SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.44O uso do método prosopográfico em história da educação a partir da revista ‘A Maçonaria no Estado de São Paulo’ (1912-1932)Ensino de filosofia e política: uma abordagem a partir de Hannah Arendt índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Compartilhar


Acta Scientiarum. Education

versão impressa ISSN 2178-5198versão On-line ISSN 2178-5201

Acta Educ. vol.44  Maringá  2022  Epub 01-Fev-2022

https://doi.org/10.4025/actascieduc.v44i1.54638 

HISTÓRIA E FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO

Percursos de educandos da EJA: memórias, realidades e sonhos em uma perspectiva humanizadora

Caminos de los educados de EJA: recuerdos, realidades y sueños desde una perspectiva humanizadora

Madson Pinto dos Santos1  * 
http://orcid.org/0000-0002-9407-2376

Rosária Helena Ruiz Nakashima1 
http://orcid.org/0000-0001-7798-6363

1Programa de Pós-Graduação em Estudos de Cultura e Território, Universidade Federal do Tocantins, Av. Paraguai, s/n., 77824-838, Araguaína, Tocantins, Brasil.


RESUMO.

As discussões neste artigo se basearam nos relatos de uma turma, incluindo alunos e professora, do 4º período, do 1º segmento, da modalidade de ensino de Educação de Jovens e Adultos (EJA), do município de Araguaína-TO, sobre os motivos de terem desistido dos estudos a partir de um demonstrativo de desumanização e desterritorialização de espaços, corpos e mentes. Resultado de injustiças, a vulnerabilidade é confundida com deméritos pessoais, pois imersos em mitos, os interlocutores pensam ser eles os responsáveis pelas intempéries incidentes e recorrentes em suas vidas. Sem condições de exercer a cidadania, porque expropriados de dignidade humana, decorrentes de constante e permanente vulnerabilidade, a perspectiva de futuro fica ofuscada e sem condições de autoajuda e altruísmo, porque culturalmente dependentes, o processo participativo na comunidade torna-se truncado, trazendo prejuízos para os indivíduos e coletividade. No entanto, encontram na EJA, espaço de aprendizagem e convivência, perspectivas para superação e transformação de realidades, de construção de relações de confiança em si e no outro e por isso mesmo colaborativas, viabilizando maior participação e sentimento de pertencimento na comunidade. Este artigo adotou a pesquisa participante como método e o círculo de cultura como técnica, que permitiram que o dizer dos participantes fosse problematizado, contribuindo para a construção da humanização dos sujeitos.

Palavras-chave: territorialidade; cidadania; humanização; Educação de Jovens e Adultos (EJA)

RESUMEN.

Las discusiones de este artículo se basaron en los relatos de un grupo, formado por estudiantes y un docente, del 4º período, del 1º segmento, de la modalidad de enseñanza de Educación de Jóvenes y Adultos (EJA), en el municipio de Araguaína-TO, sobre las razones de haber renunciado a estudios basados en una demostración de deshumanización y desterritorialización de espacios, cuerpos y mentes. A raíz de las injusticias, la vulnerabilidad se confunde con los deméritos personales, pues inmersos en los mitos, los interlocutores se creen responsables de los incidentes y malos tiempos recurrentes en sus vidas. Sin condiciones para ejercer la ciudadanía, porque se les despoja de la dignidad humana, fruto de la constante y permanente vulnerabilidad, se opaca la perspectiva de futuro y sin condiciones de autoayuda y altruismo, porque culturalmente dependientes, se trunca el proceso participativo en la comunidad, trayendo perjuicios para los individuos y la colectividad. Sin embargo, encuentran en la EJA, un espacio de aprendizaje y convivencia, perspectivas de superación y transformación de realidades, de construcción de relaciones de confianza en uno mismo y en el otro y por ende colaborativas, posibilitando una mayor participación y sentido de pertenencia en la comunidad. Este artículo adoptó la investigación participativa como método y el círculo de cultura como técnica, lo que permitió problematizar el discurso de los participantes, contribuyendo para la construcción de la humanización de los sujetos.

Palabras-clave: territorialidade; ciudadanía; humanización; Educación de Jóvenes y Adultos (EJA)

ABSTRACT.

The discussions in this article were based on the reports of a group, including students and a teacher, from the 4th period, from the 1st segment, of the Youth and Adult Education (YAE) teaching modality, in the municipality of Araguaína-TO, about the reasons for having given up on studies based on a demonstration of dehumanization and deterritorialization of spaces, bodies and minds. As a result of injustices, vulnerability is confused with personal demerits, because immersed in myths, the interlocutors think that they are responsible for the incidents and recurring bad weather in their lives. Without conditions to exercise citizenship, because they are expropriated of human dignity, resulting from constant and permanent vulnerability, the perspective of the future is overshadowed and without conditions of self-help and altruism, because culturally dependent, the participatory process in the community becomes truncated, bringing harm for individuals and the collectivity. However, they find in the YAE, a space for learning and coexistence, perspectives for overcoming and transforming realities, for building relationships of trust in themselves and in the other and therefore collaborative, enabling greater participation and a sense of belonging in the community. This article adopted participatory research as a method and the culture circle as a technique, which allowed the participants' speech to be problematized, contributing to the construction of the humanization of the subjects.

Keywords: territoriality; citizenship; humanization; Youth and Adult Education (YAE)

Introdução

O trabalho que segue é parte de uma pesquisa de mestrado, do Programa de Pós-graduação em Estudos de Cultura e Território, da Universidade Federal do Tocantins (UFT), cidade de Araguaína, Tocantins, durante o ano de 2019, de caráter teórico e empírico. Para tanto, poderíamos trazer importantes referências teóricas (Di Pierro & Haddad, 2015; Arroyo, 2017; Paiva, Haddad, & Soares, 2019) que se debruçam sobre a EJA, trazendo contribuições fundamentais às investigações desse campo de estudos. Entretanto, neste artigo mobilizamos as discussões de Paulo Freire, como autor central para as abordagens metodológicas e teóricas, garantindo-nos também largas possibilidades discursivas sobre o público atendido pela EJA.

A pesquisa teve como interlocutores 11 educandos, com idade entre 27 e 59 anos, e uma professora, de uma turma noturna, do 4º período, do 1º segmento, da Educação de Jovens e Adultos (EJA), que funciona em uma escola pública municipal, localizada nos arredores do centro da cidade, com público formado por discentes de diversos bairros, dos mais próximos aos mais distantes. Como tal, trata-se de uma modalidade de ensino, geralmente composta por alunos que tiveram seus percursos educacionais interrompidos ao longo da vida, em processos que podem ser caracterizados como desterritorialização (Haesbaert, 2016) de seus espaços físicos, de seus corpos e subjetividade.

Entendendo que os interlocutores possuem uma biografia de luta por sobrevivência e se encontram em um contexto que os desafiam a manter-se a caminho, com vista a superação de realidades precárias em prol de uma vida digna, o presente artigo se faz necessário, pois tem como objetivos perceber os elementos desterritorializantes que os forçaram a interromper os estudos quando eram jovens. Além disso, valorizar a EJA como espaço garantidor de aprendizagem e convivência e delinear os sonhos dos participantes da pesquisa, que buscam melhores condições de trabalho. Nesse sentido, o objetivo geral intenciona fazer o percurso de alunos da EJA tendo em vista suas memórias, realidades e sonhos, em uma perspectiva humanizadora, para o fortalecimento dos sujeitos e pertencimento na comunidade.

Inicialmente, neste artigo, as discussões se concentram sobre as causas apontadas pelos participantes da pesquisa que os impeliram a desistir da escola. As razões são diversas, contudo, prevalecem os marcadores sociais de gênero e de classe. Estas causas são analisadas teoricamente pelo prisma do conceito de territorialidade, melhor dizendo, de sua variante, da desterritorialização, lançando mão das discussões de Haesbaert (2016). Notar-se-á que este processo se caracteriza principalmente pela vulnerabilidade dos espaços, ou territórios dos sujeitos, que pode ser físico-geográfico, mas também no corpo e na mente, minguando as possibilidades de negociação. Assim, esses educandos foram sujeitados a condições indignas, caracterizando uma situação de opressão e, imersos, acreditam ser eles a causa das próprias desventuras e não resultado de injustiças (Freire, 2015).

Seguindo com as discussões, agora sobre o contexto atual, os participantes, desprovidos de conhecimentos sistemáticos e escolares, considerados ‘legítimos’ pela sociedade, desenvolvem trabalhos que lhes requerem basicamente tempo e energia física, com saldos apenas para a sobrevivência aventureira, do dia-a-dia, sem garantias para um futuro próximo às suas vidas, prejuízos que são reflexos de pauperização e exclusão, sendo humilhados e ofendidos, não raro sofrendo violência no corpo e na mente. Sem o gozo de plenos direitos e participação cidadã (Carvalho, 2012), somente realizável com participação de sujeitos autônomos e em processo de humanização ao longo da vida, o sentimento de pertencimento é enfraquecido, com prejuízos em produção e inovação, pois pouco colaboram porque pouco confiam em si e no outro, com danos para toda a comunidade.

Pensando no futuro, a EJA se mostra aos interlocutores como espaço de aprendizagem e de convivência, demonstrado pelos seus relatos e por documentos legais, que geram sentimento de pertencimento, porque se encontram envolvidos em um projeto comum, que deve ser guiado pelo que recomenda Delors et al. (1996), explanado por Noleto (2010) e Nunes (2011), para que se desenvolva a autonomia, a partir de atividades que prezem pela convivência respeitosa. Isso se reflete em benefícios que são cumulativos, possibilitando também angariarem postos de trabalhos e melhores condições de emprego, sempre em perspectiva de ‘ser mais’, em um avançar permanente; uma formação ao longa vida.

Caracterização metodológica da pesquisa

De acordo com os objetivos expressos anteriormente, e considerando o contexto de seus participantes, optou-se por uma metodologia qualitativa, visto que os dados analisados são a partir de relatos dos interlocutores. Nesse sentido, para que os trabalhos do pesquisador juntamente com os participantes da pesquisa fossem fidedignos e merecessem ser compartilhados, como aqui o fazemos, um fator deveria preponderar: a confiança; sabendo que, com público da EJA, “[...] confio em mim como sujeito responsável e autocontrolado, mas confio no outro como coparticipante na criação de conhecimento” (Streck, 2016, p. 542).

A construção da pesquisa deve ser conjunta, estabelecendo práticas sociais “[...] dialógicas e de confiança, que promovam uma interferência criativa e produtiva na vida da comunidade” (Streck, 2011, p. 489). Sob esse prisma, para as etapas da pesquisa e a relação com os participantes foi impreterível que os objetivos fossem explicitados, tal como Freire (2015, p. 144) recomenda dizer “[...] o porquê, o como e para quê da investigação que pretendem realizar”.

Assim sendo, é importante levar em consideração a relevância social a que se propõe qualquer que seja a ação, principalmente quando se trata de pesquisa científica. Um dos critérios é questionar sobre sua finalidade ou “[...] produção de conhecimento, que é o objetivo da pesquisa [...]” (Streck, 2016, p. 539), que pode ser traduzido como sendo relevante para os envolvidos.

Por isso mesmo, adotamos uma postura política que considerasse, no âmbito desta pesquisa, “[...] a neutralidade como uma impossibilidade; a objetividade como busca de comunicação com o outro; e a rigorosidade como compromisso profissional e ético” (Streck, 2011, p. 491). Com repercussões pedagógicas, sendo “[...] processo destinado a produzir conhecimentos aceitos como válidos e confiáveis, sendo o teste para este critério o seu potencial de gerar ações que modifiquem a situação-problema” (Streck, 2011, p. 494). Logo, tomamos esses cuidados, seguindo os princípios da pesquisa participante, porque:

[...] A investigação do pensar do povo não pode ser feita sem o povo, mas com ele, como sujeitos de seu pensar. E se seu pensar é mágico ou ingênuo, será pensado o seu pensar, na ação, que ele mesmo se superará. E a superação não se faz no ato de consumir ideias, mas no de produzi-las e de transformá-las na ação e na comunicação (Freire, 2015, p. 141).

Nesse sentido, foi necessário que se tomasse como base as próprias experiências e vivências dos interlocutores, do material-histórico, para pensarem, por conseguinte, suas contradições principalmente em situação concreta de opressão, desafiando “[...] respostas, não só no nível intelectual, mas no nível da ação” (Freire, 2015, p. 120). Nesse sentido, fez-se necessário manter uma postura atenta do pesquisador, de modo a “[...] não apenas ouvir os indivíduos, mas desafiá-los cada vez mais, problematizando, de um lado, a situação existencial codificada e, de outro, as próprias respostas que vão dando aqueles no decorrer do diálogo” (Freire, 2015, p. 157).

Para além das orientações destes autores e pelo exposto e regimentado pelo Comitê de Ética1, que aprovou o projeto para desenvolvimento desta pesquisa, a ação do pesquisador juntamente com os participantes inclui dinâmicas com diferentes nuances que escapam ao escopo do projeto, de maneira que mesmo prevendo as mais variadas situações, estas podem surgir de modo a surpreender até os mais experientes. Nesse sentido, lançamos mão da reflexividade, tendo em vista principalmente as condições dos participantes da pesquisa, considerando, não apenas os nossos objetivos, mas também a maneira como este conhecimento deve ser construído (Guillemin & Gillam, 2004), tendo em vista os benefícios e evitando possíveis riscos.

Foram realizados sete encontros durante toda a pesquisa de campo, com duração entre 60 a 120 min. cada, registrados com um gravador digital, com o consentimento dos participantes. Entretanto, o trabalho aqui apresentado, com adaptações para este veículo de divulgação, contempla o material e as discussões sobre o primeiro encontro, com relatos de nove participantes da pesquisa. Para tanto, fizemos uso do círculo de cultura, através de roda de conversa, que tiveram como objetivo estimular a expressividade dos interlocutores, tal como expressa o professor Ernani Maria Fiori, no prefácio da obra ‘Pedagogia do oprimido’, que:

[...] A rigor, não se ensina, aprende-se em ‘reciprocidade de consciências’; não há professor, há um coordenador, que tem por função dar as informações solicitadas pelos respectivos participantes e propiciar as condições favoráveis à dinâmica do grupo, reduzindo ao mínimo sua intervenção direta no curso do diálogo (Freire, 2015, p. 15, grifo do autor).

Desse modo, incialmente, foi necessário que os participantes compartilhassem suas experiências tendo em vista os motivos de terem interrompido os estudos quando mais jovens, percorrendo as vivências dos sujeitos para sabermos os fatores que os impediram de estudar, sobre o que fazem hoje e quais sonhos desejam alcançar. Sabendo que “[...] quanto mais investigo o pensar do povo com ele, tanto mais nos educamos juntos. Quanto mais nos educamos, tanto mais continuamos investigando” (Freire, 2015, p. 142).

Pautando-se na dimensão do respeito humano, a presente pesquisa rechaça a condição dos interlocutores como objeto, incitando-os, através da ação-reflexão-ação, problematizando-os para fins de avançar na humanização, para serem também construtores e beneficiários de saberes que se retroalimentam e que são cumulativos, de modo que lhes garantam liberdade e participação cidadã.

Caminhos percorridos: as imergências

Imaginar o território é imaginar sua população e os recursos para a sua sobrevivência. Tanto mais capacidade técnica a população dispõe, tanto mais recursos (alimentação, saúde, moradia, segurança etc.) possui. O território comporta relações de poder entre os indivíduos que o compartilham, configuradas numa infinidade de possibilidades a depender das condições materiais e conhecimento técnico dos sujeitos. Em ambientes de desigualdade, as disparidades costumam tomar dimensões exageradas, tendo a exploração espaço profícuo, gerando uma massa de gente oprimida, ou seja, de gente em situação desumanizante e com possibilidades de liberdades rarefeitas. Essa configuração possui um elemento reforçador: a falta de acesso aos estudos.

A falta de escolarização e incipiente capacidade técnica da população deixam muitos sujeitos em condições de vulnerabilidade para negociação de seus interesses, anseios, sonhos, tornando-os expostos aos mandos e desmandos de terceiros, refletidos principalmente nas condições de trabalho e no próprio sentimento que se estabelece com o lugar e as pessoas com quem se relacionam (Haesbaert, 2016). Fato que diferencia daqueles que gozam de segurança, exatamente por se encontrarem em situação mais favorável, de tal modo que:

[...] Para os atores hegemônicos o ‘território usado’ é um recurso, garantia de realização de seus interesses particulares. [...] Os atores hegemonizados têm o território como um abrigo, buscando constantemente se adaptar ao meio geográfico local, ao mesmo tempo que recriam estratégias que garantam sua sobrevivência nos lugares (Santos, 2006, p. 12-13, grifo do autor).

As condições materiais em que os sujeitos se encontram são determinantes para o acesso à educação, conforme os relatos de Silva e de Sousa:

Eu não estudei. Meus irmão era tudo mais pequeno que eu. Morava numa cidadezinha do interior. Emprego na rua você não achava. Você tinha que ir trabalhar nas fazendas. Você não tinha recurso pra ir pra escola. Tinha que trabalhar pra ajudar a mãe a criar o resto dos irmãos. Nunca teve jeito de ir pra escola. E aí quando as coisas foram melhorando [...] já era mais tarde (Silva).

Fiquei sem pai novinha. Eu tinha quatro anos de idade. Aí minha mãe foi criar oito filhos e aí fomos pra roça. E lá no Pará na época não tinha tantas coisas. Na época no Pará pra chegar um carro, uma condução lá, era a maior dificuldade porque a estrada de São Geraldo pra chegar bem aqui na Piçarra era quase um dia de viagem porque não tinha... Era só mata, mata, mata, mata. Então [...] quando [...] botava uma escolinha na Piçarra que levava o professor, tinha seis quilômetros da minha casa pra chegar nessa escola. Lá estudei cinco vezes ainda foi quando aprendi a fazer meu nome. Aí eu tive que sair porque não tinha animal. De pé ninguém dava conta (Sousa).

As frágeis condições materiais e físicas como a falta de transporte, por morar em lugares distantes, ir à escola torna-se inviável. As barreiras são tantas, que mesmo os mais perseverantes não resistem a tantos obstáculos. Mas em perspectivas conservadoras, o pobre não avança porque é caracterizado pela “[...] resignação, a passividade e o fatalismo, círculo de relações sociais restrito e pouco diferenciado, respostas voltadas ao imediato, aspirações limitadas e sentimento de inferiorização” (Kowarick, 2009, p. 34).

Os impedimentos se apresentam também noutras formas, como questões de gênero. Note-se as razões da Monteiro:

No meu tempo era assim. Eu ouvia minha mãe falando que a moça tinha que casar nova, tinha que casar, sair da casa dos pais porque não podia... E tinha que casar... né... pura. E logo, logo, [...] me casei muito nova. Criança mesmo. O pai dos meus filhos é mais velho que eu quase trinta anos. E ele é assim, na época a gente era bem humildezinha mesmo de tudo e eles tinham condição e aí.... Naquele tempo, meu pai achava e minha mãe que casar que era importante, não era estudar. Sair de casa casada que era o certo. Casada, ter sua casa, seus filhos. E viver lá, quieto (Monteiro).

As condições da Monteiro envolvem outros elementos que provocam um tanto de questões, porque ainda criança tornou-se objeto, de maneira a cumprir com tarefas além de sua capacidade de compreensão. À Monteiro, foi negado a possibilidade de desenvolvimento de suas potencialidades, de crescer em um ambiente familiar protetivo, e muito cedo teve que assumir responsabilidades que estavam além de suas capacidades físicas, emocionais e cognitivas. É completamente exposta a um outro ambiente, outro território que não lhe pertence e que não é familiar, expondo-a a regras das quais não tinha o menor conhecimento, porque deste jogo de adultos e experientes, ela não tinha consciência.

Eu casei então... Casei muito nova. Tive meus filhos. E o pai dos meus filhos como tinha condição, ele chegava e falava, ‘você não precisa de estudar. Sair de casa pra quê? Você tem tudo em casa’. Eu não podia sair, eu não tinha amizade. As pessoas não iam na minha casa porque não podia ir. Eu vivia presa (Monteiro).

Foi negligenciado à Monteiro direitos básicos, na condição ainda no início de sua adolescência, tais como aqueles atualmente expressos no Estatuto da Criança e Adolescente (ECA) que diz no Art. 4º:

É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária (Brasil, 1990, p. 11).

As faces da opressão tomam formas várias. No caso da Danta se constituiu assim:

Minha mãe nunca deixou que nós não estudasse. Nós é que não aprendia. O motivo, a gente morava na beira da Transamazônica, ali 32 km pra cá de Araguatins. Aí meu pai juquireiro. Aquela mesma história. Nós tinha que sair pra trabalhar de doméstica. Chegava lá a patroa se aproveitava. Que nós vinha da roça pra aproveitar do nosso suor. Na verdade, eu estudava, só que não aprendia porque o motivo a gente ia pra cozinha dos outros, saia de lá ia pra roça e quando saia da cozinha dos outros e ia pra roça a gente tinha que caminhar três km para ir pra escola e voltar que era na Transamazônica num povoado chamado Macaúba ali perto de Araguatins. E desse vai e vem da vida você pega muito sol, poeira. Já chega estafado. E aquela luta, vai pra roça caminha três km. E aquele trem foi... a gente não foi mais se interessando. O período de chuva, sol, a gente ficava muito judiado andando no sol quente pra lá e pra cá. Aí a gente não se interessa. [...] A gente foi crescendo nesta luta de querer aprender (Danta).

A violência se reproduz, porque tais serviços não levam em conta as condições físicas e cognitivas das crianças, sendo expostas a um variado arcabouço de exploração, com lista infindável em suas formas e outras até inomináveis de tão abjetas.

Neste cumular de tragédias, fica a sensação de derrotismo e de incapacidade por parte de quem sofre, porque passam a agir como sujeitos que não aprendem, porque não possuem inteligência, quando na verdade lhes é roubado a energia vital e canalizadas para se curvar a limpar as sujidades das latrinas e os resquícios dos pratos fartos dos opressores, segundo Galtung (2003) constituindo-se em violências no corpo e na mente. Hoje, o trabalho infantil é expressamente reprimido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) que diz no Art. 5º o seguinte: “[...] nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais” (Brasil, 1990, p. 11).

A reprodução da pobreza tem como consequência o desamparo que reflete na falta de estrutura da família que, por sua vez, respinga nos filhos; estes são a ponta mais vulnerável devido ainda não poderem se defender minimamente das várias intempéries do dia-a-dia. Sem condições afetivas e materiais, são expostos às cruezas da rotina da pobreza e das rudezas das relações embrutecidas, aspectos que podem ser observados nos relatos do Ferreira e do Morais:

Meus pais se separaram quando eu tinha nove anos. Meu pai trabalhava e eu era muito danado. Aí fui expulso de dois colégios. [...] é que minha mãe foi embora e fiquei solto. Meu pai só trabalhava, não cuidava de mim. Ficava dentro de casa, mas não olhava. Lá no Estreito. Eu vim pra cá com dezesseis anos [...] Quando vim pra cá, parei por causa do trabalho. Fui trabalhar. [...] Nunca parava no colégio não. Reprovava. Voltei com 27 (Ferreira).

Minha mãe e meu pai se separaram. Na época eu tinha seis anos de idade. Morava na cidade, em Balsas. Mas meu pai sempre gostou de mexer com roça. E eu gostava de ir pra roça, sabe. [...] Eu sempre acompanhei meu pai. Foram doze anos assim (Morais).

Sem a estrutura financeira e técnica e sem a proteção afetiva dos pais, as crianças ficam sem orientação, tornam-se os sujeitos mais vulneráveis possíveis. Neste ciclo reprodutor de enfraquecimento das potencialidades e opacidade dos sonhos, são empurrados para o limbo, para a fronteira, geralmente caracterizada pela ilegalidade e insegurança. Como é o caso do Pereira: “Fui crescendo [...] e caí no mundo atrás de garimpo [...] O garimpo foi no Pará, no Mato Grosso. Até fora do Brasil já garimpei. [...] Suriname. História tem muita” (Pereira).

O Pereira tem vivido uma vida intensa assim como todos os outros, com certeza. Contudo esta intensidade se deve principalmente às inseguranças pelas quais passaram todos devido à instabilidade com que se constituíam as relações e os movimentos, geralmente determinados e controlados por outros. Pois são:

[...] Trabalhadores em empregos temporários e sem estabilidade, vivem viajando ou mudando de cidade em busca de trabalho [...]. Eles [...] são obrigados a mover-se, e mover-se para onde encontram melhores condições de sobrevivência, sem direção previamente definida e, portanto, sem um controle claro deste movimento (Haesbaert, 2016, p. 255).

Tendo em vista o exposto, as fronteiras quando fragilizadas, independentemente se é na mobilidade, como na busca constante de empregos em outras paragens, mas também na imobilidade como o próprio Haesbaert (2016, p. 237, grifos do autor) expõe:

[...] Desterritorialização também pode ocorrer através da ‘imobilidade’, pelo simples fato de que os ‘limites’ de nosso território, mesmo quando mais claramente estabelecidos, podem não ter sido definidos por nós e, mais grave ainda, estar sob o controle ou o comando de outros.

A colonização acontece quando as fronteiras, os limites dos territórios estão fragilizados e podem sofrer processo de invasão, inclusive a cultural. Portanto, a desterritorialização corrobora com o processo de desumanização dos sujeitos, assemelhando-os a objetos, ou seja, manipuláveis. Nesse sentido, os desterritorializados são postos em sentido contrário ao caminho que devem seguir todos os sujeitos, o da humanização, a vocação de todo ser humano, de acordo com Freire (2015).

Ao contar apenas com a energia vital e robustez física da juventude, a tendência é ficarem mais dependentes e as desvantagens consequentemente se acumulam, engrossando ainda mais as dificuldades que tornam a vida indigna e difícil de ser mantida, conforme a idade avança rumo à velhice. Passam, portanto, por processo de desterritorialização permanente, pois vivenciam “[...] uma precarização das suas condições básicas de vida” (Haesbaert, 2016, p. 251). Registramos uma boa medida para saber se se está sendo territorializado ou sendo desterritorializado:

[...] Neste caso, deter o controle seria territorialziar[-se]. Perder o controle seria desterritorializar[-se]. Quando somos nós que definimos o território dos outros, de forma imposta, eles não estão de fato se territorializando, pois ser ‘territorializado’ por outros, especialmente quando completamente contra nossa vontade e sem opção, significa desterritorializar-se (Haesbaert, 2016, p. 263, grifo do autor).

De acordo com Freire (2015, p. 64, grifo do autor), “[...] quanto mais controlam os oprimidos, mais os transformam em ‘coisas’, em algo que é como se fosse inanimado”. Neste vai e vem que retrocede em vez de avançar, há o discurso de que os sujeitos em situação de vulnerabilidades estão assim porque são incapazes, por isso mesmo fracassados. Esse discurso insistente e cortante, aliado à fragilidade, os sujeitos assimilam-no de tal modo que passam a repetir para si e “[...] terminam por se convencer de sua ‘incapacidade’” (Freire, 2015, p. 69, grifo do autor).

Freire (2015, p. 60, grifo do autor) diz, enfaticamente, que “[...] a opressão só existe quando se constitui em um ato proibitivo do ‘ser mais’ dos homens”. Fato notório nos relatos dos interlocutores que tiveram suas possibilidades restringidas a ponto de ficarem acuados e terem que retroceder, de modo a se sentirem culpados por deixarem de ‘ser’, e ainda se sentirem incapazes. A precarização das condições materiais e técnicas dos sujeitos, tornam-se vulneráveis, e, por isso, facilmente desterritorializados, perdendo assim o controle dos seus espaços e modos e condições de sobrevivência, ou seja, seu jeito de saber e fazer, sendo impedidos de ‘ser’.

Situação

Sujeitos desterritorializados encontram-se com sua capacidade cidadã espoliada, que significa dizer que a desterritorialização pode ser relacionada com perda ou negação de direitos civis, políticos e sociais, junto a isso a falta de sentimento de pertencimento ao espaço e ao grupo em que se encontra. Por isso, “[...] a construção da cidadania seja um processo que diz respeito à relação das pessoas e grupos com o Estado e, mais atualmente, com o sentimento de pertença a uma nação” (Botelho & Schwarcz, 2012, p. 15). Mas o Brasil “[...] se tornou independente com a maior parte da população excluída dos direitos civis e políticos e sequer mobilizada por um sentido de nacionalidade” (Botelho & Schwarcz, 2012, p. 19). Para Carvalho (2012, p. 12), “[...] a lealdade ao Estado depende do grau de participação na vida política”.

Em Botelho e Schwarcz (2012, p. 9), fazendo referências a Aristóteles, os:

[...] direitos de cidadão podiam [...] ser adquiridos, mas na mesma medida serem perdidos. O grau máximo era a redução à escravidão de um homem livre, e em seguida a condenação penal, que correspondia à morte da personalidade jurídica do indivíduo.

Segundo Carvalho (2012, p. 21), “[...] os escravos não eram cidadãos, não tinham direitos civis básicos à integridade física (podiam ser espancados), à liberdade e, em casos extremos, à própria vida, já que a lei os considerava propriedade do senhor, equiparando-os a animais”. Logo, “[...] o cidadão pleno seria aquele que fosse titular dos três direitos [civis, políticos e sociais]. Cidadãos incompletos seriam os que possuíssem apenas alguns dos direitos. Os que não se beneficiassem de nenhum dos direitos seriam não cidadãos” (Carvalho, 2012, p. 9).

Os interlocutores aqui mencionados disseram de suas razões de desistirem da escola e, como veremos a seguir, os prejuízos decorrentes desse abando. Um deles, pode ser dito a partir dos estudos de Carvalho (2012, p. 11), trata-se da educação popular que “[...] é definida como direito social mas tem sido historicamente um pré-requisito para a expansão dos outros direitos”. Sem a qual, portanto, outros processos de avançar são atravancados, impedindo assim que os sujeitos alcancem benefícios lhes permitindo territorialização e sentimento de pertencimento ao lugar, traduzidos em sentimentos de confiança e autoestima, processo estreitamente relacionado com a capacidade de participação.

Carvalho (2012, p. 11) menciona que “[...] nos países em que a cidadania se desenvolveu com mais rapidez [...] por uma razão ou outra a educação popular foi introduzida”. Pois “[...] permitiu às pessoas tomarem conhecimento de seus direitos e se organizarem para lutar por eles. A ausência de uma população educada tem sido sempre um dos principais obstáculos à construção da cidadania civil e política” (Carvalho, 2012, p. 11).

Este fenômeno da pauperização de parte da população, em decorrência da precarização das condições de vida, advindos da negação de direitos, torna permanente e crescente a opressão aos empurrados para o limbo, sendo a falta de escolarização uma das principais causas. Posto aqui não pela falta de vontade dos interlocutores, mas devido à falta de acesso à escola, e por impedimentos outros, tendo que dar conta de necessidades urgentes, como a de saciar a fome fisiológica, protelando a sede cognitiva.

Pelo trabalho que fazem, os interlocutores podem ser localizados em situação de vulnerabilidade, suscetíveis, portanto, de serem humilhados e ofendidos. Pois já o são, porque o mais importante foi-lhes tirado, a possibilidade de ‘ser mais’. De desenvolverem suas potencialidades e poder assim contribuir melhor consigo e com outros, transformando a realidade de maneira mais efetiva e coesa. Encontram-se tateando como no escuro, pegos em fios de esperança. Por não terem condições de estudo quando mais jovens, tiveram que trabalhar e em decorrência, agora quando adultos, continuam ainda com menos chances de sucesso para angariar cargos para quem se encontra desempregado ou melhores salários para quem permanece no mercado de trabalho.

A situação dos interlocutores reflete a falta de formação escolar e devido os motivos já expostos: a falta de acesso à escola, o trabalho infantil na roça e como doméstica, o casamento precoce, a separação dos pais. Esses vieses já frutos de desterritorialização, de opressão, se reproduzem e são sentidos agora por aqueles que não tiveram educação formal e que agora, adultos, sofrem por conta de lhes faltarem habilidade e competências necessárias para territorialziar-se.

Os nossos interlocutores assumem funções que requerem poucas habilidades técnicas, de baixa remuneração e pouco poder de negociação. Tal quando jovens e semelhantes a seus pais, os interlocutores atualmente assumem vagas de emprego, como as relatadas a seguir:

Eu trabalho de diarista. Eu sempre trabalhei fora. Tem uns vinte e quatro anos que trabalho fora. [...] fui trabalhando, cuidando dos filhos dos outros, fazendo diária. Graças a Deus, tô na luta. [...]. É muito cansativo, a gente já vai ficando com certa idade que não vai dando conta (Sousa).

Eu trabalho na máquina de esteira [mecânico]... trator de esteira [numa oficina] [...]. Eu estou no fim da linha. Eu já tenho a coluna toda estourada. Todo lascado. Eu não tenho jeito pra outro trabalho, porque analfabeto você sabe que não arruma nada (Silva).

Numa firma de asfalto, de terraplanagem [...] A gente trabalha com tudo. Fazer a massa... só serviço pesado. Aí eu já mexi com outra coisa por lá, sabe. Com máquina. Os primeiros meses foi pesado. Botaram em mim foi doendo [excessiva demanda de tarefas]. [...]. Saí. Porque lá eu tava três anos (Pereira).

Atualmente não estou trabalhando. Sou microempreendedor. Eu mexia com trabalho de pintura. Numa lojinha. Eu acidentei. Tem três anos agora que acidentei (Alves).

Trabalho na construção civil. Tô desempregado no momento (Ferreira).

De motorista, operando máquina. Mas atualmente estou desempregado. Faz uns onze meses que eu adoeci, fiz uma cirurgia. E agora que tô procurando novamente (Morais).

Nos relatos aparecem repetidamente fatores como desemprego, trabalhos pesados e mal remunerados e saúde debilitada. De acordo com o Terceiro Relatório Global sobre Aprendizagem e Educação de Adultos, “[...] pessoa com baixo nível de educação e saúde precária encontram mais dificuldade para escapar de condições de emprego precário e baixa remuneração, acumulando desvantagens ao longo da vida” (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura [Unesco], 2016, p. 75). De igual modo, “[...] comunidades nas quais as pessoas têm níveis mais baixos de educação, níveis mais altos de desemprego, baixa renda e más condições ambientais são também aquelas em que as pessoas têm piores condições de saúde” (Unesco, 2016, p. 75).

As chances são reduzidas, as desvantagens se acumulam e as perspectivas para melhores condições de vida tornam-se distantes, em outras palavras, as desigualdades são aprofundadas entre os polos formados entre empregados e empregadores. De modo que em realidades onde há alta desigualdade, os “[...] benefícios serão acumulados principalmente pelos empregadores e não pelos trabalhadores, que podem estar sujeitos a condições de trabalho abusivos e irregulares” (Unesco, 2016, p. 92). No fim das contas, uma sociedade baseada na desigualdade acaba padecendo, devido a polarização constituir um “[...] impedimento para um modelo de produção de alta habilidade e alta confiança com base no conhecimento e na inovação” (Unesco, 2016, p. 92). Uma população pobre, com poucas chances de contribuir com inovações e atingida por debilidades físicas e psicológicas, decorrentes de maus-tratos e trabalhos precarizados, padece de insegurança devido à instabilidade e exploração, condenando-a a um fazer repetitivo e obediente, que parte do opressor para o oprimido.

Uma educação crítica e criativa é fator determinante para que os oprimidos alcancem autonomia e assim fazerem a diferença em suas vidas, pois emancipados podem influenciar na realidade, transformando-a e tornando-a mais justa. Segundo Carvalho (2012, p. 210), a “[...] educação é o fator que mais bem explica o comportamento das pessoas no que se refere ao exercício dos direitos civis e políticos [...]”, repercutindo positivamente na participação por direitos e usufruto de riquezas.

Caminhos a percorrer

A Danta expõe seu sonho de modo humorado. Contudo, de conteúdo trágico, pois seu sonho não pôde ser realizado. Um sonho nobre, que contribuiria para sua satisfação pessoal e ajudaria os outros dos arredores, que por sua vez, repercutiria em âmbito macro:

[...] Eu tinha vontade de ter estudado pra ser professora. Eu achava muito bonito, assim na época, a professora escrevendo... e ia pra igreja e chegava lá, a menina lendo o livro ali, começando o terço. Ali ajudando o padre. As veias (velhas) não sabia lê e ela que lia tudo, acompanhava o padre. Eu dizia: ‘meu Deus ainda vou aprender a ler ainda pra mim fazer igual a Maria de Jesus tá fazendo’. E outra, pra prestar atenção... que a gente bobó da roça... ficava ali caladinha, às vezes deixava de perguntar alguma coisa que não sabia porquê... com vergonha né. Aí eu dizia, eu quero ser uma professora. Mas aí acabei... Hoje não sou professora... Nem sei o que sou mais. Sou um cristão que tô aí nesse mundo (Danta).

A exemplo da Danta, outros sujeitos foram cerceados em suas potencialidades. Como o Pereira, igualmente o Ferreira, que queria ser jogador de futebol, mas não pôde dar continuidade ao talento, por conta das parcas condições econômicas de seu pai. Também o sonho da Santos em ser advogada, mas teve que seguir outro caminho devido a falta de apoio financeiro, além desta formação ser considerada, na época, bastante elitizada, de acesso restrito, conforme ela destacará mais adiante.

Embora a Santos possua nível superior e os outros interlocutores serem seus alunos, ambos possuem afinidades em suas histórias de formação e origem social. Não puderam em dado momento realizar sonhos latentes e afeitos às suas vontades. Deixaram de ‘ser’, de algum jeito, o que gostariam de ter sido.

Atualmente esses sujeitos são atores num espaço de direito que é a Educação de Jovens e Adultos (EJA), que os garante formação e, assim, outras possibilidades. Esta feita é possível, porque há mecanismos legais que atendem esta camada da população que foi impedida de realizar seus estudos em idade quando mais jovem. Uma delas é a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) 9394/96, que concebe a educação “[...] inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho [...]” (Brasil, 1996, p. 8), conforme seu Art. 2º. No Art. 3º destacam-se os princípios “XI - vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais [... e ...] XIII - garantia do direito à educação e à aprendizagem ao longo da vida” (Brasil, 1996, p. 9).

São princípios que regem também a EJA que é, de acordo com o Art. 37, da LDB 9394/96, “[...]destinada àqueles que não tiveram acesso ou continuidade de estudos nos ensinos fundamental e médio na idade própria e constituirá instrumento para a educação e a aprendizagem ao longo da vida” (Brasil, 1996, p. 29). Trata-se de uma modalidade de ensino da educação básica, que compreende desde a educação infantil até o ensino médio, que “[...] tem por finalidades desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores [...]” (Brasil, 1996, p. 17), conforme o Art. 22.

Em âmbito mais geral, os princípios da LDB 9394/96 estão de acordo com a Declaração Universal dos Direitos do Homem. Neste documento, no Art. XXVI, está expresso que “[...] todo homem tem direito à instrução [...]” (Von, 2003, p. 80), assegurada pelo acesso facilitado e pela gratuidade. Neste artigo diz ainda que “A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos ao homem e pelas liberdades fundamentais” (Von, 2003, p. 80).

Vale destacar também os artigos XXVII e XXIX que dizem respectivamente “Todo homem tem o direito de participar livremente da vida cultural da comunidade, de fruir as artes e de participar do processo científico e de seus benefícios [... e ...] Todo homem tem deveres com a comunidade, na qual o livre e pleno desenvolvimento de sua personalidade é possível” (Von, 2003, p. 81). Logo, a legislação e outros documentos asseguram e incentivam a formação dos sujeitos, inclusive a dos jovens e adultos que não puderam, geralmente decorrentes de injustiças, de realizar os estudos em idade própria.

Para os nossos interlocutores, a EJA é um espaço para o desenvolvimento de suas potencialidades, em busca de realizar seus sonhos, como o exposto pelo Silva:

[...] Meu sonho é enxergar. Vou falar pro senhor o que que é. Enxergar que eu falo é o seguinte, eu quero aprender ler e escrever. Porque a pessoa analfabeto, ele é cego. De um jeito ou de outro, ele é cego. Porque você quer... Você vê um livro mais bonito do mundo, você foi lá, mas não sabe ler (Silva).

Ele reitera:

[...] Mas a única coisa que eu queria ser, essa que eu dou valor em você. Toda vida eu tive vontade de estudar. Eu acho bonito o cara saber [...] às vezes você tem até vontade de falar, mas você não sabe nem expressar aquela palavra. Às vezes você sente aquilo, mas você não dá conta de jogar aquilo pra fora. Às vezes você fica calado. Tem até razão. Sabendo que tá certo, mas não vai discutir com outro que você num sabe... Porque tudo que você tem, tem que guardar aqui (apontando para o peito). Às vezes você tem vontade de... Pegar uma bíblia... Às vezes você tem que escutar os outro ler pra você guardar negócio ali. Na cabeça. Você não pode esquecer mais nunca. Porque se você esquecer, acabou. É a mesma coisa que fechar e apagar a luz. É por isso que... eu acho, o meu sonho é esse. [...]. Agora me deram essa chance, eu quero ver se Deus me abençoe que eu chego lá. Quem sabe... (Silva).

Silva, próximo aos sessenta anos, sonha em aprender a ler e a escrever. Para quê? Para embelezar o mundo; de ter oportunidade de expor suas ideias, com maior autoridade de quem tem um diploma, um certificado, um papel que legitime sua fala; de poder ler livros e retomar a leitura quantas vezes desejar. O Silva e seus colegas não estão apenas na EJA, eles vivenciam a EJA, conforme os princípios que regem a educação e põem em postura de avançar, sentem-se convocados a ‘serem mais’ (Freire, 2015). Em sentido exposto por Delors et al. (1996) apontam os quatro pilares da educação: aprender a conhecer; aprender a fazer; aprender a viver juntos e aprender a ser. São saberes que se interagem de maneira interdependente e que se retroalimentam.

Aprender a viver juntos contribui com a convivência respeitosa e evita preconceitos que tendem a inferiorizar o outro e se opõem ao diferente. Para anular tais riscos, “[...] a educação deve utilizar duas vias complementares - a descoberta progressiva do outro e o seu reconhecimento e a participação em projetos comuns [...]” (Noleto, 2010, p. 15), ou seja, uma educação para a cooperação empática e solidária.

O aprender a viver juntos deve ser estimulado e exercitado, inclusive no ambiente da EJA, geralmente tido como espaço cheios de conflitos que podem chegar à violência. Nesse sentido, estratégias pedagógicas de trabalhos em grupos devem ser incentivadas para que os sujeitos construam habilidades de convivência respeitosa, com capacidade de se colocar no lugar do outro, sendo, portanto, empático. Desse modo Nunes (2011, p. 39), elenca algumas estratégias que devem ser observadas: aceitação de regras para fins comuns; adotar postura de quem críticas e sugestões sejam bem vidas; portanto, saber ouvir; demonstrando humildade, generosidade e honestidade; para fins de construir confiança recíproca; e “[...] desenvolver interdependência positiva nos trabalhos”.

O aprender a conviver juntos está relacionado com aprender a ser, este deve se pautar numa

[...] concepção de desenvolvimento humano que tenha por objetivo a realização plena das pessoas, do nascimento até a morte, definindo-se como um processo dialético que começa pelo conhecimento de si mesmo para se abrir, em seguida, à relação com o outro (Noleto, 2010, p. 15).

No aprender a ser destacam-se habilidades como de “[...] autoconhecimento, autoestima, autoconfiança, autonomia” (Nunes, 2011, p. 32). No processo de autoconhecimento o outro não é oposição, mas completude, que o diferente seja uma extensão.

A formação da Santos, professora da turma de EJA, foi realizada toda na educação pública, tendo concluída sua graduação na Universidade Federal do Tocantins. Sua vontade inicial, quando ainda bem jovem, era de ser advogada, porque desejava ser ‘doutora’. Mas devido sua realidade e o processo de autoconhecimento que depois se estendeu ao conhecimento da realidade em volta, percebeu que deveria tomar outro caminho que não aquele desejado. Perceber esses aspectos conscientemente facilitou o delineamento de estratégias possíveis para a realização de seu sonho, inicialmente utópico. Sua trajetória mostra que os objetivos, se conhecidos, permanecem lá e os caminhos a levarão a eles.

[...] eu era criança eu sonhava ser advogada. Eu achava lindo. Meu nome vai ser Doutora Santos Helena. Nome lindo que vai ficar. Aí eu fui crescendo. Aí, meu pai faleceu... aí veio aquela coisa né, fui caindo na realidade. Porque antigamente, faculdade de Direito. Nossa! Quem fazia faculdade de Direito só era filho de rico. Então, fui caindo na realidade. Falei, não.

Meu sonho era esse, mas com o passar do tempo fui entendendo as coisas, falei não. Meu sonho não era pra ir pra sala de aula. Quando comecei a estagiar eu ainda pensei: ‘eu vou terminar, né. Só que não vou ficar por aqui’. Só que aí, de repente, (estalou o dedo) me apaixonei. Num tem aquela coisa que você vai e pensa que não vai gostar? E aí me apaixonei. [Ser advogada] Eu achava bonito, né. Depois descobri que advogado não é doutor. É só graduado, mas não é doutor. Doutor é quem tem doutorado. Então posso ser doutora ainda.

Estudei muito. Você sabe como é a UFT, né. Minha graduação foi na UFT. Foram quatro anos batido. De segunda a sábado. [...]. E, eu costumo dizer que na UFT é o lugar que o filho chora e a mãe não vê.

Eu busco me atualizar. Tô terminando minha pós. Eu pretendo o mestrado (Santos).

Ninguém duvida de que os sonhos da Santos e de seus alunos serão alcançados. Não por mágica, mas porque depois que postos em caminhada de emersão e inserção, o movimento de luta para transformação da realidade que ganha força conforme o princípio de que as vantagens são cumulativas. Este avançar permanentemente num crescente, que humaniza se considerados os princípios do aprender a conhecer, a fazer, a ser e a conviver juntos.

Considerações finais

Os interlocutores participantes desta pesquisa formam um retrato de uma parcela expressiva de gente que sofre dos efeitos das desigualdades sociais advindas de injustiças. São sujeitos que ao longo da vida foram sendo desterritorializados, tornados vulneráveis, sem capacidade de negociação e de decisão sobre seus destinos e vidas. Impedidos, dessa maneira, de desenvolverem suas potencialidades, tendo que abafar seus sonhos para atenderem a propósitos alheios. A vulnerabilidade permite que sejam invadidos em seus espaços geográficos, mas também em seus corpos e mentes. Podendo chegar ao ponto de sofrerem castigos físicos e se pensarem como incapazes e culpados pelas desventuras.

Através dos relatos dos interlocutores, percebemos que tiveram que abandonar os estudos por razões de trabalho para ajudar no sustento da família, pela falta de acesso à escola ou mesmo pelo casamento precoce, salientado aqui os marcadores sociais de gênero e de classe. A partir dos relatos, notamos que as decisões foram impulsionadas por imposições externas e quando feito aparentemente por própria decisão, é decorrente de desestrutura familiar, um ciclo que fica claro ser reprodutor das desigualdades de oportunidades.

Decorrente do abandono dos estudos, estes então crianças e jovens, não tiveram acesso ao ensino sistemático e formal. Ou seja, não puderam desenvolver habilidades mais sofisticadas e oficialmente privilegiadas, tendo eles, quando adultos, assumir trabalhos que requerem basicamente esforço físico, com o mínimo de remuneração e com consequências cumulativas desastrosas ao longo da vida, visto que minam a energia vital e, conforme a idade avança, vão se tornando pessoas descartáveis. Quando se dão conta de tal realidade, em tom de desespero, voltam a estudar. Entram na Educação de Jovens e Adultos (EJA) espaço de aprendizagem e diálogo, onde seus sonhos são retomados e a possibilidade de uma vida mais feliz torna-se possível.

A EJA é um espaço de direito que orienta a aprendizagem para o trabalho e cidadania, portanto não pode ser usurpada por uma educação reprodutora, mas promover a criticidade e a criatividade, tendo em vista a humanização, verdadeira vocação dos sujeitos, com base no conceito de formação ao longo da vida, possibilitando aos atores territorialziarem-se e decidirem conjuntamente os rumos da comunidade e de suas vidas. Portanto, a garantia de direitos aponta para maior participação cidadã dos sujeitos e sentimento de pertencimento à comunidade e espaço onde vivem. Nesse sentido, a EJA não pode ser esvaziada de seu sentido, assim como os sujeitos não podem ser esvaziados de sua humanidade e condições de cidadãos, buscando sempre a territorialidade, em sentido de avançar para o ‘ser mais’.

Desse modo, este artigo se valeu da pesquisa participante, utilizando método colaborativo para a tessitura dessas considerações, promovendo condições propícias para o desenvolvimento da autonomia dos participantes da pesquisa e dos pesquisadores. Nesse movimento dialético para a aprendizagem foi possível criar espaços importantes para a instrumentalização desses educandos para saberem fazer, aprender, ser e conviver juntos ao longo da vida, elementos essenciais para a humanização, isto é, para a territorialidade e exercício da cidadania.

Referências

Arroyo, M. G. (2017). Passageiros da noite: do trabalho para a EJA, itinerários pelo direito a uma vida justa. Petrópolis, RJ: Vozes. [ Links ]

Botelho, A., & Schwarcz, L. M. (2012). Introdução - cidadania e direitos: aproximações e relações. In A. Botelho, & L. M. Schwarcz (Orgs.), Cidadania, um projeto em construção: minorias, justiça e direitos (p. 6-27). São Paulo, SP: Claro Enigma. [ Links ]

Brasil. (1990). Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF. [ Links ]

Brasil. (1996). Lei nº 9394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União, Brasília, DF. [ Links ]

Carvalho, J. M. (2012). Cidadania no Brasil: o longo caminho (15a ed.). Rio de Janeiro, RJ: Civilização Brasileira. [ Links ]

Delors, J., Al-Mufti, I., Amagi, I., Carneiro, R., Chung, F., Geremek, B., ... Nanzhao, Z. (1996). Educação um tesouro a descobrir: relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI (10 ed.). São Paulo, SP: Cortez. [ Links ]

Di Pierro, M. C., & Haddad, S. (2015). Transformações nas políticas de Educação de Jovens e Adultos no Brasil no início do terceiro milênio: uma análise das agendas nacional e internacional. Cadernos CEDES, 35(96), 197-217. DOI: https://doi.org/10.1590/CC0101-32622015723758 [ Links ]

Freire, P. (2015). Pedagogia do oprimido (59a ed.). Rio de Janeiro, RJ: Paz e Terra. [ Links ]

Galtung, J. (2003). Paz cultural: algumas características. Recuperado de http://www.palasathena.org.br/arquivos/conteudos/Paz_Cultural_Johan_Galtung.pdfLinks ]

Guillemin, M., & Gillam, L. (2004). Ethics, reflexivity, and “ethically important moments” in research. Qualitative Inquiry, 10(2), 261-280. DOI: https://doi.org/10.1177/1077800403262360 [ Links ]

Haesbaert, R. (2016). O mito da desterritorialização: do “fim dos territórios” à multiterritorialidade (9a ed., rev.). Rio de Janeiro, RJ: Bertrand Brasil. [ Links ]

Kowarick, L. (2009). Viver em risco: sobre a vulnerabilidade socioeconômica e civil. São Paulo, SP: Editora 34. [ Links ]

Noleto, M. J. (2010). A construção da cultura de paz: dez anos de história. In L. Diskin, & M. J. Noleto (Coords.), Cultura de paz: da reflexão à ação (p. 11-36). Brasília, DF: Unesco. [ Links ]

Nunes, A. O. (2011). Como restaurar a paz nas escolas: um guia para educadores. São Paulo, SP: Contexto. [ Links ]

Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura [Unesco]. (2016). 3º relatório global sobre aprendizagem e educação de adultos. Brasília, DF: Unesco. [ Links ]

Paiva, J., Haddad, S., & Soares, L. J. G. (2019). Pesquisa em educação de jovens e adultos: memórias e ações na constituição do direito à educação para todos. Revista Brasileira de Educação, 24, e240050. DOI: https://doi.org/10.1590/S1413-24782019240050 [ Links ]

Santos, M. (2006). O papel ativo da geografia, um manifesto. Revista Tamoios, 2(1), 1-6. Recuperado de https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/tamoios/article/view/601/632Links ]

Streck, D. R. (2016). Metodologias participativas de pesquisa e educação popular: reflexões sobre critérios de qualidade. Interface, 20(58), 537-547. DOI: https://doi.org/10.1590/1807-57622015.0443 [ Links ]

Streck, D. R., & Adams, T. (2011). Uma prática de pesquisa participante: análise da dimensão social, política e pedagógica. Revista Educação Pública, 20(44), 481-497. DOI: https://doi.org/10.29286/rep.v20i44.319 [ Links ]

Von, C. (2003). Cultura de paz: o que os indivíduos, grupos, escolas e organizações podem fazer pela paz no mundo. São Paulo, SP: Peirópolis. [ Links ]

1Aprovação do Comitê de Ética da Fundação Universidade Federal do Tocantins, Plataforma Brasil, sob o parecer 3.579.777, com observação de se tratar de uma pesquisa relevante para a EJA.

4NOTA: Os autores foram responsáveis pela concepção, análise e interpretação dos dados; redação e revisão crítica do conteúdo do manuscrito e ainda, aprovação da versão final a ser publicada.

Recebido: 04 de Julho de 2020; Aceito: 25 de Junho de 2021

* Autor para correspondência. E-mail: madsonsantoscs@hotmail.com

Madson Pinto dos Santos: Bacharel e licenciado em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Pará (Ufpa). Pós-graduado em Educação, Pobreza e Desigualdade Social e em Arte-Educação, ambas pela Universidade Federal do Tocantins (UFT). Mestre pelo Programa de Pós-graduação em Estudos de Cultura e Território, também pela UFT. É professor da educação pública em Araguaína, Tocantins. E-mail: madsonsantoscs@hotmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9407-2376

Rosária Helena Ruiz Nakashima: Pedagoga. Mestre em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Doutora na área de Didática, Teorias de Ensino e Práticas Escolares, pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP). Professora Adjunta do Curso de Licenciatura de História da Universidade Federal do Norte do Tocantins (UFNT). Docente do Programa de Pós-Graduação em Estudos de Cultura e Território (UFNT). E-mail: rosaria@uft.edu.br. ORCID: http://orcid.org/0000-0001-7798-6363

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons