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Acta Scientiarum. Education

versão impressa ISSN 2178-5198versão On-line ISSN 2178-5201

Acta Educ. vol.44  Maringá  2022  Epub 01-Maio-2022

https://doi.org/10.4025/actascieduc.v44i1.52736 

FORMAÇÃO DE PROFESSORES E POLÍTICAS PÚBLICAS

Algoritmos, engajamento, redes sociais e educação

Algoritmos, compromiso, redes sociales y educación

Rodrigo Otávio dos Santos1 
http://orcid.org/0000-0001-5050-1637

1Programa de Pós-Graduação em Educação e Novas Tecnologias, Centro Universitário Internacional, Rua do Rosário, 147, 80020-110, Curitiba, Paraná, Brasil.


RESUMO.

Esse artigo pretende discutir questões acerca da Educação permeada pelas novas redes sociais que estão permanentemente em contato com os estudantes. Portanto, nosso objetivo principal é analisar de que forma os algoritmos, o engajamento e as redes sociais afetam os indivíduos e, mais especificamente, os estudantes. Para tanto, primeiro verificamos as características dos algoritmos, discutindo o que são, qual sua influência no cotidiano, o problema do julgamento arbitrário e de seu formato de caixa preta indecifrável. Adiante, analisamos as redes sociais e o processo de engajamento. Discutimos o que são essas redes, sua influência no mundo contemporâneo, a falta de filtro em postagens e a característica de tela opaca. Também analisamos a questão capitalista de que apenas uma rede de cada tipo pode sobreviver no mercado, além das consequências de um engajamento forçado, os efeitos das interações e as relações com notícias falsas ou teorias da conspiração, bem como a hierarquia entre homem e máquina nessa configuração. Por último, refletimos sobre o processo educacional no qual apresentamos questões como a concentração dos discentes, a dificuldade de triagem da informação correta e a função curadora do professor. Nossa base metodológica consiste em pesquisa bibliográfica e exploratória, com a finalidade de ampliar a discussão. Nosso principal resultado é justamente o debate em torno do tema, buscando apresentar elementos para uma melhor compreensão do fenômeno, tentando com isso fomentar novas possibilidades de entendimento desses elementos e uma melhor relação ensino-aprendizagem no mundo conectado por redes sociais e seus algoritmos. A principal conclusão que podemos tirar é que as redes sociais imbricadas na sociedade influenciam por demais a educação e as formas como jovens aprendem, modificando alguns elementos no cerne da educação, e que são muitos os desafios postos e vindouros, e que cabe aos profissionais da educação conhecer a máquina para não ser sobre pujado por ela.

Palavras-chave: ensino; tecnologia; algoritmo; professor; internet; comunidade

RESUMEN.

Este artículo tiene como objetivo debatir cuestiones relacionadas con la educación que están impregnadas por las nuevas redes sociales que están en contacto permanente con los estudiantes. Por lo tanto, nuestro objetivo principal es analizar cómo los algoritmos, el compromiso y las redes sociales afectan a las personas y, más específicamente, a los estudiantes. Para hacerlo, primero verificamos las características de los algoritmos, discutiendo cuáles son, cuál es su influencia en la vida diaria, el problema del juicio arbitrario y su formato de caja negra indescifrable. A continuación, analizamos las redes sociales y el proceso de participación. Discutimos cuáles son estas redes, su influencia en el mundo contemporáneo, la falta de filtrado en las publicaciones y la característica de la pantalla opaca. También analizamos la cuestión capitalista de que solo una red de cada tipo puede sobrevivir en el mercado, además de las consecuencias del compromiso forzado, los efectos de las interacciones y las relaciones con noticias falsas o teorías de conspiración, así como la jerarquía entre el hombre y la máquina. Configuración. Finalmente, discutimos el proceso educativo, en el cual presentamos temas como la concentración de los estudiantes, la dificultad de clasificar la información correcta y el papel de curador del maestro. Nuestra base metodológica consiste en investigación bibliográfica y exploratoria, con el fin de ampliar la discusión. Nuestro principal resultado es precisamente el debate sobre el tema, buscando presentar elementos para una mejor comprensión del fenómeno, tratando de fomentar nuevas posibilidades para comprender estos elementos y una mejor relación de enseñanza-aprendizaje en el mundo conectado por las redes sociales y sus algoritmos. La principal conclusión que podemos extraer es que las redes sociales que se entrelazan en la sociedad influyen en demasiada educación y en las formas en que los jóvenes aprenden, cambiando algunos elementos en el corazón de la educación, y que hay muchos desafíos planteados y por venir, y que depende de los profesionales de educación para conocer la máquina para no ser dominada por ella.

Palabras clave: enseñanza; tecnología; algoritmo; profesor; internet comunidade

ABSTRACT.

This article aims to discuss questions about Education permeated by the new social networks that are permanently in contact with students. Therefore, our main objective is to analyze how algorithms, engagement and social networks affect individuals and, more specifically, students. To do so, we first checked the characteristics of the algorithms, discussing what they are, what their influence on daily life, the problem of arbitrary judgment and its undecipherable black box format. Ahead, we analyze social networks and the engagement process. We discussed what these networks are, their influence in the contemporary world, the lack of filtering in posts and the feature of opaque screen. We also analyzed the capitalist question that only one network of each type can survive in the market, in addition to the consequences of forced engagement, the effects of interactions and relationships with false news or conspiracy theories, as well as the hierarchy between man and machine in that configuration. Finally, we discuss the educational process, in which we present issues such as the difficulty of students' concentration, the difficulty of sorting the correct information and the teacher's healing function. Our methodological basis consists of bibliographic and exploratory research, with the purpose of broadening the discussion. Our main result is precisely the debate around the theme, seeking to present elements for a better understanding of the phenomenon, thereby trying to foster new possibilities for understanding these elements and a better teaching-learning relationship in the world connected by social networks and their algorithms. The main conclusion that we can draw is that the social networks that are interwoven in society influence too much education and the ways in which young people learn, changing some elements at the heart of education, and that there are many challenges posed and to come, and that it is up to the professionals of education to know the machine so as not to be overpowered by it.

Keywords: teaching; technology; algorithm; teacher; internet; community

Introdução

O mundo contemporâneo está permeado de distrações, intrusões, alheamentos e outros elementos que tornam a capacidade de concentração de nossos alunos cada vez mais difícil, bem como parece ser cada vez mais complexo descobrir se uma informação é ou não verídica na rede mundial de computadores, além da dificuldade promovida pela radicalização de pontos de vista na sociedade. Boa parte destes problemas que urgem à nossa volta são promovidos em parte ou na totalidade pela disseminação das redes sociais computacionais, que por meio de seus algoritmos e suas estratégias de engajamento realizam uma mudança nas relações humanas.

Este artigo, de caráter bibliográfico, propõe uma pesquisa exploratória, como explicam Moreira e Caleffe (2008), com a finalidade de ampliar a discussão de um tema tão abrangente e tão atual na sociedade ocidental contemporânea como a relação entre os algoritmos computacionais, o engajamento das redes sociais e a educação. Este artigo, portanto, tem como objetivo apresentar alguns questionamentos e buscar promover a reflexão sobre o tema, trazendo à luz não apenas definições de elementos, mas também a imbricação destes para o que podemos considerar como nova onda da cibercultura, em que a atuação dos objetos técnicos e a agência humana permeiam nosso cotidiano de diversas formas e, no caso aqui especificado, as dificuldades enfrentadas por parte dos estudantes por conta desta nova faceta tecnológica que ao mesmo tempo que nos afaga, nos agride cotidianamente.

Algoritmos

Os algoritmos, de acordo com Medina e Fertig (2005), são conjuntos de regras e procedimentos lógicos perfeitamente definidos que levam à solução de um problema em um número finito de etapas, segundo definição formalizada em 1936 pelos matemáticos Alonzo Church e Alan Turing. A palavra algoritmo, por sua vez, deriva do nome do matemático persa Muhammad ibn Mûsâ al-Khowârizmi, que, de acordo com Leavitt (2011) escreveu um dos textos matemáticos mais importantes do mundo antigo, o Kitab al-jabr wa’ l-muqabala.

No mundo contemporâneo, porém, algoritmos são as regras para que determinado programa informático funcione. Isso se dá tanto nos supercomputadores como os do CERN quanto no pequeno chip utilizado em cartões de crédito. Entretanto, o foco desta pesquisa recai nos dois equipamentos mais comumente utilizados pelos estudantes de forma geral: computadores e smartphones1.

Os algoritmos, portanto, são peça chave do mundo atual, e todos os estudantes estão imersos neste mundo onde utilizam diuturnamente essas complexas peças matemáticas sem ao menos saber disso. O cotidiano das escolas e faculdades está repleto de utilização de algoritmos, e não apenas dentro do ambiente escolar. Do despertador ao trajeto para a escola, do almoço à janta, em nossa atividade laboral ou em nossos momentos de descanso, vivemos, como explora Sumpter (2019) rodeados dessas fórmulas matemáticas.

E esses conjuntos de instruções não são aleatórios, muito menos neutros. Como afirma Vieira Pinto (2005), todas as tecnologias são criadas e mantidas por interesses mais ou menos explícitos de grupos mais ou menos visíveis. De qualquer forma, essas estruturas matemáticas que promovem o uso de aplicativos e, mais especificamente, de redes sociais, existem para captar o máximo de informação possível do indivíduo que as usa, promovendo uma rede mercadológica cujo objetivo final é o lucro dos acionistas de tais redes.

O problema, porém, é que estudantes estão sendo expostos cotidianamente a estas fórmulas matemáticas que possivelmente nenhum ser humano consiga compreender na totalidade, como a caixa preta já explicitada por Flusser (2011, p. 26, grifo do autor): “[...] isso porque o complexo ‘aparelho-operador’ é demasiadamente complicado para que possa ser penetrado: é caixa preta e o que se vê é apenas o input e o output. Quem vê input e output vê o canal e não o processo codificador que se passa no interior da caixa preta”. Assim, fica evidente que somos apenas utilizadores da máquina matemática complexa que propõe que entreguemos a ela todos nossos dados, como explicita Lanier (2018).

Mais do que isso, como desvenda Sumpter (2019), esses algoritmos são os segredos mais bem guardados da indústria da informática, uma vez que não têm sua fórmula explicitada em nenhum lugar no mundo e tais fórmulas são alteradas de tempos em tempos por razões de performance ou quando há alguma investigação, seja ela jornalística, acadêmica ou criminal (Sumpter, 2019).

Esses segredos, por sua vez, obedecem às decisões de grupos que acabam se tornando hegemônicos e cujos tentáculos se estendem por uma grande faixa populacional, indistintamente no ocidente e no oriente, na parte norte ou sul do globo. Onde existir um aparelho de telefonia celular, haverá diversos algoritmos trabalhando. Como informa Castells (2018), no mundo atual, a predominância de empresas como Alphabet (dona da Google), Twitter e Facebook chegam a ameaçar a soberania nacional, colocando em xeque vários pilares da democracia construídos ao longo de séculos.

Essas instituições estão de tal forma grandes, e sabem tanto sobre os indivíduos que seus algoritmos são chamados por O’Neil (2016, p. 1, tradução nossa) de “[...] armas de destruição matemáticas”2. A Alphabet, por meio do conjunto de algoritmos do Google, consegue não apenas saber o que pesquisamos na internet, mas também consegue prever nossas próximas decisões de compra, deslocamento ou em quem votaremos nas próximas eleições. Ainda que isso se aproxime da ficção científica de Isaac Asimov e seu personagem psico-historiador Hari Seldon, está acontecendo atualmente no mundo. E, como explicita O’Neil (2016), promovendo desigualdade nas comunidades. A empresa Facebook também é capaz de influenciar indivíduos no que tange às suas escolhas políticas, como ficou patente no caso Cambridge Analytica, analisado também por Sumpter (2019).

Esta empresa, de posse de bilhões de dados de usuários, promoveu algoritmos capazes de direcionar propagandas de forma tão específica que o eleitor se motivava a votar em um ou outro candidato na corrida eleitoral. Uma parte dessa propaganda era feita em forma de comerciais, outra parte era promovida pelo direcionamento de postagens de outros indivíduos, ou seja, o algoritmo fazia com que postagens de pessoas comuns fossem direcionadas à outras pessoas comuns, criando uma bolha de informações direcionada, de forma que o eleitor não conseguia ver o panorama mais amplo. Basicamente, como argumenta Lanier (2018), o usuário foi isolado, bombardeado por informações que provinham de apenas um lado do espectro político. E, mais do que isso, foi bombardeado com propagandas feitas sob medida para ele, reforçando, no ponto mais suscetível do indivíduo, o que desejava o candidato. Para Castells (2018), essa foi uma das principais razões que levaram Donald Trump ao poder nos EUA: As fake news3 que eram implantadas nas redes sociais dos eleitores por meio de algoritmos.

Assim, diferente de outros momentos da História da humanidade, onde máquinas modificavam status empregatício, como nas revoluções industriais, a máquina matemática algorítmica promove mudanças não apenas nas relações laborais, mas também nas relações políticas e humanas, no convívio entre dois ou mais indivíduos. E, além disso, promovem um julgamento arbitrário.

Sumpter (2019) nos diz que um dos maiores problemas dos algoritmos atuais é que, por serem automáticos e automatizados, a ação humana em determinado momento deixa de ter uma visão reflexiva e crítica para se tornar uma visão apenas técnica. É um fenômeno correlato ao do médico que não mais examina o doente, apenas lê os exames e por meio deles toma uma atitude, praticamente ignorando a figura humana à sua frente. Assim, deixamos os algoritmos nos julgarem. E eles os fazem de forma arbitrária, fria e que jamais esquece um deslize. Por isso, agora acompanhando o raciocínio de O’Neil (2016), podemos dizer que para um algoritmo, um aluno ruim sempre será ruim, com pouca ou nenhuma chance de redenção. Ora, todos sabemos que podemos cometer enganos ao longo da vida, e um adolescente, por exemplo, é mais propenso a cometer deslizes do que crianças ou adultos. O algoritmo, entretanto, ignora a questão psicológica envolvida no processo da adolescência. E julga o indivíduo mesmo assim.

Há uma diferença entre o sentido moral e o sentido matemático, e a justiça dos homens não deriva apenas da lógica ou de dados frios.

Para dificultar ainda mais a vida de nossos estudantes, graças às redes sociais e o engajamento promovido por elas - que falaremos adiante neste texto - estamos cada vez mais expostos aos algoritmos. Essas peças matemáticas nos vigiam o tempo todo, a ponto de Sumpter (2019, p. 84) dizer que “[...] a maioria de nós já teve a sensação de que o Facebook ou o Google já leu nossa mente”. No parágrafo seguinte, o autor esclarece: “[...] a explicação mais plausível é que os alquimistas de dados estão descobrindo relações estatísticas em nossos comportamentos que os ajudam a nos transformar em alvos” (Sumpter, 2019, p. 84).

Esse fenômeno se dá justamente porque os indivíduos se engajam nas chamadas redes sociais.

Redes Sociais e Engajamento

O fenômeno das redes sociais e do engajamento caminham junto, uma vez que se retroalimentam, e ambas muita influência exercem em nossos discentes. Recuero (2019) informa que as redes sociais são como teias ou como laços que interligam sujeitos que podem estar distantes no tempo e no espaço, desde os níveis tradicionais, como uma conversa íntima apenas entre duas pessoas que se conhecem há muito tempo, até níveis mais complexos, em que comunidades conversam em grupos de pessoas que nunca se viram pessoalmente e que, nessa conversa, são inseridos símbolos, imagens, vídeos e demais aparatos midiáticos. Essa conexão que é possibilitada pelas redes pode ser geradora de laços de interesses comuns. Ainda que a visão acerca desses interesses possa diferir, como veremos.

As primeiras redes sociais digitais, ou redes sociais promovidas pelo fenômeno da internet surgiram a partir da iniciativa da plataforma digital denominada ‘Sixdegrees’, em 1997. A ideia para essa iniciativa, de acordo com Watts (2010) veio da teoria de Stanley Milgram, que em 1967 criou um experimento para perceber como pessoas em um grande grupo social são ligadas entre si. Essa experiência consistia na postagem de 60 pequenos pacotes para pessoas no Kansas com as instruções de fazer chegar este pacote em determinada pessoa que morava em Boston. A regra única era que só se podia passar por meio de pessoas realmente conhecidas. Dos 60 pacotes despachados, apenas 3 deles chegaram ao destino, mostrando que a teoria não estava acurada. Entretanto, graças à peça teatral de John Guare e posteriormente a adaptação para o cinema por Fred Schepisi, em 1993, a teoria, ainda que não provada, consolidou-se no senso comum e disseminou-se. Esta ainda é a base para muitas justificativas das redes sociais através do globo. Foi por meio desta ideia já enraizada na cultura que foram formadas redes como Orkut, Fotolog ou MySpace, que não resistiram à prova do tempo, ou redes como Facebook, Instagram ou Twitter que são predominantes em computadores e smartphones.

Para Modolo (2018), há basicamente dois elementos em cada rede social: os autores, que podem ser desde pessoas comuns à grandes conglomerados, e as conexões, que são as interações na plataforma mediadas pela internet. Esse tipo de interação é a exponenciação do conceito de Benjamin (1994), quando diz que as cartas dos leitores influenciavam os escritores nos jornais do início do século XX. Agora, uma pessoa em uma rede social atua como escritora quando insere uma mensagem, texto ou fotografia para que leitores possam ter contato e comentar. Ao mesmo tempo, esta mesma pessoa é um leitor de outras pessoas. E nos comentários, o indivíduo é, ao mesmo tempo, leitor e escritor, em um diálogo promovido pela plataforma e pela internet.

Uma diferença crucial, porém, é a falta de filtro. Na redação de um grande jornal chegavam milhares de cartas todos os meses. Mas na sessão ‘carta dos leitores’ do periódico, apenas cem ou duzentas seriam impressas, ou seja, uma porcentagem baixíssima chegava aos olhos de outros leitores. E chegavam filtradas, ou seja, as que o jornal considerava relevante.

Atualmente todos os comentários são postados imediatamente na página/postagem relativa ao texto original. Com isso, o único filtro pode ser feito à posteriori, depois que o indivíduo já escreveu e este texto já foi lido por algumas pessoas. Mesmo que o escritor da postagem original possa apagar o comentário, ele já foi lido por alguém. Mais do que isso: em páginas de grande visualização, é virtualmente impossível esse controle. Uma mensagem pode ser vista por 500 mil pessoas por minuto. Se apenas 1% das pessoas comentarem, teremos 5 mil pessoas comentando por minuto, inviabilizando uma tratativa humana. Neste caso, as páginas e as plataformas lançam mão de algoritmos, que tentarão separar as mensagens mais coerentes. O que nem sempre funciona pois, como já dissemos, algoritmos tomam atitudes frias e julgam de forma arbitrária, além disso, buscam sempre nosso engajamento.

As redes sociais, dessa forma, fazem surgir uma nova estrutura na sociedade, como colocam Bertoletti e Camargo (2016). Nessa nova configuração, que vive paralelamente à vida fora das telas, o principal foco é fazer com que o indivíduo passe a maior parte de seu tempo conectado à plataforma. Isso é chamado de processo de engajamento. Lanier (2018) diz que a principal função das redes sociais é promover engajamento, ou seja, manter o indivíduo cada vez mais conectado.

Isso porque, novamente de acordo com Lanier (2018), o que essas ferramentas desejam é o lucro das empresas que a sustentam. E esse lucro dá-se por meio da publicidade. Uma rede social ganha dinheiro exibindo anúncios à anunciantes com perfil muito mais definido do que uma emissora de rádio ou televisão, por exemplo. Há um consenso no mundo mercadológico, como explica Vietri (2019), de que quando um serviço é gratuito, o produto é o consumidor. O negócio das redes sociais, portanto, é feito capturando as informações de seus usuários e vendendo tais informações à anunciantes.

Cada movimento do mouse em nossos computadores, ou cada deslizar de dedos em nossos aparelhos smartphones enviam dados aos controladores dessas redes sociais, e estes algoritmos começam a decidir quais propagandas comerciais os indivíduos deveriam ver para maximizar a efetividade de tais anúncios. À guisa de exemplo, pensemos em uma mulher que descobriu nesse instante que está grávida. Após ver na internet o resultado positivo para gravidez, começa a procurar um nome para o futuro filho, assim como busca informações sobre tamanho de berços e roupinhas para recém nascidos. O algoritmo registra todas essas informações e começa a exibir anúncios de fraldas, item que a futura mãe em questão não procurou. Sumpter (2019) informa que, como os algoritmos nos vigiam a todo momento, fica claro a estes cálculos matemáticos complexos a nossa próxima atitude.

Para o anunciante, é muito mais eficaz anunciar fraldas em uma rede social, apenas para mães ou pais cujos filhos ainda usem fraldas do que anunciar em uma grande rede televisiva, onde atingirá esses prováveis consumidores, mas também atingirá crianças, idosos ou pessoas sem filhos, desperdiçando o anúncio com esse público que não se interessará pelo produto anunciado.

Quanto mais tempo passamos na rede social, portanto, mais informações sobre nosso perfil deixamos para seus algoritmos. O algoritmo é capaz de pegar cada uma de nossas manifestações na rede. Não apenas o que escrevemos e o que curtimos, mas também quais páginas navegamos, quais nossas pesquisas, quais fatos nos detemos mais tempo e quais são mais fugidios. De acordo com Lanier (2018), o algoritmo é capaz de saber mais sobre nós do que nós mesmos, e essa compreensão dos indivíduos leva a um maior faturamento, pois, como já dissemos, quanto mais a rede sabe sobre nós, melhor os anúncios e, portanto, mais empresas se interessarão em colocar ali sua propaganda comercial. Esse fato leva a uma conclusão, explicitada por Lanier (2018), que quanto mais tempo ficarmos na rede, melhor para os donos dela. Daí a necessidade de sempre se aumentar o engajamento, ou seja, o tempo em que permanecemos conectados.

Essas ferramentas se utilizam então de diversas estratégias para reter cada vez mais o indivíduo em sua frente. A primeira delas, já dissemos, é a predominância dos algoritmos. O maior investimento financeiro e de pessoal nas empresas de tecnologia proprietárias de redes sociais é justamente na capacidade de predição dos algoritmos. É dever deles, de acordo com Lanier (2018), tentar acertar qual conteúdo ou interação deixa o indivíduo mais grudado à tela.

Aqui devemos abrir um parêntesis, como faz Levy (2020), que informa que muito da popularização das redes sociais atuais deve-se ao uso massivo de smartphones. Antes dos telefones inteligentes, para uma pessoa acessar à rede social era necessário acesso a um computador. Portanto, este contato só era possível em sua casa ou no ambiente de trabalho. No segundo, ainda, de forma minorada, já que o computador das empresas nem sempre podem ser utilizados para trafegar em redes sociais. Atualmente, porém, com todas as redes presentes nos aparelhos de telefonia celular, o contato fica cada vez maior, já que o smartphone virou, para muitas pessoas, como explica Bridle (2019), uma extensão de seu corpo. Assim, ao acordar, o indivíduo desliga o alarme do celular e entra nas redes sociais e fica nelas até sair de casa. No momento em que está se dirigindo ao trabalho ainda está ligado a elas, bem como na hora do almoço, e em seu período de lazer. Assim, podemos dizer que boa parte do tempo do cidadão se desenrola em contato direto com o aparelho celular. Não é fato desconhecido que boa parte dos acidentes automobilísticos atuais se dão pelo texting, ou seja, pela troca de mensagens por texto em aplicativos de redes sociais. Levy (2020) afirma que o boom das redes sociais se deu em função dos smartphones, e Lanier (2018, p. 12) complementa dizendo que “[...] ter condições de deletar sua conta é um privilégio”.

Assim, os algoritmos são desenhados para reter nossa atenção nas telas dos smartphones. Para que percebamos quanto disso é verdade, uma das cinco redes sociais mais acessadas do Brasil4, o Instagram - que pertence ao grupo Meta de Mark Zuckerberg -foi desenhada para ser utilizada pelo smartphone e, mais, em conjunto com a câmera do telefone.

Sempre lembrando que a intenção última do algoritmo é promover o engajamento e, com ele, vender anúncios para os donos da plataforma obterem mais lucro, essas fórmulas matemáticas exploram o que Sam Parker (apud Lanier, 2018) chama de validação social, ou seja, a necessidade humana de ser aceito pela comunidade que faz parte. As pessoas, especialmente as mais jovens, são particularmente sensíveis ao impacto que suas postagens têm na comunidade. Lanier (2018, p. 22) diz que “[...] quando recebem uma resposta lisonjeira a alguma publicação nas redes sociais, as pessoas adquirem o hábito de postar mais”. Essa reação pode ser em maior ou menor grau, mas de qualquer forma, afeta o indivíduo. Existe uma inegável pressão social para fazer parte de uma rede social, e os seres humanos no século XXI são especialmente sensíveis no que tange ao julgamento social e competição. Os criadores dos algoritmos sabem disso e estimulam esse tipo de comportamento ao promoverem plataformas que, nas palavras de Lanier (2018), tentam de todas as formas viciar seus usuários. Para o autor, as emoções sociais são o motor por trás do engajamento das redes sociais. Em especial o medo de ser rejeitado e a vontade de ser querido, o que pode provocar uma certa ansiedade social, principalmente nos indivíduos mais jovens, como atestam Lira et al. (2017).

Para piorar a vida dos mais jovens, é sabido e descrito por Bauman (2009), que pessoas encontram nas más notícias uma força maior do que nas boas notícias. O medo é um sentimento que supera o da esperança, e em muitos casos, supera o próprio bom senso. Como os algoritmos das redes sociais buscam sempre o engajamento, ou seja, buscam sempre que as pessoas permaneçam mais tempo navegando e interagindo dentro de sua plataforma, é de se esperar que as redes sociais promovam mais e mais notícias ruins ou desmotivantes. Isso vai ao encontro do que nos diz Sumpter (2019), que afirma que os algoritmos vão privilegiar aquilo que a pessoa mais interage, ou seja, as notícias ruins ou os embates com desafetos são muito mais valorizados matematicamente do que as boas notícias ou as conversas saudáveis, pois estas engajam menos. Como coloca Sumpter (2019, p. 152), “[...] quanto mais clicamos em alguma coisa, ou alguém, mais proeminentemente eles nos são mostrados, e mais provavelmente iremos continuar a clicar neles”.

Assim, o que realmente vale para o engajamento é a quantidade de interações, não se essa interação é positiva ou negativa. Por exemplo, o uso do botão ‘gostei’ ou ‘não gostei’ no YouTube pouco importa ao algoritmo. Para o excerto matemático, o que importa é a quantidade de pessoas que interagiram com aquele vídeo. É assim que vídeos de conspirações conseguem tamanha projeção. Sumpter (2019) diz que um vídeo com essa proposta tem o dobro de chance de ser engajado, pois há um pequeno número de pessoas que acreditam naquela conspiração e um grande número de detratores. Entretanto, os detratores se engajam, pois comentam, xingam, estabelecem relações. Lanier (2018) diz que quando essas conspirações são mais ou menos inócuas, como a crença em extraterrestres ou na ideia de que a Terra é plana, isso pouco afeta a comunidade. Mas quando a conspiração é que a vacina contra sarampo causa autismo, temos um problema muito mais grave, que impacta diretamente na vida de boa parte das pessoas da comunidade, uma vez que o vírus do sarampo voltou a circular em nossas cidades.

Castells (2018) pontua que politicamente essa questão da indiferença algorítmica pode provocar sérios abalos na democracia, privilegiando um candidato que tem muita rejeição em detrimento de outro cuja aceitação é maior, simplesmente porque os detratores do candidato com maior rejeição ajudam a aumentar sua visualização na rede mundial de computadores. Em 2016, cada vez que um inimigo de Donald Trump escrevia algo contra ele nas redes sociais, os algoritmos entendiam que o candidato era um assunto importante, e aumentava sua presença nas plataformas. O mesmo se deu no Brasil na eleição de 2018.

A partir desse raciocínio, fica mais ou menos claro o motivo pelo qual as chamadas fake news trafegam de forma tão virulenta pelas redes sociais. Lembrando, como faz Sumpter (2019), que fake news são notícias falsas, forjadas com intuito deliberado de iludir o leitor. Como são distorções da verdade, ou, na maioria dos casos, invenções sem qualquer tipo de comprovação, elas provocam em ambos os espectros: As pessoas que acreditam comentam, compartilham, curtem tal notícia. Aqueles que são mais sensatos e não acreditam, acabam tendo o mesmo comportamento, ou seja, também comentam, também compartilham e também movimentam a notícia. O algoritmo, então entende que aquela notícia é relevante. Para o algoritmo, pouco importa se a notícia é verdadeira ou uma grande mentira. O que realmente importa é o engajamento das pessoas. Se mais pessoas se envolvem com a notícia, mesmo falsa, ela é mais valiosa do que uma notícia com menos engajamento, ainda que verídica.

Para agravar ainda mais a situação na qual se encontra nossa sociedade e, em especial, nossos alunos, os dispositivos que utilizamos (computadores, tablets, smartphones etc.) são aquilo que Denise Schittine (2004, p. 31, grifo da autora) explica como tela opaca, ou seja,

[...] a tela do computador surge como um vidro opaco através do qual as pessoas podem trocar ideias e opiniões sem serem vistas. Do outro lado dela, existe um público que pode ‘ouvir’ o que o autor tem a dizer e dar sua opinião (contrária ou não). Tudo isso sem o constrangimento das relações face a face.

Com esse fenômeno, os indivíduos se sentem mais livres para se expressarem, o que acabou, ao longo do tempo, transformando-se em algo complexo e com grandes dilemas a serem enfrentados. Bauman e Lyon (2014) exploram esse tema ao afirmar que as pessoas cada vez menos se preocupam com quem está do outro lado da tela opaca em que escrevem. A falta de empatia parece ser uma constante na dinâmica das redes sociais, onde não vemos a reação do outro. Para pessoas especialmente sensíveis ao escrutínio exterior, essa falta de afinidade pode ser muito prejudicial, principalmente em momentos como a adolescência ou o início da vida adulta. A presença virtual, mas não pessoal, do receptor das mensagens pode levar a sérias distorções na dinâmica de uma simples conversa. Exasperações tornam-se maiores, os dramas se intensificam e a falta de entendimento é constante. Souza e Cunha (2019) afirmam que redes sociais digitais podem causar conflitos e, mais do que isso, tendem a criar relações superficiais, o que também favorece à falta de empatia. Além disso, os pesquisadores também salientam que em muitos casos jovens chegam a agredir verbalmente pessoas apenas por terem ideias discordantes das suas. Muitas dessas discordâncias não existiriam se o diálogo não fosse travado por pessoas atrás de telas opacas. Porque, em uma tela opaca, o emissor não tem a possibilidade translúcida de enxergar o seu interlocutor, tampouco a sensação de espelho, para que possa refletir sobre o que está dizendo.

Outra característica das redes sociais é aquilo que Godin (2004) chama de The Winner Takes All Game, um conceito econômico que sugere que, em mercados de tecnologia, a rápida inovação e as mudanças tecnológicas promovem uma corrida desenfreada pelo consumidor/produto. A empresa que conseguir chegar em primeiro lugar na satisfação do público fica com todos os consumidores/produto. No início dessa corrida, as concorrentes investem para criar um produto que desenvolva uma nova categoria de serviço para, então, serem líderes dessa nova categoria recém criada. Pela volatilidade do mercado, as empresas que chegam em primeiro lugar são recompensadas com lucros elevados e inúmeros investidores. Pelo menos até um novo produto surgir. Em alguns casos, esse monopólio dura pouco tempo, como no caso do website MySpace, que durante alguns anos foi a empresa responsável pela difusão da música na internet, mas que naufragou na ascensão dos streamings. Em outros casos, como o Facebook, o monopólio é duradouro e cada vez mais capilarizado por computadores e smartphones.

O problema do The Winner Takes All Game é que as pessoas praticamente não têm opção. Como informa Lanier (2018), sair do Facebook não é possível para alguns indivíduos. Ou porque seu trabalho é ali desenvolvido, ou porque seus contatos profissionais estão ali, ou ainda porque não tem outra forma de contato com seus familiares. A questão é que não há alternativa, não existe outra rede social com as mesmas características do Facebook, pois todas as que se assemelhavam (Orkut, Friendster ou Hi5, por exemplo) não se sustentam no modelo econômico The Winner Takes All Game que prevalece na economia digital. Assim, o usuário da rede está fadado a seguir as regras impostas pelos executivos do Facebook que, novamente de acordo com Lanier (2018), importam-se apenas com o lucro. O mesmo acontece com Twitter, Instagram, LinkedIn ou Youtube, todas redes que não possuem nenhum concorrente. Assim, estudantes não só do Brasil, mas do mundo inteiro acabam ficando à mercê dessas poucas redes sociais.

Educação

As consequências dessas características das redes estão imbricadas com a educação nos dias atuais. Ainda que possamos destacar que nas regiões mais pobres do país os alunos não possuem smartphones e a internet ainda é trôpega, podemos também afirmar que em boa parte do país a maioria dos alunos faz uso desse tipo de aparelho, como destaca Siemens (2004) quando promove o conectivismo, afirmando que o aparelho (computador, smartphone etc.) já está tão fundido ao nosso cotidiano que pode ser tratado como uma parte de nosso ser, e que a aprendizagem pode ocorrer também em dispositivos não-humanos, dotados de inteligência artificial.

Entretanto, os malefícios dos equipamentos e, principalmente, das novas redes sociais, não foi discutido por Siemens (2004). Vamos, entretanto, tentar perceber os benefícios das redes, antes de verificarmos seus problemas. Vygotsky (1991) fala da aprendizagem social, e da capacidade e necessidade de o indivíduo aprender em sociedade, no convívio não apenas com os professores, mas também no convívio com os demais colegas. Ao transferirmos essa perspectiva social às redes sociais, poderia parecer que elas ajudam estudantes graças à facilidade de comunicação instantânea e hiper dimensionada. Afinal, se um aluno possui uma dúvida, ele pode postá-la na rede e esperar que várias pessoas respondam com diversas ponderações interessantes.

Mais ainda, as redes podem ajudar aos mais tímidos a se destacarem perante o grupo, bem como pode ajudar ao ser capaz de passar recados de forma mais rápida ou mais eficiente. Cunha, Santos, e Machado (2019) em sua pesquisa, chegaram ao quantitativo de 78,9% dos professores que dizem que as redes sociais podem efetivamente ajudar em sala de aula, reforçando que podem existir bons usos para estas tecnologias.

Porém, são inúmeros os problemas que o uso dessa tecnologia em especial pode trazer. Talvez os prejuízos que podemos perceber com mais facilidade em uma sala de aula diz respeito à concentração dos alunos. Dal’agnol et al. (2019) fizeram uma pesquisa com estudantes do ensino superior e constataram que 97,7% dos alunos utilizavam redes sociais durante as aulas presenciais. Dal’agnol et al. (2019, p. 135) dizem ainda que

Os resultados da pesquisa indicam que a cada dia é mais frequente o envolvimento dos estudantes com as redes sociais virtuais durante as aulas presenciais. Isso pode modificar a forma como os estudantes interagem com o professor e colegas de aula, também interferindo no processo de ensino aprendizagem. [...] Os estudantes entrevistados têm consciência de que quando fazem uso das redes sociais virtuais para fins não didáticos, a assimilação do conteúdo se torna mais difícil, por desviar a concentração.

Os próprios discentes, portanto, reconhecem a dificuldade de concentração. Isso é um problema atacado também por Lanier (2018), quando informa que as pessoas estão cada vez mais dispersas do mundo real, e cada vez mais fragmentadas no mundo virtual. O próprio tempo está fragmentado, pois o aluno ora presta atenção no professor, ora no WhatsApp, ora no Facebook, ora no Instagram... cada uma dessas ferramentas com um design e uma proposta. A concentração fica fragmentada, sendo difícil absorver as informações que vêm do professor, já que esta entra em uma competição com os demais estímulos oriundos de seus computadores ou smartphones.

A carga cognitiva, já explorada na obra de Carr (2011), pode ser excessiva em um ambiente tão perturbado quanto o smartphone do aluno. Dividir as atenções entre o professor e as quatro ou cinco redes sociais ao mesmo tempo é, em muitos casos, mais complexo do que o aluno consegue perceber. Assim, ele não consegue obter uma atenção focada no docente, o que provoca um entendimento superficial da informação passada. Não devemos nos esquecer, porém, que jovens estudantes sempre foram de alguma forma dispersos ou desinteressados. Boécio de Dácia já havia falado sobre eles no século XIII, como informa Varneda (2008). Sempre existiram as conversas paralelas, os jogos nos cadernos ou o hábito de passar bilhetes sem o professor saber. A diferença, neste momento de redes sociais, é que o estímulo das redes no smartphone é praticamente irresistível, e o tempo gasto com isso durante a aula parece ser muito maior. Lanier (2018) chega a falar de pessoas que estão viciadas em suas redes sociais. Como já vimos, o uso de algoritmos para o engajamento pode comprometer indivíduos e Lanier (2018 p. 26) diz:

Quando um algoritmo proporciona experiências a alguém, a aleatoriedade que facilita a adaptação algorítmica pode alimentar também o vício humano. O algoritmo tenta capturar os parâmetros perfeitos para manipular um cérebro, que, por sua vez, muda em resposta aos experimentos do algoritmo para buscar significados mais profundos; é um jogo de gato e rato baseado em pura matemática. Como os estímulos do algoritmo não significam nada e são verdadeiramente aleatórios, o cérebro não está se adaptando a nada real, mas a uma ficção. Esse processo - de ser fisgado por uma miragem imprecisa - é o vício.

Este comportamento dos algoritmos promove a dificuldade de “sair” do celular em sala de aula. O aluno parece ficar preso ao seu aparato tecnológico. E mesmo quando o professor ordena que os aparelhos sejam guardados, há uma sensação de ansiedade por parte dos jovens. Há uma necessidade - motivada pela força dos algoritmos de engajamento - de checar o equipamento o maior número de vezes possível. Adiele e Olatokun (2014) especificam que indivíduos viciados em internet possuem grande ansiedade quando longe de seus equipamentos, a ponto de não conseguirem se ‘desligar’ das redes, mesmo quando os aparatos técnicos estão desligados. Assim, pouco adianta o professor pedir que os equipamentos sejam desligados, já que a mente do aluno está presa ao aparelho. Mesmo desligado.

Outro problema é a dificuldade de triagem da informação correta. Um aluno, no começo de sua caminhada, é ignorante do assunto a ser tratado. Então, é necessária uma certa instrução por parte do professor no direcionamento desse caminho. Em boa parte dos assuntos, não se pode fazer o que Prensky (2006) aconselha, ou seja, deixar a criança pesquisar sozinha. Ainda que os jovens possam de fato aprender coisas interessantíssimas por meio de jogos ou vídeos do YouTube, não se pode deixá-los sem supervisão.

O jovem normalmente acredita que o computador lhe dará as respostas que necessita, e normalmente não faz um filtro crítico a respeito da informação ali contida. Isso provém diretamente daquilo que Lanier (2018) comenta em sua obra, ao destacar que as pessoas não se preocupam em fazer duas ou três checagens na informação que obtiveram com o primeiro clique. Normalmente aceita-se o que está em evidência na primeira das páginas de busca. Raras são as vezes em que indivíduos vão além da segunda página do buscador. Caldeira (2015) diz que mais da metade dos usuários do buscador Google não chegam à segunda página de buscas, se contentam apenas com o que está nos primeiros dez resultados. Mais ainda, na mesma pesquisa, a autora diz que apenas 10% de todos os usuários da plataforma têm sua busca estendida até a terceira página. Ou seja, 90% dos usuários leem apenas a primeira e segunda páginas. Esse fato, quando se trata de mero entretenimento não chega a ser um grande problema. Afinal, se a resposta está errada, mas é apenas uma busca por uma curiosidade momentânea, não há de causar muitos malefícios. Entretanto, nenhuma pesquisa séria se desenvolve apenas na primeira página de um buscador cujo algoritmo esconde falhas e intenções, como salienta Sumpter (2019). Cabe ao professor destacar aos alunos que existem inúmeras páginas, e que ele não deveria se contentar com a primeira informação, uma vez que ela pode estar equivocada.

O perigo do jovem ignorante sem supervisão é a triagem da informação correta. Ainda que entendamos que existem diversos pontos de vista nas ciências, não se pode aceitar que alunos acreditem em teorias conspiratórias como a de que a Terra é plana, as pirâmides do Egito foram feitas por alienígenas ou o vírus da AIDS foi produzido como arma biológica. Entretanto, ao pesquisar na principal plataforma de vídeos ‘surgimento vírus da aids’, o quinto vídeo apresentado tem o título HIV foi criado em laboratório para extermínio, e ao pesquisar pelas palavras ‘pirâmides do Egito’ aparece como terceiro vídeo apresentado Finalmente descobriram o verdadeiro propósito das pirâmides do Egito no qual o locutor diz que as pirâmides foram construídas para serem grandes conduítes elétricos para a casa dos antigos egípcios, contrariando toda e qualquer base científica da real construção destes monumentos.

Essas realidades delirantes, acientíficas e perigosas podem fazer muito mal aos estudantes. Além disso, não podemos nos esquecer que há uma disseminação enorme de informações falsas com intuito deliberado de confundir os jovens. Estratégia que faz parte das fake news já comentadas anteriormente. Vídeos, áudios e textos dizendo, por exemplo, que ‘o nazismo era de esquerda’, ‘a eleição brasileira foi fraudada’ ou ‘vacina desenvolve autismo’ se encontram aos milhares na internet brasileira.

Não estamos, entretanto, apoiando a tese de que a internet não possa ser consultada, muito pelo contrário. A rede mundial de computadores pode ter sido a maior invenção humana nos últimos cinquenta anos, e ignorar sua presença não seria uma atitude inteligente. O que estamos advogando é que o professor tenha parte ativa nesse processo de busca e consulta dos alunos. Cabe ao professor, como já explicado por Correia (2018), ser um curador do material que poderá ser pesquisado pelos alunos. Se não um curador no sentido estrito, como aquele que restringe as fontes, pelo menos como um curador educacional, que dirige o aluno para tipos de fontes confiáveis. Talvez a principal função do atual professor, em meio ao turbilhão de algoritmos e redes sociais seja o da curadoria, como apontam Garcia e Czeszak (2019). O professor/curador é o elo confiável que une o aluno à informação. O processo de curadoria, ou seja, de procurar boas fontes de pesquisa parece ser muito mais importante, no século XXI, do que o do orador ou o do motivador. O papel de evitar a nocividade dos algoritmos e restringir as redes sociais a um uso pedagógico e benéfico ao aprendizado é essencial aos alunos, e um professor/curador mais do que passar informação correta aos seus alunos, é a pessoa responsável por ensinar a aprender, e principalmente, desviar das mazelas de um mundo conectado.

Considerações finais

Ao fim e ao cabo deste artigo de caráter exploratório, buscamos salientar a relação entre os algoritmos matemáticos que compõem as programações de todos as redes sociais que são utilizadas pela população, sua capacidade de engajamento e a forma como os indivíduos reagem a tal envolvimento. Mais ainda, buscamos apresentar algumas características de alunos que estão imersos nesta conjuntura. Esta tríade entre algoritmos, engajamento e redes sociais parece estar modificando alguns elementos no cerne da educação. E por mais que existam características benéficas em seu uso, há também desafios a serem enfrentados no que tange à influência desses elementos em nosso sistema educacional. O julgamento arbitrário, a caixa preta indecifrável, a não neutralidade da web, a supremacia de apenas umas poucas possibilidades, a tela opaca do computador, a disseminação de aparelhos móveis e conectados em todos os períodos do dia, a submissão perante a máquina, o engajamento forçado, a má qualidade das informações, o caráter extremamente capitalista das respostas, entre outros problemas, são enfrentados diariamente por professores por todo o Brasil.

Seria interessante, então, fazer uma reflexão sobre estas questões, e buscar, se não soluções, pelo menos estratégias paliativas, para que essas influências e dependências não afetem de forma tão forte nossos alunos. Conhecer os processos é resistir, é lutar contra a predominância da máquina. Saber como funcionam as relações homem-máquina pode ajudar muito a promover uma educação mais crítica, mais capaz de promover um aprendizado e um cidadão melhores, mais atentos e menos suscetíveis ao jugo dos algoritmos e das forças que comandam as redes comunicacionais.

Referências

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1 Sabemos que muitos estudantes também utilizam tablets, porém como o sistema operacional é rigorosamente o mesmo dos smartphones e estes últimos são mais proeminentes, optamos por utilizar apenas smartphones como referência aos sistemas Android e iOS.

2”weapons of math destruction”.

3“fake news is the deliberate presentation of (typically) false or misleading claims as news, where claims are misleading by design” (Gelfert, 2018, p. 108) cuja tradução poderia ser “fake news são a apresentação deliberada de (normalmente) reivindicações falsas ou enganosas como notícias, onde as reivindicações são projetadas para serem enganosas”.

4De acordo com diversos websites e relatórios. Aqui listamos alguns: https://seguidores.seomarketingbrasil.com.br/5-redes-sociais-mais-usadas-no-brasil/; https://inforchannel.com.br/redes-sociais-o-que-deu-certo-em-2019-e-quais-as-tendencias-para-o-futuro/; https://resultadosdigitais.com.br/blog/redes-sociais-mais-usadas-no-brasil/

8Nota: O autor foi responsável pela concepção, análise e interpretação dos dados; redação e revisão crítica do conteúdo do manuscrito e ainda, aprovação da versão final a ser publicada.

Recebido: 23 de Março de 2020; Aceito: 27 de Abril de 2020

E-mail: rodrigoscama@gmail.com

Rodrigo Otávio dos Santos: Pós-Doutor em Tecnologia e Sociedade pela UTFPR; Doutor em História pela UFPR; Mestre em Tecnologia pela UTFPR; Pós-graduado em Comunicacão Social e Novas Tecnologias; e formado em História pela UFPR. Todas as pesquisas versando sobre Comunicação, Educação e Internet. Professor do Programa de Mestrado e Doutorado em Educação e Novas Tecnologias (PPGENT) do Centro Universitário Uninter. Orcid: http://orcid.org/0000-0001-5050-1637 E-mail: rodrigoscama@gmail.com

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