetização que se têm feito presentes no cenário acadêmico, científico e escolar. Percebemos que, além da divergência entre os métodos sintéticos e os analíticos, há um desacordo entre as propostas que defendem o ensino explícito do sistema de escrita alfabética - centrado no ‘como se ensina’, tal como sustenta a ciência cognitiva da leitura - e as que consideram a aprendizagem por meio da descoberta - centrada no ‘como se aprende’, ou seja, o construtivismo/a psicogênese da língua escrita e o letramento.

Por meio de conceitos da Teoria Crítica da Sociedade, fomos levados a entender que a disputa entre ‘o que se ensina’ e o ‘como se ensina’ na alfabetização está vinculada a propósitos mais amplos que envolvem o problema da formação humana na sociedade moderna industrializada, regida pela pseudocultura.

A análise do livro didático ‘Aprender juntos: letramento e alfabetização’ nos permitiu perceber que a perda da especificidade na alfabetização tem ocorrido no contexto em que a sociedade exige um sujeito que saiba fazer uso social da escrita, secundarizando a apropriação do sistema de escrita alfabética. A proposta apresentada pelo livro é unir o letramento e a alfabetização, centrando-se, porém, no primeiro.

Evidentemente, o livro didático não é o único responsável pelo fracasso no processo de aprendizagem inicial da língua escrita de crianças brasileiras. No entanto, quando as crianças participam da Avaliação Nacional de Alfabetização (ANA) e alcançam resultados insatisfatórios, acaba por acontecer aquilo que Horkheimer e Adorno (1985, p. 123) dizem sobre a sociedade atual: “A liberdade formal de cada um está garantida. Ninguém tem que se responsabilizar oficialmente pelo que pensa [...]”, ou seja, ao trazermos essa análise em direção ao processo de alfabetização, constatamos que, atualmente, não há quem se responsabilize pelo fracasso das crianças; existe uma falsa autonomia que compromete o aprendizado da leitura e da escrita das crianças no processo de alfabetização, no mínimo, por cair no relativismo.

Nossa crítica não significa a defesa de um processo de alfabetização que se limite à apropriação da ‘mecânica’ da leitura, da decifração, mas a instituição de uma análise por meio do referencial teórico, a fim de fazermos o discernimento - formar juízos - acerca das propostas de alfabetização e de letramento cujo entendimento é o de que a criança aprende a ler e a escrever pelo uso social de textos de diferentes gêneros sem o ensino explícito do sistema de escrita alfabética, expressando a pseudocultura que acompanha o contexto atual e a pseudoformação dela decorrente.

Ao analisarmos a literatura acadêmica e científica acerca dos métodos e das propostas de alfabetização, bem como o livro didático ‘Aprender juntos: letramento e alfabetização’, constatamos que a perspectiva de apropriação da língua escrita e o seu uso sofreram uma inversão: antes da chegada da psicogênese da língua escrita e do letramento à comunidade acadêmica e científica brasileira, havia um apreço pela alfabetização, sendo que o letramento ocorria ao longo do processo de escolarização e por meio de práticas de escrita que se faziam presentes no dia a dia da criança; depois, houve uma desinvenção, uma desmetodização da alfabetização e uma ‘pedagogização’ do letramento. Esse percurso pelo qual o processo de aprendizagem da língua escrita tem passado representa uma proposta para a formação de cidadãos brasileiros adaptados às características da sociedade industrial desenvolvida, globalizada, multicultural, regida pelos diferentes meios de comunicação, que passaram a marcá-la desde a década de 1990 e que exigem ‘multiletramentos’ (Rojo & Moura, 2012) para que os sujeitos se adaptem a ela, embora essa adaptação não signifique possibilidades de desenvolvimento humano, de desenvolvimento do pensamento que leve o indivíduo a compreender a própria sociedade, bem como da possibilidade de uma vida digna de ser vivida.

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1Apesar de esses dados serem de uma avaliação padronizada, são indícios de que o processo de alfabetização merece atenção, quer seja no que se refere ao ensino, quer seja no que se refere à concepção subjacente às políticas públicas para a alfabetização, quer seja as avaliações em larga escala que estabelecem padrões de leitura, de escrita e de linguagem.

2“Para citar as facetas mais salientes: a ‘faceta fônica’, que envolve o desenvolvimento da consciência fonológica, imprescindível para que a criança tome consciência da fala como um sistema de sons e compreenda o sistema de escrita como um sistema de representação desses sons, e a aprendizagem das relações fonema-grafema e demais convenções de transferência da forma sonora da fala para a forma gráfica da escrita; a ‘faceta da leitura fluente’, que exige o reco nhecimento holístico de palavras e sentenças; a ‘faceta da leitura compreensiva’, que supõe ampliação de vocabulário e desenvolvimento de habilidades como interpretação, avaliação, inferência, entre outras; a ‘faceta da identificação e do uso adequado das diferentes funções da escrita’, dos diferentes portadores de texto, dos diferentes tipos e gêneros de texto, etc.” (Soares, 2019, p. 99, grifo nosso).

3Consideramos que a palavra ‘alfabetização’ é uma tradução incorreta do termo literacy, do inglês. Ela é inadequada, porque literacy, na língua inglesa, “[...] não corresponde à ‘alfabetização’ em português; [...] o verbete ‘literacy’ é traduzido por ‘lectoescrita’, o que restringe grandemente o sentido da palavra que, em português, se tem traduzido por ‘letramento’ (‘literacia’, em português europeu) [...]” (Soares, 2016, p. 28, grifo da autora).

4Segundo Morais (2012, p. 51), as dez propriedades do Sistema de Escrita Alfabética que o aprendiz precisa dominar para se tornar alfabetizado são as seguintes: “[...] 1. Escreve-se com letras que não podem ser inventadas, que têm um repertório finito e que são diferentes de número e de outros símbolos. 2. As letras têm formatos fixos e pequenas variações produzem mudanças em sua identidade (p, q, b, d), embora uma letra assuma formatos variados (P, p, P, p). 3. A ordem das letras no interior da palavra não pode ser mudada. 4. Uma letra pode se repetir no interior de uma palavra e em diferentes palavras, ao mesmo tempo em que distintas palavras compartilham as mesmas letras. 5. Nem todas as letras podem ocupar certas posições no interior das palavras e nem todas as letras podem vir juntas de quaisquer outras. 6. As letras notam ou substituem a pauta sonora das palavras que pronunciamos e nunca levam em conta as características físicas ou funcionais dos referentes que substituem.7. As letras notam segmentos sonoros menores que as sílabas orais que pronunciamos. 8. As letras têm valores sonoros fixos, apesar de muitas terem mais de um valor sonoro e certos sons poderem ser notados com mais de uma letra. 9. Além das letras, na escrita de palavras usam-se também, algumas marcas (acentos) que podem modificar a tonicidade ou som das letras ou sílabas onde aparecem. 10. As sílabas podem variar quanto às combinações entre consoantes e vogais (CV, CCV, CVV, CVC, V, VC, VCC, CCVCC...), mas a estrutura predominante no português é a sílaba CV (consoante-vogal), e todas as sílabas do português contêm, ao menos, uma vogal [...]”.

8NOTA: Os autores foram responsáveis pela concepção, análise e interpretação dos dados; redação e revisão crítica do conteúdo do manuscrito e, ainda, aprovação da versão final a ser publicada.

Recebido: 03 de Setembro de 2019; Aceito: 10 de Dezembro de 2019

* Autor para correspondência. E-mail: vafreitas2@uem.br

Vinícius Adriano de Freitas: É graduado em Pedagogia (2008) e em Filosofia (2015) pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). Mestre em Educação pela Universidade Estadual de Maringá (2016). Doutorando em Educação pela Universidade Estadual de Maringá. Atualmente é docente da Rede Municipal de Ensino da cidade de Cianorte/PR e Professor Assistente do Curso de Pedagogia da Universidade Estadual de Maringá (UEM), Campus Regional de Cianorte (CRC). ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4922-9565 E-mail: vafreitas2@uem.br

Maria Terezinha Bellanda Galuch: Possui graduação em Pedagogia pela Universidade Estadual de Maringá (1988), especialização em metodologia do ensino pela Universidade Estadual de Maringá (1994), mestrado em Educação pela Universidade Estadual de Maringá (1996), doutorado em Educação: História, Política, Sociedade pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2004). Realizou estágio de Pós-doutorado no Instituto de Psicologia da USP (2013). Atualmente é professora Associada da Universidade Estadual de Maringá. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Ensino-Aprendizagem, atuando principalmente nos seguintes temas: aprendizagem, educação, ensino fundamental, ensino e aprendizagem, Teoria Crítica da Sociedade. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5154-9819 E-mail: mtbgaluch@uem.br

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