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Acta Scientiarum. Education

versão impressa ISSN 2178-5198versão On-line ISSN 2178-5201

Acta Educ. vol.44  Maringá  2022  Epub 02-Jan-2022

https://doi.org/10.4025/actascieduc.v44i1.52673 

FORMAÇÃO DE PROFESSORES E POLÍTICAS PÚBLICAS

Educação e ‘cibercultura’: como os futuros professores estão se preparando para conduzirem processos educativos voltados a estudantes com atenção continuamente parcial?

Educación y ‘ciberultura’: ¿cómo se preparan los futuros docentes para llevar a cabo procesos educativos dirigidos a los estudiantes con atención parcial continua?

1Universidade Federal da Fronteira Sul, Rodovia SC-484, km 2, 89815-899, Chapecó, Santa Catarina, Brasil.


RESUMO.

Este artigo tem como objetivo mostrar que dentro da matriz curricular dos cursos de licenciatura, o estágio curricular supervisionado se apresenta como uma condição profícua para enfrentar os dilemas contemporâneos do campo educacional que se manifestam com o aporte da ‘cibercultura’. Fundamentado em documentos oficiais sobre estágio curricular; em estudos sobre formação de professores; e, no conceito de ‘literacia informacional’, o artigo debate sobre a seguinte questão: como os futuros professores estão se preparando para conduzirem processos educativos voltados a estudantes com atenção continuamente parcial? Em suas conclusões, o artigo destaca a importância do estágio curricular frente às demandas de uma sociedade amplamente conectada, especialmente, no que diz respeito às reações dos estudantes da educação básica aos estímulos que recebem do mundo ao seu redor e do mundo informacional.

Palavras-chave: sociedade em rede; estágio curricular; ‘litaracia informacional’

RESUMEN.

Este artículo tiene como objetivo mostrar que dentro de la matriz curricular de los cursos de pregrado, las prácticas curriculares supervisadas se presentan como una condición fructífera para enfrentar dilemas contemporáneos del campo educativo que se manifiestan con el aporte de la cibercultura. Basado en documentos oficiales sobre prácticas curriculares; en estudios sobre formación del profesorado; y, en el concepto de alfabetización de la información, el artículo discute la siguiente pregunta: ¿cómo se preparan los futuros docentes para llevar a cabo procesos educativos dirigidos a los estudiantes con atención continua y parcial? En sus conclusiones, destaca la importancia de la práctica curricular frente a las demandas de una sociedad ampliamente conectada, especialmente, con respecto a las reacciones de los estudiantes de educación básica a los estímulos que reciben del mundo que los rodea y del mundo informacional.

Palabras-clave: sociedad en red; práctica curricular; alfabetización informacional

ABSTRACT.

This scientific paper aim to show that within curricular matrix of the graduation courses, the supervised curricular internships is presented as a fruitful condition to face the contemporary concerns of the educational field which manifest themselves with the input of the cyber culture. Underpinned in official documents about curricular internship; in studies about teacher training; and, on the concept of ‘informational literacy’, the scientific paper debate on the following question: How are the future teachers preparing themselves to lead educational processes aimed to students with partial continuously attention? In its conclusions, the scientific paper underscores the importance of the curricular internship in the face of demands of a broadly connected society, especially, with respect to students’ reactions of the Basic Education to the stimulus who they receive of the world around they and of the informational world.

Keywords: network society; curricular internship; ‘informational literacy’

Introdução

Considere o seguinte cenário: um lugar/espaço onde seres humanos “[...] ligam eletricamente o corpo ao ambiente tanto físico quanto ciber em igualdade de condições, dissolvendo quaisquer fronteiras entre o físico e o virtual” (Santaella, 2014, p. 35). Nessas condições, esses seres pensantes, “[...] em frações de segundos, reagem aos estímulos que vêm do mundo ao redor e do mundo informacional” (Santaella, 2014, p. 35). Ou seja, a atenção deles é “[...] irremediavelmente uma atenção parcial contínua. Quer dizer, a atenção responde ao mesmo tempo a distintos focos sem se demorar reflexivamente em nenhum deles. Ela é continuamente parcial” (Santaella, 2014, p. 35-36).

Perguntas básicas: nesse cenário, como manter crianças, adolescentes e jovens com olhares fixos a um quadro cheio de palavras e/ou números por quarenta e cinco (45) minutos ou quatro (4) horas? Essa é uma prática comum nas escolas, mas antes de culpá-las é preciso discutir sobre uma realidade, qual seja: se quase tudo que há na escola está associado a um período anterior à emergência das tecnologias de comunicação e informação que desencadearam a criação e desenvolvimento permanente de dispositivos móveis de uso frequente das crianças, adolescentes e jovens, como ela conseguirá ficar à frente das descobertas e inovações que emergem nesse campo? No diálogo com estudantes de cursos de licenciatura e professores da educação básica ao longo dos últimos anos, ficou evidenciado que dos futuros professores é esperado ações e proposições capazes de fazer enfrentamentos aos desafios de uma sociedade em rede. É esta a principal razão pela qual o presente artigo questiona como os futuros professores estão se preparando para tornarem-se docentes em uma época em que as grandes influências comportamentais são provocadas pela ‘cibercultura’.

Nesse debate, seria de grande auxilio trazer presente a configuração das matrizes curriculares dos cursos de licenciaturas no Brasil e observar quais são as teorias de ensino e aprendizagem que estão sendo estudadas como possibilidades de compreensão dos dilemas oriundos da interface educação e comunicação, assim como seria oportuno saber se as clássicas áreas do saber, a exemplo da Psicologia e Sociologia da Educação, estão problematizando e compreendendo os desafios atuais da ‘cibercultura’. Como foi dito, ‘seria’ de bom proveito fazer esse estudo, talvez isso ‘seja’ realizado na sequência, mas, por ora, esse artigo se concentra em uma importante etapa da formação dos futuros professores: o estágio curricular supervisionado. A intenção disso é demonstrar que nessa ‘parte da formação’ encontram-se dispositivos indispensáveis à atualização e enriquecimento da profissão docente, especialmente, por aproximar os futuros profissionais da educação da ‘vida real’ de crianças, adolescentes e jovens de diferentes realidades econômicas, sociais e culturais, porém, com uma semelhança: influenciados pela ‘cibercultura’.

Nesse sentido, diante dessas influências, como parte da tarefa de ser professor e pesquisador, considero necessário trazer à baila algumas das reflexões que suscitaram de encontros com professores em processos de formação continuada, e com estudantes de cursos de licenciatura, ou seja, futuros professores.

Para dar conta das inquietações fomentadas pelo tema e demais questões anunciadas, as discussões que seguem foram organizadas em três eixos: ‘1. Meio século de estágio curricular nos cursos de licenciatura. O que esperar dos próximos 50 anos?’; ‘2. A compreensão das interfaces entre educação e comunicação passa pela formação de professores e pelo fazer-se escola hoje’; ‘3. Os alcances da literacia informacional frente às demandas de uma sociedade em rede’. Em relação a esse conceito - ‘literacia informacional’ - sua apresentação e problematização, embora ainda em amadurecimento, ganharam espaço nesse artigo em decorrência dos questionamentos de estudantes em busca de sugestões e/ou respostas aos desafios da docência na atualidade. Portanto, o conceito em questão, mesmo sendo defendido nesse artigo como uma alternativa a ser observada, permanece em aberto a partir das releituras que irá proporcionar. Nas considerações finais, o artigo destaca a importância do estágio curricular frente às demandas de uma sociedade amplamente conectada, e chama atenção para a importância em perceber os alcances da ‘literacia informacional’ nos processos de ensino e aprendizagem em uma sociedade em rede onde seres humanos, cada vez mais, apresentam comportamentos continuamente parciais.

Meio século de estágio curricular nos cursos de licenciatura. O que esperar dos próximos 50 anos?

O Edital CAPES nº 06/2018 - Chamada Pública para apresentação de propostas no âmbito do Programa de Residência Pedagógica1 - provocou diversas discussões nos cursos de licenciaturas de muitas universidades brasileiras. Fundamentado em Leis, Decretos, Resoluções e Portarias, incluindo a Portaria nº 38, de 28 de fevereiro de 2018), que instituiu o Programa de Residência Pedagógica (PRP), o Edital proporcionou um conjunto de reflexões (de cunho político e pedagógico) a respeito do sentido e significado do PRP e suas indicações/orientações ao estágio curricular supervisionado.

Antes disso, ao longo dos anos de 2016 e 2017, o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID), também gerou interessantes debates sobre a formação de professores (primeira licenciatura) e suas relações com a prática docente na educação básica. Nesses anos, o PIBID parecia fazer parte da brincadeira infantil ‘vivo-morto’. Ou seja, ora surgiam notícias que o PIBID iria acabar, ou voltar em outra configuração, ora noticiava-se que o PIBID continuaria guiando-se pelo mesmo Edital por mais seis meses. Essa situação merece ser destacada porque revela que a educação brasileira ainda sofre muitas influências de governos, e não consegue, em muitos casos, consolidar uma ação do Estado brasileiro para a educação.

Esses dois Programas (PIBID e PRP), atualmente (2019/2020), refletem importantes movimentos educacionais nas licenciaturas, especialmente no que diz respeito a relação entre a universidade e a escola, assim como a relação entre teoria e prática. Contudo, embora seus objetivos2 sinalizem para o enriquecimento da formação inicial e do estágio, continuamos vivenciando uma experiência de estágio que segue um jeito de ensinar na universidade, que não dialoga franca e abertamente com a realidade da educação básica e às exigências de um tempo onde crianças, adolescentes e jovens se expressam ‘na’ e ‘em redes’.

De todo modo, independentemente de quais sejam os movimentos educacionais que visam a formação e atuação de professores, estes acontecem sob os apontamentos de uma política educacional oriunda de uma Legislação. No caso brasileiro, a Legislação que sinaliza o meio termo entre o passado e o presente do estágio curricular supervisionado é a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei Nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996 (Brasil, 1996).

As mudanças referentes ao estágio, posteriores a 1996, direta ou indiretamente, referenciam-se na LDB/1996 (Brasil, 1996), especialmente no Art. 613. Embora a Lei tenha tido alguns artigos alterados, a exemplo do Art. 61 (Incluído pela Lei nº 12.014, de 2009), ela continua sendo uma Diretriz à educação nacional, inclusive para o PIBID e PRP.

A Lei nº 12.014, de 2009 (Brasil, 2009), que alterou o Art. 61 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, com a finalidade de discriminar as categorias de trabalhadores que devem considerados profissionais da educação, ampliou os ‘fundamentos’ acerca da formação dos profissionais da educação, alargando assim a concepção de estágio, sem substituir ou excluir completamente o Art. 61 da LDB/96 (Brasil, 1996). Além dela, outros documentos como o Parecer CNE/CP 009/2001 (Brasil, 2001) e a Resolução CNE/CP n° 1/2002 (Brasil, 2002a), que tratam das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica em curso de licenciatura; a Resolução CNE/CP n° 2/2002 (Brasil, 2002b), que instituiu a duração e carga horária dos cursos de licenciatura, assim como a Lei nº 11.788, de 25 de setembro de 2008 (Brasil, 2008) (Legislação em vigor), que dispõem sobre o estágio de estudantes e apresenta base jurídica para que este permaneça vinculado ao processo educativo, também se alimentam, jurídica e pedagogicamente, na e da LDB/1996 (Brasil, 1996).

Sobre a Legislação que, direta ou indiretamente, tratou do estágio no período anterior a LDB de 1996 (Brasil, 1996), vale destacar: a Lei que fixou as normas de organização e funcionamento do ensino superior e sua articulação com a escola média, ou seja, a Lei N° 5.540, de 28 de novembro de 1968 (Brasil, 1968); a Resolução nº 9, de 10 de outubro de 1969 (Brasil, 1969)4, do Conselho Federal de Educação, que disciplinou o tema em seu Art. 2º; a Lei nº 6.494, de 07 de dezembro de 1977 (Brasil, 1977), que dispôs sobre o estágio de estudantes de estabelecimentos de ensino superior e de ensino médio regular (antigo 2º grau) e supletivo5; o Decreto nº 87.497, de 18 de agosto de 1982 (Brasil, 1982), que regulamentou a Lei nº 6.494/1977 (Brasil, 1977) e passou a estabelecer as normas para estudantes regularmente matriculados e com frequência efetiva nos cursos vinculados ao ensino oficial e particular, em nível superior e de 2º grau regular e supletivo (Art. 1º).

Em síntese, podemos dizer que, se observarmos o contexto histórico e político de toda essa Legislação e relacionarmos os objetivos das Leis, Decretos e Resoluções com ações práticas no campo educacional, veremos que a formação de professores e o próprio estágio curricular, devido as diferentes realidades da educação básica e superior em todos os entes federativos, nem sempre encontraram no debate acadêmico e científico as justificativas para uma ‘formatação’ adequada e a altura das demandas educacionais contemporâneas. Mas, se a intenção for compreender o lugar do estágio nos cursos de licenciaturas no Brasil, a dica é concentrar-se nessa Legislação6.

Parte dessa Legislação, incluindo a Lei N° 5.540, de 28 de novembro de 1968 (Brasil, 1968), (em quase toda sua integralidade, com exceção do Art. 16), foi revogada pela Lei Nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996 (Brasil, 1996) e Legislação subsequente a ela. Daí a afirmação de que a LDB/1996 (Brasil, 1996) é meio termo entre o passado e o presente do estágio curricular supervisionado. Esse resgate, entretanto, serve apenas para nos situarmos no que diz respeito ao estágio que temos. Ou seja, ele serve para dizer que, sim, temos uma Legislação com 50 anos de história, que prevê as normas para a formação inicial de professores (primeira licenciatura) e o estágio curricular supervisando vinculado a ela. Portanto o olhar a essa Legislação não deve ser estimulado apenas porque essa é a base legal que permite instituições educacionais formar professores, mas porque ao longo desse período pesquisadores, educadores, legisladores e diversos outros profissionais, assim como instituições ligadas a educação, dedicaram muitos esforços para dar vida a Legislação que temos.

E quanto aos próximos anos? Os profissionais da educação e as instituições educacionais atentos/as sabem, mais do que ninguém, que é preciso fazer uma leitura crítica da realidade para perceber o que não deve faltar à educação nos próximos anos. Muitos já perceberam que as descobertas científicas e tecnológicas das últimas décadas e suas profundas transformações nas formas de comunicação provocaram, e continuam provocando/sugerindo mudanças nos processos de ensino e aprendizagem. Eles sabem que nos próximos cinquenta (50) anos essas formas de comunicação. E, como não podemos impedi-las de existirem, o melhor é conhecê-las e ‘dominá-las’ para não nos tornarmos escravos delas.

A dinamicidade das tecnologias de comunicação e informação é tamanha que não nos permite fazer projeções deterministas sobre os próximos cinquenta anos das licenciaturas e dos estágios curriculares. Mas, aos futuros profissionais da educação fica a dica: em uma sociedade em rede, onde os dispositivos móveis estão sendo preparados para diferentes utilidades do cotidiano, ignorar e/ou proibir a presença desses dispositivos na vida dos estudantes da educação básica não será mais uma opção. Portanto, aprender com as proposições da ‘literacia informacional’, enriquecendo-a a partir de fundamentos didático-pedagógicos que expressem a rigorosidade acadêmica necessária a um processo de ensino e aprendizagem de excelência, parece ser um bom caminho a seguir.

É nesse contexto que chamo atenção para o estágio curricular supervisionado na educação básica como um momento sine qua non para a compreensão dessa realidade e dos desafios de ser professor hoje e amanhã. A ênfase à importância do estágio como condição para clarear os desafios oriundos da relação entre educação e ‘cibercultura’ vai ao encontro do que defende Loureiro e Rocha (2012), ou seja: “[...] vivemos na rede e em rede. Ser um cidadão com competências ao nível da literacia digital é fundamental” (Loureiro & Rocha, 2012, p. 2726).

Como insistiu Bauman (2014), em tempos de modernidade liquida, é preciso que saibamos distinguir informação de conhecimento, além de termos a capacidade de saber descartar as informações desnecessárias. As gerações que estão na escola hoje já nasceram conectadas há esse tempo, então, parece ser uma atitude sábia não o ignorarmos se quisermos, de fato, compreendê-lo. É isso que proponho nesse artigo ao trazer presente o conceito de ‘literacia informacional’. Antes de tratarmos dele, porém, façamos uma pausa reflexiva acerca dos desafios de ser e fazer-se escola hoje.

A compreensão das interfaces entre educação e comunicação passa pela formação de professores e pelo fazer-se escola hoje.

Pense em uma escola. Pode ser a que você estudou, estuda, ‘deu aula’ ou está atuando como docente nesse momento. Continue pensando nela. ‘Circule’ por ela. Entre em uma sala de aula. O que está vendo?

Se entre os objetos que visualiza encontra-se um ‘quadro negro’, fique tranquilo/a quanto ao lugar que ocupa sua mente nesse momento. Tranquilo/a no sentido de que está em um lugar bem conhecido, mas não se apegue a ele por conta do quadro negro (verde ou branco), pois apesar dele ser a expressão maior de uma escola e uma sala de aula, e lá permanecer: ‘vazio’, ‘fixo’ e ‘vertical’, contrapondo-se a outros instrumentos de ensino e aprendizagem, ‘cheios’, ‘móveis’ e ‘horizontais’ (Nóvoa & Amante, 2015)7, os tempos são outros e precisamos tomar ciência das mudanças para não sermos acriticamente mudados por elas.

Agora, continuando no exercício imaginário, pelo menos por um instante, procure enxergar essa sala de aula sem o quadro negro. Perceba-se, como estudante ou como professor/ora, aprendendo e ensinando nessa sala de aula sem fazer uso do quadro. Se esse exercício mental não gerou nenhuma inquietação, pergunte-se: como seria, na prática, estudar ou lecionar em uma escola onde as salas de aula são desprovidas desse instrumento?

De acordo António Nóvoa (Nóvoa & Amante, 2015), a sala de aula foi inventada a partir do quadro negro. Sua importância foi (é) tamanha que a disposição das cadeiras em fileiras em frente ao quadro define o espaço onde devem ocorrer os processos educativos. Portanto, na prática, o quadro continua sendo a ‘garantia da aula’. O poder do quadro é tão representativo em uma sala de aula que, mesmo quando um computador e um datashow passam a fazer parte dos recursos didáticos da sala, na maioria das vezes, esses instrumentos substituem o giz e pincel, mas não o jeito de ‘dar e assistir aulas’.

Mas, como se sabe, as mudanças das últimas décadas não ficaram fora da escola. O ‘mundo físico’ continua protegendo uma estrutura escolar do século passado, mas o ‘mundo virtual’ ultrapassou os muros e grades das escolas e chegou às salas de aula. Os dispositivos móveis que conectam seres humanos em redes são uma realidade nas escolas. Não podemos ignorar esse fato. Vejamos por que: um estudo sobre os ‘desafios da docência na era digital’ revela que, de acordo com relatório da União Internacional de Telecomunicação [UIT] (2015) “[...] a população online do mundo chegou a quase três bilhões de pessoas (40% da população mundial) em 2014” (Silva, Alves, & Pereira, 2017, p. 538-539). Além disso, é relevante também a informação de que o número da população com acesso à internet dobrou nos últimos cinco anos nos países em desenvolvimento.

Segundo o estudo,

No Brasil, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - PNAD (IBGE, 2013) constatou que 49,4% da população de 10 ou mais anos de idade (cerca de 85,6 milhões de pessoas) estava conectada à internet e quase metade (48%) do total de domicílios no Brasil possuíam acesso à internet. Outro cenário que o levantamento apontou foi o aumento de residências com apenas celular como meio telefônico em 2013. Ainda foram contabilizados cerca de 130,8 milhões de pessoas de dez anos ou mais, cerca de 76% da população no Brasil, com celular (Silva et al., 2017, p. 538-539).

Esses são apenas alguns dados que comprovam a existência de sociedades conectadas. Querendo, poder-se-ia destacar outros que justificam a necessidade de atentar para as influências dessas conexões, mas para não ser repetitivo e cair na obviedade, bastam esses para dizer que é inegável a modificação na forma de interagir no mundo por conta dessas conexões, e, assim sendo, temos que concordar com a ideia de que crianças, adolescentes e jovens conectados, quase que diuturnamente à internet, inevitavelmente, considerarão as informações que circulam nas mídias, parcial ou integralmente, como fontes orientadoras para suas tomadas de decisões.

É de conhecimento público que a influência das mídias digitais na tomada de decisões das pessoas vem alterando agendas políticas, econômicas, sociais e culturais no Brasil e no mundo. Partindo dessa informação, mas indo além dela, o que interessa aos profissionais da educação é saber como se faz possível enfrentar os efeitos negativos vivenciados nesse cenário. E aqui emergem os desafios de ser e fazer-se escola hoje.

As questões apresentadas no início dessa seção tinham a intenção de trazer à baila uma provocação, qual seja: se há uma nova (já não tão nova) forma de se comunicar, ensinar e aprender, então, cabe escola, lugar privilegiado para a comunicação, ensino e aprendizagem, a tarefa de acolher, conviver e responder a essa forma. A pergunta que segue a essa provocação é: a escola está preparada para enfrentar tal desafio? Essa não é uma pergunta a qual se deva dar uma resposta simples, talvez nem seja possível respondê-la, pois a escola é um termo muito amplo, quer dizer, é possível que a escola ‘A’ esteja preparada e a escola ‘B’ não esteja preparada para tal enfrentamento. Do mesmo modo, uma resposta sugestiva poderia servir a escola ‘A’ e não servir a escola ‘B’. Portanto, no lugar de procurar respostas a essa pergunta, ou se preferirem, como parte da resposta, sugiro pensar na formação de professores. Em particular, na formação dos futuros professores.

Os futuros professores devem saber que suas contribuições para que as escolas enfrentem de forma inteligente os desafios contemporâneos no campo educacional passa pela capacidade de perceber as fronteiras entre o velho e o novo; entre o obsoleto e o recente; entre o antiquado e o moderno, veja que não se trata de endeusar e nem de demonizar o que tínhamos ontem, o que temos hoje e o que poderemos ter amanhã, trata-se de aprender a fazer leituras críticas da realidade, permitindo sensibilizar-se para com os acontecimentos. Caberá aos futuros professores ter humildade, grandeza de espírito e sabedoria suficientes para entender que as informações outrora disponíveis em enciclopédias e almanaques, e mais recentemente em livros didáticos, que tinham nos professores os principais articuladores e ‘explicadores de seus significados’, agora, na era digital, “[...] passaram a ser disseminadas em alta escala e o conhecimento adquirido hoje fica obsoleto em pouco tempo” (Silva, et al., 2017, p. 339). Nessa configuração, com a modificação acelerada da produção e disseminação de informações, as relações humanas, ativa ou passivamente, também são alteradas. Eis a razão pela qual a escola não pode ‘virar as costas’ aos seres humanos que por ela circulam, assim como aos dispositivos móveis que eles carregam em suas mochilas, nos bolsos, debaixo da carteira, enfim, a que estão permanentemente conectados. É em meio a esse contexto, ativamente envolvido sem ser absorvido por ele, que reside a contribuição dos professores na constituição de uma escola a altura dos desafios contemporâneos.

Quem conhece a realidade da educação básica pública brasileira sabe que, no que se refere às demandas relacionadas a ‘cibercultura’, enfrentá-las, em alguns casos, é uma tarefa hercúlea, isso porque, para a escola conseguir ser e fazer-se a altura das exigências da atualidade ela deveria ter condições mínimas para pôr em prática projetos que possam explorar os objetos investigados, mas no que se refere as tecnologias de informação e comunicação, por exemplo, grande parte das escolas, embora estejam informatizadas, não conseguem apresentar e esclarecer em seus Projetos Políticos Pedagógicos (PPPs) uma ação que indique como ela está organizada para enfrentar as ‘exigências’ da contemporaneidade. Dito de outro modo, se tudo, ou quase tudo, que há na escola está associado a um período anterior à emergência das tecnologias de comunicação e informação que desencadearam a criação e desenvolvimento permanente de dispositivos móveis de uso frequente das crianças, adolescentes e jovens, como ela conseguirá ficar à frente das descobertas e inovações que emergem nesse campo?

O Brasil é um país muito grande, social e culturalmente diversificado, por isso não é correto generalizar acontecimentos, nesse caso, acontecimentos vivenciados no campo educacional. Assim sendo, nunca é demais frisar: o que aqui está sendo dito acerca da escola e da educação básica, tem como suporte produções bibliográficas e documentais sobre esses objetos de estudo e, principalmente, as experiências adquiridas no convívio com estudantes de licenciaturas nas disciplinas de estágio curricular supervisionado; com ‘pibidianos/as’ e ‘residentes’ e, também, nos Programas de Formação Continuada de Professores. É com esse público que venho debatendo sobre ‘ser e fazer-se escola hoje’. Em meio às demandas dessa experiência chegamos ao conceito de ‘literacia informacional’. As constatações prévias indicam que a ‘literacia informacional’ pode ser uma luz à didática e a metodologia que guiam processos de ensino e aprendizagem. Vejamos o que é e como esse conceito pode contribuir no percurso formativo de futuros/as professores/as.

Os alcances da literacia informacional frente às demandas de uma sociedade em rede

Para início de conversa, penso ser importante dizer que: relutei em discutir esse conceito. Sim, tive algumas preocupações em utilizá-lo, especialmente por ser, no Brasil, um conceito ainda pouco debatido. Contudo, como já fora destacado, o trabalho desenvolvido com professores da rede básica de ensino e com estudantes de licenciaturas8 fez brotar um conjunto de questões que ‘exigiram’ respostas às manifestações dos participantes dos Programas citados, em especial, às manifestações dos estagiários em época de visitas nas escolas para realização do estágio curricular supervisionado.

Não raras vezes os/as futuros/as professores/as, após a primeira experiência na escola, afirmaram não saber como fazer a ligação entre o que estavam aprendendo na universidade (e a forma como aprendiam), com o que estava sendo ensinado (e a forma como estava sendo ensinado) na escola. Mas para além dessa angústia, sempre se fez presente a agonia dos/as acadêmicos/as em não enxergarem correspondências entre o que os/as professores/as (nas escolas) falavam e os estudantes (educação básica) ouviam, o contrário também se revelou preocupante na interpretação dos/as acadêmicos/as.

O relato de um acadêmico após terminar a disciplina de estágio supervisionado II explica essa preocupação:

[...] professor, eu assisti aulas de quatro disciplinas, vi poucas diferenças entre uma e outra no que diz respeito a didática dos professores e a participação dos alunos, mas o que mais me apavorou é que eu não consegui perceber uma conexão entre o que os professores falavam, apontando para o quadro, e o que os alunos faziam nas carteiras. Eles - os alunos - ficavam mexendo no celular, conversando com os colegas, ou fazendo outras coisas, tudo menos prestando atenção nos professores. Um e outro prestava atenção.

Foi em função de relatos como esse que aceitei a sugestão/provocação para preparar uma aula a partir de uma temática que não ignorasse o que estava sendo vivenciado por aquele grupo de estagiários/as. O passo seguinte deu-se na direção de pesquisas que abordassem temas que possibilitassem problematizar as angústias dos/as estagiários/as e, se possível, apontassem algumas luzes, assim cheguei ao conceito ‘literacia informacional’.

Conforme veremos nos parágrafos seguintes, esse conceito sofre variações quanto à terminologia, mas, de acordo com as estudiosas do assunto Ana Loureiro e Dina Rocha, para respeitarmos a transversalidade do conceito e não nos afastarmos do contexto das demais teorias de ensino e aprendizagem que circulam pela escola, na língua portuguesa, é sugestivo utilizar ‘literacia informacional’ (LI). Segundo as autoras, essa terminologia,

Será aquela que deverá ser adotada se tivermos em conta todos os aspetos inerentes ao conceito, implicando desde as teorias de ensino/aprendizagem, geradas pelas ciências da educação, as questões cognitivas, apresentadas pela psicologia, as questões sociais apresentadas pela sociologia através do desenvolvimento sócio-cultural dos contextos, onde estas práticas estão inseridas (Loureiro & Rocha, 2012, p. 2730).

Em função dessa abrangência, segundo as autoras, deve-se considerar a natureza transversal deste conceito. Nesse sentido, é preciso ficar atento aos diferentes aspectos da terminologia para não cair em interpretações equivocadas quanto ao seu uso. Afinal, embora esse conceito tenha origem na década de 1970, “[...] o seu efetivo desenvolvimento está relacionado com a expansão das tecnologias da informação e a evolução da Era da Informação” (Loureiro & Rocha, 2012, p. 2730).

Uma das possibilidades para não cair em equívocos quanto ao significado das terminologias, é perceber as aproximações e distanciamentos entre os conceitos de ‘literacia digital’ e ‘literacia da informação’. De acordo com Loureiro e Rocha (2012), vivemos em sociedades que se relacionam na rede e em rede e, “[...] a Literacia Digital e a Literacia da Informação são agora conceitos-chave desta sociedade em rede” (Loureiro & Rocha, 2012, p. 2727). Nessa nova configuração de relacionamentos, “[...] cada cidadão deve possuir competências ao nível da Literacia Digital e da Literacia da Informação” (Loureiro & Rocha, 2012, p. 2727). Mas qual a diferença entre esses conceitos?

Segundo Loureiro e Rocha (2012), por ‘literacia digital’ entende-se:

A capacidade que uma pessoa tem para desempenhar, de forma efetiva, tarefas em ambientes digitais - incluindo a capacidade para ler e interpretar media, para reproduzir dados e imagens através de manipulação digital, e avaliar e aplicar novos conhecimentos adquiridos em ambientes digitais (Loureiro & Rocha, 2012, p. 2727).

Quanto à ‘literacia informacional’, embora suas propriedades e aplicabilidades sejam semelhantes à ‘literacia digital’, ela vai além ao sugerir que “[...] o processo de ensinar e aprender sobre a tecnologia e sobre o uso da tecnologia […] requer capacidades sofisticadas de pesquisa e processamento da informação (isto é, ‘literacia da informação’)” (Loureiro & Rocha, 2012, p. 2727, grifo do autor).

Em um estudo que se preocupou com a revisão de literatura dessas terminologias, Faria e Ramos (2012) destacam que esses conceitos [...] ora surgem como quase sinónimos, para alguns autores, ora com definições distintas, para outros” (Faria & Ramos, 2012, p. 29). Assim sendo, “[...] o que uns consideram literacia digital é por outros denominado literacia informacional” (Faria & Ramos, 2012, p. 29). Apesar disso, baseado no estudo exploratório em resumos de artigos que tratam dessas terminologias, os autores afirmam que “[...] ‘literacia digital’ aponta para usos elementares e instrumentais de recursos digitais” (Faria & Ramos, 2012, p. 29, grifo do autor), enquanto que, “[...] ‘literacia informacional’ para uma utilização reflexiva e crítica, baseada em processos de pensamento de ordem superior, desses recursos, ao serviço da pesquisa, tratamento e análise da informação” (Faria & Ramos, 2012, p. 29, grifo do autor).

É importante salientar que quando se trata de digitally literate, diversos termos são utilizados para tratar do assunto. Sobre isso, Loureiro e Rocha (2012) afirmam que poderá parecer desnecessário chamar atenção sobre essas diferentes terminologias, mas “[...] este facto é fundamental, visto que sendo desenvolvidos em contextos diferentes, poderão trazer mais valias para a partilha de experiências e projetos internacionais - como já hoje acontece” (Loureiro & Rocha, 2012, p. 2730-2731)9. Ou seja, em nível internacional, instituições como a International Federation Library Association (IFLA), a Unesco, a OCDE e a União Europeia, por exemplo, expressam o seu interesse por este assunto, destacando que, atualmente, “[...] a LI é uma questão central para os governos e para as instituições profissionais, culturais, organizacionais e educacionais” (Loureiro & Rocha, 2012, p. 2731). Além disso, essas instituições organizam eventos e publicam informações científicas e legislativas sobre o tema. Como são instituições internacionais, o envolvimento com os contextos locais e a ênfase em um termo ou em outro pode desencadear o desenvolvimento de diferentes práticas que se associam a um termo ou outro. Daí a importância em compreender o significado das diferentes terminologias, bem como suas vivências em diferentes contextos.

Este artigo não tem como prioridade discutir cada um dos termos citados, apenas faz um resgate deles, mas, mesmo assim, a essa altura do texto, espera-se que já esteja claro a opção por uma das terminologias e os motivos dessa escolha. Caso ainda haja dúvidas, vale ressaltar a opção pela ‘literacia informacional’. Esta escolha se deve ao alargamento das suas possibilidades em relação às demais terminologias, entre elas a ‘literacia digital’, e, obviamente, a maior frequência do uso desse termo na língua portuguesa.

É claro que, apesar de um uso mais frequente na língua portuguesa, ainda temos muito que aprender com esse termo. Talvez seja essa a razão pela qual Faria e Ramos afirmam que “[...] é preciso dedicar mais tempo em sala e em deveres de casa que lidem com a literacia informacional, e defendam uma abordagem mais balanceada do preparo na educação infantil” (Faria & Ramos, 2012, p. 48). Nos artigos que analisaram em seus estudos, os autores descobriram que estudiosos dedicados ao assunto há mais tempo defendem que “[...] desde o Jardim de Infância os alunos devem ser habituados a não consumir passivamente a informação que encontram” (Faria & Ramos, 2012, p. 48). Essa constatação convenceu os autores da importância da instrução para uma ‘literacia informacional’ desde o início da educação infantil, pois, segundo eles, “[...] pesquisas sugerem que uma precoce instrução para literacia informacional [...] promove o pensamento crítico e eleva a habilidade de resolução de problemas, duas ferramentas necessárias para a sobrevivência na atual Era da Informação” (Faria & Ramos, 2012, p. 48)10.

Concordo com essa última ideia, ou seja, com a instrução para a ‘literacia informacional’ como condição para a ‘promoção do pensamento crítico e a elevação da habilidade para resolver problemas’. Minha concordância está baseada na convicção de que os alunos da educação básica já romperam com as fronteiras entre o ambiente físico e virtual, e não querem mais saber se um dia a ‘fórmula de Bhaskara vai sumir da nuvem’, sim, isso é preocupante. Ou seja, e se um dia não tiver mais lugar para armazenar informações, perguntam os professores? Bem, isso é uma preocupação nossa - dos professores, com ‘cabeças de professores’ -, mas não dos alunos. Portanto, equacionar esses discursos em forma de aula, e não em novos discursos, é uma tarefa que terá que ser enfrentada, principalmente pelos que vem - os/as futuros/as professores/as.

Aqueles e aquelas que estão acostumados com um jeito de ‘dar aulas’ que foi interiorizado ao longo de muitos anos, possivelmente terão dificuldades para apreender como crianças, adolescentes e jovens estão consumindo informações e significando-as nas visões de mundo que constroem. Entretanto, não é possível continuar adiando essa tarefa. Aprender a ser professor em um contexto marcado pelas relações em rede é um processo inerente à profissão docente.

Mas atenção! Não se trata de teorizar sobre essa realidade, elaborar discursos para formação de professores etc., se trata de entrar em sala de aula toda semana, ao longo de duzentos (200) dias letivos, e ‘dar aula’ a partir dessa realidade. Eis a alternativa. Vivenciá-la é possível, mas seu êxito depende, em grande medida, do ‘lugar’ do estágio na matriz curricular dos cursos de licenciatura. Arisco a dizer que, se o estágio possibilitar aos estagiários encontrarem os caminhos da ‘literacia informacional’ em suas incursões nas escolas, a interface educação e ‘cibercultura’ será captada com mais nitidez e, consequentemente, compreendida com maior senso de realidade.

Considerações finais

Os futuros professores que comigo dialogam, sejam estagiários, pibidianos ou residentes, na sua grande maioria, tem entre 18 e 25 anos de idade. Ou seja, nasceram na década de 1990, na emergência da World Wide Web11. No início dos anos noventa a Internet ganhou uma enorme popularidade no mundo inteiro por conta da disseminação da World Wide Web, nesse momento, nascia e crescia os futuros professores que hoje (início da segunda década do século XXI)), estão preocupados em como atuar em sala de aula para dar conta das exigências das gerações que nasceram posterior a eles. Agora veja, se os que já nasceram com a Internet estão se sentindo alheios ao mundo das crianças, adolescentes e jovens que estão frequentando a educação básica, imagine como se sentem as gerações de professores que o antecederam?

É obvio que muitos docentes, incluindo aqueles em processo de aposentadoria, não encontram dificuldades para lidar com as tecnologias, mas não é disso que se trata. Uma coisa é entender de tecnologia e ter ciência de sua importância na educação, outra, e bem diferente, é viver em uma sociedade na rede e em rede, imbricando-se com o ônus e o bônus das conexões vivenciadas.

As exigências aos profissionais da educação da atualidade diferem muito das exigências das décadas de 1990, 2000 e, ‘até ontem’. Entretanto, mesmo sabendo disso, com frequência pergunto aos futuros professores: ‘Vocês acreditam que a formação acadêmica que estão tendo fará de vocês a geração de professores que responderá os desafios de ‘dar aula’ para uma geração de pessoas que nasceram e cresceram em uma sociedade que se relaciona na rede e em rede?’ A resposta, quase sempre, é não. Portanto, não vamos nos enganar, precisamos potencializar os/as futuros professores para que eles deem início a um novo processo de formação que fará das gerações subsequentes profissionais mais preparados às exigências contemporâneas.

É nesse contexto que o olhar à formação dos futuros professores ganha importância, ou seja, apesar dos relatos dos sujeitos que inspiraram esse artigo indicarem preocupações quanto aos desafios da relação educação / ‘cibercultura’, é neles e com eles que se concentram as possibilidades que poderão se tornar as mais qualificadas no enfrentamento às reivindicações educacionais de uma sociedade em rede. Não são eles os únicos responsáveis por isso, mas por eles passarão as ações com fins de esclarecimentos sobre o comportamento humano em uma sociedade que não para de fazer aproximações entre o ambiente físico e ciber.

Os futuros professores poderão aprender durante todo o percurso formativo, como identificar e enfrentar as reivindicações que emergem na interface Educação e Comunicação, mas é no estágio curricular supervisionado que se concentram as possibilidades para um ‘captar mais enriquecido’ da realidade educacional. É durante as visitas nas escolas e no conhecimento do contexto histórico-geográfico-social onde ela está inserida, bem como no contato direto com os estudantes da educação básica, que os futuros professores poderão iniciar uma incursão ao cotidiano das crianças, adolescentes e jovens do século XXI, percebendo suas formas de interação com seus semelhantes e com o mundo. É dessa experiência que poderá emergir as respostas mais apropriadas ao enfrentamento das demandas educacionais do nosso tempo.

Por fim, é importante dizer: não há razões para desespero, mas há, e suficientes razões, para a defesa de que a formação inicial de professores deve acontecer mais próxima da educação básica. A atual Legislação, aos poucos, vem ampliando essa aproximação (o PIBID e o PRP têm contribuído para isso), entretanto, as matrizes curriculares dos cursos de licenciaturas, na sua grande maioria, se mantém como eram no século passado. Diante desse cenário, não defendo nem proponho mudanças radicais na e para formação de professores, apenas sugiro que ao estágio curricular supervisionado seja dado às condições necessárias para a percepção das exigências docentes na educação básica. Nesse sentido, colocar o estágio nos caminhos da ‘literacia informacional’ parece ser uma profícua saída. Afinal, aprender a fazer a gestão crítica do uso das informações disponíveis é, sem dúvida, é uma importante ação que deve estar à frente das necessidades, desejos, pretensões, emergências e solicitações básicas para uma vida decente em nossa época.

Em síntese, os cursos de licenciatura devem manter no centro do processo formativo a importância da profissão docente e dos princípios científico-pedagógicos necessários aos processos de ensino e aprendizagem, mas precisam adequar suas matrizes curriculares considerando as possiblidades de acesso ao conhecimento proporcionado pelas tecnologias de informações comunicação disponíveis. Nesse sentido, atentar às proposições da ‘literacia informacional’ durante a formação inicial (primeira licenciatura), é uma ação a ser considerada e, continuamente problematizada.

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1Informações sobre o Programa Residência Pedagógica (PRP) podem ser acessadas em: Brasil. Ministério da Educação. Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior [CAPES]. (2018).

2Os objetivos do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID) estão disponíveis em: https://www.gov.br/capes/pt-br/acesso-a-informacao/acoes-e-programas/educacao-basica/pibid. Da mesma forma, os objetivos do Programa Residência Pedagógica (PRP) estão disponíveis em: https://www.gov.br/capes/pt-br/acesso-a-informacao/acoes-e-programas/educacao-basica/programa-residencia-pedagogica

3A formação dos profissionais da educação, de modo a atender às especificidades do exercício de suas atividades, bem como aos objetivos das diferentes etapas e modalidades da educação básica, terá como fundamentos: I - a presença de sólida formação básica, que propicie o conhecimento dos fundamentos científicos e sociais de suas competências de trabalho (Incluído pela Lei nº 12.014, de 2009 (Brasil, 2009); e, II - a associação entre teorias e práticas, mediante estágios supervisionados e capacitação em serviço (Incluído pela Lei nº 12.014, de 2009 (Brasil, 2009).

4Em seu Art. 2º, a Resolução nº 9, de 10 de outubro de 1969, do Conselho Federal de Educação, disciplinou o tema ao afirmar que: “[…] será obrigatória a prática de ensino das matérias que sejam objeto de habilitação profissional, sob forma de estágio supervisionado a desenvolver-se em situação real, de preferência em escola da comunidade” (Brasil, 1969).

5No Art. 2º, a Lei nº 6.494, de 07 de dezembro de 1977, diz que: “Considera-se estágio curricular [...] as atividades de aprendizagem social, profissional e cultural, proporcionadas ao estudante pela participação em situações reais de vida e trabalho de seu meio, sendo realizadas na comunidade em geral ou junto a pessoas jurídicas de direito público ou privado, sob responsabilidade e coordenação da instituição de ensino” (Brasil, 1977).

6Como já foi anunciado, não é objetivo desse artigo aprofundar concepções de estágio e da Legislação que o regulamenta. A preocupação aqui é apenas localizar, brevemente, a configuração legislativa do estágio que temos. Para quem quiser aprofundar o estudo sobre a história do estágio, sugiro ver os artigos: a) Histórico e aplicação da legislação de estágio no Brasil (Colombo & Ballão, 2014) e, b) Estágio curricular supervisionado no ensino superior brasileiro: algumas reflexões.

7No artigo: Em busca da liberdade. A pedagogia universitária do nosso tempo.António Nóvoa e Lúcia Amante (2015) apresentam a metáfora do quadro negro, para explicar a ascensão e queda da pedagogia moderna, consagrada a partir de meados do século XIX.

8Ao longo dos últimos dos anos atuei como professor e orientador de estágio em curso de graduação (Licenciatura); Supervisor Institucional do Pacto Nacional Pelo Fortalecimento do Ensino Médio (PNEM); Coordenador de área do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID); Coordenador do Programa Residência Pedagógica (PRP).

9De acordo com as autoras “[...] um outro termo, o primeiro a ser mais utilizado, devido às necessidades do próprio contexto, é o termo Information Literacy - esta terminologia anglo-saxónia tem sido a mais divulgada, sobretudo por uma necessidade inerente à sua génese e desenvolvimento como conceito e desenvolvimento das práticas associadas. Um terceiro termo, atualmente bastante utilizado, sobretudo pelo enorme contributo da comunidade de países de língua espanhola, quer na aplicação do conceito e prática, assim como no desenvolvimento de literatura científica sobre este tema é - Alfebatización Informacional (Loureiro & Rocha, 2012, p. 2730-2731).

10No artigo Literacia digital e literacia informacional: breve análise dos conceitos a partir de uma revisão sistemática de literatura,Altina Ramos e Paulo Faria (2012), apresentam, de maneira mais detalhada, tanto as dimensões específicas, quanto as dimensões comuns à da ‘literacia digital’ e ‘literacia informacional’.

11A World Wide Web (WWW), ou simplesmente Web, uma nova ferramenta também nascida no mundo acadêmico, que, aos poucos e por caminhos tortuosos, foi passando sobre as questões de dificuldade de uso, de abrangência das informações e de universalidade de acesso e acabou por transformar, de vez, os anos noventa na “[…] década da Internet” (Carvalho, 2006, p. 127). O britânico Timothy John Berners-Lee, físico por formação e engenheiro de software por vocação e profissão, é tido como o criador da Web, e de fato é o grande responsável, mas segundo ele próprio: “A Web surgiu como resposta a um desafio em aberto, através de um redemoinho de influências, idéias e realizações de muitos lados até que, por extraordinários ofícios da mente humana, um novo conceito se materializou. Foi um processo de crescimento por etapas, e não uma solução linear de um problema bem definido após o outro” (Berners-Lee, 1999 apud Carvalho, 2006, p. 127).

24NOTA: O autor Claudecir Dos Santos foi responsável pela concepção, análise e interpretação dos dados; redação e revisão crítica do conteúdo do manuscrito e, ainda, aprovação da versão final a ser publicada

Recebido: 17 de Março de 2020; Aceito: 15 de Maio de 2020

E-mail: claudecir.santos@uffs.edu.br

Claudecir Dos Santos: Doutor em Filosofia pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS (2013). Mestre em Educação pela Universidade de Passo Fundo - UPF (2009). Desenvolveu pesquisa de Pós-doutorado em Educação Comparada, junto ao Grupo de Investigación (GIR) de Educación Comparada Y Políticas Educacionais (ECPES) da Universidade de Salamanca - USAL, Espanha (2020). Líder do Grupo de Pesquisa Educação, Filosofia e Sociedade (GPEFS/UFFS/CNPq). Atualmente Professor no Programa de Pós-graduação - Mestrado em Educação -, e no Curso de Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal a Fronteira Sul (UFFS), campus Chapecó/SC. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3304-757X E-mail: claudecir.santos@uffs.edu.br

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