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Acta Scientiarum. Education

versión impresa ISSN 2178-5198versión On-line ISSN 2178-5201

Acta Educ. vol.43  Maringá  2021  Epub 29-Nov-2021

https://doi.org/10.4025/actascieduc.v43i1.55697 

FORMAÇÃO DE PROFESSORES E POLÍTICAS PÚBLICAS

Mediações da gestão educacional por meio dos sistemas estaduais de avaliação: o relatório CONSED (2017) como ‘arquitetura’ da construção de uma hegemonia para uma política de Estado

Mediaciones en la gestión educativa a través de sistemas de evaluación estadística: el Informe CONSED (2017) como ‘arquitectura’ para construir una hegemonía para una política de Estatal

Katia Silva Bufalo1  * 
http://orcid.org/0000-0003-1706-2454

Maria José Ferreira Ruiz1 
http://orcid.org/0000-0002-1904-8878

1Universidade Estadual de Londrina, Rod. Celso Garcia Cid, PR-445, Km 380, 86057-970, Londrina, Paraná, Brasil.


RESUMO.

O texto traz uma análise documental do ‘Relatório do Seminário Internacional CONSED-2017’ e parte de uma pesquisa de maior abrangência, que busca compreender como as avaliações externas interferem na gestão educacional. Desse modo, neste trabalho busca-se compreender a agenda das políticas educacionais dos sistemas estaduais, por meio das propostas acordadas para avaliação da educação. O documento supracitado foi selecionado com o objetivo de identificar informações públicas que registram as ações políticas dos sistemas estaduais de avaliação. Nesse sentido, o relatório em questão pode ser considerado uma referência para a compreensão da temática, uma vez que compila as discussões e consensos do Grupo de Trabalho dos representantes de todas as secretarias estaduais de educação do país. O percurso teórico-metodológico foi realizado numa perspectiva dialógica com os autores referenciados e exploração do documento especificado, conduzido pela problemática de identificar o que está subjacente e não manifesto nas propostas do Relatório do GT_CONSED: Avaliação da Educação Básica. Conclui-se que o documento reflete a realização de um diagnóstico minucioso dos sistemas de estaduais de avaliação em parcerias com Institutos de razão social privada, evidenciando a redefinição do papel do Estado. Registra também uma proposta que possibilita a integração dos sistemas de avaliação das unidades da federação, de forma gradativa, por meio de criação de consórcios.

Palavras-chave: gestão educacional; avaliação externa; política de estado; parceria público-privada; sistemas estaduais de educação

RESUMEN.

El texto trae un análisis documental del ‘Informe del Seminario Internacional CONSED-2017’ y parte de una investigación más amplia, que busca comprender cómo las evaluaciones externas interfieren en la gestión educativa. Así, este trabajo busca comprender la agenda de políticas educativas de los sistemas estatales, a través de las propuestas consensuadas para la evaluación de la educación. El documento mencionado anteriormente fue seleccionado con el fin de identificar información pública que registre las acciones políticas de los sistemas de evaluación estatales. En este sentido, el informe en cuestión, puede considerarse un referente para la comprensión del tema, ya que recoge las discusiones y consensos del Grupo de Trabajo de representantes de todas las secretarías estatales de educación del país. El recorrido teórico-metodológico se realizó en una perspectiva dialógica con los autores referenciados y exploración del documento especificado, impulsado por el problema de identificar lo subyacente y no manifiesto en las propuestas del Informe de GT_CONSED: Evaluación de la Educación Básica. Se concluye que el documento refleja la realización de un diagnóstico exhaustivo de los sistemas de evaluación estatal en alianzas con Institutos de razón social privada, mostrando la redefinición del rol del Estado. También registra una propuesta que permite la integración de los sistemas de evaluación de las unidades federativas, de forma paulatina, mediante la creación de consorcios.

Palabras clave: gestión educativa; evaluación externa; política estatal; asociación público-privada; sistemas educativos estatales

ABSTRACT.

The text brings a documentary analysis about the ‘CONSED-2017 International Seminar Report’ and is part of a broader research that seeks to understand how external evaluations interfere with educational management. Therefore, this work seeks to understand the educational policy agenda of the state systems, through the agreed proposals for the evaluation of education. The aforementioned document was selected with the objective of identifying public information that records the political actions of state evaluation systems. In this sense, the report in question can be considered a reference for understanding the theme, since it compiles the discussions and consensus of the Working Group of representatives of all state education departments in the country. The theoretical-methodological path was carried out in a dialogical perspective with the referenced authors and exploration of the specified document, driven by the problem of identifying what is underlying and not manifest in the proposals of the GT_CONSED Report: Evaluation of Basic Education. It is concluded that the document reflects a thorough diagnosis of state evaluation systems in partnership with private name institutes, highlighting the redefinition of the role of the state. Also, it registers a proposal that allows the integration of the evaluation systems of the federation units through the gradual creation of consortia.

Keywords: educational management; external evaluation; state policy; public-private partnership; state education systems

Introdução

Partimos do pressuposto de que estudar as políticas educacionais pressupõe delimitar a concepção de Estado em que estão pautadas estas análises. Compreendemos o movimento das atuais políticas para a educação a partir da Reforma do Estado, nos anos 1990. Para Afonso (2014), a reconfiguração do papel do estado, enquanto ‘Estado Avaliador’ pode ser compreendida no movimento histórico por fases. De acordo com o autor, na primeira fase havia uma autonomia relativa do estado-nação na definição das políticas. A segunda fase corresponde à intensificação das agendas nacionais de avaliação, em paralelo à consolidação do protagonismo das agências internacionais, na articulação das políticas de avaliação. Infere que há indícios de uma terceira fase, com a inserção de agências como a Organização Mundial do Comércio [OMC], entre outras, que induzem e articulam processos de liberalização e de mercadorização da educação1.

Por meio de estudo documental, do Relatório do Seminário Internacional de Avaliação da Educação Básica, GT- CONSED, destacamos as principais tendências definidas para organização dos sistemas estaduais de avaliação como parte das estratégias para implementar políticas educacionais, com vistas a propiciar a integração dos sistemas de avaliação das unidades da federação, em uma política de Estado. Vale ressaltar, que em nossa perspectiva a educação é entendida como uma política social (Saviani, 2016). Isto significa “[...] requer diluí-la na sua inserção mais ampla: o espaço teórico-analítico próprio das políticas públicas que representam a materialidade da intervenção do Estado, ou o Estado em ação” (Azevedo, 2004, p. 5).

Desse modo, compreendemos o fenômeno estatal como uma construção social em movimento, portanto passível de transformação. Conforme Peroni e Lima (2020), em relação às políticas educacionais, ocorre a privatização da educação via capitalização. Do mesmo modo, “[...] esse Estado, guiado pelos novos princípios da ação pública, fica conhecido por definir as grandes perspectivas e avaliar, a posteriori, os resultados de uma gestão mais autônoma, com a ajuda de um sistema estatístico rigoroso” (Laval, 2004, p. 13).

Barroso (2005), em seu estudo sobre a evolução da intervenção do Estado na educação, por meio das avaliações externas, em diferentes países (França, Hungria, Portugal, Inglaterra e Bélgica), revela que as políticas educativas estudadas podem ser caracterizadas, de modo geral, como políticas de um Estado-Avaliador. Todavia, “[...] o grau de intensidade das políticas postas em prática e a dosagem entre os diversos modelos são muito variados” (Barroso, 2005, p. 740).

Evidencia-se, com os estudos de Laval (2004), Barroso (2005), Ravitch (2011), Afonso (2014), Uczack (2014), entre outros, o fenômeno descrito por Ball (2014) ‘Movimento Global de Reforma da Educação [GERM]’ organizado por redes políticas em cumprimento de uma ‘Agenda Globalmente Estruturada’ (Dale, 2004), propostas atualmente difundidas em nossos dias como a Nova Gestão Pública [NGP], ou seja, a Modernização da Gestão Conservadora.

No Brasil, concomitante à reforma do Estado, foi criado o Sistema de Avaliação da Educação Básica [SAEB] com o objetivo de apresentar os indicadores acerca da qualidade da educação. No entanto, muitas pesquisas se dedicam a discutir o conceito de qualidade desenvolvido por esse sistema. “As avaliações constataram o óbvio, isto é, problemas de qualidade e, em vez de proporcionar políticas públicas para elevá-la, o poder público buscou o setor privado para comprar ‘pacotes de qualidade’ para a educação básica” (Peroni, 2016, p. 15).

Neste sentido, diversos Estados da federação investem na implementação de sistemas estaduais de avaliação da educação no intuito de fortalecer a gestão na perspectiva do mercado. Nesta perspectiva, o Estado “[...] paga o professor, define as parcerias, a compra de pacotes e o conteúdo da educação. Já o privado passa a determinar a formação de professores, o monitoramento, o conteúdo trabalhado nas aulas, a gestão” (Peroni & Lima, 2020, p. 3). Em relação às tendências e às políticas de avaliação, Afonso (2014) questiona e invoca a necessidade de abordar criticamente a centralidade da avaliação no estudante, considerando dimensões que coexistem no processo de avaliação a saber: avaliação institucional das escolas, avaliação do desempenho docente e a avaliação da própria política. Ainda para este autor, “[...] através da expansão internacional dos sistemas de franchising, da modularização e estandardização curricular e da ampliação dos sistemas e agências de avaliação, eventualmente retirados num futuro próximo do controlo autónomo dos Estado-nacionais” (Afonso, 2014, p. 499).

Ravitch (2011), em sua análise crítica sobre os efeitos da política estadunidense implementada desde 2002, pautada em avaliações externas estaduais, destaca a responsabilização das escolas pelos resultados abaixo das metas estabelecidas, os currículos foram reduzidos aos conteúdos mensuráveis nos testes e as crianças deixaram de ser educadas e passaram a ser treinadas. A autora contribui para a reflexão sobre a intensificação das testagens e a qualidade da educação: “A falta de atenção à história, ciências e artes diminuiu a qualidade da educação, a qualidade da vida das crianças, a qualidade da vida diária na escola e até mesmo a performance nos testes” (Ravitch, 2011, p. 129).

Observamos que há uma tendência em curso no Brasil, de se aproximar destas políticas educacionais e avaliativas estadunidenses. Contudo, conforme Barroso (2005), não é possível transferir os resultados da experiência norte-americana de modo literal, que se há de considerar, a historicidade de cada país, bem como as diferentes manifestações dos sujeitos sociais que vivenciam estas realidades. A exemplo disso, Afonso (2014) ao registrar as fases e manifestações do Estado Avaliador conclui: “[...] considerando a análise de diferentes realidades nacionais e educacionais, todas as combinatórias dessas três fases são possíveis, estando as mesmas já a ocorrer, ou podendo vir a ocorrer, em simultâneo ou não, e em intensidades variadas” (Afonso, 2014, p. 499). Em relação às perspectivas dessas políticas, fundamentadas em Peroni e Lima (2020, p. 17) entendemos que “[...] a estratégia internacional e, particularmente, do Brasil, neste momento, envolve a aliança entre o neoconservadorismo e o neoliberalismo. Esse processo materializa-se de diferentes formas”.

Desse modo, consideramos extremamente pertinente ponderar quanto aos retrocessos políticos e sociais resultantes da experiência relatada e disseminar este conhecimento, a fim de lutar por experiências diferentes em relação à implantação dos sistemas de avaliação. Isto não significa, que contestamos a necessidade de criar políticas de Avaliação da Educação Básica, entretanto, nossa defesa é por políticas de avaliação que considerem a condição real de cada escola e comunidade e que os resultados dessas avaliações sirvam para subsidiar propostas educativas que visem o pleno desenvolvimento humano, em oposição às propostas minimalistas e pragmáticas que pretendem atender a formação de uma massa humana competente e habilidosa para adaptabilidade ao mercado.

O estudo, de tipo qualitativo, foi realizado utilizando a pesquisa bibliográfica e a análise documental, considerando como fonte primária o Relatório GT- CONSED e como fontes secundárias as pesquisas científicas já divulgadas sobre a temática. A relevância do trabalho de pesquisa com documentos pode ser compreendida a partir da conceituação de Evangelista (2012), em relação à função de pesquisador que precisa “[...] encontrar o sentido dos documentos e com eles construir conhecimentos que permitam não apenas o entendimento da fonte, mas dos projetos históricos ali presentes e das perspectivas que - não raro obliteradas no texto - estão em litígio” (Evangelista, 2012, p. 59).

Após demarcar os fundamentos teóricos-metodológicos com os autores que dialogamos a respeito das mudanças no papel do Estado e a vinculação com o desenvolvimento de políticas de avaliação, enquanto parte desse processo, dividimos o artigo em dois momentos. Primeiro, mapeamos a localização do Conselho Nacional de Secretários de Educação [CONSED], como elemento de uma complexa rede política e executor de uma agenda internacional para a Reforma Educacional.

Na sequência, enfocamos o processo de elaboração do documento Relatório GT-CONSED: avaliação da educação básica e a imbricada categoria parceria público-privada como constituinte do Estado. Como destaque da análise, apresentamos as dimensões enfatizadas no documento: conteúdo, arquitetura, usos, orçamento e financiamento, em vista de problematizar as propostas explícitas e intenções subjacentes.

Desta feita, o que constatamos a seguir, com destaque aos excertos do Relatório do GT-CONSED: Avaliação da Educação Básica, é a tendência do fortalecimento progressivo dos sistemas estaduais de avaliação, com planos de sistemas intermediários que têm a pretensão de alcançar o nível avançado para criação de Bancos de Informações para Gerenciamento e Padronização da Educação Básica, em âmbito nacional, assunto que será melhor esclarecido na sequência.

CONSED: integração das redes estaduais e as parcerias público-privadas.

De acordo com a página oficial da entidade, o Conselho Nacional de Secretários de Educação foi criado em 1986, período de pleno movimento pela redemocratização do país. É uma instituição de direito privado cuja missão é promover a integração das redes estaduais de educação por meio de promoções de regime de colaboração entre as unidades federativas, de modo a intensificar a participação dos estados nos processos decisórios das políticas nacionais para desenvolvimento da escola pública.

Atualmente, podemos identificar na página oficial do CONSED os seguintes parceiros institucionais: Fundação Roberto Marinho; Embaixada Americana; Ministério da Educação; Fundação Itaú Social; Unesco; Instituto Unibanco; Fundação Victor Civita; União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação [UNDIME]; Bristish Council no Brasil; Instituto Natura; Fundação Santillana; Todos pela Educação [TPE]; Fundação Itaú para Educação e Cultura; Fundação Lemann; Pro-Futuro: Fundação Telefônica Vivo; Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira [INEP]; Coordenação de Pessoal de Nível Superior [CAPES]; Senado Federal; Câmara dos Deputados; Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação [FNDE]; Instituto Ayrton Senna; Fundo das Nações Unidas para a Infância [UNICEF]; Organização de Estados Ibero-Americanos para a Educação a Ciência e a Cultura [OEI]; Universidade Virtual do Estado de São Paulo [UNIVESP]; Bett Educar Brasil e Serviço brasileiro de apoio às micro e pequenas empresas [SEBRAE].

O CONSED destaca, entre suas informações institucionais, que a entidade é composta por membros de diversas correntes políticas, sendo a pluralidade de ideias uma de suas principais características. Todavia, grande parte das instituições que constituem o CONSED articulam-se em redes políticas ‘muito diversificadas e multifacetadas’, que vem interferindo no conteúdo e na forma de educação pública, contribuindo para a privatização do público. Estas instituições e grupos privados de hegemonia “[...] podem se expressar por meio de patrocínio, contratação, assessorias, parcerias diretas e indiretas e tem o potencial de desfocar ainda mais as fronteiras entre Estado e sociedade” (Ruiz & Peroni, 2017, p. 150).

O documento analisado está disponível no Portal CONSED, no tópico frentes de trabalho, item avaliação, identificado como ‘Relatório do Seminário Internacional de Avaliação’, evento realizado nos dias 10 e 11 de outubro de 2017, em Recife (PE/ Brasil). Além de consultores acadêmicos e representantes das instituições privadas nacionais referenciadas anteriormente, segundo a programação disponível no Portal CONSED, o evento contou com a presença de representantes de instituições internacionais, a saber: Catherine Millet, pesquisadora da Educational Testing Service-ETS (EUA); Manuel Moscoso (Experiência Chilena); Paulo Santiago, Chefe da Divisão de Assessoria Política e Implementação da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico [OCDE], todos vinculados à temática: ‘Experiências Internacionais com Avaliação’. O tema: ‘Consórcios entre estados dos EUA para realização de avaliações’ não menciona o convidado que realizou a exposição. Eventos desta natureza são exemplos de que, atualmente, “[...] no mundo globalizado, a política pública viaja transnacionalmente, difundindo políticas que conectam naturalmente a política doméstica à internacional” (Oliveira & Clementino, 2020, p. 148).

A apresentação do documento Relatório do ‘GT-CONSED: Avaliação da Educação Básica’ é escrita pelos parceiros institucionais: Viviane Senna - Presidente do Instituto Ayrton Senna; Ricardo Henrique - Superintendente Executivo do Instituto Unibanco e Angela Dannemann - Superintendente da Fundação Itaú Social, compreendidos, em nossa perspectiva teórica, como elementos políticos de uma rede de ‘Aparelhos Privados de Hegemonia’ que visam implementar ações articuladas para definição de uma agenda para continuidade das reformas educacionais conservadoras e privatistas. Estes sujeitos, desde a criação do Movimento Empresarial ‘Todos pela Educação’, articulam metas para consolidação do Estado gerencial, dessa forma, ao assumirem projetos sociais considerados, “[...] de relevância para o país [...]” contam “[...] com o apoio do fundo público através de isenções fiscais” (Martins, 2009a, p. 148).

Sobre esta relação dos grupos privados com as políticas para a educação, Shiroma (2011) desvela o papel dos intelectuais das instituições privadas como “[...] formadores de opinião, [que] influenciam os tomadores de decisão fazem consultoria para UNDIME, CONSED, estão articulados a organismos multilaterais e prestam assessoria para formação de professores e gestores em vários estados do Brasil” (Shiroma, 2011, p. 35). Em outras palavras, atuam no sentido de fortalecer a hegemonia da classe empresarial, propagando suas vozes, posto que, “[...] o empresário capitalista cria consigo o técnico da indústria, o cientista da economia política, o organizador de uma nova cultura, de um novo tipo de direito” (Gramsci, 1979, p. 3-4).

Na apresentação do Relatório há uma mobilização para que haja entre todas as unidades da federação ações que resultem no aprimoramento dos sistemas estaduais de avaliação, no intuito de reduzir esforços e custos para todos, com aproveitamento de sinergias e economias de escala, a fim de garantir o direito à educação, entendido como “[...] direito ao aprendizado que não se limita à apropriação de conhecimento desinteressado e erudito entendido como fim em si mesmo” (Conselho Nacional de Secretários de Educação [CONSED], 2017, p. 56).

Este discurso é recorrente pelos defensores do pragmatismo neoliberal, que relacionam direito à educação como direito a desenvolver competências e habilidades para adaptar-se ao mercado, lema daqueles que pretendem sonegar o direito do ser humano desenvolver sua segunda natureza (Saviani, 2013), para não apenas assimilar o saber objetivo, enquanto resultado, mas a possibilidade de apropriação do processo de produção do conhecimento, assim como as tendências de sua transformação.

Temáticas e discussões do GT- Avaliação da Educação Básica: CONSED

O documento ‘Relatório Avaliação da Educação Básica GT- CONSED’ sintetiza as discussões ocorridas em quatro reuniões técnicas realizadas por meio presencial e virtual, em cinco dias de trabalho, no período compreendido entre 22/06/2016 a 04/05/2017. O relatório foi socializado no evento ‘Seminário Internacional de Avaliação da Educação Básica: O papel dos sistemas de avaliação na orientação de aprendizagem’, organizado pelo CONSED e parceiros institucionais, em outubro de 2017.

O texto GT_CONSED (2017) está organizado em sete capítulos, a saber: Cap. 1: A experiência recente das unidades da federação em avaliação da Educação Básica; Cap.2: Propostas para avaliação da Educação Básica; Cap. 3: Conteúdos possíveis para um sistema de avaliação da Educação Básica; Cap. 4: Propósitos, usos, utilidades e potenciais consequências negativas de um sistema de avaliação da Educação Básica; Cap. 5: Arquitetura do Sistema de Avaliação da Educação Básica; Cap. 6: Economias de Escalas e oportunidades para a redução nos custos da avaliação da Educação Básica; Cap. 7: Resumo das reuniões Técnicas do grupo de trabalho de avaliação CONSED.

Na Figura 1, apresentamos o cronograma e temáticas das discussões sistematizadas a partir do capítulo 7.

Em um estudo recente Oliveira e Clementino (2020) investigaram as políticas educacionais dirigidas ao corpo docente e funcional, a gestão da escola e a avaliação de nove estados da região nordeste e relacionaram estas medidas como práticas da Nova Gestão Pública. As autoras identificam estes processos como constituintes de um modelo transnacional de privatização dos serviços públicos com destaque para a área da educação. Nessa perspectiva, concluem “Nossa análise destaca forte presença das políticas de avaliação nos nove estados como estratégia para a melhoria da educação. Independentemente da composição política partidária dos governos estaduais” (Oliveira & Clementino, 2020, p. 150).

Segundo Newman e Clarke (2012), a Nova Gestão Pública, enquanto formação cultural, pode ser compreendida na atualidade como Gerencialismo. Ela pode se manifestar de diferentes formas, em síntese significa uma mudança de uma carreira e planejamentos profissionais para gerenciais. “[...] a reconstrução do estado envolveu tanto o gerencialismo [ideologia] quanto a gerencialização [estabelecimento de autoridade gerencial]” (Newman & Clarke, 2012, p. 359). Neste sentido, Ball (2011, p. 25) esclarece ainda que “[...] na educação, o segmento dos diretores de escola é a principal ‘carreira’ em que se dá a incorporação do novo gerencialismo, sendo crucial, para a transformação dos regimes organizacionais das escolas”. Este dado concatena com nossas análises no decorrer apresentadas. “Ademais, possibilita questionar a tese de descontinuidade de políticas e traz elementos para pensarmos na continuidade quando ocorre troca de governos” (Shiroma, 2011, p. 33).

Fonte: CONSED (2017)

Figura 1 Processo de organização dos sistemas estaduais de avaliação (Adaptado pelas autoras) 

Sumariamente, o Relatório ‘GT-CONSED: Avaliação da Educação Básica’ ratifica a realidade exposta por Oliveira e Clementino (2020), em razão de apresentar um diagnóstico minucioso dos sistemas de avaliação estaduais e formalizar uma proposta que possibilite a integração dos sistemas de avaliação de todas as unidades da federação por meio da criação de Consórcios. No intuito de traduzir o significado do tipo de educação que o documento em análise e o grupo a ele vinculado defende, recorremos ao trabalho de Martins (2009b) em sua análise sobre o organismo denominado ‘Todos pela Educação’. Para este autor, “[...] as estratégias e táticas empregadas impedem que amplas parcelas da população compreendam que os interesses defendidos em nome de ‘todos pela educação’ não se refletem num projeto de educação única para todos” (Martins, 2009b, p. 26-27, grifos do autor). O objetivo principal é propiciar a diminuição de custos das avaliações e ao mesmo tempo ampliar a utilização dos resultados na gestão educacional. O Conteúdo e a forma desse sistema serão discutidos na sequência.

Dimensões dos Sistemas Estaduais de Avaliação, segundo o GT-CONSED.

Destacamos na figura 1 nossa compreensão acerca do processo de planejamento das novas políticas para avaliação da Educação Básica, envolvendo os sistemas estaduais. Para facilitar a leitura e a discussão da totalidade do processo, subdividimos a temática nas seguintes dimensões: i) Conteúdos e Arquitetura (o que avaliar, quem, como e quando avaliar?); ii) Usos (a quem responsabilizar?) e iii) Orçamento e Financiamento (Quanto custa e qual fundo será utilizado?). Apesar da divisão das dimensões em temáticas para facilitar a escrita e a leitura do processo, vale destacar que entendemos a política como um sistema, de modo que tudo está integrado no fenômeno. Sendo assim, “Ainda que a pesquisa sobre as políticas possa apresentar diversas facetas, globalmente várias particularidades a diferenciam dos outros tipos de pesquisa: ela tem um objeto multidimensional” (Deslauriers & Kérisit, 2014, p. 132).

Conteúdos e Arquitetura

Para iniciar a discussão dos Conteúdos e, consequente, Arquitetura dos sistemas estaduais propostos, é necessário contextualizar que esta movimentação está diretamente relacionada com o ‘Movimento pela Base Nacional Comum Curricular [MBNCC]’, melhor dizendo, a necessidade de aprimorar os sistemas de avaliação está diretamente relacionada com a implementação da Base Nacional Comum Curricular [BNCC]. Deste modo, os sistemas estaduais de avaliação assumem a função de garantir:

[...] o poder hegemônico do comum, do nacional, do universal, estabelecido e constantemente reforçado por políticas de avaliações, distribuição de materiais didáticos e formação de professores, tenderá a promover a hierarquização entre conhecimentos, dando legitimidade àquilo que é de todos fazendo silenciar e desaparecer o que é local e sugerido como parte diversificada (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação [ANPED], 2017, p. 14).

No texto do relatório do GT-CONSED, a forma organizacional da BNCC é descrita de modo a ilustrar o quanto esta reforma curricular está alinhada às políticas e agendas das redes políticas (Ball, 2014) hegemônicas. De acordo com Caetano (2019, p. 131), “[...] com as mudanças propostas pelas reformas em curso, em particular a BNCC, altera-se substancialmente o conteúdo da educação básica através de programas, metodologias, manuais, formação de gestores e alunos, cujo foco passa a ser a aprendizagem ao longo da vida”.

A Base Nacional Comum Curricular (Ensino Fundamental e Ensino Médio) está organizada em quatro áreas do conhecimento: Linguagens, Matemática, Ciências da Natureza e Ciências Humanas. Elas são formadas por componentes curriculares, associados às competências específicas, cada componente curricular apresenta um conjunto de habilidades, entendido como conteúdo. Entretanto, “[...] existe a necessidade de ‘limitar a avaliação a apenas uma parte do currículo’. É com base na Matriz de Referência que essa escolha se torna explícita” (CONSED, 2017, p. 55, grifo nosso). Em outras palavras,

[...] a BNCC configura-se como um instrumento de silenciamento, marginalização e exclusão, uma vez que, na intenção de incluir, estabelece critérios e sequências de aprendizagens bastante rígidos, a serem reforçados por avaliações que traduzirão números relativos descontextualizados em qualidade absoluta de educação (ANPED, 2017, p. 14).

Ainda em relação ao conteúdo, o relatório registra a importância de desenvolver formas de avaliar as competências socioemocionais (atitudes, interesses e engajamento) dos estudantes, a condição socioeconômica da família e o interesse dos pais nas atividades escolares de seus filhos. Concordamos com Saviani (2011) sobre o significado desta política fundamentada na pedagogia das competências “[...] cujo o objetivo é dotar os indivíduos de comportamentos flexíveis que lhes permitam ajustar-se às condições de uma sociedade em que as próprias necessidades de sobrevivência não estão garantidas” (Saviani, 2011, p. 437).

A concepção da Arquitetura do sistema de avaliação estadual está diretamente relacionada a quem será avaliado e quando. Em relação à periodicidade das avaliações, observa-se uma tendência pela frequência anual com preferência para o final do ano letivo. As vertentes mais evidentes são:

[...] público-alvo e anos críticos, periodicidade, formato de itens e participação dos municípios em avaliação. Sobre os anos críticos, não houve consenso sobre quais anos e séries devem ser avaliados, mas sim, de que, se for muito espaçada, perde-se tempo de intervenção, mas se for muito curta, não há tempo para se observar uma mudança e para utilizar o alto volume de dados. Foi destacado que para se definir a periodicidade, tem que se definir primeiramente o uso, e que pode-se pensar em uma abrangência nas redes de ensino. Sobre a abrangência das redes de ensino, não houve consenso no subgrupo se deve-se focar na rede estadual somente ou nos municípios também (CONSED, 2017, p. 132).

Além dos estudantes, o documento indica a intenção de desenvolver progressivamente formas de monitoramento acerca da qualificação dos professores, da gestão escolar e do clima escolar. “Destacou-se que não se pode separar o saber docente das condições de trabalho dos docentes” (CONSED, 2017, p. 127). Todavia, a inserção desta observação não atenua o significado e a intenção de um sistema de avaliação baseado em testagens que utiliza consultores externos às escolas e até às Secretarias de Educação, desqualificando a priori todos os profissionais da escola e da rede escolar, este é um exemplo do gerencialismo aplicado na escola. Esta política

Designada aqui como avaliação estandartizada criterial com publicitação de resultados, esta modalidade de avaliação permite evidenciar, melhor que qualquer outra forma, o já designado ‘paradoxo do Estado Neoliberal’, por um lado, o Estado que quer controlar mais de perto os resultados escolares e educacionais (tornando-se assim mais Estado, Estado avaliador) mas, por outro lado, tem que partilhar escrutínio com os pais e outros ‘clientes’ ou ‘consumidores’ ( diluindo também por aí algumas fronteiras tradicionais, e tornando-se mais mercado e menos Estado). Produz-se assim, um mecanismo de quase mercado em que o Estado, não abrindo mão da imposição de determinados conteúdos e objetivos educacionais (de que a criação de um currículo nacional é apenas um exemplo), permite, ao mesmo tempo, que os resultados/produtos do sistema educativo sejam também controlados pelo mercado (Afonso, 2009, p. 122, grifos do autor).

Assim, embora o texto do Relatório ‘GT-CONSED: Avaliação da Educação Básica’ utilize um léxico que aparenta envolvimento e apresentação de propostas remetidas ao compromisso de todos com a educação, nada obstante, apesar dos princípios e palavras comuns a todos “[...] as marcas de sua posição social e de sua apropriação de bens culturais são indeléveis tanto na atribuição de sentido à linguagem quanto na sua supressão” (Evangelista, 2012, p. 53). Apesar das discussões de premiações, bonificações, certificações entre outras estratégias, todas as discussões convergem para sistemas, conforme Oliveira e Clementino (2020) de alta, média e baixa responsabilização.

Usos: propósitos e utilidades

A discussão sobre os usos é bem extensa e talvez possa ser objeto de um texto específico em trabalhos futuros. Em tópicos podemos elencar os seguintes propósitos expressos no relatório: 1) Prestação de Contas e estabelecimento de metas; 2) Sistema de incentivos; 3) Diagnóstico da situação atual e do progresso educacional; 4) Fatores de sucesso e alocação de recursos; 5) Identificação de áreas em que novas práticas, ações e programas educacionais precisam ser desenhados; 6) Avaliações ex-ante e ex-post da eficácia de ações, práticas e programas educacionais; 7) Planejamento das ações, práticas e programas educacionais; 8) Adequação das práticas pedagógicas. Em destaque:

[...] o cenário ideal de usos da avaliação deveria contemplar, segundo o subgrupo, as seguintes áreas: Prestação de contas (informar a sociedade dos progressos alcançados e do alcance ou não das metas estabelecidas; identificação das escolas e regionais com alto desempenho para compartilhar boas práticas); Planejamento e gestão (subsidiar o órgão central, as regionais e a comunidade escolar na sua auto avaliação e diagnóstico; planejamento, alocação de recursos, identificação de ações corretivas e mudança de rumo); Pedagógico (subsidiar escolas na sua busca por melhores estratégias ou planos pedagógicos; dar subsídios aos professores de tal forma que esses possam melhor adequar as suas práticas às necessidades dos alunos) e de Formação (dar subsídios aos professores, escolas e à Secretaria para a formulação de planos de formação continuada e fornecer insumos ao processo de seleção de professores). Em um cenário intermediário, poderiam ser suprimidos para melhoria das práticas dos professores e o uso dos resultados das avaliações para a seleção de professores (CONSED, 2017, p. 137).

Além do enfoque no sistema de prestação de contas vinculado à responsabilização, estas políticas, de acordo com Afonso (2009), revelam a tensão entre a escola democrática e a escola meritocrática e discriminatória com predomínio das necessidades do processo de acumulação, que demanda um sistema educativo com um currículo mais instrumental e uma avaliação mais classificatória ‘modernizante’ Saviani (2011) e Freitas (2012) denominam este fenômeno como neotecnicismo. Para Freitas (2012, p. 383) o neotecnicismo “[...] se estrutura em torno de três grandes categorias: responsabilização, meritocracia e privatização. No centro está a ideia do controle dos processos, para garantir certos resultados definidos a priori como standards, medidos em testes padronizados”.

Desse modo, o conteúdo do relatório CONSED, materializa a opção política de adoção de políticas de sistemas de responsabilização, entendidas, segundo Oliveira e Clementino (2020), como conjunto de práticas oriundas do movimento de contratualização da educação pública, que utilizam avaliações em larga escala como principal recurso da prestação de contas. Por esse motivo, “[...] podemos afirmar que o Brasil, na sua composição político-administrativa de caráter federativo, tem, em certa medida, adotado indiretamente uma política de responsabilização sobre os estados” (Oliveira & Clementino, 2020, p. 159).

Uma das alterações mais contundentes acerca dos usos das avaliações em larga escala na escola são as mudanças provocadas intencionalmente nas formas de gestão, visto que “[...] a gestão democrática, por sua vez, sofre tensão da perspectiva gerencial advinda das políticas de avaliação em larga escala” (Lima, Sandri, & Zanardini, 2020, p. 108).

De acordo com Uczack (2014), a avaliação é ao mesmo tempo instrumento e gestão e conteúdo das reformas e políticas educacionais. Os resultados das avaliações são associados frequentemente às necessidades de modernizar a escola, ou seja, implementar a lógica empresarial para modernização da gestão educacional difundida como alternativa eficiente para melhorar a qualidade da educação.

Tais cobranças tendem a modificar as ações dos profissionais envolvidos no processo administrativo e pedagógico. Com isso, percebemos que a opção entre gestão escolar democrática e/ou gerencial, não se limita a uma questão meramente pessoal/ profissional dos sujeitos envolvidos no processo pedagógico-escolar, mas está relacionada com o potencial/força de efetivação da política de avaliação no trabalho e organização da escola (Lima et al., 2020, p. 104).

Portanto, o impacto das avaliações na gestão educacional está diretamente relacionado com o projeto societário em curso, veiculado pelos grupos políticos que ocupam o poder público. A evidência desta afirmativa está expressa no Relatório do GT-CONSED a despeito do estabelecimento de metas e modelos de sistemas de avaliação. O documento ressalta a necessidade de criar um fórum ampliado sobre a temática.

Desta forma, seria possível alcançar uma política de estado, em contraponto a não-desejadas políticas de governo, que mudam prioridades e interesses a cada ciclo eleitoral, já que poderia também ser feita a institucionalização das metas esperadas através de projeto de lei (CONSED, 2017, p. 141).

Isto não seria inédito na movimentação das políticas educacionais do Brasil, ação similar ocorreu em 2007 (Saviani, 2009), quando o Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação, do conglomerado empresarial brasileiro, foi promulgado como Decreto Lei n. 6094, como o Plano de Desenvolvimento da Educação [PDE]. Observa-se, sobre esta movimentação das redes políticas registrada no Relatório GT-CONSED, a necessidade de criar resistências propositivas em oposição aos interesses do capital a fim de garantir a possibilidade da continuidade do processo de democratização. Essa resistência não deve fazer frente propriamente a criação das políticas de estado para a educação, mas sim às formas privatistas demonstradas na arquitetura do Relatório GT - CONSED, que são discutidas, planejadas e gerenciadas sem a participação e articulação dos sujeitos da comunidade escolar (professores, alunos e responsáveis).

Orçamento e financiamento

O documento Relatório GT-CONSED pode ser compreendido como a materialização das estratégias do processo histórico atual, portanto, essas estratégias estão enredadas em formações híbridas, ou seja, os dados são difusos assim como a reconfiguração do estado em curso. “Aqui não existe uma única lógica ou tendência: nem a descentralização nem a centralização descrevem com precisão os arranjos cambiantes de poder, controle e autonomia condicional que foram elaborados como uma nova arquitetura de serviços públicos governantes” (Newman & Clarke, 2012, p. 364). O que é preciso considerar ‘[...] é que a reforma neoliberal é tanto exógena (privatizadora) quanto endógena (reformista), o setor público é substituído e reformado ao mesmo tempo, e as coisas estão conectadas” (Ball, 2014, p. 43).

Em relação aos custos, os registros do relatório enfatizam que a independência dos sistemas estaduais de avaliação dificulta a padronização e, consequentemente, a economias de escala.

O custo anual por aluno avaliado varia de R$ 25 a R$ 30 (considerando que a avaliação de cada aluno requer apenas um dia letivo). Dado esse custo unitário e o número esperado de alunos a serem avaliados a cada ano, encontramos um custo para o conjunto das avaliações entre R$ 300 e R$ 360 milhões por ano (CONSED, 2017, p. 115).

Em vista de reduzir o custo do montante gasto com as avaliações, a alternativa evidenciada no texto é “Formação de consórcio entre estados para organização conjunta da avaliação. A criação de um consórcio entre estados poderia oferecer grandes benefícios financeiros e gerenciais em relação à avaliação que cada Estado promove individualmente” (CONSED, 2017, p. 37). Em termos econômicos, esta ação estima:

No conjunto, estimamos que uma estreita colaboração entre unidades da federação poderia reduzir os custos da avaliação em 37%. Assim, em vez de um custo agregado de quase 190 milhões de um sistema não cooperado, poderíamos, na situação de um sistema de cooperação, passar de um custo de 115 milhões, ou seja, uma economia de R$ 75 milhões por ano (CONSED, 2017, p. 119).

Consideramos que economizar o fundo público é do interesse de todos, todavia, “Numa sociedade capitalista, os ‘interesses públicos’ não poderão jamais ultrapassar certos limites para não pôr em risco a viabilidade do próprio sistema” (Martins, 2009a, p. 204, grifos do autor). Em termos de financiamento de verbas públicas, quando se diz economia de R$ 75 milhões por ano, por analogia, isso deveria corresponder a um acréscimo de R$ 75 milhões anualmente destinados para a Educação Pública, porém, esta discussão não é exclusivamente estatal, ela está localizada no âmbito do ‘público não estatal’. Esta é a localização do CONSED e de seus parceiros. Desse modo, ao discutir financiamento, identificamos as parcerias público-privadas, nestes termos:

Foram discutidas fontes de financiamento públicas e privadas, com a sugestão de que o governo federal deveria ter uma rubrica de avaliação para financiar e repassar recursos, de forma vinculada, para o Sistema Nacional de Avaliação, através de um fundo federal de avaliação. Há a possibilidade de que parceiros privados, como bancos, destinassem recursos para o Sistema Nacional de Avaliação, investindo parte do lucro como investimento social (CONSED, 2017, p. 128).

Por esta via, “[...] embora uma Fundação, por sua natureza jurídica, não possa ter fins lucrativos, não há impedimento para aumento do seu capital” (Ruiz & Peroni, 2017, p. 159). Assim, a participação das políticas de avaliação da Educação Básica pode se transformar em um ‘grande negócio’, dito de outra forma, Business Intelligence [B.I]. Ao mesmo tempo, estas políticas, possibilitam gerar um banco de informações longitudinais da massa de pessoas formadas pela educação pública, por meio da indução da Matriz Referencial das competências e habilidades que serão enfatizadas. Equivale dizer que a Educação Pública, conforme conquistamos na Carta Constitucional de 1988, está ameaçada porque seus princípios: gratuidade; valorização do profissional da educação; gestão democrática; consideração com a diversidade não convergem com os interesses do bloco no poder e suas práticas hegemônicas. Isto porque,

[...] a privatização do público pode ocorrer com ou sem a mudança de propriedade [...] a privatização da educação é tomada de controle por parte das empresas que não envolvem propriedade, via disputa pelo conteúdo em um projeto de restauração de classe (Peroni & Lima, 2020, p. 3).

De acordo com os estudos de Caetano (2019) acerca da relação público privada na efetivação da Base Nacional Comum Curricular que está diretamente relacionada com a política de avaliação “A BNCC apresenta características de um currículo restritivo e padronizado, que deverá ser monitorado por indicadores de desempenho e de impacto [...] se inscreve em um projeto de sucateamento da educação com o objetivo de privatizá-la” (Caetano, 2019, p. 133). Desse modo, constatamos no estudo do Relatório GT- CONSED que estas propostas não estão explícitas e às vezes o léxico das questões em disputa aparenta ser o mesmo, contudo, a diferença da posição e do significado de classe social pode demarcar e denotar necessidades históricas antagônicas.

Considerações finais

Nossa análise constata que as mudanças materializadas nas políticas educacionais de avaliação resultam do movimento de uma rede se sujeitos políticos, que atuam no sentido de promover a alteração do papel do Estado. Nesse sentido, a Educação constitui dimensão estratégica para a promoção dessa mudança e a avaliação serve tanto como instrumento de gestão das políticas educacionais como conteúdo destas.

O Relatório do GT_CONSED traduz em seus capítulos o diagnóstico de todos os sistemas estaduais do país e o desenho de um sistema integrado que deverá ser implantado de forma progressiva com tendências a induzir a gestão educacional para o gerencialismo, no intuito de cumprir metas diante do sistema de responsabilização em curso.

Entre as contradições expressas no Relatório, a principal é sobre a concepção de direito à educação e, certamente, dessa concepção decorre todas as demais em relação às intencionalidades destas políticas, uma vez que, embora o relatório associe as avaliações em larga escala como um recurso para garantir a mensuração do quanto o direito à educação foi alcançado por cada estudante, o próprio relatório informa que não é possível avaliar todo o currículo, por isso é necessário criar uma Matriz de Referência e eleger algumas competências e habilidades para serem avaliadas. A partir deste dado, observamos quão tendenciosa se apresenta a atual política de avaliação, representando uma verdadeira ameaça a todas as conquistas recentes relacionadas à democratização da educação pública em nosso país.

Identificamos nas ações do Estado as características da Nova Gestão Pública, esta é uma tendência internacional, porém o grau de intensidade e a dosagem dos sistemas de responsabilização implementados por estas políticas são muito variados, por isso, a necessidade de pesquisas que revelem os impactos conforme a localização e desenvolvimento histórico.

Observa-se que as políticas mantêm a continuidade independentemente da filiação partidária do período/governo. Em relação às dimensões do sistema discutido e posto em implementação de forma progressiva do nível do intermediário rumo ao avançado, destacamos um desenho fundamentado em avaliações com predominância da periodicidade anual. Os usos são sustentado por um amplo sistema de responsabilização, tendo em vista, propiciar indução nas práticas de gestão educacional para gestão empresarial enfatizando a avaliação pela Matriz Referencial, por conseguinte reduzindo o currículo escolar, reforçando uma visão de mundo neoliberal, restringindo a formação humana a uma visão de formação da pessoal polivalente calcada em competências e habilidades, ultrajando os princípios previstos na Constituição Federal e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional que estabelecem como finalidade da educação o pleno desenvolvimento do educando. Nessa conjuntura, interrogamos: ‘Qual o sentido de um sistema de avaliação parcial’?

Nossas análises e as dos demais autores, com os quais dialogamos neste texto, indicam que a finalidade destas políticas neoconservadoras é propiciar a manutenção e a continuidade do desenvolvimento do neoliberalismo, que neste estágio em particular, utiliza-se do setor público não estatal para viabilizar as operações do mercado. Estas afirmações estão implícitas nas discussões sobre orçamento e financiamento. Por essa razão, o setor educacional representa um quantitativo de possibilidades de desenvolvimento de produtos para o ‘Estado-Cliente’ que se faz imprescindível dominar todas as informações sobre a ‘produção’ e desenvolver as regras de transformação da mercadoria.

Por entendermos que a educação não pode ser reduzida a uma mercadoria, colocamo-nos contrárias à continuidade das políticas em curso e defendemos o desenvolvimento de avaliações que valorizem o conhecimento em suas formas mais desenvolvidas, que seja formativa e emancipatória, ao invés de classificatória e meritocrática. Para tanto, urgem novas pesquisas que atendam a esta necessidade, e este é o nosso compromisso.

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1Entende-se ‘mercadorização da educação’ como um fenômeno em curso que tende a tratar os bens públicos, dentre eles a educação, como se fossem mercadorias e como tal, estando sujeitos a leis de mercado.

5Nota: As autoras foram responsáveis pela concepção, análise e interpretação dos dados; redação e revisão crítica do manuscrito e ainda, aprovação da versão final a ser publicada.

2‘Commodification of education’ is understood as an ongoing phenomenon that tends to treat public assets, including education, as if they were goods and, as such, subject to market laws.

Recebido: 08 de Setembro de 2020; Aceito: 16 de Novembro de 2020

*Autora para correspondência. E-mail: ksbufalo@uel.br

Katia Silva Bufalo: Doutoranda em Educação pela Universidade Estadual de Londrina. Mestre em Educação pela Universidade Estadual de Londrina. Especialista em Saúde Mental - UEL. Graduada em Pedagogia pela Universidade Estadual de Londrina. Integrante do Grupo de Pesquisa Estado, Políticas Públicas e Gestão da Educação - Docente colaboradora no curso de Pedagogia da Universidade Estadual de Londrina. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-1706-2454 E-mail: ksbufalo@uel.br

Maria José Ferreira Ruiz: Pós-doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Doutora em Educação pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho/UNESP. Mestre em Educação pela Universidade Estadual de Londrina. Graduada em Pedagogia pela UEL. Docente da UEL, atuando no curso de Pedagogia e no Programa de Pós Graduação em Educação - Mestrado e Doutorado. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1904-8878 E-mail: mjfruiz@gmail.com

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