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Acta Scientiarum. Education

Print version ISSN 2178-5198On-line version ISSN 2178-5201

Acta Educ. vol.45  Maringá  2023  Epub Oct 01, 2022

https://doi.org/10.4025/actascieduc.v45i1.55295 

FORMAÇÃO DE PROFESSORES E POLÍTICAS PÚBLICAS

Coordenação pedagógica: percepções dos coordenadores escolares na perspectiva da gestão democrática

Coordinación pedagógica: percepciones de los coordinadores escolares desde la perspectiva de gestión democrática

Soane Santos Silva1  * 
http://orcid.org/0000-0003-3807-1798

Ennia Débora Passos Braga Pires1 
http://orcid.org/0000-0003-3924-4996

Marília do Amparo Alves Gomes1 
http://orcid.org/0000-0002-2321-3813

1Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, Estrada Bem Querer, Km-04, 45083-900, Vitória da Conquista, Bahia, Brasil.


RESUMO.

Resultante de uma pesquisa de mestrado, este trabalho tem como objetivo analisar as percepções dos coordenadores escolares sobre o trabalho de coordenação pedagógica na perspectiva da gestão democrática, bem como os desafios na execução do trabalho coletivo. A pesquisa desenvolveu-se na Rede Municipal de Educação - Ensino Fundamental, em Itapetinga-BA, tendo como sujeitos da investigação sete coordenadores pedagógicos escolares, quatro gestores das escolas onde atuam os coordenadores pedagógicos e dois coordenadores técnicos. Como método de análise, o estudo pauta-se na dialética, na perspectiva do materialismo histórico. Apropriamo-nos da pesquisa bibliográfica para o aprofundamento teórico do objeto de estudo e, como instrumentos para coleta de dados, utilizamo-nos da análise documental e da entrevista semiestruturada. Os resultados da pesquisa revelam, entre outros aspectos, importantes pontos de reflexão: as condições do coordenador para ‘articular’ as atividades pedagógicas dentro de espaços que não se constituem democráticos; a formação não pode recair apenas sobre o coordenador pedagógico, mas exige uma atuação do Estado; as dificuldades encontradas pelo coordenador quando não há condições de trabalho e de desempenho das suas atribuições asseguradas pelo Estado.

Palavras-chave: coordenador pedagógico; gestão educacional; participação; trabalho coletivo

RESUMEN.

Como resultado de una investigación de maestría, este trabajo tiene como objetivo analizar las percepciones de los coordinadores escolares sobre el trabajo de la coordinación pedagógica desde la perspectiva de la gestión democrática, así como los desafíos en la ejecución del trabajo colectivo. La investigación se desarrolló en la Red Municipal de Educación - Escuela Primaria, en Itapetinga, Bahia, con siete coordinadores pedagógicos escolares y cuatro administradores escolares de la misma institución y dos coordinadores técnicos. Como método de análisis, el estudio se basa en la dialéctica, desde la perspectiva del materialismo histórico. Nos apropiamos de la investigación bibliográfica para la profundización teórica del objeto de estudio y, como instrumentos para la recolección de datos, utilizamos análisis documentales y entrevistas semi estructuradas. Los resultados de la investigación revelan, entre otros aspectos, puntos importantes para la reflexión: las condiciones del coordinador para ‘articular’ las actividades pedagógicas dentro de espacios que no son democráticos; la capacitación no solo puede recaer en el coordinador pedagógico, sino que requiere la acción del Estado; las dificultades encontradas por el coordinador cuando no hay condiciones de trabajo y el desempeño de sus funciones garantizadas por el Estado.

Palabras clave: coordinador pedagógico; gestión educativa; participación; trabajo colectivo

ABSTRACT.

Resultantly from a master's research that aims to analyze the perceptions of school coordinators about the work of pedagogical coordination from the democratic management perspective as well as the challenges at carrying out collective work. The research was developed in the Municipal network of Education - Elementary School, in Itapetinga, Bahia, having as investigation subjects seven school pedagogical coordinators, four school managers and two technical coordinators. As a method of analysis, the study is based on dialectics, in the perspective of historical materialism. We appropriated the bibliographic research for the theoretical deepening of the object of study and, as instruments for data collection, we used documentary analysis and semi-structured interviews. The research results reveal, among other aspects, important points of reflection: the conditions of the coordinator to 'articulate' pedagogical activities within spaces that are not democratic; training can not be only the pedagogical coordinator duty, but requires an action of the state; the difficulties encountered by the coordinator when there are no working conditions and performance of their duties ensured by the government of the state.

Keywords: pedagogical coordinator; educational management; participation; collective work

Introdução

No final do século XX, as discussões em torno das questões democráticas foram intensificadas. De acordo com Silva (2011, p. 2), “[...] a democracia passou a qualificar processos, atividades ou relações fundamentadas no diálogo, participação, direito e respeito à diversidade”. Este ponto de vista, segundo a autora, constrói ações de pertencimento e fortalece concepções de coletividade. Na educação, democracia e escola constituem um caminho com vistas a oportunizar interações entre os sujeitos por meio da prática educativa, “[...] fortalecendo nova cultura e relações político-sociais fundamentais para a sociedade democrática” (Silva, 2011, p. 2).

É possível referir-se ao processo de gestão democrática educacional como processo de transformação por meio do trabalho coletivo, uma vez que, na condição de política pública, é capaz de promover a efetivação do princípio da participação no contexto escolar. É possível, também, ao se falar em gestão democrática e princípio da participação, remeter-se à importância do trabalho do coordenador pedagógico como possibilidade efetiva de envolvimento da comunidade escolar na tomada de decisões, pois cabe a este profissional o papel de participar do planejamento, da orientação, do acompanhamento e da mobilização à efetivação da proposta pedagógica, em uma perspectiva de trabalho coletivo. Conforme Placco, Souza e Almeida (2012), os coordenadores pedagógicos, no espaço escolar, diante de suas atribuições, exercem papel decisivo no processo de articulação, formação e democratização das relações na escola, pois estimulam práticas natural e essencialmente participativas na prática pedagógica educacional, de forma autônoma e também transformadora.

Dessa forma, este artigo tem como objetivo analisar as percepções dos coordenadores escolares sobre o trabalho de coordenação pedagógica na perspectiva da gestão democrática, bem como os desafios na execução do trabalho coletivo. A pesquisa desenvolveu-se na Rede Municipal de Educação - Ensino Fundamental, em Itapetinga-BA, tendo como sujeitos da investigação sete coordenadores pedagógicos escolares. Apropriamo-nos da pesquisa bibliográfica para a fundamentação teórica do objeto estudado. Utilizamo-nos da análise documental e da entrevista semiestruturada, como instrumentos para coleta de dados. Como estratégia para garantir o anonimato dos participantes da pesquisa na apresentação e análise dos dados, optamos pela utilização de codinomes. A pesquisa foi cadastrada na Plataforma Brasil e obteve aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa por meio do parecer: 3.483.335. O embasamento teórico deste trabalho fundamenta-se principalmente nas obras de Bruno (2006), Gandin (1997), Mészáros (2002), Oliveira, Santos e Pereira (2015), Silva e Sampaio (2015), não descartando outros estudiosos cujas contribuições foram necessárias para o desenvolvimento desta investigação.

O estudo buscou uma aproximação com o materialismo histórico-dialético para análise dos dados, considerando as seguintes categorias: totalidade, práxis, mediação e contradição. As categorias são conceitos que refletem os aspectos do campo real, bem como as relações existentes e desenvolvidas nesta realidade. Além das categorias do método, que são universais, próprias do materialismo histórico-dialético, recorremos às categorias de conteúdo da obra marxiana, trabalho, alienação e ideologia. Segundo Masson (2012, p. 6), as categorias de conteúdo “[...] dizem respeito à especificidade do objeto investigado e das finalidades da investigação, com o seu devido recorte temporal e delimitação do tema a ser pesquisado”.

Inicialmente apresentamos uma breve discussão sobre o trabalho de coordenação pedagógica no contexto do trabalho coletivo da escola, destacando, aqui, a relevância para o processo de gestão democrática. Posteriormente apresentamos a análise de dados e os resultados da pesquisa, levando-se em consideração todos os aspectos observados e investigados, confrontando concepções e identificando contradições.

Coordenador pedagógico e o trabalho coletivo na escola: considerações teóricas

O modelo proposto de gestão democrática, ainda muito distante da real finalidade, preocupa-se com o fortalecimento dos mecanismos de participação nas unidades escolares. Aspecto de inegável relevância para a constituição de práticas educacionais mais condizentes com as necessidades da comunidade. No caso da dimensão pedagógica da escola, o coordenador tem a responsabilidade de desenvolver um trabalho articulado com os professores e toda comunidade escolar.

A contribuição da coordenação pedagógica na ação participativa é um processo a ser construído no cotidiano a partir do desejo da comunidade que compõe a unidade escolar, independentemente de ser instituída oficialmente. Para construir novas percepções e conceitos, o coordenador “[...] precisa de encontros pedagógicos, de planejamentos coletivos para que, juntos com outros docentes e com a equipe pedagógica da escola, possam repensar suas práticas” (Oliveira et al., 2015, p. 150). A gestão democrática e a prática participativa devem se configurar pela busca por caminhos reflexivos e coerentes com o contexto escolar. Nesse sentido, torna-se imprescindível para realização do trabalho coletivo o reconhecimento de alguns fatores essenciais nesse processo: o planejamento do trabalho coletivo; articulação entre as políticas públicas e o fazer pedagógico; os mecanismos de participação; o trabalho com a formação continuada e a conquista da autonomia.

O trabalho coletivo é construído e, para isso, requer planejamento. É preciso pensar nas estratégias para a execução dessa tarefa. Não se trata aqui de um passo a passo, um roteiro pronto e acabado, mas, sim, de definições de articulações que estimulem a participação e o posicionamento reflexivo. De acordo com Gandin (1997), seguir um roteiro mecanicamente apenas formalizará o trabalho, é preciso estar atento às mudanças, às circunstâncias, aos problemas e aos estímulos. O autor ainda destaca que é preciso levar em consideração o saber teórico, em termos globais, e a relação com a sua compreensão sobre a organização educacional.

Diante de um desejo de tomada de decisões coletivas, o trabalho do coordenador pedagógico precisa estar organizado e preparado para ouvir e para coletar os anseios da coletividade, e isso não implica aceitar apenas aquilo que considera importante, mas reunir todas as informações, organizá-las, sistematizá-las e levá-las ao debate e às decisões. Danilo Gandin (1997), ao tratar de planejamento e trabalho coletivo, enfatiza que, nessa dinâmica, não basta apenas coletar sugestões ou fazer uma seleção daquelas que irão atender às expectativas e às ideias daqueles que estão coordenando o trabalho. Para o planejamento de uma ação coletiva e participativa, faz-se necessário pensar uma forma de reunir, e não resumir, as ideias das pessoas.

Sob a perspectiva da chamada gestão democrática, a ação do coordenador pedagógico possibilita a ponte entre as políticas públicas e a real necessidade de uma comunidade escolar cheia de conflitos e inquietações. Esse é o grande dilema/desafio do coordenador pedagógico, promover ações articuladoras com princípios de gestão democrática, desvinculando-se de modelos impregnados no sistema de gestão educacional, como a gestão gerencial e a gestão compartilhada.

Desse modo, o que se vê nas escolas são projetos injetados e engessados na forma de lei, que, hierárquica e burocraticamente, devem ser executados sob a mediação e com a articulação do coordenador pedagógico. Além disso, esses projetos surgem permeados pelos interesses do mercado neoliberal e enlaces capitalistas. Condição esta que limita as ações mobilizadoras, voltadas ao princípio da participação. Com pouco tempo para planejamento e articulação, esses projetos acabam sendo desenvolvidos no espaço escolar sem análise reflexiva ou, quando há, sem alternativa de não execução.

Para além do que a bibliografia aponta sobre o papel do coordenador pedagógico, é necessário desvencilhar-se de conceitos paradigmáticos, implantados por modelos maquiadores de gestões, que possuem como foco o controle dos resultados e a responsabilização do fracasso apenas aos profissionais da escola. Situação incontestável, uma vez que “No campo da organização e gestão educacional prolifera, sobretudo em relação às políticas públicas, o paradigma administrativo gerencial, que busca transferir para a especificidade da cultura institucional da escola a lógica, o processo e o padrão administrativo empresarial, centrado na eficiência e na eficácia” (Silva & Sampaio, 2015, p. 969).

O coordenador pedagógico precisa desenvolver suas atividades na perspectiva de promover ações no cotidiano escolar que ajudem a superar as insatisfações e estimulem a participação no seu sentido mais concreto. Trata-se de mediar as políticas públicas implementadas e o trabalho de sala de aula, executado por meio do fazer pedagógico. Recai sobre o coordenador o papel de mediador e articulador: discutir e refletir com os docentes essas políticas, alinhá-las à proposta pedagógica da escola, à realidade administrativa e, ao mesmo tempo, estar sensível às insatisfações de uma categoria que se sente desvalorizada, enfrentando a precarização do trabalho.

Pires (2005), ao analisar as relações de poder no cotidiano escolar, com enfoque no trabalho desenvolvido pelo coordenador pedagógico, destaca que a “[...] participação efetiva no processo decisório na escola supõe não só abertura interna à participação a nível político, mas também a autonomia da escola em relação aos órgãos administrativos centrais e à estrutura de poder da sociedade, na qual se acha inserida” (Pires, 2005, p. 67). Democratizar as relações de poder no interior da escola pode se tornar, para o coordenador pedagógico, uma possibilidade de construir espaços participativos que venham a superar modelos centralizados de organização escolar. Ações que exigem a percepção do cotidiano de uma instituição escolar em uma perspectiva individual e coletiva.

Na perspectiva coletiva, evidencia-se também a incumbência de estimular os mecanismos de participação no espaço escolar, comprometendo-se com a efetivação de um ambiente democrático. As tomadas de decisões na escola devem ocorrer, necessariamente, de forma coletiva. Para isso, é preciso compreender que a todos que ocupam e fazem parte da dinâmica escolar devem ser abertos espaços à participação.

O trabalho com foco na mudança, executado sob a mediação do coordenador pedagógico por meio do trabalho coletivo, colocará a sua disposição os mecanismos de participação no viés dos princípios democráticos através de uma gestão democrática eficaz. À gestão da educação compete a direção do processo de organização e o funcionamento de instituições comprometidas com a formação humana “[...] por meio de um novo conhecimento que ‘ilumine’ as diversas formas democráticas de condução do processo educacional” (Ferreira, 2008, p. 104, grifo do autor).

A ativação dos mecanismos de participação nos espaços escolares, como a eleição direta para diretores, os conselhos escolares, o grêmio estudantil, a associação de pais, os conselhos de classes, é essencial para o trabalho coletivo. São espaços de comunicação que precisam ser utilizados e explorados. Por meio deles, é possível estabelecer relações participativas e decisórias, partindo da compreensão das concepções individuais para as coletivas e das concepções coletivas para as individuais.

Os modelos administrativos que ocupam as escolas interferiram diretamente no desenvolvimento profissional docente, pois são originários de uma ditadura neoliberal cujas “[...] reformas educacionais no Brasil assentam-se nos princípios de maior eficiência e produtividade visando ao crescimento econômico” (Brito, Prado, & Nunes, 2017, p. 168). Torna-se evidente nesses modelos que ações articuladoras, com base nos princípios da participação, não são uma proposta interessante.

A formação continuada é uma ferramenta capaz de construir espaços de reflexão, contudo é a atribuição menos executada, pois afazeres corriqueiros ocupam o tempo do coordenador pedagógico. Os momentos de formação devem ser oportunizados nas instituições escolares sob a mediação do coordenador. A formação continuada é um importante espaço de comunicação coletiva e exercício de poder decisório, porque “[...] representa a possibilidade de aprofundar os debates concernentes aos dilemas e às potencialidades inerentes ao processo educativo, [...]” (Silva & Sampaio, 2015, p. 966). Os autores acrescentam que esse espaço pode representar o caminho para a reconquista da autonomia numa perspectiva emancipatória que provoca reflexão, análise e transformações políticas da realidade e da prática profissional, superando o domínio de estruturas de poder instituídos.

A superação das ideologias impostas pela estrutura de poder é tarefa complexa. Exige uma ação crítica e articulada. A atividade de coordenação pedagógica possui atribuições conectadas à essa complexidade e, por isso, é uma tarefa desafiadora. Vale ressaltar que, “[...] tendo em vista o trabalho pedagógico coletivo [...]”, é possível se reconhecer, nessa função, a “[...] complexidade própria de qualquer ação que pretenda o crescimento real e autônomo de pessoas” (Bruno, 2006, p. 15). Garrido (2001) também expressa a complexidade do trabalho coletivo que deve ser desenvolvido pelo coordenador pedagógico com vistas às transformações sociais, por meio da conquista da autonomia, ao afirmar que “[...] essa tarefa formadora, articuladora e transformadora é difícil, primeiro, porque não há fórmulas prontas a serem reproduzidas [...]. Segundo, porque mudar práticas pedagógicas não se resume a uma tarefa técnica [...]” (Garrido, 2001, p. 9).

Dessa forma, nessa prática de ação e reflexão, é preciso trabalhar atento às transformações, sem desconsiderar os seguintes pontos: o contexto da gestão democrática como forma de organização do trabalho educativo e a construção de novos conceitos; a compreensão dos fatores históricos que promoveram o princípio da gestão democrática diante de uma política neoliberal; a superação de modelos de gestão gerenciais ou compartilhados que se tornam entraves no trabalho coletivo; o estímulo ao princípio da participação por meio dos mecanismos que existem à disposição do trabalho escolar, como prática da gestão democrática; a valorização da função para construção da identidade profissional, definindo melhor e compreendendo suas reais atribuições; a compreensão da formação continuada como forma de trabalho coletivo e momento de reflexão sobre a prática pedagógica; a importância da autonomia como resultado do fortalecimento da participação.

Gestão democrática no trabalho do coordenador pedagógico da escola pública municipal de Itapetinga-BA: os limites e as contradições

Nas ações pedagógicas concretizam-se o desejo e as necessidades de toda a comunidade escolar. Nelas, também, concretizam-se ideologias e estabelecem-se vínculos com concepções alienadoras dos modelos de gestão empresarial, com características neutralizadoras da participação, enquanto ato político. Pais, professores, alunos, gestores, dentre outros representantes da comunidade escolar, são peças fundamentais para a superação desses modelos, no entanto, a eles devem ser proporcionados espaços para a ação coletiva, resgatando, sobretudo, a autonomia, enquanto valor democrático. “Em termos práticos, porém, sabemos que tal projeto coletivo é uma conquista muito difícil de ser realizada. Entraves pessoais e institucionais não faltam” (Bruno, 2006, p. 14).

Quando os sujeitos da pesquisa expressaram suas percepções sobre a atuação dos coordenadores pedagógicos, diante do trabalho coletivo, as evidências dos limites e das contradições dessa prática, no espaço escolar, ficaram claras, ao se observar que, dentre as atividades executadas no dia a dia, o trabalho direto com os mecanismos de participação não foi mencionado. Ressalta-se que o conselho de classe e reunião de pais foram citados, mas não como espaço coletivo participativo e, sim, como ação rotineira (conselho de classe no final de toda unidade letiva, plantão pedagógico, informativos de períodos de avaliação para os pais, dentre outros), objetivando a descrição de atividades executadas na sala de aula pelo professor e executadas pela escola como um todo.

No caso da realização do conselho de classe, esta apresentou relevância nas entrevistas, como poder coletivo e decisório, apenas no que diz respeito à vida escolar do aluno, nos aspectos relacionados aos dados quantitativos (notas) e qualitativos (comportamento). Não se tem tempo no conselho para discutir caminhos e soluções de problemas, o qual se configura mais como espaço de resolução de questões técnicas e de informativos do que de discussão e reflexão, conforme é possível perceber quando o entrevistado declara que: “[...] esse conselho de classe que muitas vezes apresenta só com uma importância maior no final do ano, na hora de aprovar e reprovar [...]” (Fibra, 2019).

Quanto à questão da reunião de pais, resume-se a momentos de transmissão de informações e cumprimento de procedimentos administrativo-burocráticos. Situação evidenciada no depoimento de um entrevistado, quando afirma que “[...] dessa parte dos pais, da família, a gente não tem participação. Eles fazem porque a gente convida, e por mais que a gente chame, eles não têm este interesse de estar contribuindo com a escola pública” (Força, 2019).

O depoimento evidencia a falta de ‘interesse’ dos pais, no entanto, de acordo com Lück, Girling, e Keith (2012), a participação dos pais na escola, em boa parte das vezes, só é desejada para tratar dos assuntos técnico-administrativos. Segundo Bruno (2006), essa resistência à participação, também por parte dos profissionais da educação, ocorre porque “[...] uma das dificuldades do trabalho coletivo está no confronto de expectativas e desejos dos sujeitos envolvidos” (Bruno, 2006, p. 14). É nesse sentido que se faz necessário o planejamento do trabalho coletivo, com vistas à provocação de ações verdadeiramente participativas. Conforme Gandin (1997) é preciso planejar os momentos de encontros coletivos e articular estratégias que facilitem a participação e a reunião, não somente de pessoas, mas essencialmente de ideias, que precisam ser coletadas e discutidas, antes da tomada de decisão. Para esse autor, torna-se importante não desconsiderar no planejamento os aspectos relacionados à realidade da instituição escolar e à compreensão das pessoas sobre essa realidade e, por isso, manter o planejamento flexível e adaptável às diversas situações reveladas pela comunidade.

Os sujeitos da pesquisa descreveram as atividades que consideravam ser planejadas com a participação da comunidade e as atividades que consideravam ser executadas, conforme será apresentado na Tabela 1, adiante. Antes, porém, é preciso ressaltar o depoimento de um entrevistado quanto às limitações, pois ele declara que: “[...] se a comunidade escolar que a gente se refere engloba vigilante, merendeira, pessoal da limpeza, direção, coordenação, professores [...] eu tenho que admitir que nenhuma atividade, eu planejo com todo esse corpo” (Equilíbrio, 2019).

Observa-se, também, nesse quesito, um posicionamento contraditório em relação ao depoimento anterior, pois um entrevistado expõe: “[...] a maioria das atividades é planejada com a participação ora de grupo menores, ora de grupos maiores. Contamos em menor percentual com a participação das famílias nesses planejamentos, por uma série de fatores” (Determinação, 2019).

A divergência apresentada nas opiniões dos entrevistados ocorre devido à maneira como cada um interpreta e entende os processos participativos. Segundo Gandin (1997), as pessoas associam bastante a participação em grandes plenários e processos de votações como forma de decisão. De acordo com o autor, esse é um processo interessante, no entanto, não garante uma prática transformadora e uma ampla visão teórica. É preciso estar atento para as circunstâncias que envolvem os momentos coletivos, pois, segundo o autor, a compreensão equivocada de participação torna-se uma forma das autoridades preservarem o poder e os limites sobre as decisões do povo. Este aspecto pode representar o que Marx chamaria de ‘falsa consciência’, que se ‘autolegitima’. É a expressão da força da ideologia dominante que “[...] recolhe elementos da realidade e os reconfigura sem estabelecer os nexos entre essa reconfiguração e a realidade representada [...] aparece-nos como uma construção inquestionável [...]” (Hungaro, 2014, p. 54).

Apesar do planejamento coletivo estar expresso nos documentos regulamentadores das atividades pedagógicas, os entrevistados revelaram as contradições, ao enfatizarem que são poucos os momentos de planejamento e que, quando ocorrem, se dão em circunstâncias aligeiradas e sucintas. Na Tabela 1 estão apresentadas as atividades que os coordenadores conseguem, neste contexto, planejar e executar com a ajuda da comunidade.

Tabela 1 Atividades planejadas e executadas com a participação da comunidade escolar. 

A estruturação e adequação do Projeto
Político Pedagógico - PPP
O acompanhamento da entrada e saída dos alunos
As ações executadas durante o ano letivo: datas comemorativas,
calendário de avaliações, dentre outros.
As reuniões e comunicados aos pais
A elaboração e a concretização dos projetos escolares Os projetos com a ajuda dos professores

Fonte: Elaborado pela pesquisadora com base nas entrevistas dos sujeitos da pesquisa.

Algumas situações foram apontadas como fatores que dificultam o planejamento coletivo, dentre eles destaca-se a atuação do gestor escolar: “[...] a gestora não se envolve muito de forma efetiva com as ações do pedagógico, o que eu posso dizer que a questão pedagógica é também uma das atribuições dos gestores, mesmo que ele não se responsabilize efetivamente pelo que acontece, mas precisa também desse acompanhamento do gestor [...]” (Resistência, 2019).

Nesse depoimento é possível perceber características do modelo de gestão compartilhada, no qual cada um executa sua função, sem envolvimento em outras demandas, e/ou características do modelo de gestão gerencial, cujo diretor ocupa o papel maior da hierarquia e apenas delega atividades. Qualquer que seja o modelo no espaço escolar, a omissão quanto ao envolvimento nas atividades pedagógicas da escola, por parte dos gestores, pode representar: um forte indicativo de que os profissionais da educação ainda não conhecem seus papéis dentro de uma unidade escolar que deva funcionar sobre princípios democráticos; o medo de assumir compromissos, considerando que a tendência de responsabilização injetada pela política neoliberal, no processo de descentralização, sobrecarrega as unidades escolares e, por isso, os gestores preferem delegar as tarefas para minimizar o peso das responsabilidades; forma de controle sobre a equipe, posicionando-se apenas como fiscalizador, perpetuando também a forma de organização implementada pela política de mercado capitalista.

Nesse quesito, mais uma vez, não foram mencionadas atividades planejadas e executadas mediante a articulação de importantes mecanismos de participação de uma gestão democrática: a eleição direta para diretores, a eleição dos conselhos escolares, a organização de grêmio estudantil, a articulação de associação de pais, dentre outros. Para Ferreira (2008, p. 71), é relevante a “[...] comunicação entre pessoas com diferentes formações e habilidades, ou seja, entre agentes dotados de distintas competências para a construção de um plano coletivo e consensual de ação”. Os mecanismos de participação favorecem essa comunicação e a reunião das mais diversas opiniões e ideias. Mészáros (2002, p. 28) é contundente quanto à participação, ao afirmar “[...] que toda conversa de dividir o poder com a força de trabalho, ou de permitir a sua participação nos processos de tomada de decisão do capital, só existe como ficção, ou como camuflagem cínica e deliberada da realidade”. Esta concepção de Mészáros (2002) ajuda-nos a esclarecer as contradições existentes nas escolas, quando não se consegue articular os mecanismos de participação, tampouco a organização da escola sob um modelo de gestão democrático.

Os entrevistados foram questionados sobre a organização das escolas em que atuavam, levando em consideração o contexto da gestão democrática. Na Tabela 2, a seguir, apresentamos uma síntese das declarações.

Tabela 2 Organização da gestão escolar na perspectiva dos participantes da pesquisa. 

Entrevistado Organização da gestão escolar
(Equilíbrio, 2019) “A gestão da escola se organiza dentro [...] eu não vou chamar de pirâmide, mas nós temos a direção, vice direção e coordenação”.
(Determinação, 2019) “Nas escolas que eu trabalho a gestão está organizada em direção, vice-direção, coordenação pedagógica e serviço de orientação Educacional”.
(Resistência, 2019) “Apesar da equipe gestora ter conhecimento teórico a respeito do papel do gestor, do papel do coordenador, percebo que a equipe necessita de uma organização. Há uma confusão de papéis, onde o coordenador, SOE, apoio de gestão e até o secretário escolar assume e desenvolve ações que são responsabilidade do gestor, no caso do diretor [...]”.

Fonte: Elaborado pela pesquisadora com base nas entrevistas dos sujeitos da pesquisa.

É possível captar, nos depoimentos, uma forte acepção de organização e gestão escolar atrelada ao chamado padrão gerencial, apresentando-se, hierarquicamente, a prevalência da seguinte estrutura: diretor, vice-diretor, coordenador pedagógico e orientador educacional. Nenhum dos entrevistados conseguiu correlacionar ou citar os mecanismos legais de participação como componentes integrantes da organização da gestão das escolas.

Ainda sobre a organização escolar, ao serem indagados se consideram que a escola onde atuam apresenta um modelo de gestão democrática e participativa, foi possível perceber que as opiniões foram divergentes. A Tabela 3 apresenta os relatos dos participantes sobre a questão.

Tabela 3 Caracterização da gestão das escolas na perspectiva dos participantes da pesquisa. 

Entrevistado Escola é, ou não, democrática e participativa
(Equilíbrio, 2019) “Eu considero a gestão da escola democrática e participativa, só que ela é mais democrática do que participativa”.
(Determinação, 2019) “Creio que ainda não conseguimos atingir um percentual que permita caracterizar a gestão que, muitas vezes, se configura como participativa, e outras vezes como democrática, esta última em menor intensidade”.
(Coragem, 2019) “Se ela é democrática ou participativa, esse tipo de gestão eu fico com um pouco de dúvida, entre democrática ou participativa. Prefiro não opinar”.
(Resistência, 2019) “Não considero a gestão da escola democrática e participativa. Algumas decisões são tomadas pelo gestor sem ser compartilhada com a equipe. Apesar de passar praticamente todo tempo envolvido com a questão financeira, a prestação de contas é precária, não se expõe os programas e o recurso que a escola possui, não são apresentados à comunidade os bens adquiridos, as reuniões são fragmentadas e com a finalidade de coletar assinaturas”.
(Esperança, 2019) “Sim, levando em consideração os princípios previstos na LDBEN [...] Outro aspecto da gestão democrática é a escolha dos gestores escolares, no entanto, ainda ocorre por indicação”.
(Foco, 2019) “Eu acredito que a direção da escola será democrática sim, até porque nós estamos vivendo um tempo onde todos têm vez e têm voz. Alguns se recusam a participar, outros acham que não vale a pena opinar... mas a tomada de decisão ainda é centralizada [...]”.
(Superação, 2019) “Eu sinto que vai depender do momento e da situação. Em alguns momentos ela é democrática: todos têm vez, falam, opinam, decidem. Em alguns momentos também ela é participativa: a gente consegue o envolvimento de todos. No entanto, em alguns momentos ela é gerencial: por mais que se tente o envolvimento de todos, acaba prevalecendo a voz de uma forma hierárquica”.

Fonte: Elaborado pela pesquisadora com base nas entrevistas dos sujeitos da pesquisa.

Na Tabela 3 evidencia-se um desencontro de ideias entre os entrevistados. A relevância dessas informações consiste na percepção de que, de acordo com as concepções apresentadas pelos coordenadores, no município de Itapetinga não há uma definição de uma política de gestão, principalmente no que diz respeito à política de gestão democrática. Os dados revelam as seguintes divergências, apresentadas na Figura 1.

Fonte: Elaborado pela pesquisadora com base nas entrevistas dos sujeitos da pesquisa.

Figura 1. A gestão democrática e participativa nas escolas na perspectiva dos entrevistados.  

Observa-se que, nesse aspecto, cada entrevistado fez uma caracterização do funcionamento da gestão da escola. Esse dado implica em percebemos que cada escola da rede municipal trabalha sob a perspectiva de gestão que depende da compreensão de quem assume as funções de poder. Segundo Ferreira (2008, p. 71),

Toda e qualquer organização que tente implantar e desenvolver práticas de natureza participativa vive sob a constante ameaça da reconversão burocrática e autoritária dos seus melhores esforços. As razões para isto são diversas: história de vida dos membros, supervalorização ideológica das formas tradicionais de gestão, demandas políticas difíceis de conciliar etc.

As razões evidenciadas pelo autor ajudam na compreensão da diversidade de percepções mencionadas na Figura 1, apresentada anteriormente. Nesses depoimentos, foi possível, também, evidenciar as seguintes razões:

- A compreensão de que a gestão democrática e participação são processos diferentes, e a incerteza entre o que é gestão democrática e o que é participação;

- Falta de conhecimento dos processos organizacionais da gestão escolar e do princípio da participação ou receio de se posicionar, pois acredita que estará fazendo julgamento do colega e não de toda uma estrutura organizacional, quando prefere não opinar;

- A convicção de que ainda não se instituíram processos de gestão democrática dentro das unidades escolares, pois confirma a centralização das decisões no diretor e a falta de transparência quanto às questões administrativas e financeiras junto à comunidade;

- A divergência ao afirmar que a gestão é democrática, no entanto, faz ressalva que um dos principais mecanismos de participação, a eleição para diretores, ainda não acontece;

- A contradição ao afirmar que a gestão é democrática, mesmo admitindo a pouca participação da comunidade e a centralização da tomada decisão;

- A revelação de que a gestão da escola organiza-se de acordo com as circunstâncias ou conveniências. A organização da escola vai se caracterizar a depender dos resultados obtidos diante da tomada de decisões.

Todos esses aspectos implicam em um grande desafio para o desenvolvimento de um trabalho coletivo, pois, conforme Mészáros (2002, p. 1035), “[...] a ideia de uma totalização coletiva plenamente consciente, através da atuação da classe e sem a participação autodeterminada de seus membros individuais, é uma proposição dúbia”. A composição de uma equipe gestora que ainda não consegue ter clareza das concepções de gestão e dos princípios de participação torna-se um fator que impede a superação de modelos ideológicos neoliberais e fortalece a política de controle, dos modelos gerenciais e compartilhados que não privilegiam a construção de concepções e práticas participativas.

Nos depoimentos foram analisados os impactos das políticas públicas no trabalho de coordenação pedagógica e, nesta questão, também foram evidenciados o poder exercido pela ideologia da classe dominante sobre a prática pedagógica e a situação de alienação do trabalho revelada nos depoimentos dos entrevistados. O coordenador, como já foi citado anteriormente, exerce o papel de articulador entre as políticas públicas e as ações pedagógicas, no entanto, enfrenta todos os dias os desafios e entraves, pois esse trabalho de mediação, entre as políticas públicas e prática pedagógica, somente acontece de forma reflexiva quando para o coordenador é disponibilizado espaço com proposta de organização escolar na perspectiva da gestão democrática, em que ele tenha condições de se apropriar dos mecanismos de participação, atuando com autonomia diante das políticas de controle.

Na tentativa de perceber as dificuldades do trabalho coletivo, no que diz respeito aos projetos que são lançados pelo governo e as condições articuladoras do coordenador escolar, os entrevistados responderam se os projetos implantados pelo governo são executados na unidade escolar, se eles sofrem alterações; se sofrem, deveriam explicar o porquê das mudanças.

No quesito execução, os entrevistados mencionaram que são muitos os projetos que chegam à escola e que a maioria deles é executada. No entanto, evidencia-se nas entrevistas que o principal motivo para execução é a obrigatoriedade e cumprimento burocrático das ações impostas hierarquicamente, como é possível observar quando um dos depoentes afirma: “[...] recebemos projetos determinados pela Secretaria de Educação, pelo MEC, que chegam à escola e é preciso executar” (Equilíbrio, 2019).

Os projetos são implementados nas escolas por meio de políticas educacionais que apresentam um discurso com vistas à melhoria da qualidade do ensino. Moraes (2014) faz uma forte crítica ao sinalizar que estas políticas estão carregadas de conteúdos que servem para modelar o comportamento das pessoas garantindo a manutenção do modo de produção capitalista e que toda a estrutura organizacional, as leis e as diversas interpretações que acompanham as políticas educacionais “[...] carregam critérios preciosos e têm uma função prática de restringir, orientar, proibir, marcar limites (público/privado) dos comportamentos e das atividades dos sujeitos” (Moraes, 2014, p. 190).

Quanto às alterações dos projetos nas unidades escolares, os coordenadores mencionaram que, apesar de já chegarem prontos, normalmente, sofrem alterações. Essas alterações objetivam adaptar os projetos à realidade da escola. Um entrevistado afirma que os projetos “[...] sempre são lidos, discutidos e adequados à realidade da Unidade Escolar (Determinação, 2019)”. Outro depoimento reafirma esta percepção ao declarar: “[...] temos o projeto da rede municipal que é preciso que seja cumprido. Ele possui prazo e data de culminância. Chegam às escolas prontos, mas o coordenador tem autonomia para fazer algumas adequações” (Coragem, 2019).

Na exposição das declarações, é possível registrar algumas considerações, dando ênfase aos limites e as contradições. Aos limites quando revelam que os projetos são executados porque é preciso cumprir as determinações. Às contradições quando afirmam que fazem uso da autonomia para realizar as adequações.

Autonomia, na realidade concreta dos entrevistados, aparece como poder de adaptação e não de construção e decisão de ações. Nesse caso, essa autonomia ‘limitada’ deve ser repensada diante das atividades desenvolvidas pelo coordenador pedagógico e também da compreensão que este profissional apresenta.

Ao buscar a visão de autonomia no trabalho do coordenador pedagógico, como articulador de ações participativas que envolvem posições e decisões que interferem significativamente na dinâmica escolar e na forma como a escola lida com as questões democráticas, encontramos dois posicionamentos que também expressam limites e contradições. Primeiro, uma visão duvidosa, pois, ao mesmo tempo que afirmam ter autonomia, delimitam situações em que podem ou não decidir. Segundo, uma visão afirmativa, pois sinalizam que suas opiniões são sempre solicitadas na hora de tomar as decisões. É possível perceber esses posicionamentos nas declarações seguintes.

Visão duvidosa: “[...] a relação entre o trabalho do coordenador e a participação na tomada de decisão da escola, no que se refere à tomada de decisão na parte pedagógica, nem sempre [...] como é que se diz [...] nem sempre é autônoma. Às vezes eu não tenho toda essa autonomia para resolver essas situações” (Coragem, 2019).

Visão afirmativa:

[...] a minha diretora sempre conta com a minha opinião. Solicitou [...] em muitas coisas que foram feitas na escola via Secretaria. A Secretaria veio à escola e se reuniu com os funcionários, com os professores, coordenação, gestão, para que a gente pudesse também visualizar juntos uma forma de fazer o trabalho e com certeza eles sempre estão buscando a opinião da gente para que a gente possa fazer o melhor (Equilíbrio, 2019).

Os entrevistados que citaram a inexistência da autonomia disseram que o desempenho das suas funções fica comprometido. Relatam que é impossível desenvolver uma escola democrática sem a autonomia dos seus atores. Essa falta de autonomia está muito associada à forma de organização educacional, em que ainda se tem centralizada a figura do gestor escolar, e a obrigação do cumprimento das determinações hierárquicas:

Infelizmente, enquanto coordenador, eu não tenho autonomia porque a direção interfere muito em algumas decisões, e eu me sinto acuada às vezes em tomar as decisões, e em tentar modificar algumas coisas que eu sei que não estão certas, então eu não tenho autonomia cem por cento (Coragem, 2019).

Não se faz gestão democrática sem autonomia e participação. Para Silva e Sampaio (2015, p. 967), “[...] a autonomia do coordenador pedagógico, no processo de gestão e organização do trabalho escolar, ocorre nessa articulação entre a potencialidade agregada à formação continuada, capaz de constituir de forma coletiva a reflexão crítica”. O momento mais adequado para serem realizadas essas reflexões é na execução do papel de formador, atribuída ao coordenador pedagógico. Nessa situação, ele apresenta condições de se apropriar dos diversos espaços de comunicação da escola, objetivando a análise crítica da realidade. No entanto, os entrevistados citaram as limitações do coordenador quanto à execução do papel formador, revelando o papel secundário dessa atribuição no cotidiano escolar, como no depoimento a seguir: “[...] com tantas demandas, dentro e fora das escolas, esse momento de formação tem ficado sempre em segundo, ou terceiro plano, e quase nunca conseguimos realizar, apesar de nos momentos de atividades complementares buscarmos suscitar algumas discussões e reflexões, mesmo que pontuais” (Determinação, 2019).

Enfatizaram que Atividade Complementar (AC)1 é o melhor espaço para realização da formação e que as atividades realizadas nesse espaço são de caráter não somente informativo, mas também formativo. Percepção evidenciada quando o depoente afirma: “[...] os momentos das ACs são destinados para essa finalidade (formação) e para o planejamento dos professores. Quando há a necessidade de debruçar sobre algum tema, essas miniformações ocorrem através da leitura de algum material e discussões” (Foco, 2019). Também sinalizaram que o tempo das ACs não é o suficiente para realização de momentos de formação e mencionaram algumas atividades realizadas no tempo disponível para diálogo:

Eu não tenho momentos para formação do professor, é complicado. Hoje para fazer uma formação de professor eu preciso suspender aula, porque o nosso AC é diário e por área [...] esse tempo a gente utiliza mesmo para debater alguns problemas que eles estão tendo em sala de aula, para ajudar em algum material que eles estão precisando, para a escolha de atividades para a semana, para projetos (Coragem, 2019).

Um entrevistado fez referência às formações externas oferecidas pela Secretaria Municipal de Educação (SME) ou por outras instituições, enfatizando a pouca motivação dos professores que consideram os formadores com pouca experiência da prática educativa e que os fundamentos teóricos das formações não possuem aplicabilidade prática.

Dentro da unidade escolar quase não acontecem momentos de formação. Primeiro falta de tempo. A gente não tem tempo de estar parando e desenvolvendo essas ações por conta do cumprimento dos duzentos dias letivos com alunos. A falta de recursos para contratar profissionais para as formações é o segundo ponto. O terceiro é pela falta de credibilidade da equipe com as formações. Segundo eles [os professores], pessoas que dominam a teoria falam com facilidade de coisas que eles sabem que na prática ganham outra dimensão (Resistência, 2019).

É possível evidenciar as contradições existentes e as determinações no trabalho do coordenador pedagógico diante da gestão democrática. O espaço citado como o adequado para as formações dos professores, sob a articulação da coordenação pedagógica, é o da AC, no entanto, revelam que o tempo disponibilizado para a atividade semanal não é suficiente para atender à demanda da formação e todas as outras que a dinâmica escolar exige. O coordenador não consegue articular ações de formação para serem executadas no momento das ACs. Elas acabam resumidas a momentos ‘informativos’. Essa situação desperta no coordenador uma constante sensação de que não consegue efetivamente realizar suas funções coletivas junto ao professor e com qualidade. Diante desta situação, os coordenadores acabam se posicionando de forma alheia em relação às atividades voltadas à gestão democrática respaldadas em ações que incentivem à participação e a tomada de decisões coletivas.

Considerações finais

A análise das percepções dos coordenadores escolares sobre o trabalho de coordenação pedagógica na perspectiva da gestão democrática, bem como os desafios na execução do trabalho coletivo na Rede Municipal de Educação - Ensino Fundamental, em Itapetinga-BA evidenciou que os coordenadores desenvolvem outras atividades, destinadas à resolução de problemas emergenciais e rotineiros, desviando-se o foco do trabalho pedagógico. As atribuições pautadas na participação, na tomada de decisões coletivas e na formação continuada dos professores acabam ficando em segundo plano ou nem mesmo são desenvolvidas/executadas. Daí a dificuldade de se trabalhar mediante a proposta de gestão democrática escolar.

O trabalho coletivo torna-se um grande desafio para o coordenador pedagógico da Rede Municipal de Ensino de Itapetinga. Primeiro, porque nem todos reconhecem o trabalho coletivo como uma das atribuições. Segundo, porque não se tem destinado tempo suficiente para espaços de decisões coletivas. É contraditório porque todos reconhecem a importância dos mecanismos, mas não conseguem efetivá-los na prática. Muitos ainda se encontram apegados às formas tradicionais de gestão, devido às construções históricas de uma sociedade capitalista, a formação de identidade profissional respaldada nas estruturas administrativas gerenciais, a garantia de controle e poder, a dificuldade de acesso ao conhecimento teórico e crítico sobre as questões que envolvem a gestão escolar, as poucas condições de espaços para formação em uma perspectiva discursiva e emancipadora, dentre tantos outros fatores.

Presumimos que o desafio apresentado aos coordenadores pedagógicos corresponda à possibilidade de criação de espaços democráticos que superem incertezas e indefinições e que reconheçam e tornem legítimo o trabalho coletivo, tendo como referencial os mecanismos de participação. Ressaltamos, ainda, a importância da compreensão de participação, não como atividade técnica e burocrática, mas como ato político e transformador.

Apontamos, neste estudo, a necessidade de espaços formativos de natureza política e pedagógica, tanto para coordenadores como para gestores e professores. Ao coordenador recai o peso, diante de sua atribuição formadora, da construção de espaços formativos e coletivos. Também recai sobre o coordenador articular a comunicação e o diálogo para reunião de ideias, percepções e anseios, por meio de um trabalho coletivo que abra espaços para as mais diversas concepções e vivências, no entanto, poucas oportunidades são destinadas a esse profissional para execução deste trabalho.

Refletimos sobre o tamanho da responsabilidade destinada ao coordenador diante da função de articulador, formador e transformador. Questionamos sobre quais as condições desse profissional para ‘articular’ as atividades pedagógicas na perspectiva da gestão democrática, dentro de espaços que não se constituem democráticos. Também evidenciamos que o coordenador precisa articular uma equipe, que possui uma identidade, suas posições políticas e sociais, seus referenciais e suas escolhas. Quanto ao papel formador, enfatizamos a formação como uma política pública que garanta o direito dos profissionais e que, de fato, possa promover benefícios à formação da identidade, como do ponto de vista da remuneração da carreira, do reconhecimento do salário e da valorização profissional. Esta responsabilidade não pode recair apenas sobre o coordenador pedagógico, mas exige uma atuação do Estado. Quanto à função transformadora, ressaltamos as dificuldades encontradas para que ocorram mudanças quando não há condições de trabalho e de desempenho das suas atribuições asseguradas pelo Estado.

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1Considera-se Atividade Complementar a carga horária destinada pelos professores em efetiva regência de classe, com a participação coletiva dos docentes, por área de conhecimento, à preparação e avaliação do trabalho didático, às reuniões pedagógicas e ao aperfeiçoamento profissional, de acordo com a proposta pedagógica de cada Unidade Escolar (Bahia, 2002).

6NOTA: Os autores foram responsáveis pela concepção, análise e interpretação dos dados; redação e revisão crítica do conteúdo do manuscrito e ainda, aprovação da versão final a ser publicada.

Recebido: 18 de Agosto de 2020; Aceito: 15 de Abril de 2021

* Autor para correspondência. E-mail: soanesilva@hotmail.com

Soane Santos Silva: Mestre em Educação pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB) - Programa de Pós Graduação em Educação PPGED; Membro do Grupo de Pesquisa em Ludicidade, Didática, Política e Práxis Educacional - LUDIPPE. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3807-1798 E-mail: soanesilva@hotmail.com

Ennia Débora Passos Braga Pires: Doutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Docente do Programa de Pós-Graduação em Educação PPGED da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB); Líder do Grupo de Pesquisa em Ludicidade, Didática, Política e Práxis Educacional (LUDIPPE). ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3924-4996 Email: enniadebora@uesb.edu.br

Marília do Amparo Alves Gomes: Mestre em Educação pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB); Programa de Pós-Graduação em Educação PPGed/UESB; Membro do Grupo de Pesquisa em Ludicidade, Didática, Política e Práxis Educacional - (LUDIPPE) e Grupo de Estudos e Pesquisas em Políticas para a Educação Superior (GEPPS). ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2321-3813 E-mail: mariliaamparo@gmail.com

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