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Acta Scientiarum. Education

Print version ISSN 2178-5198On-line version ISSN 2178-5201

Acta Educ. vol.45  Maringá  2023  Epub Jan 02, 2023

https://doi.org/10.4025/actascieduc.v45i1.58397 

HISTÓRIA E FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO

A função social da arte e os desdobramentos na formação estética do ser social

La función social del arte y los desarrollos en la formación estética del ser social

Adéle Cristina Braga Araujo1  * 
http://orcid.org/0000-0002-0386-4053

Josefa Jackline Rabelo1 
http://orcid.org/0000-0002-4933-631X

1Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará, Av. José de Freitas Queiroz, 5000, 63902-580, Quixadá, Ceará, Brasil.


RESUMO.

O presente artigo tem como objetivo situar a função social da arte no entorno da formação estética do ser social. Trata-se de uma pesquisa teórico-bibliográfica, na compreensão do legado estético lukacsiano. Destaca-se como fonte principal para o desenvolvimento do estudo a obra sistematizada por Georg Lukács: Estética: la peculiaridade de lo estético. O complexo da arte proporciona, nem que seja por um pequeno instante, uma elevação que ocasiona um encontro do indivíduo com o gênero humano. A discussão pauta-se sobre o processo formativo da arte. Apresenta-se como categoria principal de análise a catarse, com base na compreensão de que é na vida cotidiana que se extraem as sensações de captação dos seres sociais no mundo. É no desenvolvimento dos sentidos humanos que os seres sociais se fazem estéticos e se engrandecem enquanto gênero humano. Com efeito, de modo sucinto, as potencialidades de criar e fruir arte sob a lógica da sociabilidade capitalista são entendidas como dispersas, uma vez que o estado de exploração recusa a elevação de todos à riqueza espiritual e material da sociedade. Considera-se, ademais, a necessidade de conjeturar outra forma social que possibilite, ao conjunto da humanidade, condições humano-objetivas capazes de proporcionar momentos catárticos genuínos ao conjunto da humanidade.

Palavras-chave: catarse; educação estética; gênero humano

RESUMEN.

El presente artículo intenta situar la función social del arte en torno a la formación estética del ser social. Se trata de una investigación teórica y bibliográfica, en la comprensión del legado estético lukacsiano. Destaca como fuente principal al desarrollo del estudio la obra sistematizada por Georg Lukács: Estética: la peculiaridad de lo estético. El complejo del arte proporciona, aunque sea por un momento, una elevación que lleva al encuentro del individuo con el género humano. La discusión se basa en el proceso formativo del arte. La catarsis se presenta como la principal categoría de análisis y parte del entendimiento de que es en la vida cotidiana donde se extraen las sensaciones de captación de los seres sociales en el mundo. En el desarrollo de los sentidos humanos es donde los seres sociales se vuelven estéticos y se potencian como género humano. En efecto, de manera sucinta, las potencialidades de crear y disfrutar del arte bajo la lógica de la sociabilidad capitalista se entienden como dispersas, puesto que el estado de explotación rechaza la elevación de todos a la riqueza espiritual y material de la sociedad. También se plantea la necesidad de idear otra forma social que haga posible, para toda la humanidad, unas condiciones humano-objetivas capaces de proporcionar auténticos momentos catárticos para toda la humanidad.

Palabras clave: catarsis; educación estética; género humano

ABSTRACT.

The purpose of this article is to situate the social function of the arts in the aesthetic construction of the social being. It is theoretical-bibliographic research in light of the Lukacsian aesthetical legacy. The main source used for the development of this study is the systematized work of Georg Lukács: Aesthetics: the specificity of the aesthetic. The complexity of the art provides, albeit for a brief moment, an elevation that leads to an encounter between the individual and humankind. This discussion is based on the formative process of the arts. Catharsis is presented as the main category of analysis, based on the understanding that it is in everyday life that the sensations of capturing social beings in the world are extracted. It is in the development of human senses that social beings become aesthetic and grow as a human race. Indeed, briefly, the potentialities of creating and enjoying art under the logic of capitalist sociability are understood as dispersed, since the state of exploitation refuses to elevate everyone to the spiritual and material wealth of society. Moreover, the need to conjecture another social form that makes human-objective conditions capable of providing genuine cathartic moments possible to the whole of humanity is considered.

Keywords: catharsis; aesthetic education; humankind

Introdução: a catarse como possibilidade de uma formação estética1

O termo ‘catarse’ vem do grego: κάθαρση, que quer dizer: “Libertação do que é estranho à essência ou à natureza de uma coisa e que, por isso, a perturba ou corrompe” (Abbagnano, 2007, p. 120). De acordo com este autor, Aristóteles foi o primeiro a cunhar esse conceito no campo da arte, como “[...] uma espécie de libertação ou serenidade que a poesia e, em particular, o drama e a música provocam no homem” (Abbagnano, 2007, p. 120). Nas palavras de Aristóteles (1979):

É pois, a tragédia imitação de uma ação de caráter elevado, completa e de certa extensão, em linguagem ornamentada e com várias espécies de ornamentos distribuídos pelas diversas partes [do drama], [imitação que se efetua] não por narrativa, mas mediante atores, e que, suscitando o ‘terror e a piedade, tem por efeito a purificação dessas emoções’ (Aristóteles, 1979, p. 245).

É comum na literatura estética o uso dessa definição de Aristóteles. Apesar disso, de acordo com Lukács (1972, p. 500, tradução nossa), o conceito de catarse é mais amplo: “Como em todas as categorias importantes da estética, também na catarse se verifica que a sua origem primária está na vida, e não na arte, da qual provém”2. É preciso ressaltar que a catarse se forma pelas relações mais intensas dos seres sociais com a vida, antes de qualquer outra mediação. Nesse sentido, quanto mais extensa for a realidade, quanto mais intensamente o ser social abranger sua ação e reflexão sobre a realidade, mais processos catárticos podem prosperar. Apresentaremos, assim, o complexo da educação em seu plano ontológico e sua relação com o complexo da arte, com o objetivo de situar a formação estética do ser social. Em seguida, realizamos um estudo mais apurado da catarse como possibilidade para uma formação estética, em busca de um entendimento do ser social enquanto partícipe do gênero humano.

Trabalho, arte, ciência e educação: distinções e aproximações onto-históricas

Apreendemos que arte e educação são complexos distintos e cada um tem sua função social, mas, em comum, ambos têm sua base fundante no complexo do trabalho. Nesse sentido, Lima e Jimenez (2011) asseveram que a educação, assim como os demais complexos - o que inclui a arte -, constitui, junto ao trabalho, uma relação de dependência ontológica e autonomia relativa. Nas palavras das autoras:

Como categoria fundante do ser social, o trabalho tem a prioridade ontológica em relação às demais categorias e complexos sociais, que só podem ser produzidos no âmbito da sociabilidade já constituída, em cujo cerne a totalidade social expressa o momento predominante. Os complexos sociais só alcançam autonomia num contexto já crescentemente sociabilizado pelo desenvolvimento do trabalho. Mas tal autonomia não pode se configurar de forma absoluta. Ela é sempre relativa, justamente por conta da dependência ontológica que está na base da sua relação com o trabalho. A autonomia estabelecida nesses complexos deriva do fato de que eles, para realizar funções específicas, essencialmente distintas do intercâmbio entre homem e natureza, assumem características particulares que os diferem do trabalho (Lima & Jimenez, 2011, p. 79).

Com isso, queremos deixar claro que, é pelo trabalho que o indivíduo se constitui como ser social. É no processo de trabalho que o ser social modifica o natural e a si próprio. Os outros complexos sociais e as demais atividades estabelecidas se orientam pelo trabalho. Por isso, há uma dependência ontológica perante o trabalho. Apesar disso, há uma autonomia relativa, não absoluta, que os demais complexos e atividades carregam em si.

No estudo sobre a gênese da arte, entendemos que sua necessidade social não tem raízes tão evidentes e plausíveis, como é o caso da educação e da ciência. A realidade social vai se complexificando no imediato cotidiano dos seres sociais. Portanto, o complexo da arte é tardio em relação ao trabalho, considerando que seu desprendimento depende de alguns fatores, apreendidos por Lukács (1972, 1974), a saber: a evolução da técnica e o ócio, ambos proporcionados pelo trabalho; o processo de apreensão do agradável e a autoconsciência do gênero humano. O complexo da educação, por seu turno, está vinculado à reprodução social e sua função social tem o: “[...] sentido de garantir a transmissão e perpetuação, às novas gerações, das objetivações produzidas pela humanidade, as quais constituem, em cada forma de sociedade concretamente tomada, os elementos essenciais que caracterizam o gênero humano” (Lima, 2009, p. 12).

Isso posto, consideramos importante compreender a função educativa da arte e, dessa forma, é necessário recuperar os elementos que aproximaram e distanciaram os complexos arte, ciência e religião na sistematização lukacsiana. As categorias antropomorfização e desantropomorfização, imanência e transcendência servem para acercar e afastar os complexos supracitados. Sintetizando: os complexos arte e religião conservam a antropomorfização, pois se parte de uma projeção de dentro para fora, que varia conforme nossas necessidades e experiências e depende do sujeito para existir. O complexo da ciência se finca na desantropomorfização, uma vez que se parte da realidade objetiva, levando à consciência seus conteúdos e suas categorias. O objeto existe independente da vontade do sujeito. Isso posto, arte e ciência guardam a imanência, pois ambas são concernentes à realidade concreta. A religião se distancia e guarda a transcendência, pois está no sublime daquilo não se pode alcançar na materialidade humana.

Após recuperarmos essa breve explanação, fundamentadas no aporte teórico-estético lukacsiano - qual seja, a análise da tríade arte, ciência e religião, aproximando e distanciando as categorias antropomorfização, desantropomorfização, imanência e transcendência -, consideramos seguir o modelo lukacsiano dessa tríade. Nesse caso, é necessário considerar a arte, a ciência e a educação de modo a aproximá-las e distanciá-las, utilizando, nesse momento, as categorias antropomorfização e desantropomorfização, além de especificar porque os três complexos são imanentes e não transcendentes.

Tomemos, agora, os complexos educação, arte e ciência, no sentido de aproximar e distanciar os complexos na compreensão dos fundamentos educativos. O complexo da educação se situa no que é imanente, juntamente com os complexos arte e ciência, uma vez que todos integram o caráter do que é propriamente humano e necessariamente terreno - só podem ser realizados na realidade objetiva concreta. Portanto, não carregam em si a base transcendente que os levaria a um patamar fora do alcance material-humano, como é o caso da religião, como explicado anteriormente.

A separação entre os complexos educação, arte e ciência ficará em torno das categorias antropomorfização e desantropomorfização. A arte é antropomórfica porque existe a partir da consciência humana e se dirige também à consciência humana. O objeto só existe porque foi criado pelo artista. A ciência, no que lhe diz respeito, realiza-se no em-si, os fenômenos existem na natureza e se emancipam do arbítrio humano, portanto, esta é desantropomórfica.

O complexo da educação carrega o conteúdo sistematizado que se desdobra em conhecimento, portanto, em-si, desantropomórfico. Mesmo compreendendo que a educação, por abarcar o conhecimento, tem em-si um conteúdo organizado, faz-se necessário destacar que o movimento dialético que perpassa a educação (de geração para geração) confere e aprimora o acumulado pela humanidade na relação que tem como ligação o ensino e a aprendizagem, o conteúdo e a forma, o professor e o aluno. O complexo da educação é, desse modo, antropomórfico.

Vale ressaltar que o conhecimento, de acordo com Barbosa (2016), no sentido ontológico, está relacionado à possibilidade de escolha entre alternativas que se instituem em uma ação consciente e orientada, tendo como base fundamental o trabalho. Esse processo ocorre na gênese do trabalho, quando o ser social tem que conhecer e reconhecer a legalidade natural do mundo inorgânico e orgânico para que possa realizar o trabalho. Logo, o conhecimento atua nessa seleção entre opções, considerando todo o desenvolvimento do trabalho, do mais rudimentar até o mais complexo.

Entendemos que o alcance do conhecimento é imprescindível no processo educativo. Lukács (1974) retoma a idade primitiva ao relatar que as primeiras interações e conquistas no campo da ciência foram indispensáveis para que homens e mulheres não perecessem. Ainda que a consciência do que eles faziam se desse morosamente, a proteção e a reprodução estavam na ordem do dia. A educação das gerações - sob a edificação do trabalho -, nesse contexto, foi importante na apreensão do conhecimento. Por exemplo, a conservação da técnica, através da educação, foi uma das necessárias premissas para o desenvolvimento da arte.

Arte e ciência, como já apresentados e, ademais, a educação, são complexos de ordem imanente, uma vez que são desenvolvidos no terreno daquilo que é propriamente humano, ou seja, o ser social cria perante esses complexos, cada um com a sua particularidade. O resultado depende da ação dos seres sociais e não de uma divindade superior, como ocorre no complexo da religião de ordem transcendente. A educação é imanente, pois transporta o conhecimento que os seres sociais entregarão às futuras gerações.

Isso posto, entendemos que um basilar aspecto que perpassa o complexo da educação é a imitação, a qual se faz indispensável no curso da educação estética, na apreensão do reflexo da realidade, na observação da técnica posta em prática pelo indivíduo social. Conforme Lukács (1972, p. 8, tradução nossa): “[...] a preservação e a transmissão de experiências essenciais para a vida da espécie só podem ser conseguidas através da imitação”3. Desde tempos remotos até os dias atuais, a imitação se constitui como um sistema de mediação entre os indivíduos. Tratando-se da função formativa da arte, é nítido que apenas a imitação não é suficiente para a consecução de qualquer desenvolvimento artístico e, desse modo, continua o filósofo húngaro: “[...] a base natural sobre a qual a imitação surge como um fato elementar da vida e da arte, embora, naturalmente, isto ocorra no caso da arte através de mediações muito mais complicadas e dilatadas” (Lukács, 1972, p. 8, tradução nossa)4.

Pela compreensão da função social da arte no mundo dos seres sociais, é imprescindível, na relação dialética, que a função social da educação atenda o conjunto dos indivíduos, de modo que estes eduquem os sentidos humanos, apropriem-se da técnica e dos elementos que compõem o sensível. O comportamento dos seres sociais decorre fundamentalmente da abrangência das atividades objetivas e subjetivas e a educação tem um papel primordial nesse processo. Para Lukács (1974, p. 74, tradução nossa), “[...] todas as faculdades do homem exigem uma orientação - em parte instintiva, em parte conscientemente através da educação - para o cumprimento dessas legalidades objetivas”5. Ademais, vale ressaltar, por meio da função formativa da arte, há a possibilidade do atendimento não apenas das legalidades objetivas, mas também das subjetivas.

A educação dos cinco sentidos humanos atende as atividades tanto objetivas quanto subjetivas e, por meio dela, o ser social também teve a possibilidade de fruir e produzir arte. O ser social é a única espécie a educar para os sentidos humanos e isso se estruturou historicamente. Nessa especificidade de nossa constituição se insere a questão da função formativa da arte, pois o animal se adapta biologicamente; já o humano, por sua vez, vai além, instrui e rege os sentidos humanos. Cabe aqui ressaltar a máxima de Marx (2004):

Pois não só cinco sentidos, mas também os assim chamados sentidos espirituais, os sentidos práticos (vontade, amor etc.), numa palavra o sentido ‘humano’, a humanidade dos sentidos, vem a ser primeiramente pela existência do ‘seu’ objeto, pela natureza ‘humanizada’. A ‘formação’ dos cinco sentidos é um trabalho de toda a história do mundo até aqui (Marx, 2004, p. 110, grifos do autor).

É preciso ficar claro que os sentidos humanos e tudo o que deles deriva são desenvolvidos pelo próprio ser social e não algo advindo unicamente pela via biológica. Mészáros (2006, p. 182) atenta ao fato de que: “À medida que o mundo natural se torna humanizado [...] os sentidos, relacionados com objetos cada vez mais humanamente configurados, tornam-se especificamente humanos e cada vez mais refinados”. Esse processo de afinação dos sentidos humanos se torna herança de geração a geração.

Nesses termos, o processo de formação humana se concebe também na educação dos sentidos humanos, através da apropriação, da fixação e da cristalização da produção do que foi sistematizado pelos antepassados. O complexo da arte, portanto, só existe na relação entre os seres sociais. Através da humanização dos sentidos humanos, constituídos pela atividade e pela reciprocidade entre os seres sociais, ergue-se a possibilidade de enriquecimento do gênero humano nesse campo da formação humana. Todavia, isso só é provável na medida em que o ser social desenvolve a capacidade necessária à percepção do objeto, no campo objetivo e subjetivo.

O complexo da arte e o sentido artístico não nascem com a humanidade, ao contrário, são edificados socialmente. Ao tratar das categorias psicológicas6 e filosóficas do estético, Lukács (1967a) aponta um sistema de sinalização 1’ [ou sistema de sinais de sinais], que seria responsável por instruir o entendimento da vida através da arte. Ele revela que o ponto de partida para a sistematização do sistema de sinalização foi o método aplicado por Pavlov, contudo, critica-o por não aludir às questões histórico-genéticas. Como atenta o filósofo húngaro:

Pavlov não observou o papel do trabalho na constituição dos sinais de sinais característicos da linguagem, compreende-se que não tenha dedicado qualquer atenção a estas relações, que são ainda mais complicadas precisamente do ponto de vista psicológico. Como já dissemos, Engels salientou com razão, pelo contrário, que a origem da língua só pode ser compreendida com base nas necessidades sociais produzidas pelo trabalho, ou seja, com base no fato de que os homens que trabalham têm de comunicar algo para o qual os simples sons e gestos expressivos próprios do nível de reflexos condicionados já não são suficientes (Lukács, 1967a, p. 37, tradução nossa)7.

O sistema de sinalização 1’ se explica no que é mais agudo e não consiste apenas em novas revelações ou novas vinculações a partir da realidade objetiva que, até então, não estavam na consciência; ao mesmo tempo, é o alargamento do sujeito na atuação sensível consciente. Lukács (1967a) considera que a valência do sistema de sinalização 1’ é um salto decisivo na vida do criador e do receptor artístico, isso porque por um lado “[...] o criador separa da sua própria existência somato-psíquica o reflexo evocativo do mundo e dá-lhe uma forma definitiva e totalmente diferente em princípio”; e, por outro, “[...] o receptor já não é confrontado com um acontecimento fugaz, passageiro e único, mas sim com uma formação que permite uma contemplação repetida e experiências novas e intensificadas” (Lukács, 1967a, p. 113-114, tradução nossa)8.

Entendemos que o complexo da arte e o sentido artístico são frutos de uma necessidade histórico-social da humanidade. E, portanto, a formação do sistema de sinalização 1’ é consequência desse processo que, como afirma Lukács (1967a, p. 121, tradução nossa), “[...] embora se reconheça a primazia da necessidade social, o papel educativo da arte na implantação do sistema de sinalização 1’ não deve ser subestimado”9. A partir dessas considerações, é importante compreendemos que toda forma artística carrega sinais, mesmo que cada arte tenha a sua particularidade, o desenvolvimento histórico-social consentiu a educação transformá-los em potência artística substantiva.

A formação no campo do estético permite nos aprimorarmos enquanto criadores ou receptores do complexo da arte. Lukács (1967b) assinala o impulso que tem a música na envergadura de expressar sensações e emoções e, ademais, nos fazer entender o quanto humano somos:

O poder expressivo musical da emoção e a capacidade de recebê-la desenvolveram-se sem dúvida numa comunidade indissolúvel ao longo destas longas fases, estenderam-se a todas as áreas da vida, foram afinados para expressar sentimentos cada vez mais diferenciados e educaram uma receptividade muito sutil e profunda (Lukács, 1967b, p. 61, tradução nossa)10.

Da música poderemos estender a outras linguagens artísticas - literatura, pintura, escultura, dança, cinema, etc. - passíveis de transferência da educação ao ser social. Dito isso, entendemos que a educação estética deveria ser uma sina da humanidade. Há aqueles que dizem não ter aptidão para criar um objeto artístico, ou mesmo não conseguem se deleitar a partir de qualquer linguagem artística. Em resposta a essa demanda, ao explanar sobre o talento em um belo ensaio sobre a imaginação da criança e do adolescente, Vigotski (2018, p. 53) é categórico ao afirmar: “Se compreendermos a criação, em seu sentido psicológico verdadeiro, como a criação do novo, é fácil chegar à conclusão de que ela é o destino de todos, em maior ou menor grau”. O psicólogo russo assevera que o talento pode ser verificado em crianças-prodígio ou excepcionais que, muito cedo, revelam algum ‘dom’ especial. Vejamos:

Com mais frequência podemos encontrar essas crianças-prodígio na música, mas existem também, apesar de serem mais raras, nas artes plásticas. Willy Ferrero, um exemplo de criança-prodígio, há 20 anos, ficou famoso mundialmente, revelando um dom musical extraordinário ainda bem pequeno. Com seis ou sete anos, regeu uma orquestra sinfônica na execução de obras musicais complexas, além de também ser um virtuose em instrumento musical etc (Vigotski, 2018, p. 53).

O talento, portanto, pode ser adquirido socialmente. Lukács (2018), em uma passagem dos Prolegômenos para uma ontologia do ser social, descreve o talento musical como “[...] uma capacidade social, tal como, por exemplo, são e permanecem categorias sociais e não mais biológicas, uma passagem ou o característico na expressão humana, etc” (Lukács, 2018, p. 215). O filósofo húngaro traz como exemplo o indivíduo que nasce com o ouvido absoluto. 11 Essa capacidade nada tem a ver com o talento para a música, uma vez que exímios músicos são perfeitamente capazes de identificar cada nota musical, pois internalizaram o conhecimento musical por meio da formação estética que receberam em seus percursos.

Ao abordar a criação artística como atividade livre, Mészáros (2006), fundamentado na teoria marxiana, assevera que tal complexo não se limita a ser destinado a poucos felizardos, mas subscreve-o como uma “[...] dimensão essencial da vida humana em geral”. Na forma social capitalista, a arte é intensamente contaminada pelo entendimento de que só é possível uma “[...] concentração exclusiva do talento artístico em alguns” (Mészáros, 2006, p. 191). Assim, um talento pode ser conquistado, desde que as condições objetivas sejam consideradas, não anulando a existência do talento nato. É necessário o ócio para aprender e/ou aprimorar uma técnica. A formação estética humana, portanto, deveria alcançar o conjunto da humanidade, para que pudéssemos aprimorar dons e talentos, ou melhor, simplesmente criar e fruir o complexo da arte. Assim, aprenderíamos, se assim desejássemos: uma, duas, três ou quantas linguagens artísticas, considerando a possibilidade de ampliar, em si mesmo, a disposição de receber ou formar os reflexos do sistema de sinalização 1’, desencadeados pela educação estética, através do complexo da arte.

Formação da catarse estética

Considerando que o complexo da arte surge no cotidiano imanente dos seres sociais e retorna a esse cotidiano de modo a enriquecer os indivíduos, entendemos que a arte precisa refletir a realidade de homens e mulheres e, assim, a partir do momento catártico, no qual esses indivíduos apreendem os elementos do real, prospera o entendimento da realidade do ser enquanto humano. Lukács (1972) é categórico ao afirmar que:

A transformação do ser humano inteiro da vida cotidiana em um ser humano completamente tomado, que é o receptor em cada caso, diante de cada concreta obra de arte, move-se precisamente na direção de uma tal catarse, extremamente individualizada e, ao mesmo tempo, da maior generalidade (Lukács, 1972, p. 501, tradução nossa)12.

Ao mesmo tempo em que engrandece o indivíduo, em uma relação dialética, a catarse amplia a magnanimidade do gênero humano. Nesse sentido, podemos identificar um papel formativo que despende o complexo da arte no cotidiano dos seres sociais. A catarse, portanto, tem uma legalidade geral dentro do complexo da arte, pois precisa abarcar o gênero na cotidianidade humana, ultrapassando aquela realidade anterior imediata, considerando agora uma infinidade expressiva do entendimento autoconsciente do humano.

O filósofo húngaro considera “[...] a catarse como categoria geral da estética, e funda assim a profunda vinculação entre ética13 autêntica (cismundana) e a arte autêntica (cismundana)” (Lukács, 1967b, p. 388, tradução nossa)14. Para ele, Aristóteles foi pioneiro em estudar a peculiaridade do estético, principalmente no que compete à compreensão da distinção “[...] entre o reflexo estético e a própria vida (por um lado) e a sua reprodução científica (por outro), bem como a relação entre aquele reflexo e a totalidade da prática humana, a sua relação com a ética” (Lukács, 1967b, p. 380, tradução nossa)15. De tal modo, o esteta húngaro entende que, a partir do que sistematizou o filósofo grego Aristóteles, que a catarse desperta a força do próprio ser social que, com seu próprio subsídio, movimenta sua vida, contrapondo, inclusive, as teorias estéticas modernas. Nas palavras do autor:

A consumação da obra de arte, interna, imanente, cismundana está, assim, ao serviço dessa consumação, também cismundana, da alma do homem. A concepção aristotélica da arte colocada nesta base não é menos social - menos nascida da sociedade, menos capaz de fluir para dentro dela - do que a de Platão; nem se opõe abstratamente o indivíduo à sociedade, como tantas vezes acontece na estética moderna; mas no pensamento de Aristóteles a força pedagógica social da arte nasce da sua própria consumação estética, e não, como no pensamento platónico, da mumificação ou simples supressão dos princípios propriamente estéticos. Como descobridor da peculiaridade da estética, Aristóteles fundou a sua essência numa cismundanidade humana, na busca do justo ‘meio’ de todas as atividades humanas (Lukács, 1967b, p. 380-381, tradução nossa, grifo do autor)16.

Tal sobressalto não se trata de uma enganosa salvação transcendente. O processo catártico é, por isso, antropomórfico, imanente, cismundano e se dirige essencialmente ao ser social e, assim, só pode se efetivar na materialização histórico-social. É consciência elevada em autoconsciência. Por isso que, por exemplo, uma autêntica literatura, carregada pelo que de mais humano possa existir, leva-nos aos melhores efeitos catárticos.

A catarse, nesse sentido, é categoria geral, pois, para Lukács (1972), há uma justificativa muito plausível para o conceito de catarse se generalizar. Não está relacionada meramente a estrutura da obra de arte, mas ao fato de que ela centraliza, em conformidade ao conteúdo e à forma, dois importantes pontos que se tangenciam. O primeiro seria “[...] a de si própria com a realidade objetiva como uma totalidade à qual deve o seu próprio nascimento [...]” e o segundo “[...] de uma possibilidade de exercer alguma influência na alma do receptor” (Lukács, 1972, p. 502, tradução nossa)17. Desse modo, quanto mais intenso e abrangente for o conteúdo e a forma artística igualmente será o alcance de todo o processo. É categoria geral, pois:

[...] a catarse é um critério decisivo da perfeição artística de cada obra e, ao mesmo tempo, o princípio determinante da importante função social da arte, da natureza do Depois do seu efeito, da sua difusão na vida, do regresso do ser humano inteiro à vida, depois de se ter entregado inteiramente ao efeito de uma obra de arte e de ter vivido a comoção catártica (Lukács, 1972, p. 518, tradução nossa)18.

O efeito da catarse, sendo o cume de todo o processo estético, educa a nossa sensibilidade. Entendemos que a catarse, nesse processo de formação do indivíduo, é o ponto de culminância da apropriação estética, que orienta o próprio desenvolvimento humano. Advertimos, ademais, que experiências catárticas se diferenciam, as quais podem ser tomadas como momentos mais leves ou mais profundos19. Para Lukács (1972):

[...] a transformação catártica do ser humano inteiro do Antes em ser humano completamente tomado pela receptividade - influenciam nesta direção, exercendo efeitos que são por vezes ténues, quase imperceptíveis, outras vezes sacudindo visivelmente o mais essencial, no centro e na periferia do ser humano inteiro (Lukács, 1972, p. 538, tradução nossa)20.

Temos defendido que as artes que carregam mais de uma linguagem artística, como é o caso do teatro e do cinema, semelham conseguir estruturar mais momentos de catarse. A atmosfera artística que essas linguagens possuem nos parecem mais suscetíveis ao catártico. Assistir a uma peça ou a um filme, com uma música ao fundo, uma grande interpretação, a fotografia ou o cenário, etc., podem nos fazer sentir mais humanos, na compreensão do próprio gênero humano, diante do drama expresso. Isso não desdenha qualquer outra linguagem artística, as quais podem proporcionar, igualmente, o efeito catártico.

Vale realçar que nem sempre uma comoção diante da obra de arte é permitida ou assistida. Vivemos em uma sociedade de classes que carrega muitas formas de opressão. Nesse sentido, chorar e se expressar, muitas vezes, significa ser fraco. Por outro lado, podemos ser taxados de insensíveis, por não apresentar um sobressalto diante de determinada obra, por simplesmente não ter tido a possibilidade de compreender o deleite estético. Repetimos que a forma como é constituída a obra se orienta pelas experiências sociais que o artista ou o apreciador apreenderam no curso da vida. A obra de arte manifesta-se aos receptores como obra singular - ainda que guarde a sua generalidade, como substância única, uma vez que o complexo da arte é antropomórfico, portanto, chegará aos receptores de modo distinto.

Ainda que a catarse demonstre uma aproximação maior com a tragédia, isso justifica o motivo pelo qual a definição aristotélica ser tão difundida, o caráter da catarse é mais amplo, como exposto anteriormente. Para Lukács (1972, p. 501, tradução nossa), a catarse possui um caráter de desfetichizar, levando em conta que todo efeito artístico “[...] contém uma evocação do núcleo vital humano [...]” e, ademais, “[...] uma crítica da vida (da sociedade, da relação que ela produz com a natureza)”21. Então, podemos considerar que o caráter de desfetichização do real, carregado pela arte, tem a possibilidade de fazer com que os seres sociais observem o mundo de modo renovado, por um sentimento não afetado pelo fetiche. Isso não quer dizer que toda arte autêntica tenha essa possibilidade e entendemos que essa não seja a sua função específica.

É presumível compreender, diante de nossa explanação, que toda autêntica obra de arte é a refiguração da vida humana e do devir humano. Desse modo, Lukács (1972) aponta três aspectos pelos quais a arte refigura o mundo que se apresenta na obra criada pelo ser social. O primeiro refere-se a desfetichizar o mundo externo no qual o ser social está inserido. Assim, ele “[...] percebe a realidade e o modo como lhe pode ser objetivamente oferecida nas circunstâncias histórico-sociais dadas” (Lukács, 1972, p. 429, tradução nossa)22. O segundo aspecto expõe a arte como formadora do mundo do ser social em uma determinada fase do seu desenvolvimento interno. Os dois primeiros aspectos fazem com que, conforme Lukács, haja uma efetiva desfetichização. Por fim, o terceiro aspecto considera “[...] a universalidade do conteúdo (e o formal, portanto) da arte nessa síntese dialética do interno e do externo, nessa refiguração de um mundo adequado ao homem” (Lukács, 1972, p. 430, tradução nossa)23.

Entendemos que a catarse, no processo de desfetichização, tem a possibilidade de formar e educar a nossa sensibilidade para compreendermos o mundo com um entendimento restaurado, não contaminado pela fetichização. Nesses termos, o complexo da arte pode revelar a inteireza humana, por meio da criação de “[...] uma ‘realidade’ autónoma que absorve toda a vida intelectual e emocional do homem, eleva-a, intensifica e aprofunda [...]”24 (Lukács, 1972, p. 112, tradução nossa, grifo do autor), como um legítimo reflexo da realidade. Com o intuito de desfetichizar, a arte impende um papel de compreensão da realidade tal como ela é, não obstante, é necessário salientar que se toda arte autêntica é dirigida ao ser humano completamente - por um instante de apreensão da arte autêntica - uma vez que é possível apenas alcançar um aspecto do ser humano inteiro, tendo em vista que não é o complexo da arte que pode mudar a estrutura da sociedade. Os seres sociais só podem transpor um modelo de sociabilidade se considerarem que é a partir do trabalho que uma transformação poderá ser efetivada. Quando homens e mulheres abolirem a propriedade privada e as classes sociais e concretizarmos o trabalho associado, será dado um passo à constituição de contarmos com mais seres humanos completamente.

Segundo Marx (2004, p. 108), a propriedade privada, fincada na sociabilidade de classes antagônicas, “[...] nos fez tão cretinos e unilaterais [...]”, que perdemos (mas há a possibilidade de encontrar) a viabilidade de nos tornamos seres sociais omnilaterais. Como se constituiria um ser humano completamente? Marx (2004, p. 108) é categórico ao afirmar que há no humano uma substância omnilateral: “O homem se apropria da sua essência omnilateral de uma maneira omnilateral, portanto como um homem total”. Os sentidos humanos e, ademais, as relações humanas com o mundo, são capazes de assimilação da realidade objetiva, considerando a base ontológica do trabalho. Assim, se os indivíduos se apropriassem, de fato, dos sentidos, do pensar, do intuir, do querer, de ser ativo, do criar, poderíamos conquistar a nossa plena individualidade enquanto gênero humano. Para Mészáros (2006), os sentidos humanos podem alcançar grande diversidade e opulência. Vejamos:

[...] seu número corresponde à riqueza infinita dos objetos com os quais os sentidos humanos se relacionam. Exemplos como ‘ouvido musical’, ‘senso mineralógico’, indicam o caráter múltiplo dos objetos a que se referem. O mesmo objeto apresenta muitas características - por exemplo a beleza do mineral em contraste com as suas propriedades físicas comercialmente exploráveis ou seu valor mercantil - que só se tornam reais para o indivíduo se este possuir a sensibilidade (isto é, ‘o sentido mineralógico’, o ‘ouvido musical’) para percebê-las (Mészáros, 2006, p. 183, grifos do autor).

O filósofo húngaro nos adverte, utilizando os exemplos propalados por Marx (2004), nos Manuscritos econômico-filosóficos, como os sentidos humanos podem ser educados socialmente para uma compreensão mais ampla. É certo que possuir olhos não significa que o indivíduo possa contemplar a beleza de uma pedra preciosa. É necessário ir além de avistar e/ou tatear o mineral. “Os sentidos humanos estão interligados não apenas uns com os outros, mas também cada um deles com todas as outras potências humanas, inclusive, é claro, o poder do raciocínio” (Mészáros, 2006, p. 183).

Desse modo, compreendemos que educar os sentidos humanos é se apropriar de uma formação estética e a catarse, como categoria geral, como culminância do processo estético, é a alternativa da conquista da universalidade humana, na qual se refiguram os aspectos da realidade objetiva. Nesse sentido, entendemos que o complexo da arte carrega a possibilidade de proporcionar à humanidade, caso educássemos omnilateralmente e não de modo unilateral, um desenvolvimento estético em larga medida, acumulando sempre a generalidade humana. O entrave que a sociedade de classes acomete ao conjunto da humanidade no que diz respeito à formação humana é imenso. Nesse sentido, procuramos evidenciar como a função formativa da arte pode alargar a capacidade de enriquecer o ser social.

Considerações finais

Asseveramos que a função central do complexo da arte seja o de desvelar o indivíduo enquanto partícipe do gênero humano. Nesse processo, entendemos que a catarse se apresenta como possibilidade de uma formação estética, já que enriquece o indivíduo enquanto gênero humano. Depois de um efeito catártico - que, como apresentamos, pode ocorrer de forma leve ou mais profunda -, o indivíduo não é mais o mesmo, uma vez que conserva e cristaliza, dialeticamente, o processo de generidade humana. A linguagem artística (ouvir uma música, ler um livro, ver uma escultura ou pintura, assistir a um filme, etc.), quando autêntica, pode provocar tamanha inquietação, na qual o indivíduo se reconheça na criação ou na fruição artística como parte da humanidade.

É importante destacar que: “[...] o estético deve ser considerado como um fenómeno histórico-social não só na sua génese, mas também em todo o seu desenrolar” (Lukács, 1967b, p. 369, tradução nossa)25. Isso se aplica efetivamente no decorrer da história da humanidade. Na atualidade, por exemplo, o nosso desenvolvimento estético fica à mercê de uma onda de conservadorismo, atestados por governos e grupos sociais de extrema-direita, imerso em um contexto de destruição, ainda que haja legítimas ‘ilhas de civilização humana’ (Lukács, 1965). Entendemos que o complexo da arte pode reproduzir o que demanda a sociedade, ao mesmo tempo que pode registrar uma contradição ou perspectivar o devir. A autenticidade da arte está relacionada ao processo de criação e fruição, formação relacionada de modo consciente com a nossa própria existência, com o hic et nunc histórico, como aponta diversas vezes o filósofo húngaro.

A catarse, como culminância do processo formativo estético do ser social, possibilita que este apreenda os elementos objetivos e subjetivos latentes no cotidiano concreto. A educação estética instrui o desenvolvimento dos sentidos humanos, fazendo com que o ser social possa criar e fruir as mais genuínas obras artísticas. O ser humano inteiro alça o ser humano completamente no breve instante catártico. Na contradição da sociedade capitalista, momentos catárticos são cada vez mais difíceis de reverberar no cotidiano dos seres sociais.

Diante de uma sociabilidade que visa o lucro em primeiro plano, as possibilidades de os seres sociais compreenderem integralmente a própria vida na natureza e na sociedade são cada vez mais difíceis; o salto do ser humano inteiro ao ser humano completamente, por meio da catarse estética, é cada vez mais obstaculizado. Como resultado, este estudo indica que a forma como está posta a atual sociabilidade, regida pelo capital, não comporta as possibilidades efetivas de desenvolvimento humano, de modo que somente uma ruptura radical com a atual forma social poderia proporcionar, ao conjunto dos seres sociais, uma apropriação da riqueza da humanidade, seja ela proveniente das necessidades do estômago ou da fantasia.

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52NOTA: As autoras Adéle Cristina Braga Araujo e Josefa Jackline Rabelo foram responsáveis pela concepção, análise e interpretação dos dados; redação e revisão crítica do conteúdo do manuscrito e ainda, aprovação da versão final a ser publicada.

Recebido: 26 de Março de 2021; Aceito: 25 de Agosto de 2021

* Autor para correspondência. E-mail: adele.araujo@ifce.edu.br

Adéle Cristina Braga Araujo: Professora do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará - IFCE - Campus de Quixadá. Doutora em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Ceará - UFC; Pesquisadora do Grupo de Pesquisa Trabalho, Educação, Estética e Sociedade - UECE, do Grupo Interdisciplinar de Estudos e Pesquisas Sobre Educação, Emancipação, Sociedade e Sertão - IFCE e do Grupo de Pesquisas e Estudos Ontológicos - IFCE. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0386-4053 E-mail: adele.araujo@ifce.edu.br

Josefa Jackline Rabelo: Professora Titular do curso de Pedagogia e do Programa de Pós-Graduação em Educação Brasileira da Universidade Federal do Ceará - UFC. Estágio Pós-Doutoral pela École des Hautes Études en Sciences Sociales - EHSS - Paris-França. Doutora e Mestra em Educação Brasileira pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Ceará - UFC. Pesquisadora do Grupo de Pesquisa Ontologia Marxiana e Educação - UFC. ORCID: http://orcid.org/0000-0002-4933-631X E-mail: jacklinerabelo@ufc.br

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