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Acta Scientiarum. Education

versión impresa ISSN 2178-5198versión On-line ISSN 2178-5201

Acta Educ. vol.43  Maringá  2021  Epub 29-Nov-2021

https://doi.org/10.4025/actascieduc.v43i1.55859 

FORMAÇÃO DE PROFESSORES E POLÍTICAS PÚBLICAS

Olhares sobre uma identidade em formação: O trabalho docente de professores atuantes na educação infantil universitária

Visiones sobre una identidad en formación: la labor docente del profesorado que trabaja en la educación infantil universitária

Idnelma Lima da Rocha1  * 
http://orcid.org/0000-0002-3139-2233

Edna Cristina do Prado1 
http://orcid.org/0000-0001-8226-2466

1Universidade Federal de Alagoas, Av. Lourival Melo Mota, 57072-970, Tabuleiro do Martins, Maceió, Alagoas, Brasil.


RESUMO.

O estudo em tela lança um olhar sobre o trabalho docente de professores do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico (EBTT) atuantes na educação infantil universitária, buscando analisar a atuação, a formação e carreira e a constituição de sua identidade profissional. Fundamenta-se na análise da subjetividade do trabalho docente e da constituição da identidade do/a professor/a a partir da lógica de reestruturação produtiva do capital, numa perspectiva dialética. O conjunto de reformas implementadas na educação brasileira nas últimas décadas, impactou diretamente na atuação docente em todos os níveis de ensino, ocasionando mudanças significativas em suas práticas cotidianas e profissionalidade. Para quem que atuam na educação infantil, os efeitos são ainda maiores pela sua natureza e por uma identidade ainda em construção. O estudo assume uma linha teórico-crítica, adotando uma abordagem qualitativa, utilizando-se como procedimento a pesquisa bibliográfica, centrada em pesquisas e discussões teóricas sobre formação, identidade profissional, carreira e produtividade docente submetidos à lógica do capital e sobre a natureza das Unidades de Educação Infantil (UEI) universitárias e dos seus profissionais. Os resultados apontam as contradições e dilemas vivenciados por docentes do EBTT inseridos em uma carreira de magistério federal, submetidos às exigências de alta produtividade na tríade ensino, pesquisa e extensão para desempenho e progressão, além da necessidade de formação continuada para garantia de promoção e reconhecimento na carreira. A definição do perfil do/a educador/a de educação infantil, de um modo geral, e de sua formação encontram-se ainda em processo de constituição, que aliados à precarização do trabalho, para os/as professores/as do EBTT da Unidade de Educação Infantil (UEI) da Universidade Federal de Alagoas, à afirmação, valorização e reconhecimento tornam-se desafios expressamente postos, na busca por construir suas carreiras e identidade profissional.

Palavras-chave: educação infantil; formação; carreira docente; produtividade acadêmica; identidade profissional

RESUMEN.

El estudio en pantalla analiza la labor docente de los docentes de Educación Básica, Técnica y Tecnológica (EBTT) que trabajan en la educación infantil universitaria, buscando analizar el desempeño, la formación y la carrera y la constitución de su identidad profesional. Se basa en el análisis de la subjetividad del trabajo docente y la constitución de la identidad del docente a partir de la lógica de la reestructuración productiva del capital, en una perspectiva dialéctica. El conjunto de reformas implementadas en la educación brasileña en las últimas décadas, impactaron directamente el desempeño docente en todos los niveles de la educación, provocando cambios significativos en sus prácticas diarias y profesionalismo. Para quienes trabajan en educación infantil, los efectos son aún mayores por su naturaleza y una identidad aún en construcción. El estudio toma una línea teórico-crítica, adoptando un enfoque cualitativo, utilizando como procedimiento la investigación bibliográfica, centrada en la investigación y discusiones teóricas sobre la formación, la identidad profesional, la carrera y la productividad docente sometida a la lógica del capital y sobre la naturaleza de las Unidades Estudiantes universitarios de Educación Infantil (UEI) y sus profesionales. Los resultados señalan las contradicciones y dilemas vividos por los profesores de EBTT insertados en una carrera docente federal, sometidos a las demandas de alta productividad en la tríada docencia, investigación y extensión para el desempeño y la progresión, además de la necesidad de una formación continua para garantizar la promoción y el reconocimiento. carrera. La definición del perfil del educador de la primera infancia, en general, y su formación se encuentran aún en proceso de constitución, lo cual, unido a la precariedad laboral, para los docentes de la EBTT de la Unidad de Educación Infantil (UEI) de la Universidad Federal de Alagoas, la afirmación, el aprecio y el reconocimiento se convierten en desafíos expresamente planteados, en la búsqueda de construir sus carreras e identidad profesional.

Palabras clave: educación infantil; formación; carrera docente; productividad académica; identidad professional

ABSTRACT.

The study in question takes a look at the teaching work of Basic, Technical and Technological Education (EBTT) teachers working in university early childhood education, seeking to analyze their performance, formation and career and the constitution of their professional identity. It is based on the analysis of the subjectivity of teaching work and the constitution of the identity of the teacher based on the logic of productive restructuring of capital, in a dialectic perspective. The set of reforms implemented in Brazilian education in recent decades, directly impacted the teaching performance at all levels of education, causing significant changes in their daily practices and professionalism. For those who work in early childhood education, the effects are even greater due to its nature and an identity still under construction. The study takes a theoretical-critical line, adopting a qualitative approach, using bibliographic research as a procedure, centered on research and theoretical discussions on formation, professional identity, career and teaching productivity submitted to the logic of capital and on the nature of the Child Education Units (UEI) and their professionals. The results point out the contradictions and dilemmas experienced by EBTT professors inserted in a federal teaching career, submitted to the demands of high productivity in the triad teaching, research and extension for performance and progression, in addition to the need for continuing education to guarantee promotion and recognition career. The definition of the profile of the early childhood educator, in general, and of their formation are still in the process of being constituted, which, together with the precariousness of work, for teachers from the EBTT of the Infant Education Unit (UEI) of the Federal University of Alagoas, to affirmation, appreciation and recognition become challenges expressly posed, in the search to build their careers and professional identity.

Keywords: early childhood education; formation; teaching career; academic productivity; professional identity

Introdução

Nas últimas três décadas, profundas transformações marcam a história da educação no Brasil, em especial após a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) de 1996, e da série de reformas educacionais decorrentes dos ditames dos organismos multilaterais a serviço do capital internacional. Estas reformas atingem todos os níveis e modalidades da educação brasileira, com grande impacto nas carreiras, formação e atuação dos/as docentes, considerando que estes são elementos centrais para a concretização dos projetos neoliberais de adequações às demandas do capitalismo para superação da crise de seu sistema reprodutivo.

A educação infantil, com a nova LDB, Lei nº 9.394 (1996), passa a compor a primeira etapa da educação básica e começa a ganhar maior visibilidade no cenário nacional. Isso porque com o advento da Constituição Federal de 1988, esta etapa é reconhecida como necessidade e direito de todas as crianças, numa concepção pedagógica de complementação à ação da família e do dever do Estado de ofertar.

Assim, no conjunto das reformas educativas implementadas, a partir dos anos 1990, a educação infantil passa a ser incorporada pelos sistemas de ensino no bojo da garantia dos direitos da infância, fortalecida pela luta dos movimentos sociais pela expansão e melhoria do atendimento, como também pelo reconhecimento de sua especificidade e importância na trajetória escolar dos sujeitos, desde a mais tenra idade.

As políticas públicas para garantir o atendimento educacional a bebês e crianças pequenas, paulatinamente, vem conquistando espaço, na busca de viabilizar a sua garantia, a ampliação do acesso, a qualidade da oferta e a superação do caráter assistencialista, historicamente predominante.

A expansão da educação infantil, no quadro das reformas educativas, também se caracteriza pelos processos regulatórios produzidos pelo Estado como espaços de disciplinamentos e gestão da pobreza e do trabalho. As ditas reformas destacam mudanças no perfil profissional, até então aceito com qualquer formação para atuar nas creches, posto que eram vistos apenas como cuidadores. Todavia, com a nova regulação de educação infantil como direito desde os 0 aos 6 anos de idade, com as discussões quanto à função social da educação na primeira infância e à indissociabilidade entre cuidar e educar, o desempenho profissional é colocado como determinante para a qualidade do processo educativo, em todos os níveis, gerando novas exigências sobre a atuação docente e o reconhecimento do profissional da educação infantil, exigindo-se uma formação mínima condizente com o papel de educador, e sendo definidas garantias legais de condições de trabalho e plano de carreira. Contudo, a luta pela formação de seus profissionais e o reconhecimento da profissão é, hoje ainda, alvo de discussão e enfrentamentos no cenário brasileiro (Kramer, 2006).

A categoria docente, em todos os níveis, da educação infantil ao ensino superior, tem sido atingida diretamente pelas reformas educacionais neoliberais, reforçando a precarização da atividade docente com reflexos em todos os aspectos de sua vida, desde a formação, valorização e carreira aos aspectos pessoais e seus efeitos na vida cotidiana. Assim, a partir dos anos 1990, muitos estudos e investigações têm se efetivado tendo como foco a categoria trabalho docente no contexto da sociedade capitalista sobre diversificados leques de análises, embora, geralmente, tenham como fio condutor, independente da linha de pesquisa, a relação dialética, entre os distintos interesses que estipulam, determinam e medeiam o trabalho docente e os aspectos que o transcendem.

De certo que há aspectos que se aproximam e outros que se diferenciam quando se analisam os espaços de atuação dos/as docentes, até mesmo de uma mesma etapa ou modalidade de educação, posto que as especificidades das redes de ensino (pública ou privada) imprimem certas características. Nesta discussão, o enfoque é na análise da carreira dos/as docentes que atuam nas Unidades de Educação Infantil existentes nas Universidades Federais, partindo da perspectiva da lógica de produtividade capitalista que regula as atividades acadêmicas.

Muito embora, reconheçamos que a compreensão das interferências que as reformas neoliberais têm exercido sobre as relações de trabalho e produtividade dos profissionais da educação infantil das Universidades e as proposições da instituição para o atendimento nesta área ainda estão por ser melhor investigadas e aprofundadas, objetivamos aqui, ainda que brevemente, pelos limites postos, analisar como o trabalho docente de professores da Educação Básica Técnica e Tecnológica (EBTT) que atuam na educação infantil das Universidades Federais, vem se constituindo na perspectiva da formação, carreira e identidade profissional e de sua natureza nos âmbitos da tríade ensino, pesquisa e extensão, que medeiam as atividades docentes do magistério federal.

O estudo assume uma linha teórico-crítica, na perspectiva de destacar as condições de opressão e dominação históricas a que estão sujeitos os professores, adotando uma abordagem qualitativa, que no entendimento de Minayo (2006, p. 22-23), é capaz de “[...] incorporar a questão do significado e da intencionalidade como inerentes aos atos, às relações e às estruturas sociais, sendo essas últimas tomadas tanto no seu advento quanto na sua transformação, como construções humanas significativas”. Assim, nossa intenção foi buscar uma aproximação com os significados e os sentidos atribuídos pelos sujeitos no exercício cotidiano de sua vida profissional e no contexto social em que estão inseridos. Como procedimento, utilizou-se a pesquisa bibliográfica (Gil, 2008), de cunho teórico e histórico, a partir do levantamento de pesquisas e discussões teóricas sobre formação, identidade profissional, carreira e produtividade docente submetidos à lógica do capital, como os estudos de Abreu e Landini (2003), Fidalgo e Fidalgo (2009), Garcia, Hypolito e Vieira (2005), Kilp e Ruiz (2009), Vieira e Martins (2012) e Yamanoe (2013), e sobre a natureza das Unidades de Educação Infantil (UEI) universitárias e dos seus profissionais, como os estudos desenvolvidos por Raupp (2002, 2004), Pereira (2019), Santos (2019), Cardoso (2013) Vieira, Lopes, e Vieira (2013), Barros, Aquino e Pereira (2014) e Rocha (2019), além de legislações que tratam da carreira no EBTT, como as Lei 11.784 (2008) e Lei nº 12.772 (2012) e de regulamentação da UEI, como a Resolução nº 22 (2013)- CONSUNI/UFAL, de modo a fundamentar a análise do trabalho docente da carreira de EBTT na UEI da Universidade Federal de Alagoas (UFAL).

A identidade e carreira docente na lógica da produtividade acadêmica

Nos moldes do estado capitalista atual fundado na lógica expansionista de acumulação, o qual tem afetado, além dos campos da economia, as atividades sociais necessárias à sua reprodução, dentre elas a educação, a característica dialética de interesses antagônicos se aprofunda ainda mais, diante das estratégias de ações corretivas para manutenção dos processos de acumulação que têm se processado. Assim, o contexto de reformas educacionais implementadas nas últimas décadas, em várias partes do mundo capitalista, submetendo a adequação das políticas educacionais e curriculares aos preceitos neoliberais, tem fomentado mudanças significativas na natureza do trabalho docente.

O pragmatismo e o utilitarismo dão o tom da cultura escolar, do currículo e da educação, agora alinhados às necessidades do mercado. Trata-se de um controle interpelador que atinge o professorado, ferindo sua autonomia e sua capacidade de concepção, afetando também sua integridade física e emocional, com efeitos, inclusive, sobre a identidade do professorado (Vieira & Martins, 2012, p. 93).

Considerando o atual estágio do capitalismo, principalmente, em realidades como a brasileira, de capitalismo periférico, cujas políticas educacionais têm voltado seu foco para o desenvolvimento econômico do país, atrelando a educação às necessidades do mercado, o trabalho docente assume tanto a especificidade da produção de sujeitos produtivos como também passa a ter como característica básica a própria lógica de produtividade.

Para conformação a esta lógica, profundas mudanças no mundo do trabalho passam a se instituir a partir das ditas reformas. Concomitantemente, políticas trabalhistas, previdenciárias e educacionais são implementadas através de diversos dispositivos legais, transformando o conjunto do trabalho docente, tanto em nível básico quanto superior. Fernandes e Leite (2013) destacam o quanto essas medidas implementadas para cumprimentos dessas agendas político-econômicas têm gerado efeitos nos modos de organização, gestão e nos modos de desenvolver o ensino. “Os professores, enquanto actores centrais têm sido estimulados para novos desafios profissionais que exigem um acréscimo de atividades e de responsabilidades” (Fernandes & Leite, 2013, p. 40). Para as autoras, “[...] o campo de ação do ensino superior, nomeadamente, marcada pelo exercício da docência e o da investigação, tem conferido uma perda de estatuto social dos professores” (Fernandes & Leite, 2013, p. 40), questão relacionada ao aumento de tarefas e da perda da qualidade, controle e sentido sobre o seu trabalho. O que se estende, a nosso ver, à ação de todos/as os/as docentes do magistério federal.

Outro estudo (Yamanoe, 2013) destaca que a produtividade requerida do professor no âmbito da universidade, para além do ensino, se traduz na intensificação de pesquisas visando angariar recursos, disputas de editais de fomento, patentes, elevação do quantitativo de publicações, orientações de pesquisas de iniciação científica e de pós-graduação, e diversas outras produções acadêmicas requeridas. Questões essas que apontam para a legitimação de uma subjetividade docente pautada na incondicional produção do conhecimento e total dedicação ao trabalho.

Esta lógica engloba todos os/as docentes da esfera administrativa federal, mas em se tratando dos/as professores/as da educação básica, cuja atividade esteve culturalmente atrelada mais diretamente ao ensino, a constituição de suas carreiras no âmbito do magistério federal, gera ainda mais conflitos identitários e ideológicos, uma vez que partícipe de uma carreira equalizada ao magistério superior, submete-se às mesmas regras de produtividade que estes, embora com especificidades nas práticas pedagógicas direcionadas ao atendimento de crianças, no caso, da educação infantil, que abordaremos mais adiante.

Adentrar numa análise da subjetividade do trabalho docente ajuda na compreensão da constituição da identidade do professor dentro dessa lógica de reestruturação produtiva do capital. Assim, numa perspectiva ontológica da categoria trabalho, para o entendimento dos processos de objetivação e subjetivação sociais que ocorrem no ser, o trabalho é visto como a categoria fundante do ser social. São nas relações sociais de trabalho, no decorrer dos modos de produção, que os processos de sociabilidade vão se constituindo. Tais processos não são, portanto, puramente objetivos, pois também possuem uma carga de subjetividade intrínseca à natureza social humana. Segundo Bock, Furtado e Teixeira (2008, p. 23), a subjetividade,

[...] é a síntese singular e individual que cada um de nós vai constituindo conforme vamos nos desenvolvendo e vivenciando as experiências da vida social e cultural; é uma síntese que de um lado nos identifica, por ser única; e de outro lado nos iguala, na medida em que os elementos que a constituem são experienciados no campo comum da objetividade social.

Os autores ainda ressaltam que a subjetividade não é inata ao indivíduo, “[...] ele a constrói aos poucos, apropriando-se do material do mundo social e cultural (a expressão subjetividade coletiva), e faz isso ao mesmo tempo em que atua sobre o mundo, ou seja, é ativo na sua construção” (Bock et al., 2008, p. 23). Nesta via de pensamento, Yamanoe (2013) destaca que há uma intrínseca relação entre a subjetividade e a objetividade, constituída nas relações sociais objetivas de produção e reprodução da vida humana. Assim, “[...] a subjetividade do trabalhador no capitalismo constitui-se atrelada à sua função produtiva e, com os avanços das forças de produção, especialmente a partir do modelo toyotista de gerenciamento do trabalho, outras particularidades são agregadas a essa subjetividade” (Yamanoe, 2013, p. 5).

Para compreender a constituição da identidade docente na lógica de produtividade capitalista é inevitável compreender a natureza e especificidade de seu trabalho, considerando que esta não é alheia às condições objetivas as quais se submete.

A especificidade do trabalho docente, não-material, traz à tona reflexões e posicionamentos divergentes sobre o papel deste tipo de trabalho na sociedade capitalista. Segundo a concepção marxista,

Do ponto de vista do processo de trabalho em geral, apresentava-se como produtivo aquele trabalho que se realizava num produto, mais concretamente numa mercadoria. Do ponto de vista do processo capitalista de produção, junta-se uma determinação mais precisa: é produtivo aquele trabalho que valoriza diretamente o capital, o que produz mais-valia [...] (Marx, 1985, p. 109).

Levando em conta a premissa marxiana, pode-se considerar que o trabalho do professor não resulta em produto materializado, posto que não há possibilidades de extração de mais-valia no ato de dar aula. No entanto, como defendem Abreu e Landini (2003, p. 3),

[...] o trabalho docente, assalariado, está atrelado à produção de mais-valia na medida em que está vinculado à formação da força de trabalho. Neste sentido, ainda que não diretamente produtivo, o trabalho do educador e do professor estão vinculados à lógica produtiva.

Yamanoe (2013, p. 8), acrescenta que,

[...] se diretamente na prática do trabalho de dar aula não é possível explorar a mão-de-obra do professor, a intensificação do trabalho, atrelada a outras atividades, realiza esse controle. Na especificidade da docência do Ensino Superior há, ainda, a pesquisa e a extensão (além do ensino) como atividades essenciais. Nesse sentido, a produtividade do trabalho docente passa pela exigência de produção científica, constituição de grupos de pesquisa, orientações de diversas naturezas, extensão universitária, além da elevada carga horária em sala de aula.

Abreu e Landini (2003) corroboram que ambos os trabalhos, material ou imaterial, podem estar vinculados ao processo de produzir mais-valia, pois ainda que um trabalho determinado não esteja imediatamente vinculado ao processo de mais-valia, ele precisa ser considerado a partir de seu papel na lógica de valorização do capital.

Partindo dessa lógica, constata-se uma paradoxal questão: a improdutividade do trabalho do professor sob a ótica econômica fetichista do capital e, ao mesmo tempo, a alta produtividade exigida desse trabalhador pelo sistema. Consideradas as especificidades da docência nos diferentes níveis de ensino e, principalmente no âmbito universitário, a construção da subjetividade docente destaca-se como elemento composto de diversas contradições no modelo neoliberal vigente. Hypolito, Vieira e Pizzi (2009), apontam que essas mudanças têm afetado profundamente a identidade docente e possibilitado novas discussões sobre os encargos e sobrecargas que o trabalho no magistério os obriga a experimentar. Esses Tais mudanças, de natureza pós-fordista, interferem tanto nos corpos como também no emocional, fazendo com que os processos de intensificação se internalizem e se transformem. Assim, a identidade docente acaba sofrendo intensas influências das múltiplas representações veiculadas socialmente, como destacam Garcia et al. (2005, p. 47):

Tratar da identidade docente é estar atento para a política de representação que instituem os discursos veiculados por grupos e indivíduos que disputam o espaço acadêmico ou que estão na gestão do Estado. É considerar também os efeitos práticos e as políticas de verdade que discursos veiculados pela mídia impressa, televisiva e cinematográfica estão ajudando a configurar. A identidade docente é negociada entre essas múltiplas representações, entre as quais, e de modo relevante, as políticas de identidade estabelecidas pelo discurso educacional oficial.

Com base na teoria das múltiplas representações pela qual se embasam, os autores apresentam um conceito de identidade profissional:

Por identidade profissional docente entendem-se as posições de sujeito que são atribuídas, por diferentes discursos e agentes sociais, aos professores e às professoras no exercício de suas funções em contextos laborais concretos. Refere-se ainda ao conjunto das representações colocadas em circulação pelos discursos relativos aos modos de ser e agir dos professores e professoras no exercício de suas funções em instituições educacionais, mais ou menos complexas e burocráticas (Garcia et al., 2005, p. 48).

No cerne da universidade, espaço de produção do conhecimento, a lógica produtivista se impõe, exigindo aceleração da produção como requisito de desenvolvimento da carreira docente e formas burocratizadas de controle são instituídas a fim de regular a eficiência docente. Fidalgo e Fidalgo (2009, p. 94, grifo dos autores), sobre essa questão observam que

[...] o desenvolvimento da lógica produtivista imposta por instrumentos e instituições reguladores (geralmente, avaliadoras) do trabalho docente universitário tem, paulatinamente, confrontado a identidade desse campo com as formas reestruturadas (para não dizer que são ‘novas’) de conformação da sua objetividade, mas principalmente da sua subjetividade.

As novas práticas gerencialistas exigem cada vez mais intensificação dos processos do profissionalismo. Assim, Kilp e Ruiz (2009) defendem que não existe algum tipo de subjetividade que não se constitua pelos discursos de verdade que os aceita como verdadeiros e pelos quais organiza seu modo de viver. A subjetividade é uma construção complexa que envolve práticas e verdades que legitimam sua atuação. Neste sentido é que as verdades que os sujeitos acreditam e aceitam têm um impacto decisivo sobre suas vidas pessoal e profissional e, consequentemente, na identidade profissional.

A política neoliberal que regula a carreira dos/as profissionais docentes do magistério federal, com atuação no ensino superior ou na educação básica, técnica e tecnológica, é fortemente marcada pela lógica da produtividade mercadológica de um modelo mercantilizado de educação. Na rede federal, seja do ensino superior, profissional ou básico, a luta dos espaços para sobreviver e obter recursos para garantir pesquisas e outros projetos, além da relação direta com os planos de carreiras, conduzem à submissão a esta lógica que cada vez mais precariza, intensifica e impacta na atuação, na vida e na saúde dos/as trabalhadores/as docentes.

Assim, é a partir dessa logicidade produtivista, ancorada nos ditames do capital, que adentramos na análise do trabalho, carreira e identidade profissional de docentes do EBTT lotados em uma UEI universitária e nas relações e contradições que se tecem nessa dialética.

Um olhar sobre o trabalho docente, a identidade profissional, carreira e formação de docentes do EBTT atuantes na Educação Infantil

As pesquisas sobre as Unidade Federais de Educação Infantil nas Universidades ainda são pouco conhecidas. Destacam-se as realizadas por Raupp (2002, 2004) que são sempre referenciadas quando se trata de analisar a origem, atuação e funcionamento dessas unidades. Esta autora aponta que as unidades de educação infantil nas universidades surgem a partir dos anos 1970 e advém da ebulição dos movimentos sociais e das lutas femininas por creches para a mulher trabalhadora daquele período, fomentando também a luta das comunidades universitárias pelo direito à assistência à criança na ausência das mães estudantes ou servidoras. Pauta que foi sendo incorporada pela esfera governamental federal e criadas creches nas estruturas de algumas universidades. Raupp (2002, 2004) levantou a existência de 26 UEI, dentro de 19 Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) no país. A maior expansão se deu entre os anos de 1980 e 1992, influenciada pela garantia da educação infantil como direito na Constituição Federal de 1988 e dos avanços e crescimento da área como campo de pesquisa e formação.

Nos estudos de Raupp (2004), quanto à natureza e atuação das Unidades, a autora deduz que poucas são as que têm conseguido dar respostas na direção de uma prática que alie ensino, pesquisa e extensão, embora estes sejam os aspectos que parecem iluminar o debate sobre a pertinência dessas unidades no âmbito universitário. Estudos mais recentes (Vieira, Lopes, & Vieira, 2016; Barros, Aquino, & Pereira, 2014; Pereira, 2019) já trazem outras perspectivas de atuação e ampliação nas ações de pesquisa, extensão e formação docente, resultantes das mudanças nos quadros de profissionais, ocorridas nas últimas décadas, e da mobilização dos seus principais autores para resistir aos processos de municipalização da educação infantil das universidades e pela permanência e continuidade desses espaços de apoio acadêmico.

Quanto ao quadro profissional docente da educação infantil universitária, vale ressaltar que, de acordo com a pesquisa de Raupp (2004), pouco mais de dois terços dos/as professores/as possuíam vínculo com as IFES, ou seja, eram pertencentes à carreira do ensino básico da própria universidade. Outra parte eram técnicos administrativos somados a servidores e professores advindos de convênios com as prefeituras ou contratados. Este era o caso da Unidade de Educação Infantil da Universidade Federal de Alagoas, até meados de 2014, quando ocorreu o primeiro concurso público para professores do EBTT para atuar na Unidade e a nomeação de cinco docentes pela referida universidade. Até então, a UEI, desde o seu surgimento, no ano de 1984, funcionou com recreadoras contratadas pela Fundação Universitária de Desenvolvimento de Extensão e Pesquisa (FUNDEPES) e, entre 2002 e 2014, com professores/as da rede municipal de Maceió cedidos por meio de um Termo de Cooperação Técnica com a UFAL (Rocha, 2019). Esta nova realidade, a partir da chegada das docentes1 do EBTT, tem suscitado um novo desafio para a unidade e para todos aqueles que a compõem e, em especial, para as novas profissionais, principalmente no que diz respeito à efetivação de uma carreira recente, até então, inexistente no contexto da educação básica dentro dessa universidade, suscitando uma política interna para esta área de atuação que precisa ser pensada, estruturada e construída.

Pereira (2019) reforça que pouco mudou quanto à realidade dos profissionais que atuam nas UEI. Ressaltam-se alguns concursos realizados na última década que permitiram algumas contratações efetivas de docentes, como foi o caso da UFAL, sendo os quadros ainda complementados por estagiários, professores terceirizados e até professores voluntários em algumas unidades. No caso da UFAL, ainda com parte do corpo docente sendo cedido pelo município de Maceió.

As docentes efetivas são pertencentes à carreira do magistério de Ensino Básico, Técnico e Tecnológico (EBTT). Esta carreira, criada e normatizada pela Lei nº 11.784 (2008), antes era nominada de magistério federal de 1° e 2° graus e abarcava os quadros de profissionais docentes das antigas Escolas Técnicas Federais, Escolas Agrotécnicas Federais, Colégios Militares e Colégio Pedro II, continuando nos Centros Federais de Educação Tecnológica (CEFET). A mudança na legislação visava reorganizar o magistério federal e as concepções acerca da carreira docente por parte do governo, além de visar atender às demandas inerentes à criação dos Institutos Federais de Educação (IF) e à expansão da rede federal de educação profissional, científica e tecnológica no país, a partir de 2008. Essa expansão e reestruturação trouxeram necessidades de reorganização também da carreira dos/as professores/as para atender às novas configurações dos cursos dos IF e recentes adequações de ordem legal foram instituídas entre 2012 e 2013.

A carreira de magistério de EBTT desde sua criação até a data de 1º de março de 2013 (entrada em vigor), a partir de sua estruturação pela promulgação da Lei 12.772, de 28 de dezembro de 2012, estava sem regulamentação levando a entendimentos errôneos. A Lei supracitada dispõe sobre a estruturação do Plano de Carreiras e Cargos de Magistério Federal; sobre o Plano de Carreira e Cargos de Magistério do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico e sobre o Plano de Carreiras de Magistério do Ensino Básico Federal, de que trata a Lei nº 11.784, de 22 de setembro de 2008. De acordo com Lei foi estruturado, a partir de 1º de março de 2013, o Plano de Carreiras e Cargos de Magistério Federal, composta por quatro Carreiras e cargos, dentre as quais está a Carreira de Magistério do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico, composta pelos cargos de provimento efetivo de Professor do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico, de que trata a Lei nº 11.784, de 22 de setembro de 2008 (Brito & Caldas, 2016, p. 89).

Com a Lei nº 12.772 (2012), são equalizadas as carreiras dos/as docentes do magistério federal e tanto a carreira de magistério de EBTT quanto a de magistério superior passam a compor o mesmo Plano de Carreiras e Cargos de Magistério Federal, ressalvadas apenas distinções de denominação nas classes. E assim, os/as docentes a elas pertencentes passam a estar sujeitos às mesmas exigências de atuação e de promoção na carreira. Para além da rede federal de educação profissional e tecnológica, os/as docentes do EBTT passam também a atuar na educação básica nos Colégios de Aplicação e nas Unidades Universitárias de Educação Infantil.

No concurso público para a carreira EBTT, é exigido, como formação mínima, diploma de curso superior em nível de graduação. Há critérios para a promoção por titulação e desempenho. Sendo que para a última classe da carreira, de professor titular, há as exigências de o professor possuir título de doutor, ser aprovado em processo de avaliação de desempenho e, além disso, lograr aprovação de memorial que deverá considerar as atividades de ensino, pesquisa, extensão, gestão acadêmica e produção profissional relevante, ou de defesa de tese acadêmica inédita (Brasil, 2012). Essas exigências tendem a assegurar maior qualidade do quadro docente. No processo de avaliação docente as atividades de ensino, pesquisa e extensão estão presentes em todos os níveis de promoção da carreira. De fato, as professoras precisam desenvolver além do ensino, que é inerente ao cargo, pesquisa e extensão por estarem dentro da universidade federal e de acordo com a exigência do cargo EBTT, a tríade universitária ser condição sine qua non para lograr a promoção à classe subsequente (Pereira, 2019, p. 78).

No âmbito da UFAL, desde 2006, já havia contratação de docentes dessa carreira, porém, para atuação nos cursos técnicos da Escola Técnica de Artes (ETA) da Universidade, cuja natureza se assemelhava aos cursos superiores da área de artes da instituição, e, portanto, não possuíam ainda regulamentação interna. Assim, para as docentes da UEI recém-chegadas à UFAL, não havia um parâmetro de atuação, inclusive para os primeiros processos de avaliação de desempenho e de estágio probatório, sendo submetidas aos mesmos instrumentos avaliativos utilizados para os/as docentes do magistério superior e pelas mesma normativas, assim como era com os/as docentes da ETA, embora na prática, as condições de atuação na UEI fossem bastante discrepantes, a começar pela jornada de atividades de ensino na educação infantil que abarcava metade de suas cargas horárias, além de nenhuma condição estrutural no local de trabalho para o desenvolvimento de atividades de pesquisa e extensão (Rocha, 2019).

A UEI atende a crianças de 2 a 5 anos e 11 meses, em turmas de creche e pré-escola, filhas de estudantes e servidores da Universidade e da comunidade circunvizinha. É vinculada à Unidade Acadêmica Centro de Educação (CEDU) e tem como finalidade integrar as atividades de ensino, pesquisa e extensão relacionadas com a criança na faixa etária da Educação Infantil, de acordo com a Resolução nº 22 (2013) CONSUNI/UFAL, de 08 de abril de 2013 e a Resolução nº 74 (2019), de 12 de novembro de 2019. A chegada das professoras EBTT fomentou novas configurações nos direcionamentos das ações da UEI para atender às especificidades de suas carreiras que, inseridas/os no magistério federal, além do ensino, precisam desenvolver atividades de pesquisa e extensão, o que antes era realizado esporadicamente por professores/as das graduações ou pós-graduações. Ademais, aponta Rocha (2019) que a Unidade ainda evidenciava a necessidade de aprofundar questões básicas e relevantes de sua natureza e funções, especialmente quanto à qualidade do atendimento - educar e cuidar - prestados às crianças e dos demais fins para o qual existia. Papel que exigia a constituição de novos referenciais teórico-práticos, atualização do projeto político pedagógico e criação de documentos normativos para as ações educativas, que superassem criticamente o modelo assistencialista-educacional, ainda muito presente, e que constituíssem possibilidades de novas ações e práticas de inovadoras experiências, uma vez que está acolhida no seio da produção do conhecimento e carrega a responsabilidade de ser referência em educação infantil para outras escolas no entorno, tanto nas práticas educativas quanto na produção acadêmica e na democratização dos saberes produzidos junto à comunidade.

Este era e ainda continua sendo um dos grandes desafios dessa e de outras UEI. As pesquisas (Raupp, 2004; Cardoso, 2013; Pereira, 2019) apontam que não tem sido uma tarefa fácil, pelos entraves que perpassam uma cultura de concepções contraditórias entre o saber e o fazer, pelas limitações da estrutura administrativa e pedagógica e pela necessidade de ser considerada a formação das profissionais que atuam nesse âmbito da educação básica. Em seu processo formativo, faz-se necessário que o/a professor/a se aproprie de diversos conhecimentos que lhe possibilitem exercer uma prática educativa reflexiva e interventiva. Por outro lado, conforme Alves (2006), a definição do perfil de educador de creche e de sua formação encontra-se ainda em processo de constituição. Os/as docentes que atuam nessa área de educação ainda estão em busca de uma identidade profissional. Do mesmo ponto de vista, Haddad (2009) discorre que todas as peculiaridades que cercam a educação infantil apontam para um campo profissional altamente complexo e frágil, com uma identidade difusa e ainda não totalmente consolidada, situação essa que fragiliza também a construção de uma identidade sólida para o profissional docente da área. Reis et al. (2014), defendem que a formação inicial e/ou continuada do/as docentes da educação infantil,

[...] é entendida como um conjunto de processos e ações que possibilitam a reflexão dos/as professores/as sobre a prática, articuladas às reflexões teóricas, políticas e aos fazeres e saberes pedagógicos. Desta forma, contribui para que haja a construção de conhecimentos e os professores/as possam ampliá-los a partir do pensar sobre suas experiências articulando teoria/prática. Esta concepção de formação está para além do espaço das creches/escolas; está ligada à melhoria das condições de trabalho, à maior autonomia e à potencialidade de ação dos/as professores/as, no coletivo ou individualmente, ou seja, ao seu desenvolvimento profissional integral: carreira, valorização, aperfeiçoamento, piso salarial e condições adequadas de trabalho (Reis et al., 2014, p. 27).

No que tange às unidades de educação infantil universitárias e aos/às professores/as do EBTT, os embates acerca de seu desenvolvimento profissional e identidade, são ainda mais intensificados mediante os melindres da consolidação da própria área educacional, as especificidades de uma carreira no magistério federal, frente às políticas neoliberais que a regem, a uma pesada lógica de produtividade para progressão e promoção na carreira, e à consequente pressão da formação continuada no âmbito da pós-graduação, além das extensas e desgastantes jornadas de trabalho em sala de aula e precárias condições de trabalho, que vão desde a escassez de material pedagógico e equipamentos, à política de qualificação, que, no caso da UEI/UFAL, sequer possibilita afastamentos para esse fim, obrigando as docentes a enfrentarem a pós-graduação, trabalhando integralmente e dando conta de todas as atribuições inerentes às suas funções.

Considerações finais

O exercício da docência é sempre marcado por contradições e dilemas caracterizados na relação dialética entre os distintos interesses e forças que o regem. Debruçar-se sobre essa questão numa análise do trabalho, formação e carreira profissional de docentes do EBTT, atuantes na educação infantil das universidades é importante, pois estes/as profissionais existem e têm uma contribuição social relevante no campo da educação das infâncias. São muitas vezes invisibilizados/as dentro da própria Universidade pela amplidão das ações acadêmicas, produções científicas, culturais e formativas, mas também pelas concepções e valores sociais produzidos e reproduzidos na academia.

Segundo Cardoso (2013), no que se refere à formação e à profissionalização, cujo exercício se especifica em cuidar e educar, o campo de investigação científica tem

[...] desvelado várias problemáticas, sobretudo aquelas que se referem às lacunas de valorização dos/as profissionais, pois a concepção vigente revela que quanto menor a criança com a qual o/a professor/a trabalha, menor o reconhecimento da importância do trabalho que ele/ela realiza (Cardoso, 2013, p. 59-60).

Essa compreensão aponta para uma concepção de valorização do trabalho docente pautada nos graus de ensino, o que significa que a atividade docente ainda é valorada socialmente pela atuação do/a profissional, sendo que quanto mais baixo o nível e/ou etapa de ensino, menor o reconhecimento social do/a profissional docente.

Embora equalizadas as carreiras do magistério federal, ainda é comum a discriminação entre as duas carreiras (EBTT e magistério superior) no meio acadêmico e na sociedade, personificando-se na histórica valorização social da atividade docente a partir do nível de ensino de atuação do profissional. Quanto mais elevado, mais valorizado, independentemente, do grau de formação acadêmica.

Internamente, nesta UEI em particular, o conflito identitário também se destaca, frente ao fato de serem professoras da educação básica (educação infantil), mas regidas pela lógica da carreira profissional do Magistério Federal. Dividir o exercício de suas funções com professoras de outra rede, com outras condições de trabalho, de formação e de carreira, consequentemente, de salários e de valorização profissional, já que parte das turmas é assistida por professoras da rede municipal com vínculos efetivos e com vínculos temporários, tem gerado diferenças gritantes entre profissionais com díspares realidades de carreira, mas nas mesmas condições e espaços de docência. Essa realidade, tão adversa e contraditória, revela faces da precarização do trabalho dessas docentes e também contribui para acirrar os conflitos identitários, dificultar a consolidação de um serviço de qualidade referenciada, além de ser uma fórmula com real poder de implosão sobre a saúde física e emocional dos sujeitos envolvidos, o bem-estar institucional e, consequentemente, o comprometimento do potencial do grupo.

Assim, para estas professoras que ora atuam na UEI/UFAL, a afirmação na carreira e sua consequente valorização e reconhecimento são desafios expostamente colocados no campo de atuação, no meio acadêmico, na sociedade como um todo e na busca subjetiva e objetiva de construírem-se profissionalmente. Desafios estes que se apresentam em várias frentes de embates: regulamentação da distribuição da carga horária para garantir o desenvolvimento da pesquisa e extensão, além do ensino; afirmação, reconhecimento e igualdade de condições materiais de trabalho e de valorização profissional no âmbito acadêmico; contribuições teórico-práticas no sentido de melhorias e qualificação do atendimento prestado e da disseminação de uma concepção de infância que fomente a valorização da criança enquanto sujeito social e de direitos; a construção de novas possibilidades de atuação e inserção nos diversos espaços de discussão, representação profissional e de gestão nas instâncias da Universidade; consolidação enquanto pesquisadores e construção de perspectivas de crescimento e desenvolvimento na carreira profissional; enfretamentos para o fortalecimento da UEI e da busca de investimentos, melhorias, regulamentação institucional e garantias mínimas de subsistências da Unidade nas atividades que desenvolvem; isonomia na política interna de qualificação docente da universidade; e outras condições mínimas que permitam um ponto de equilíbrio entre as exigências postas pelo modelo capitalista vigente de regulação, alta produtividade acadêmica e desempenho docente com condições de vida pessoal, social e familiar, alicerçadas em princípios de qualidade de vida e dignidade humana.

Embora se reconheçam todos esses desafios e seus consequentes impactos na atuação das docentes do EBTT dessa e de outras UEI das universidades federais, pesquisas afirmam que elas

[...] têm contribuído para a qualidade da educação das crianças, pois se constituem espaços que buscam responder as demandas e os desafios postos para a educação infantil pública. Além de caracterizarem-se, para além de campo para a educação de crianças, como espaços de excelência para a formação acadêmica e profissional, lócus privilegiado também para a realização de pesquisas e projetos de extensão para a produção e socialização de conhecimentos relativos à primeira infância (Pereira, 2019, p. 79).

Na UFAL, essa legitimação vem pouco a pouco se fortalecendo entre a comunidade acadêmica. A trajetória da Unidade, no que se refere ao atendimento destinado às crianças, sempre foi validada pelas famílias pelo diferencial de estar dentro da Universidade e de contar com aportes de profissionais técnicos lotados na unidade e dos cursos por meio dos estágios ou projetos de extensão, garantindo intervenções e acompanhamentos nas áreas de saúde, psicologia, nutrição, educação física, música e da própria pedagogia, comumente mais presente, além do cuidado e educação de boa qualidade ofertada às crianças.

Nos últimos anos, com a atuação das professoras do EBTT, muitas produções acadêmicas resultantes de pesquisas científicas ou de relatos de experiências desenvolvidas pelas docentes começam a despontar em eventos acadêmicos nacionais e internacionais e em publicações editoriais. Essas iniciativas têm se reverberado para as demais professoras da rede municipal que já começam a ensaiar produções próprias ou em parceria. As ações de extensão da UEI têm alcançado a comunidade escolar, fortalecendo a parceria escola e famílias, disseminando uma concepção de infância e de educação infantil que respeita e defende os direitos das crianças, fomentando encontros e formações continuadas, contribuindo para o desenvolvimento cognitivo, humano e social de toda a comunidade escolar e cumprindo um papel social importante.

São legados que podem ser atribuídos às ações e caminhos percorridos pelo grupo e indícios de uma afirmação do campo da educação infantil, no ensino, na pesquisa e nas ações de extensão na UFAL e se constituindo como espaço teórico-prático de produção, formação e democratização de conhecimentos na área. Assim, conclui-se que os resultados da atuação e do trabalho docente é relevante para imprimir sua natureza e desenvolvimento profissional e corrobora para a construção de uma identidade profissional que, no caso dessas docentes, começa a formar-se e afirmar-se, embora um longo e espinhoso percurso ainda esteja por ser trilhado, demandando assim, novos e mais profundos olhares e pesquisas mais focadas para o aprofundamento das análises, em outras contribuições.

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1Ao referir-se às docentes do EBTT da UEI/UFAL, serão utilizados os termos no feminino, considerando que não há nenhum homem entre o corpo docente dessa Unidade.

4Nota: Idnelma Lima da Rocha e Edna Cristina do Prado foram responsáveis pela concepção, análise e interpretação dos dados; redação e revisão crítica do conteúdo do manuscrito e ainda, aprovação da versão final a ser publicada.

Recebido: 16 de Setembro de 2020; Aceito: 17 de Março de 2021

* Autor para correspondência. E-mail: idnelma.rocha@cedu.ufal.br

Idnelma Lima da Rocha: Doutoranda em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em educação da Universidade Federal de Alagoas; mestre em Educação pela UFAL; licenciada em Pedagogia pela Universidade Estadual da Bahia. Professora EBTT da Universidade Federal de Alagoas. Membro do Grupo de Pesquisa Gestão e Avaliação Educacional - GAE/UFAL/CNPq. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3139-2233 E-mail: idnelma.rocha@cedu.ufal.br

Edna Cristina do Prado: Tem pós-doutorado pelo Instituto de Educação da Universidade de Lisboa; doutora em Educação pela UNESP, mestre em Educação pela PUC/SP, bacharel em Direito pela UNINASSAU, bacharel em Teologia pela FTSA, licenciada em Educação Física pela FEFISA, em Pedagogia pela UNIABC, em Letras pela USP, bacharel em Linguística pela USP, especialista em Psicologia, também pela USP, em Ecoturismo pela UFLA, em Tutoria em EaD pelo Senac/PR. Professora Associada III da Universidade Federal de Alagoas. Líder do Grupo de Pesquisa Gestão e Avaliação Educacional - GAE/UFAL/CNPq. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8226-2466 E-mail: wiledna@uol.com.br

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