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Acta Scientiarum. Education

versión impresa ISSN 2178-5198versión On-line ISSN 2178-5201

Acta Educ. vol.43  Maringá  2021  Epub 01-Ago-2021

https://doi.org/10.4025/actascieduc.v43i1.48750 

Formação de Professores e Políticas Públicas

A iniciação profissional docente e sua relação com a dimensão emocional

La iniciación profesional docente y su relación con la dimensión emocional

Arnaldo Nogaro1  * 
http://orcid.org/0000-0003-0517-0511

Luana Fussinger2 
http://orcid.org/0000-0001-6545-8774

Miriam Salete Wilk Wisniewski3 
http://orcid.org/0000-0002-3354-531X

1Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões, Av. 7 de Setembro, 1558, 99709-900, Erechim, Rio Grande do Sul, Brasil.

2Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões, Frederico Westphalen, Rio Grande do Sul, Brasil.

3Departamento de Ciências da Saúde, Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões, Erechim, Rio Grande do Sul, Brasil.


RESUMO.

A inserção na escola enquanto docente requer, entre tantas coisas, que o professor iniciante relacione os saberes oriundos da formação inicial com as demandas da prática e do contexto escolar. No entanto, a forma como tem ocorrido a inserção não oportuniza esse movimento, fazendo com que os obstáculos e as dificuldades encontradas sejam maiores do que o apoio e amparo que ele encontra. Diante disso, a temática do presente artigo trata do professor iniciante e na relação dos primeiros anos da profissão docente com foco na dimensão emocional para mostrar uma interface que pode ser determinante para que o professor ingresse com segurança, na profissão, tenha confiança e sinta-se motivado a permanecer nela. O caminho metodológico, de caráter qualitativo, contempla a realização de um estudo bibliográfico. Ao propor a discussão sobre a dimensão emocional nos primeiros anos da docência, observou-se, sobretudo, que as emoções, bem como os sentimentos oriundos, constituem a identidade pessoal e profissional do sujeito, a pessoa-professor e suas experiências iniciais. Por isso, acredita-se que o equilíbrio e a maturidade no campo emocional são uma disposição necessária ao professor iniciante, uma vez que com a segurança obtida dessa perspectiva, o mesmo conseguirá lidar com os próprios sentimentos, agir com maior empatia, e por fim, realizar-se no âmbito pessoal e profissional.

Palavras-chave: professor iniciante; profissão docente; emoções

RESUMEN.

La inserción en la escuela como maestro requiere, entre muchas cosas, que el docente novelo relacione los conocimientos de la formación inicial con las demandas de la práctica y del contexto escolar. Sin embargo, la forma como se ha producido la inserción no permite este movimiento, por lo que los obstáculos y las dificultades son mayores que el soporte y la ayuda que encuentra. Ante ello, el tema de este artículo es sobre el maestro principiante y la relación de los primeros años de la profesión docente con un enfoque en la dimensión emocional para mostrar una interfaz que puede ser determinante para que el maestro ingrese de manera segura en la profesión y se sienta motivado a permanecer en ella. El camino metodológico, con carácter cualitativo, contempla la realización de un estudio bibliográfico. Al proponer la discusión sobre la dimensión emocional en los primeros años de docencia, se observó, sobre todo, que las emociones, así como los sentimientos originados, constituyen la identidad personal y profesional del individuo, la persona-profesor y sus experiencias iniciales. Por ello, se cree que el equilibrio y la madurez en el campo emocional son una provisión necesaria al maestro principiante, ya que, con la seguridad obtenida desde esta perspectiva, él podrá lidiar con sus propios sentimientos, actuar con mayor empatía y, finalmente, realizarse en el ámbito personal y profesional.

Palabras-clave: profesor principiante; profesión docente; las emociones

ABSTRACT.

The insertion in the school as a teacher requires, among many things, that the beginning teacher relates the knowledge from the initial formation with the demands of the practice and the school context. However, how the insertion has occurred does not allow this movement, making the obstacles and difficulties encountered are greater than the support and assistance that the teacher finds. Therefore, the theme of the present article deals with the beginning teacher in the relation of the first years of the teaching profession, focusing on the emotional dimension, to show an interface that can be determinant for the teacher to enter with confidence in the profession, and to feel motivated to remain in it. The methodological approach, with a qualitative character, contemplates the accomplishment of a bibliographic study. In proposing the discussion about the emotional dimension in the first years of teaching, it was observed, above all, that the emotions, as well as the feelings originated, constitute the personal and professional identity of the subject, the person-teacher and their initial experiences. Therefore, it is believed that balance and maturity in the emotional field are a necessary provision for the beginning teacher, since, with the security obtained from this perspective, the teacher will be able to deal with his feelings, act with greater empathy and, for personal and also in the professional context.

Keywords: beginner teacher; teaching profession; emotions

Introdução

O processo de fragmentação da ciência da educação, buscando atender as demandas do mundo científico, objetivou muitas questões, todavia não conseguiu se sobrepor à especificidade da ação docente que, permeada por uma multiplicidade de dimensões e saberes, precisa se dar mediante vivências e relações humanas. Nesse sentido, percebe-se que o papel da escola ultrapassa a dimensão racional ou a técnica, uma vez que diversos fatores constituem o processo de ensino-aprendizagem, dentre eles as relações interpessoais e a formação do sujeito.

Ao se observar a trajetória histórica da escola, segundo Fonseca (2016), vai-se perceber que se constitui em uma demonstração da supervalorização da razão e do pensamento lógico. Ao longo de muito tempo, as emoções foram secundarizadas, deixadas em segundo plano quando se tratava de associar uma explicação de sua realidade ou compreender os comportamentos de seus sujeitos históricos.

Embora ao longo da história se tenha considerado que os processos afetivos e cognitivos fossem independentes e não tivessem relação, estudos vêm apontando uma integração entre esses dois sistemas em tarefas complexas que envolvem resolução de problemas, escolhas e interações sociais. Mediante as questões observadas, é possível perceber que o conhecimento e o afeto estão integrados na constituição do sujeito, principalmente em uma profissão como a docente, em que o papel das emoções precisa ser mais bem avaliado. As emoções conferem, portanto, o suporte básico, afetivo, fundamental e necessário às funções cognitivas e executivas da aprendizagem que são responsáveis pelas formas de processamento de informação mais humanas, verbais e simbólicas (Fonseca, 2016).

Embora, de acordo com Marchesi (2008), haja uma percepção generalizada sobre a pressão emocional que vivem os professores, as pesquisas sobre as emoções nessa profissão ainda são muito recentes, demonstrando a necessidade de novos estudos que possam argumentar em favor da relevância da dimensão emocional para o professor e o desenvolvimento de seu trabalho, subsidiar políticas de formação docente e orientar a organização de programas de inserção profissional.

As emoções estão relacionadas à disposição pessoal do professor para a ação, e acabam influenciando e sendo influenciadas pelo entorno profissional, social e cultural em que desenvolve seu trabalho (Day, 2001). Partindo dessa perspectiva e direcionando o olhar para os primeiros anos da profissão docente, foi o professor iniciante, entendido na sua integralidade, que instigou a pensar no artigo aqui apresentado, fomentando o seguinte questionamento: qual a contribuição da dimensão emocional para a iniciação profissional docente?

Partindo desses pressupostos, buscou-se compreender a docência, nos primeiros anos de atuação, a fim de analisar como a dimensão emocional pode influenciar no processo de iniciação do profissional docente. Sendo assim, realizou-se estudo de natureza qualitativa, delineado por uma discussão bibliográfica, e os principais autores que serviram de aporte foram Cavaco (1999), Tardif (2014), Huberman (2000), Mora (2013), Damásio (1996; 2004; 2015; 2017), Goleman (2012), Fonseca (2016) e Marchesi (2008).

Num primeiro momento, o percurso do escrito envolve abordagem sobre os anos iniciais da docência; em seguida, é ampliada a discussão acerca da dimensão emocional e, por fim, direciona-se para a compreensão de como as emoções constituem a dimensão emocional e essa se inscreve na iniciação profissional do docente. Essas questões foram consideradas em busca de informações e reflexões que permitam entender como as condições de desenvolvimento pessoal e profissional do professor iniciante podem estar vinculadas à dimensão emocional.

Quem é o professor iniciante?

A maneira como são experimentados os primeiros anos na docência pode oferecer elementos importantes para que seja possível entender o processo de constituição da identidade do professor no presente. Sob a ótica de Marchesi (2008, p. 120), grande parte da identidade profissional depende da valorização social percebida. “O sentimento de perda da estima e do reconhecimento social corrói as bases da identidade profissional e reduz os vínculos entre os membros da profissão e seu senso de pertencimento a ela”. Tendo em vista a pertinência dos primeiros cinco anos1 que abarcam o processo de iniciação à docência, ressalta-se que a atuação do professor iniciante compreende um momento de insegurança profissional, mas também de experiências, aprendizados e construções da própria carreira (Vaillant & Marcelo, 2012). Logo, o exercício da profissão torna-se importante, na medida em que possibilita aprender com as práticas, planejando, interagindo, enfrentando situações, resolvendo problemas, refletindo sobre as dificuldades e os êxitos, reajustando as formas de ver e proceder, pesquisando e buscando por formações continuadas. Por isso, considerando a iniciação profissional docente, assinala-se que a “[...] identidade profissional do professor se afeiçoa num processo de socialização centrado na escola, tanto através da apropriação de competências profissionais, como pela interiorização de normas e valores que regulam a atividade e o desempenho do papel do professor” (Cavaco, 1999, p. 162).

Tardif (2014) também reconhece a importância do início da carreira na constituição do professor, definindo que tal período representa uma fase crítica em função da realidade de trabalho. Sublinha, ainda, que neste processo de socialização profissional do professor ocorre o que é definido pela literatura como ‘choque de realidade’, ‘choque de transição’, ou então ‘choque cultural’, que sucede do confronto inicial com a complexa realidade do exercício da profissão, mediante a desilusão, o desencantamento e a transição da vida de estudante para a vida profissional.

Muitas das dificuldades sentidas pelos professores iniciantes estão associadas à precariedade do processo formativo ou das lacunas/ausências da formação inicial que negligenciam determinados saberes, conhecimentos ou experiências em ambientes de aprendizagem que lhes permitam construir ou aprimorar recursos e aspectos essenciais a serem utilizados na profissão, como a dimensão emocional.

Entretanto, esse início de carreira traz inúmeras tensões. O entusiasmo e o interesse dessa ‘descoberta’, de estar trabalhando na área para a qual se formou, frequentemente vêm acompanhados pela angústia que o novo provoca. A isso soma-se o fato de que as relações com alunos, com os familiares e com os colegas de profissão ocupam um lugar importante na tarefa docente, e, por isso, aumentam as sensações de temor e de insegurança. São desafios que o professor iniciante enfrenta e aos quais reage, vivenciando um processo de aprendizagens significativas que se estenderá ao longo da sua vida profissional (Azevedo, Fernandes, & Bonifácio, 2014, p. 33, grifo de do autor).

Assim, os primeiros anos da carreira constituem um período de aprendizagem intenso na profissão docente, suscitando, também, expectativas e sentimentos, por vezes, contraditórios. Em suma, representam um período importante da história profissional do professor, influenciando seu futuro e a relação com o trabalho. Sob este prisma, Tardif (2014) salienta que duas fases se apresentam nos primeiros anos da docência, sendo elas: a fase da exploração (de um a três anos) e a fase de estabilização e consolidação (de três a sete anos).

A fase da exploração envolve a provisoriedade e a iniciação, por meio de tentativas e erros, da necessidade de ser aceito pelo círculo profissional e da experiência de diferentes papeis. Essa fase pode variar de acordo com a subjetividade de cada professor e das condições encontradas na instituição, podendo ser fácil ou difícil, entusiasmada ou decepcionante.

Apresenta-se como um período determinante, pois pode levar o professor iniciante a abandonar a profissão ou, até mesmo, questionar-se sobre a sua escolha e a continuidade na carreira. Já a fase de estabilização e de consolidação, por sua vez, caracteriza-se pela maior confiança do professor em si mesmo e pelo domínio dos diversos aspectos do trabalho, principalmente os pedagógicos. Esse momento também é marcado pelo equilíbrio profissional, de modo que, conforme os estudos indicam, o professor passa a estar menos centrado em si mesmo e na matéria e mais nos alunos. Observa-se que a última fase mencionada não ocorre naturalmente, no tempo cronológico decorrido, mas com o decorrer dos acontecimentos constitutivos que marcam a trajetória profissional, assim como diante das condições do exercício da profissão (Tardif, 2014).

Neste cenário, ressaltam-se as pesquisas que objetivam investigar os ciclos de vida profissional dos professores e se direcionam ao processo de desenvolvimento de seu percurso profissional, as quais consideram que, na carreira, o professor passa por diferentes fases e etapas, sendo que cada uma delas tem características próprias, subjetivas, podendo ser influenciadas. Estudos como esses foram realizados por Huberman (2000) que, mais especificamente, considerou que a entrada na carreira docente é marcada pelos estágios de ‘sobrevivência’ e de ‘descoberta’. A ‘sobrevivência’ pode ser definida, de modo geral, como o ‘choque do real’, consistindo na confrontação inicial com a complexidade da situação profissional. Nesse momento se fazem presentes a preocupação e a insegurança do sujeito, a distância entre seus saberes e a realidade do contexto escolar, a fragmentação do trabalho, a dificuldade na relação pedagógica, a oscilação entre as relações, as dificuldades com alunos, entre outras questões.

Diferentemente disso, ainda segundo o referido autor (Huberman, 2000), a ‘descoberta’ é marcada pela vontade e o entusiasmo, além do desejo de pertencer, de se constituir professor por meio da relação com as turmas, do planejamento e das responsabilidades docentes. Configura-se, efetivamente, no momento das primeiras ações, do buscar compreender, interagir e realizar. Tanto o aspecto da sobrevivência quanto o aspecto da descoberta são vividos em paralelo, sendo que o segundo permite lidar com o primeiro. Além disso, alguns perfis profissionais podem apresentar apenas um destes componentes enquanto dominante. Contudo, “[...] é no jogo de procura de conciliação, entre aspirações e projetos e as estruturas profissionais, que o jovem professor tem de procurar o seu próprio equilíbrio dinâmico, reajustar, mantendo, o ‘sonho’ que dá sentido aos seus esforços” (Cavaco, 1999, p. 163, grifo do autor).

Esse processo é recorrente, uma vez que são construídas vias de saída, nem sempre acertadas, mas pertinentes. Além disso, Cavaco (1999) complementa que docentes que dispõem de um capital cultural e um embasamento teórico consistente, ao longo de sua carreira, em meio às oportunidades e desafios, conseguirão desenvolver-se profissional e pessoalmente. Isso se dará mediante a articulação de seus saberes junto à prática profissional, na interação e nas relações, enfrentando e resolvendo problemas, apreciando criticamente o que é feito, reajustando formas de ver e agir, na busca por novos conhecimentos. O professor iniciante, no processo de inserção na docência, precisa reconsiderar as experiências vividas, de modo a olhar criticamente para os fazeres repetitivos e rotineiros, as pobres receitas sem qualidade, a precariedade da informação acessível e a transmissão dos saberes mecânicos sem sentido. Ressaltam-se essas questões, pois

[...] os saberes da história de vida e os saberes do trabalho construídos nos primeiros anos da prática profissional assumem todo o seu sentido, pois formam, justamente, o alicerce das rotinas de ação e são, ao mesmo tempo, os fundamentos da personalidade do professor (Tardif, 2014, p. 102).

Muitos aspectos alimentam as reflexões acerca de quem é o professor iniciante nos dias atuais. Como tem adentrado no contexto escolar enquanto docente, suas necessidades, anseios, expectativas, emoções e sentimentos. Diante disso, os estudos direcionados aos professores iniciantes sinalizam a necessidade de empreender novos olhares para essa fase profissional. Nessa ótica considerou-se a dimensão emocional, uma vez que envolve elementos constitutivos das relações estabelecidas pelo sujeito, como a autoconsciência emocional, a empatia, o autocontrole, a autoestima, o relacionamento, a resolução de problemas e outras questões relativas à disposição emocional do professor.

Ampliando a discussão acerca da dimensão emocional

Formação inicial, inserção no contexto profissional, choque com a realidade, aprendizagens teóricas e práticas, descoberta de limites e possibilidades, relações interpessoais, entre tantos outros fatores, marcam a trajetória profissional do professor iniciante, o que requer dele recursos pessoais para que possa compreender e intervir na realidade de maneira crítica e reflexiva (Vaillant & Marcelo, 2012). Sendo assim, é oportuno ressaltar que, além do domínio cognitivo e instrumental, é por meio das experiências profissionais que a identidade profissional também vai sendo construída, isto é, a partir da influência de elementos emocionais e relacionais. Uma

[...] característica do objeto de trabalho decorre de sua dimensão afetiva. Um componente emocional manifesta-se inevitavelmente, quando se trata de seres humanos [...]. Uma boa parte do trabalho docente é de cunho afetivo, emocional. Baseia-se em emoções, em afetos, na capacidade não somente de pensar nos alunos, mas igualmente de perceber e de sentir suas emoções, seus temores, suas alegrias, seus próprios bloqueios afetivos (Tardif, 2014, p. 130).

Diante disso, pontua-se que a questão emocional não se restringe à relação professor-aluno, na medida em que também se faz presente nas várias dimensões do trabalho pedagógico e da docência. Na educação precisamos, definitivamente, entender que as emoções não são um luxo, elas possuem uma função, como nos lembra Damásio (1996), seja na comunicação de significados a terceiros ou tendo um papel de orientação cognitiva. Portanto, não podem ser ignoradas. No entender de Marchesi (2008, p. 116), a questão emocional constitui um dos traços centrais, por vezes esquecida, apesar “[...] de ser um dos fatores que explica a coesão ou a desagregação da equipe de professores ou da comunidade educacional”. Neste viés, o bem-estar pessoal na profissão docente, a segurança emocional adquirida na relação com os alunos, o sentimento de pertencimento, a confiança no enfrentamento de problemas e em sua resolução, o estabelecimento de relações positivas com os colegas e a direção, entre outros fatores, “[...] permitem com que um indivíduo se considere e viva como um professor e assuma, assim, subjetivamente, o fato de fazer carreira no magistério” (Tardif, 2014, p. 108).

Esses pressupostos levam ao entendimento de que o professor iniciante não é somente um sujeito epistêmico, que se coloca diante do mundo numa relação estrita de conhecimento, num domínio puramente cognitivo e instrumental do trabalho docente, mas ele é um ser-no-mundo, a pessoa-professor, com emoções, valores, linguagem, relacionamento com os outros e consigo mesmo. Sendo assim, ele pensa a partir de sua história de vida não somente intelectual, mas também emocional, afetiva, pessoal e interpessoal, ou seja, através de um repertório permeado por sentido, linguagens e significados oriundos das experiências formadoras (Tardif, 2014).

Damásio (1996), ao referir-se às emoções e seus aspectos, faz alusão às emoções primárias e secundárias como mecanismos que o ser humano utiliza para externar a forma como o corpo reage às interações com o meio. E que, embora as primárias sejam as mais universais, não dão conta de descrever toda a gama de comportamentos emocionais, havendo necessidade de recorrermos às emoções secundárias para aprofundarmos nossa experiência emocional.

No cotidiano nos referimos a emoções e sentimentos para comportamentos que nos parecem muito similares. Damásio (1996) afirma que todas as emoções originam sentimentos, mas nem todos os sentimentos provêm de emoções, sendo estes os sentimentos de fundo. Assim como há emoções primárias e secundárias, há uma variedade muito grande de sentimentos. Damásio (1996) define três categorias básicas ou procedências dos sentimentos: sentimentos de emoções universais básicas, sentimentos de emoções universais sutis e sentimentos de fundo.

Os sentimentos de fundo, no entender de Damásio (1996), teriam procedido de outra variedade de sentimentos e são os que ocorrem com mais frequência ao longo da vida: “[...] eles correspondem aos estados do corpo que ocorrem entre emoções” (Damásio, 1996, p. 181). É a imagem da paisagem do corpo quando essa não se encontra agitada pela emoção. É a percepção da representação de nosso estado que permite respondermos prontamente ao questionamento a respeito de como nos sentimos. Portanto, eles são muito importantes, pois fornecem imagens contextualizadas que permitem cuidar do corpo. “Os sentimentos têm um estado verdadeiramente privilegiado. São representados em muitos níveis neurais, incluindo no neocortical, onde são os parceiros neuroanatômicos e neurofisiológicos de tudo o que pode ser apreciado por outros canais sensoriais” (Damásio, 1996, p. 190). Eles têm sempre uma palavra a dizer sobre o modo de funcionamento do resto do cérebro e da cognição. É por isso que precisam ser respeitados e sua influência considerada no processo pedagógico e na atuação do professor. Mas ainda não temos muita clareza da relação sentimentos-emoções e de suas implicações para quem está iniciando sua vida profissional, por isso a necessidade de ampliarmos esta discussão que será retomada mais adiante no texto.

Embora as emoções ainda venham sendo colocadas em segundo plano e desconsidere-se a integralidade do sujeito, é preciso reconhecer sua presença e importância nas relações estabelecidas com o meio e de modo interpessoal e intrapessoal. Investigações de pesquisadores contemporâneos, como as de Damásio (1996; 2004; 2015; 2017), problematizam a questão de que os sistemas cognitivos e afetivos estão intimamente relacionados, visto que as emoções, ao contrário do que suspostamente vinha sendo defendido, estão em íntima relação com a razão, propiciando sensibilidade, direção e prioridade. Por esse motivo, o pesquisador coloca-se em oposição à objetividade e ao caráter definitivo da ciência, sublinhando que a complexidade, finitude e singularidade é que caracterizam o ser humano.

Por meio de suas reflexões, Damásio (1996) sublinha que versões do erro de Descartes continuam a obscurecer as raízes da mente humana, ignorando a dimensão humana e o respeito pelo valor da vida. Ao mesmo passo, as emoções e sentimentos acabam sendo desconsideradas e, por conseguinte, a inteligência é vista como a estrela do desenvolvimento cultural. No entanto, diferentemente dessa concepção, salienta que, juntos, sentimentos subjetivos e a inteligência operaram na cultura, possibilitando a criação de instrumentos culturais que vieram a servir a humanidade. Observa ainda que as emoções e sentimentos são relevantes para dar energia ao processo intelectual criador, haja vista que: “O sistema nervoso não cria a mente por si só, mas sim em colaboração com o resto do organismo” (Damásio, 2017, p. 45). A mente precisa ser considerada como uma dimensão da integralidade do corpo, e não em oposição ou em um nível superior ao mesmo, como a perspectiva dualista cartesiana propunha. Por isso, Cagnin (2008, p. 498) problematiza que:

A ruptura com o dualismo cartesiano e a recusa de reducionismos simplistas acríticos parecem permitir uma abordagem da relação afeto e cognição, não mais como uma relação entre polaridades excludentes, mas sim como um continuum de determinações dialéticas, onde a evolução parece ter imprimido uma organização e complexidade desafiadoras.

Não é possível discorrer sobre pensamento, inteligência ou criatividade sem considerar as emoções e os sentimentos, haja vista que desempenham um papel importante nas decisões e, como discutido, atravessam a existência. Isto posto, considera-se a dimensão emocional, pois: “Los abstractos, los conceptos que crea el cerebro, no son asépticos de emoción, sino impregnados de ella” (Mora, 2013, p. 66). Dessa forma, tendo em vista o professor iniciante e os desafios decorrentes da iniciação na carreira docente, entende-se que as emoções, compreendidas pela dimensão emocional, são um importante elemento a ser disposto nesta etapa profissional.

A dimensão emocional e sua pertinência para a iniciação profissional docente

Envolvendo, por essência, impulsos legados pela evolução para uma ação imediata e para planejamentos que permitam lidar com a vida, as emoções têm sua origem no latim movere, que significa pôr em movimento, movimentar-se. Acrescidas do prefixo ‘e’ denotam afastar-se, indicando que em qualquer emoção está implícita a propensão para um agir imediato. Dessa maneira, essa dimensão movimenta o sujeito de um modo sensível, tanto interiormente quanto exteriormente.

Relacionadas com a ideia de movimento e interação com o mundo, as emoções caracterizam-se como circuitos que, enquanto se está desperto, encontram-se ativos, em alerta e ajudam a distinguir estímulos importantes para a sobrevivência. Nesse sentido, Goleman (2012) coloca que cada tipo de emoção vivenciada dispõe uma ação imediata, sinalizando para uma direção, o que é importante mediante os desafios enfrentados pelo ser humano ao longo da vida. Com isso, na medida em que na evolução humana determinadas situações foram se repetindo, ficaram registradas as emoções no sistema nervoso humano, formando um repertório emocional, com respostas rápidas e automáticas como forma de garantir a sobrevivência.

Damásio (2011; 2015) trata do tema de forma direta em duas obras com capítulos específicos, procurando precisar sua compreensão a respeito das emoções e ao mesmo tempo diferenciá-las do que ele denomina de sentimentos emocionais. No livro ‘O mistério da consciência’ subdivide em cinco tópicos ou ideias o que ele traduz em uma definição mais ampla do conceito de emoção. Faremos a transcrição literal da primeira ideia por considerá-la bastante completa e as demais serão parafraseadas.

Emoções são conjuntos complexos de reações químicas e neurais, formando um padrão; todas as emoções têm algum tipo de papel regulador a desempenhar, levando, de um modo ou de outro, à criação de circunstâncias vantajosas para o organismo em que o fenômeno se manifesta; as emoções estão ligadas à vida de um organismo, ao seu corpo, para ser exato, e seu papel é auxiliar o organismo a conservar a vida (Damásio, 2015, p. 51).

Damásio (2015) apresenta sua segunda ideia afirmando que as emoções são processos determinados biologicamente e dependem de mecanismos cerebrais estabelecidos de modo inato, assentados em nossa história evolutiva. Sua terceira tese é a de que os mecanismos produtores de emoções ocupam um grupo razoavelmente restrito de regiões subcorticais (Damásio, 2015). Para ele, todos os mecanismos podem ser acionados automaticamente, sem uma reflexão consciente, ponto que defende em sua quarta tese. Em seu último tópico argumenta que as emoções usam o corpo como teatro, mas também afetam o modo de operação de inúmeros circuitos cerebrais: a validade de reações emocionais é responsável por mudanças profundas na paisagem do corpo e do cérebro.

Portanto, compreender como as emoções ocorrem ou interferem no comportamento humano é relevante para poder auxiliar as pessoas em momentos críticos de transição como é o ingresso na vida profissional, sendo justamente o caso dos professores iniciantes. Para Vaillant e Marcelo (2012), é um momento importante na trajetória do docente que se refere à aquisição de um adequado conhecimento e competência profissional em breve período de tempo e, em geral, na maior solidão. Não temos dúvidas que é um período em que ocorrem emoções de diferentes naturezas e no qual o acompanhamento especializado e de pessoas mais experientes torna-se profícuo e fundamental para a permanência e sequência dos docentes na profissão.

Considera-se que as emoções e os sentimentos têm grande influência no comportamento humano. Contudo, mediante esse pressuposto, surge o seguinte questionamento: qual é a diferença entre emoções e sentimentos? Tendo em vista os aspectos mencionados, LeDoux e Damásio (2014) diferem os dois estados, caracterizando que o termo ‘emoção’ se refere ao conjunto de respostas fisiológicas que ocorrem mais ou menos inconscientes no momento em que o encéfalo detecta certas situações desafiadoras. Essas respostas fisiológicas automáticas processam-se no encéfalo, e envolvem mudanças nos níveis de alerta e nas funções cognitivas, como atenção, memória e estratégias de decisão. Também ocorrem no restante do corpo, abrangendo respostas endócrinas, autônomas, entre outras. O termo ‘sentimento’, por sua vez, refere-se à experiência consciente dessas alterações cognitivas e somáticas, constituindo-se dos significados que o encéfalo cria para representar os fenômenos fisiológicos gerados pelo estado emocional.

Seja por ser relevante para a aprendizagem, ou por constituir um patrimônio emocional que tem influência na tomada de decisões, a dimensão emocional compreende, essencialmente, o sujeito e a sua ação. Diante disso, segundo Damásio (1996), embora a emoção e os impulsos biológicos possam dar origem à irracionalidade em certas circunstâncias, acabam sendo indispensáveis em outras. Nessa perspectiva, o componente emocional é essencial para alguns comportamentos racionais e os domínios pessoal e social. Sob este ponto de vista, ressalta-se a pertinência da competência emocional, pois na medida em que uma emoção correspondente a uma situação do passado é posta novamente em ação, consciente ou inconscientemente, a atenção passa a focar-se sobre os aspectos de um dado problema e por isso melhora-se a sua análise.

Sendo assim, ao visualizar-se a função alargada das emoções, além de perceber sua pertinência na constituição do sujeito, é possível compreender seus efeitos, principalmente sobre os processos de decisão e planejamento. Nesse sentido, a dimensão emocional envolve aspectos fundamentais que se direcionam à autoconsciência, ao autocontrole, à consciência social e ao gerenciamento de relacionamentos. Para uma melhor conceituação, esses campos são compreendidos em cinco domínios principais, definidos por Goleman (2012): autoconsciência emocional; controle de emoções; canalizar produtivamente as emoções; empatia; lidar com relacionamentos.

Primeiramente, no que se refere à autoconsciência emocional, o referido autor (Goleman, 2012) salienta que essa se direciona, mais especificamente, ao reconhecimento e designação das próprias emoções, assim como ao entendimento da causa dos sentimentos. Por isso, por meio da permanente atenção no que é sentido internamente, o sujeito acaba sendo mais autônomo e consciente dos seus próprios limites.

Por conseguinte, no que tange ao controle das emoções, Goleman (2012) discorre que o objetivo não é a supressão das emoções, visto que essa perspectiva compreende a tolerância às frustrações, a capacidade de se expressar adequadamente, um menor comportamento agressivo ou autodestrutivo, a melhor maneira de lidar com a tensão, uma menor solidão e ansiedade social, dentre outros aspectos que refletem no sujeito e na sua personalidade.

Quando direcionadas a uma meta, as emoções são importantes para que seja possível centrar a atenção, para a automotivação, o controle e a criatividade. Sendo assim, segundo Goleman (2012), ao canalizar produtivamente as emoções os sujeitos tendem a ser mais produtivos, ter uma melhor comunicabilidade, um maior autocontrole, concentrar-se mais nas tarefas e ter uma menor impulsividade, de modo que as emoções não são contidas e dirigidas, mas positivas, energizadas e direcionadas àquilo que pretende realizar.

A empatia, por sua vez, consiste na disposição para ouvir e compreender a perspectiva do próximo, envolvendo a sensibilidade em relação ao sentimento do outro. Ao interpretar sinais sutis não verbais, como o tom de voz, os gestos e a expressão facial, as pessoas empáticas estão mais sintonizadas com o mundo externo e com aquilo que os outros precisam ou sentem. Por isso, Goleman (2012) corrobora que sentir o outro é envolver-se, colocar-se em seu lugar e, em virtude disso, seguir certos princípios morais.

Por fim, mais especificamente, no que se refere à disposição para lidar com relacionamentos, esta acaba compreendendo: a capacidade de analisar e compreender relacionamentos; a solução de conflitos e problemas; a negociação de desacordos; a assertividade e a hábil comunicação; o envolvimento com os colegas e harmonia ao grupo; o partilhamento, a cooperação e a prestatividade; a atenção com o outro; ser democrático no relacionamento com os outros. Neste viés, compreende, de maneira geral, a arte de se relacionar e possibilita a construção de um bom relacionamento interpessoal (Goleman, 2012).

Contudo, torna-se necessário pontuar que as disposições brevemente mencionadas, compreendidas dentro da dimensão emocional, constituem um conjunto de hábitos e respostas que podem vir a ser aprimorados. As pessoas se diferem em suas aptidões em cada um desses campos; algumas podem ser hábeis para lidar com relacionamentos, mas ter dificuldade para canalizar produtivamente as emoções, por exemplo. Desse modo, ressalta-se que determinados aspectos relacionados ao campo das emoções são aprendidos a partir das constantes vivências, relações, construções, saberes e, sobretudo, daquilo que o sujeito sente.

Portanto, o convívio social é o permanente exercício social de relacionar-se, criando oportunidades para que os seres humanos aprendam a conhecer-se e saibam ‘ler’ como suas emoções se manifestam por meio de suas expressões corporais. O convívio social é a arena que nos faz compreender o outro e ao mesmo tempo compreender-nos. “As emoções representam o campo vital para cada um. O que sentimos sobre nós mesmos determina em grande medida quem somos” (Casassus, 2009, p. 23). Ao observarmos as emoções alheias, procuramos as nossas, aprendemos desde muito cedo a identificar uma pessoa ‘tensa’, ‘alegre’, ‘animada’, ‘abatida’ etc. Vamos aprendendo a mapear as emoções primárias, aos poucos vamos nos especializando nas secundárias ou de fundo.

As emoções primárias são mais fáceis de identificar pelas suas características, no entanto, as secundárias são aquelas que normalmente produzem mais efeito no dia a dia, pois temos mais dificuldade para ocultá-las e são expressas por meio de detalhes mais sutis. Não é à toa que são denominadas de ‘fundo’. Segundo Damásio (2015, p. 51), detectamos

[...] emoções de fundo por meio de detalhes sutis, como a postura do corpo, a velocidade e contorno dos movimentos, mudanças mínimas na quantidade e na velocidade dos movimentos oculares e no grau de contração dos músculos faciais. Os indutores de emoções de fundo são geralmente internos. [...] Essas emoções permitem que tenhamos, entre outros, os sentimentos de fundo de tensão ou relaxamento, fadiga ou energia, bem-estar ou mal-estar, ansiedade ou apreensão.

As emoções de fundo estão mais próximas do núcleo íntimo da vida, são de foro mais íntimo, o que faz com que tenhamos que realizar certas práticas ou exercício de seu aprendizado social. Não ‘nascemos prontos’ neste quesito, como em tantos, exigindo que tenhamos consciência da importância deste aprendizado. De acordo com Casassus (2009), a educação emocional nos permite viver melhor. “Motivados pelo desejo de fortalecer nossa capacidade de nos reconhecermos no nosso próprio mundo emocional e reconhecer as emoções nos outros, desejamos que, ao interagir com outros, atuemos com consciência e compreensão emocional” (Casassus, 2009, p. 24). Muito mais desafiador para quem exercerá a profissão docente e estará em permanente interação com pessoas, sendo desafiado em suas emoções o tempo todo. Marchesi (2008) é enfático a respeito da relevância das emoções e de seu lugar na vida dos professores.

As emoções não só orientam de forma mais ou menos consciente a atividades dos professores. Elas devem ser conhecidas, compreendidas e interpretadas, porque nos indicam nossas metas e motivações, nossas esperanças e temores, nossa maneira de nos posicionarmos diante dos outros e diante dos acontecimentos. Servem como aviso sobre o que é bom ou ruim para nós e sobre o que gostamos ou desgostamos e, ao experimentarmos esses sentimentos, podemos tomar consciência - de maneira talvez não profunda nem completa, mas pelo menos reveladora - de como somos e do que queremos (Marchesi, 2008, p. 115).

Diante do exposto, compreende-se a pertinência de se direcionar os estudos concernentes à dimensão emocional do professor iniciante, pois se entende que com um olhar voltado para as disposições emocionais, ele será capaz de conhecer e lidar bem com os próprios sentimentos, entender e levar em consideração os sentimentos do outro, enfim, realizar-se no âmbito pessoal e profissional. Casassus (2009) sintetiza esta condição ao dizer que a capacidade emocional é a força que nos impulsiona a adaptar e transformar nossos entornos externos e internos: está no centro de nossa capacidade de evoluir. Ao mesmo passo, nessa importante etapa que é a indução profissional, o professor será capaz de reconhecer o valor de cada sujeito, na sua integralidade e subjetividade, reconhecendo que a dimensão cognitiva deve se fundir com as demais, a fim de que se floresça, sobretudo, o olhar voltado para o humano.

Considerações finais

Muito mais do que dominar todos os conhecimentos decifráveis do mundo, o professor precisa, antes de qualquer coisa, ser. Ser num sentido moral, ético, estético, por meio de sentimentos, sensibilidade, reconhecimento do próprio valor e de um olhar voltado para o outro, para o mundo. As emoções permeiam o trabalho docente, e quando sentidas e percebidas de maneira construtiva, não só o otimizam, mas permitem que o professor consiga perseverar em seus ideais, na busca por seus objetivos, na construção de novos saberes, no empreendimento das relações e de uma ação voltada para o reconhecimento do sujeito.

As emoções podem ser caracterizadas como uma forma natural para o sujeito adaptar-se ao meio, avaliar o ambiente que o rodeia e agir de forma reflexiva. Ao mesmo passo, a competência emocional também acaba se fazendo necessária nas situações em que é preciso modular as respostas emocionais, pensar e fazer planos, esforçar-se para alcançar uma meta distante, relacionar-se, solucionar problemas, reconhecer os próprios limites e potencialidades. Vinculando essa questão ao professor iniciante, entende-se que, na medida em que conseguir reconhecer-se enquanto sujeito que sente e aquilo que sente, estabelecer mais sentimentos positivos sobre si mesmo e a escola, canalizar produtivamente as emoções, colocar-se no lugar do outro e relacionar-se de modo que consiga envolver-se e cooperar, sentirá mais entusiasmo e prazer, conseguindo cultivar emoções de modo construtivo nessa etapa importante de sua constituição profissional.

Tal pressuposto se torna necessário, pois, por vezes, as emoções e o aprendizado difícil ligado à fase da sobrevivência podem levar o docente iniciante a construir certezas profissionais, rotinas, modelos de gestão de sala de aula e transmissão de conteúdos, fechando-se sobre si mesmo. Da mesma maneira, o acatamento acrítico das normas do funcionamento do cotidiano da escola, a aceitação de hierarquias implícitas nos relacionamentos, a ocultação dos problemas, enfim, a insegurança, as adaptações, o conformismo e a alienação acabam permeando na iniciação à docência e refletindo num progressivo desinvestimento nessa etapa profissional. Sendo assim, é possível considerar que o equilíbrio emocional acaba sendo uma disposição necessária ao professor iniciante, uma vez que é capaz de influenciar profundamente todas as outras, facilitando ou intervindo nelas.

A literatura que amparou esta escrita e a reflexão, nos faz alimentar a convicção de que os sistemas educacionais necessitam dar maior importância ao componente emocional, pois constitui-se em um dos pilares do convívio humano e da aprendizagem no ambiente escolar. Há que se pensar estratégias para que a formação emocional chegue aos diferentes redutos educacionais, seja na Educação Básica ou Superior, na gestão ou na formação de professores, na formação continuada ou nos processos de indução profissional do docente que assume a carreira do magistério. Só assim vamos garantir a sinergia emoção-cognição nas salas de aula do século XXI, evitando a cisão do passado. A aprendizagem significativa e motivadora que desejamos é resultado da interação entre a emoção e a cognição, pois está cada vez mais comprovado que ela pode ser engrandecida ou inibida pela forma como administramos nossas emoções e compreendemos ou não as dos estudantes.

Ao aprender, construir, refletir, decidir, planejar ou ao interagir, as emoções e sentimentos acompanham o desenrolar da vida e da docência. Nesse sentido, Damásio (2017) propõe que a completa ausência de emoções e sentimentos implicaria na suspensão do ser e, até mesmo, uma ausência menos radical seria capaz de comprometer a natureza humana. Assim, na dança entre sentimento e pensamento, é a partir de sua própria história e das vivências e emoções iniciais que o professor compreende e interpreta novas situações, construindo e agindo sobre elas. Por isso, os saberes do professor são abertos, permeáveis e incorporam, ao longo processo de iniciação da carreira docente, conhecimentos, experiências, teorias, interações, saberes e, conforme foi discutido, competências emocionais mediante as relações e situações de sua vida pessoal e profissional.

Referências

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1Os teóricos da área divergem entre si a respeito do período considerado ‘iniciação à profissão’. Vamos encontrar posições de três a cinco anos. Nós vamos seguir a de cinco anos por estar em sintonia com os autores que utilizamos na base teórica do texto e que vem ao encontro do que acreditamos.

5NOTA: Os autores foram responsáveis pela concepção, análise e interpretação dos dados; redação e revisão crítica do conteúdo do manuscrito e ainda, aprovação da versão final a ser publicada.

Recebido: 16 de Junho de 2019; Aceito: 05 de Setembro de 2019

* Autor para correspondência. E-mail: narnaldo@uricer.edu.br

Arnaldo Nogaro: Doutorado em Educação - UFRGS. Mestrado em Antropologia Filosófica- PUCRS e graduação em Filosofia. Foi Pró-Reitor de Ensino da URI de 2016 a 2018. Diretor acadêmico da URI Erechim dos anos de 2002 a 2010. Atualmente é Reitor da URI e exerce docência nos cursos de graduação e pós-graduação desta Universidade - sendo pesquisador do Mestrado e doutorado em educação do Campus de Frederico Westphalen. Lidera o grupo de pesquisa Ética e Educação, certificado pelo CNPq. Líder do Grupo de Pesquisa Ética, educação e formação de professores. ORCID: http://orcid.org/0000-0003-0517-0511 E-mail: narnaldo@uricer.edu.br

Luana Fussinger: Graduada em Pedagogia pela Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões/URI. Foi bolsista de Projetos de Iniciação Científica Piic/URI e integrante do Grupo de Pesquisa em Educação e Tecnologia - Gpet. Também participou do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência Pibid/Capes. Especialista em Psicopedagogia Clínica e Institucional (URI). Mestre em Educação (URI). Faz parte do Grupo de Pesquisa em Ética, Educação e Formação de Professores. Professora da Educação Infantil e dos Anos Iniciais nos municípios de Palmitinho e SeberiRS. ORCID: http://orcid.org/0000-0001-6545-8774 E-mail: luana_fussinger@hotmail.com

Miriam Salete Wilk Wisniewski: Graduação em Fisioterapia pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM/1992), Especialização em Fisioterapia Oncológica pela URI, Mestrado em Fisioterapia pela Academia de Educação Física - Setor de Reabilitação, da cidade de Cracóvia-Polônia (1996), Doutorado em Ciências da Saúde pela Unesc/Criciúma/2015. ORCID: http://orcid.org/0000-0002-3354-531X E-mail: msalete@uricer.edu.br

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