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Acta Scientiarum. Education

Print version ISSN 2178-5198On-line version ISSN 2178-5201

Acta Educ. vol.45  Maringá  2023  Epub Jan 02, 2023

https://doi.org/10.4025/actascieduc.v45i1.55531 

FORMAÇÃO DE PROFESSORES E POLÍTICAS PÚBLICAS

O trabalho do coordenador pedagógico do ensino fundamental I a partir da perspectiva crítica de educação

El trabajo del coordinador pedagógico de la enseñanza básica I desde la perspectiva crítica de la educación

Naiara de Souza Fernandes1 
http://orcid.org/0000-0002-5352-3046

Lenilda Rego Albuquerque de Faria1  * 
http://orcid.org/0000-0002-8971-600X

1Programa de Pós-graduação em Educação, Universidade Federal do Acre, Rodovia BR 364, Km 04, 69920-900, Distrito Industrial, Rio Branco, Acre, Brasil.


RESUMO.

Este artigo tem como objetivo analisar o trabalho do coordenador pedagógico a partir da perspectiva crítica de educação, identificando as possíveis contribuições para o desenvolvimento de práticas pedagógicas que tenham por base as finalidades educativas clássicas da escola. Trata-se, portanto, de uma pesquisa qualitativa, desenvolvida a partir da perspectiva do materialismo histórico-dialético. Os instrumentos utilizados para realização da coleta de dados são entrevistas e observação. Os sujeitos da pesquisa são seis coordenadores pedagógicos do Ensino Fundamental I da rede municipal de ensino de Cruzeiro do Sul - Acre. Desse modo, para compreender melhor a temática foi fundamental buscar embasamento teórico na literatura de: Libâneo, Oliveira e Toschi (2003); Marx (2004); e Saviani (2005), dentre outros autores, que contribuíram para o desenvolvimento desse diálogo. As análises realizadas indicaram que o trabalho do coordenador pedagógico tem como desafio principal orientar e direcionar o professor para o desempenho de práticas pedagógicas que tenham por base as finalidades educativas clássicas da escola, garantindo assim o desenvolvimento integral dos seus alunos, por meio do pensamento crítico e reflexivo, que lhes possibilite contribuir com a transformação de sua realidade e romper com a desigualdade social a qual muitos estão submetidos.

Palavras-chave: trabalho; escola; finalidades clássicas; emancipação; materialismo histórico-dialético

RESUMEN.

Este artículo tiene como objetivo analizar el trabajo del coordinador pedagógico a partir de la perspectiva crítica de educación, identificando las posibles contribuciones para el desarrollo de prácticas pedagógicas que tengan por base las finalidades educativas clásicas de la escuela. Se trata, por lo tanto, de una pesquisa cualitativa, desarrollada a partir de las perspectivas del materialismo histórico-dialéctico. Los instrumentos utilizados para la realización de la selectiva de dados son encuestas y observaciones. Los sujetos de la pesquisa son seis coordinadores pedagógicos de la Enseñanza Primaria I de la red municipal de la enseñanza de Cruzeiro do Sul - Acre. De ese modo, para comprender mejor la temática fue fundamental buscar base teórica en la literatura de: Libâneo, Oliveira e Toschi (2003); Marx (2004); e Saviani (2005), entre otros autores, que contribuyeron para el desarrollo de ese dialogo. Los análisis realizados indicaron que el trabajo del coordinador pedagógico tiene como desafío principal orientar y direccionar el profesor para el desempeño de prácticas pedagógicas que tengan por base las finalidades educativas clásicas de la escuela, asegurando así el desarrollo integral de sus alumnos, por medio del pensamiento crítico y reflexivo, que les habilite contribuir con la transformación de su realidad y romper con la desigualdad social por la cual muchos están sometidos.

Palabras clave: trabajo; escuela; finalidades clásicas; emancipación; materialismo histórico-dialéctico

ABSTRACT.

This article aims to analyze the work of the pedagogical coordinator from the critical perspective of education, identifying the possible contributions to the development of pedagogical practices that are based on the classic educational purposes of the school. It is, therefore, a qualitative research, developed from the perspective of historical-dialectical materialism. The resources used to perform the data collection are interviews and observation. The research subjects are six pedagogical coordinators of Elementary School I of the municipal education network of Cruzeiro do Sul - Acre. Thus, in order to better understand the theme, it was essential to seek a theoretical basis in the literature of: Libâneo, Oliveira e Toschi (2003); Marx (2004); and Saviani (2005), among other authors, who contributed to the development of this dialogue. The analyzes performed indicated that the main challenge of the pedagogical coordinator's work is to guide and direct the teacher towards the performance of pedagogical practices that are based on the classic educational purposes of the school, thus guaranteeing the integral development of their students, through critical thinking. and reflective, which allows them to contribute to the transformation of their reality and to break the social inequality to which many are subjected.

Keywords: work; school; classic purposes; emancipation; historical-dialectical materialism

Introdução

Esta pesquisa tem como objetivo analisar o trabalho do coordenador pedagógico a partir da perspectiva crítica de educação, identificando as possíveis contribuições para o desenvolvimento de práticas pedagógicas que tenham por base as finalidades educativas clássicas da escola. Desse modo, o objetivo específico é: problematizar o objeto de pesquisa em face da produção científica produzida sobre o trabalho do coordenador pedagógico, estabelecendo as aproximações e apresentando as singularidades dessa função nas escolas Municipais de Cruzeiro do Sul - AC.

Trata-se, portanto, de uma pesquisa qualitativa, desenvolvida a partir da perspectiva do materialismo histórico-dialético, que segundo Frigotto (2006, p. 77) “[...] o método está vinculado a uma concepção de realidade, de mundo e de vida no seu conjunto. Constitui-se numa espécie de mediação no processo de aprender, revelar e expor a estruturação, o desenvolvimento e a transformação dos fenômenos sociais”. Sendo assim, os instrumentos utilizados para realização de coleta dos dados são entrevistas, com questões abertas, e observações semiestruturadas. Os sujeitos da pesquisa são seis coordenadores do Ensino Fundamental I da rede municipal de ensino de Cruzeiro do Sul - Acre.

O interesse pelo tema surgiu a partir das experiências e vivências tanto pessoais quanto profissionais, que nos possibilitaram conviver de perto com os coordenadores pedagógicos, reconhecendo inúmeras situações referentes ao seu trabalho, especificamente quanto ao desempenho das suas funções. Percebemos que o trabalho do coordenador pedagógico na escola é muito diversificado, porque hora ele está auxiliando o professor no planejamento de suas atividades, hora elaborando encontros pedagógicos, realizando reuniões com os pais, lidando com os chamados alunos indisciplinados, planejando e elaborando formações continuadas na escola, dentre tantas outras funções que ele desempenha no interior da escola. Desse modo, todos esses condicionantes despertaram nossa curiosidade com relação ao trabalho desse profissional e a partir daí começamos a planejar e elaborar o projeto inicial que direcionou a produção desse estudo.

Os resultados de nossas leituras, diálogos com as fontes e reflexões estão organizados em três momentos, além da conclusão. Inicialmente apresentamos os fundamentos teórico-metodológicos sob os quais nos apoiamos e que são balizadores do estudo. Em seguida, descrevemos os procedimentos metodológicos da pesquisa. Por fim, a análise dos dados levantados na pesquisa de campo a partir do referencial teórico assumido neste estudo. As considerações retomam algumas categorias centrais para a discussão em torno do trabalho do coordenador pedagógico da rede municipal de ensino de Cruzeiro do Sul - Acre.

O artigo que apresentamos tem as marcas das condições objetivas com as quais realizamos a pesquisa, assim como as possiblidades e limites na sensibilização e refinamento do olhar investigativo, como sujeito historicamente situado.

A função da escola em uma perspectiva crítica

De acordo com Saviani (2005, p. 11), “[...] a escola existe, pois, para propiciar a aquisição dos instrumentos que possibilitam o acesso ao saber elaborado (ciência), bem como o próprio acesso aos rudimentos desse saber”. Ainda segundo o autor, as atividades da escola básica devem se organizar a partir dessa questão, pois o saber sistematizado, a cultura erudita, é uma cultura letrada. Desse modo, o conteúdo fundamental da escola elementar deve ser: ler, escrever, contar, os rudimentos das ciências naturais e das ciências sociais (história e geografia humanas). Portanto, para o autor, o clássico na escola é a transmissão-assimilação do saber sistematizado. Este é o fim a atingir (Saviani, 2005).

Oliveira (2013, p. 245) afirma que “[...] a educação é, antes de tudo, desenvolvimento de potencialidades e apropriação de saber social, objetivando a formação integral do homem, ou seja, o desenvolvimento físico, político, social, cultural, filosófico, profissional, afetivo, entre outros”. Portanto, entende a educação como um elemento determinante para o desenvolvimento do homem em todas as suas potencialidades.

A concepção de educação que está sendo preconizada fundamenta-se numa perspectiva crítica que concebe o homem na sua totalidade, como ser constituído pelo biológico, material, afetivo, estético e lúdico. Portanto, no desenvolvimento das práticas educativas, é preciso ter em mente que os sujeitos dos processos educativos são os homens e suas múltiplas e históricas necessidades (Oliveira, 2013, p. 245).

Desse modo, ao elaborar um projeto de educação nas escolas, deve-se considerar a realidade social dos alunos, tendo em vista a transformação dessa realidade por meio de um conhecimento historicamente construído, que também permanece em constante transformação, portanto, nunca está pronto e acabado. Para Oliveira (2013, p. 245) “[...] não se trata de atribuir à escola nenhuma função salvacionista, mas de reconhecer seu incontestável papel social no desenvolvimento de processos educativos, na sistematização e socialização da cultura historicamente produzida pelos homens”. Assim, nesse contexto de transformações sociais, Frigotto (2010) pensa dialeticamente a escola ao afirmar que:

A escola é uma instituição social que, mediante sua prática no campo do conhecimento, valores, atitudes e mesmo por sua desqualificação, articula determinados interesses e desarticula outros. É exatamente nessa contradição, existente no seu interior, que estão presentes os germes da mudança, como evidenciam as lutas aí travadas. Portanto, pensar a função social da escola, implica repensar o seu próprio papel, sua organização e o papel dos atores que a compõem, visando inseri-la em um projeto de transformação social mais amplo (Frigotto, 2010, p. 148).

A escola é um espaço de contradição, lugar no qual se expressam os interesses, os conflitos e as lutas que acontecem nas relações sociais mais amplas. Assim, ao repensar o papel da escola, os agentes escolares necessitam ter os mesmos direitos, principalmente de expressar seu pensamento e, embora não concorde, também deve respeitar o modo de pensar do outro. Nesse sentido, fazem da escola um espaço de mudança, seja uma mudança de concepção ou quem sabe de visão de mundo. Assim, no sentido de reduzir essas divergências e contradições presentes no espaço escolar, todos os membros da escola, os dirigentes, os professores, os pais e a comunidade em geral devem participar da construção do projeto político-pedagógico, que é um documento que expressa as finalidades da escola e deve ser elaborado levando em consideração a realidade social e cultural de sua comunidade.

Função do coordenador pedagógico

De acordo com a estrutura organizacional da escola fundamentada numa gestão democrático-participativa, cada setor e cada membro da equipe escolar possui uma função que assegura o bom funcionamento de um todo - no caso a escola. A este respeito Libâneo (2000, p. 72) afirma que “[...] o modo como uma escola se organiza e se estrutura tem um caráter pedagógico, ou seja, depende de objetivos mais amplos sobre a relação da escola com a conservação ou a transformação social”. Nessa perspectiva, qual seriam então os rebatimentos dessa nova organização da escola no trabalho do coordenador pedagógico?

O coordenador pedagógico ou professor-coordenador supervisiona, acompanha, assessora, apoia, avalia as atividades pedagógico-curriculares. Sua atribuição prioritária é prestar assistência pedagógico-didática aos professores em suas respectivas disciplinas, no que diz respeito ao trabalho interativo com os alunos. Outra atribuição que cabe ao coordenador pedagógico é o relacionamento com os pais e a comunidade, especialmente no que se refere ao funcionamento pedagógico-curricular e didático da escola e comunicação e interpretação da avaliação dos alunos (Libâneo, 2000, p. 75).

De acordo com Libâneo, Oliveira e Toschi (2003, p. 374) “[...] o papel do coordenador pedagógico é o de monitoração sistemática da prática pedagógica docente, sobretudo mediante procedimentos de reflexão e de investigação”. Neste sentido, registram outras atribuições do coordenador pedagógico, quais sejam “[...] a supervisão da elaboração de diagnósticos, para o projeto pedagógico-curricular da escola e para outros planos e projetos; [...] a proposição e a coordenação de atividades de formação continuada e de desenvolvimento profissional dos professores” (Libâneo et al., 2003, p. 374).

Portanto, o coordenador pedagógico é aquele que está envolvido diretamente com a organização do trabalho pedagógico na escola, por meio da orientação, elaboração e sistematização de práticas pedagógicas, direcionadas a partir das finalidades educativas da escola, notadamente aquelas consideradas clássicas, quais sejam: a leitura, a escrita, o cálculo, as ciências.

Educação para emancipação humana

Para Vieira Pinto (2010, p. 29) “[...] a educação diz respeito à existência humana em toda a sua duração e em todos os seus aspectos. [...] A educação é o processo pelo qual a sociedade forma seus membros à sua imagem e em função de seus interesses”. Cada sociedade cria sua própria maneira de educar, com base nos seus princípios e valores sociais. Ainda, conforme esse autor:

A educação é uma atividade teleológica. A formação do indivíduo sempre visa a um fim. No sentido geral esse fim é a conversão do educando em membro útil da comunidade. No sentido restrito, formal, escolar, é a preparação de diferentes tipos de indivíduos para executar as tarefas específicas da vida comunitária (daí a divisão da instrução em graus, em carreiras, etc.). O que determina os fins da educação são os interesses do grupo que detém o comando social (Vieira Pinto, 2010, p. 32).

Assim sendo, “[...] o valor da educação se expressa como promoção do homem. [...] a educação, enquanto comunicação entre pessoas livres em graus diferentes de maturação humana, é promoção do homem, de parte a parte - isto é, tanto do educando como do educador” (Saviani & Duarte, 2012, p. 14). Como ressaltam os autores, essa ascensão não será mérito somente do homem individualmente, será em parte do seu educador que desempenhou grande esforço durante a sua formação, e do grupo social ao qual ele está inserido, porque o homem não é um ser solitário, ele é um ser coletivo.

Severino (2001, p. 72) explica que “[...] a educação adquire nova significação e passa a ser entendida como prática social e histórica. Esse processo envolve comportamentos, costumes, instituições, atividades culturais e organizações burocrático-administrativas. A educação é um evento social que se desdobra no tempo histórico”. Portanto, um dos principais objetivos da educação é a socialização das gerações mais novas, no sentido de manter viva a história do seu grupo. Esses valores, comportamentos, e costumes, são passados de gerações a gerações, no entanto eles se adaptam às suas respectivas épocas. O ato educativo desenvolve principalmente a função de mediadora, “[...] mediação da sociabilidade, sendo sua finalidade inserir as novas gerações no universo social, fora do qual não sobrevivem” (Severino, 2001, p. 72).

De acordo com Vieira Pinto (2010, p. 31), a educação possui um duplo aspecto: primeiro a “[...] incorporação dos indivíduos ao estado existente [...] e o segundo está relacionado ao progresso, isto é, necessidade de ruptura do equilíbrio presente, de adiantamento, de criação do novo”. Na sociedade do conhecimento, ou melhor, do capitalismo, o aspecto predominante é o primeiro, relacionado à incorporação dos indivíduos ao estado existente, ou seja, manter as relações como estão, através de um discurso de uma falsa meritocracia quando, na verdade, o que de fato a escola deveria fazer era incentivar e disponibilizar condições reais e iguais para todos os indivíduos em busca do seu crescimento, do seu progresso, da sua ascensão social, rompendo com as barreiras da exclusão e da miséria a qual milhões de pessoas estão submetidas.

De todo modo, “[...] a educação é efetivamente uma prática cujo instrumental é formado por instrumentos simbólicos de trabalhos e de ação. [...] Daí a importância do conhecimento teórico no trabalho educativo e por isso se fala do papel conscientizador da educação” (Severino, 2001, p. 70). Assim sendo, a educação tem a função principal de conscientização dos homens, na formação de pessoas críticas, reflexivas, que conseguem interagir na sociedade a qual estão inseridas, e com grande capacidade de decisão.

O autor explica ainda que essa conscientização do sujeito “[...] trata-se de um nível de conhecimento que não é meramente descritivo, repassador de dados técnicos, mas compreensivo, interpretativo, reflexivo, desmascarador de ilusões e falseamentos que obscureçam as articulações do poder social, vigentes ideologicamente na sociedade” (Severino, 2001, p. 70). Por esse motivo, defendemos a importância de um trabalho educativo bem planejado, fundamentado em bases teóricas sólidas, que possibilite ao sujeito ampliar os conhecimentos adquiridos durante esse processo de conscientização. Ainda conforme esse autor,

[...] a educação identifica-se com o processo do conhecimento e o exercício da consciência. Educar-se é apreender-se e se construir cada vez mais como sujeito. [...] a educação é aprendizagem e vivência da cultura simbólica, é experiência de auto realização. Ela deve ser processo intencional de personalização. [...] a educação é investimento na consolidação do sujeito autônomo e dotado de vontade. Não cabe à educação ‘fazer’ pessoas, mas despertá-las para sua autonomia mediante os recursos da cultura. [...] a educação promove o desenvolvimento da gama de sensibilidades especificamente subjetivas: lógica, ética, estética etc (Severino, 2001, p. 80, grifo do autor).

Portanto, a educação, como prática simbolizadora, transmite aos sujeitos os conhecimentos necessários para sua emancipação e transformação, tornando-se indivíduos capazes de tomar decisões conscientes e inteligentes sobre os problemas concretos de sua realidade mais imediata, como também, das relações sociais mais amplas. Além disso, é despertar no sujeito o sentimento de autoconfiança, os valores éticos, políticos e estéticos, revelando a verdadeira essência humana indispensável para a formação da sua autonomia e de sua identidade.

O trabalho como chão ontológico para o desenvolvimento da formação humana

Paulo Netto (2006, p. 29) compreende que “[...] o trabalho torna possível a produção de qualquer bem, criando os valores que constituem a riqueza social, [...], trata-se de uma categoria que faz referência ao próprio modo de ser dos homens e da sociedade”. Nas palavras do autor “‘o trabalho é, sempre, atividade coletiva’: seu sujeito nunca é um ser isolado, mas sempre se insere num conjunto de outros sujeitos [...]” (Paulo Netto, 2006, p. 34, grifo nosso). Essa coletividade da atividade do trabalho será chamada de ‘social’.

Para Antunes (2002, p. 136, grifo nosso), “[...] o trabalho constitui-se como categoria intermediária que possibilita o salto ontológico das formas pré-humanas para o ‘ser social’. Ele está no centro do processo de humanização do homem”. Assim sendo, o trabalho não só transforma a natureza, ele transforma também o sujeito, fazendo surgir o ser social. Sobre isso, Paulo Netto (2006, p. 34, grifo nosso) ressalta que o trabalho, através do qual o sujeito transforma a natureza, “transforma também o seu sujeito: foi através do trabalho que, de grupos de primatas, surgiram os primeiros grupos humanos - uma espécie de ‘salto’ que fez emergir um novo tipo de ser, distinto do ser natural (orgânico e inorgânico): o ‘ser social’”.

Assim sendo, o trabalho é uma atividade praticada apenas pelo homem, o que o diferencia das outras espécies de animais. Para Antunes (2004, p. 13, grifo do autor) “[...] É a condição básica e fundamental de toda a vida humana. E em tal grau que, até certo ponto, podemos afirmar que o trabalho criou o próprio homem”. O autor afirma ainda que “[...] só o que podem fazer os animais é utilizar a natureza e modificá-la pelo mero fato de sua presença nela. O homem, ao contrário, modifica a natureza e a obriga a servir-lhe, domina-a” (Antunes, 2004, p. 28). Portanto, aí está, em última análise, a diferença essencial entre o homem e os demais animais, diferença que, mais uma vez, resulta do trabalho.

Todavia, essa dominação da natureza pelo homem não ocorre diretamente, existe um objeto intermediário, denominado instrumento de trabalho, que faz essa mediação entre o homem e a natureza, ou seja, “[...], entre o sujeito e a matéria natural há sempre um meio de trabalho, um instrumento que torna mediada a relação entre ambos. E a natureza não cria instrumentos: estes são produtos, mais ou menos elaborados, do próprio sujeito que trabalha” (Paulo Netto, 2006, p. 32).

No entanto, nas palavras de Paulo Netto (2006, p. 44) “[...] os produtos do trabalho e da imaginação humanos deixam de se mostrar como objetivações que expressam a humanidade dos homens - aparecem mesmo como algo que, escapando ao seu controle, passa a controlá-los como um poder que lhes é superior”. Para o autor, esse processo caracteriza o que chamamos de ‘alienação’. Assim sendo,

[...] a alienação é própria de sociedades onde tem vigência a divisão social do trabalho e a propriedade privada dos meios de produção fundamentais, sociedades nas quais o produto da atividade do trabalhador não lhe pertence, nas quais o trabalhador é expropriado - quer dizer, sociedades nas quais existem formas determinadas de exploração do homem pelo homem. [...] Com seus fundamentos na organização econômica-social da sociedade, na exploração, a alienação penetra o conjunto das relações sociais. [...] e seus membros movem-se numa cultura alienada que envolve a todos e a tudo: as objetivações humanas, alienadas, deixam de promover a humanização do homem e passam a estimular regressões do ser social (Paulo Netto, 2006, p. 45).

Marx (2004) constatou que o trabalhador, no contexto do capitalismo industrial, não apenas foi reduzido à condição de mercadoria, mas se tornou a mais miserável das mercadorias. Nesse processo de produção, “[...] o trabalhador se relaciona como o produto de seu trabalho como [com] um objeto estranho [...]” (Marx, 2004, p. 81). E uma das consequências dessa relação do trabalhador com seu objeto estranhado é que quanto mais objeto o trabalhador produz, menos ele possui e menos ele tem domínio sobre ele.

Assim sendo, o trabalhador é privado de usufruir dos bens que ele produz. O trabalhador também é privado da sua liberdade, “[...] o homem (o trabalhador) só se sente livre e ativo em suas funções animais, comer, beber e procriar, quando muito ainda habilitação, adornos etc., e em suas funções humanas [se sente] como animal [...]” (Marx, 2004, p. 83). Isso torna o trabalho atividade desumana, em que o próprio homem o realiza apenas para satisfazer as suas necessidades físicas. Portanto, para Marx (2004, p. 85, grifo do autor) “[...] o homem faz do trabalho uma atividade vital consciente, que o distingue da atividade vital animal. Assim, [...] porque é um ser consciente, faz da sua atividade vital, da sua ‘essência’, apenas um meio para sua ‘existência’”.

Procedimentos metodológicos da pesquisa

Neste estudo, assumimos a concepção teórico-metodológica de Marx para o desenvolvimento do conhecimento sobre a realidade. Neste sentido, “[...] o que se quer destacar é a concepção de mundo e de homem própria dessa teoria e não a busca de uma teoria pedagógica em Marx, uma vez que se sabe que nem esse pensador nem os clássicos do seu pensamento elaboraram uma teoria pedagógica no sentido próprio” (Faria, 2011, p. 3). De acordo com Paulo Netto (2011) Marx explicita de modo objetivo o método, ou quem sabe os caminhos, que devemos percorrer durante a produção do conhecimento:

Marx distingue claramente o que é da ordem da realidade, do objeto, do que é da ordem do pensamento (o conhecimento operado pelo sujeito): começa-se ‘pelo real e pelo concreto’, que aparecem como ‘dados’; pela análise, um e outro elementos são abstraídos e, progressivamente, com o avanço da análise, chega-se a conceitos, a abstrações que remetem a determinações as mais simples. Este foi o caminho ou, se quiser, o ‘método’ (Paulo Netto, 2011, p. 42, grifo do autor).

O método não é algo desconhecido, ou que não pode ser compreendido na sua totalidade. Para Frigotto (2006, p. 77) “[...] é, pois, condição necessária para instaurar-se um método dialético de investigação”. Essa reflexão evidencia a necessidade de que nós, enquanto pesquisadores, devemos ter autonomia intelectual de elaborar nossas próprias sínteses sobre as coisas, rompendo com o pensamento alienante da sociedade capitalista.

Desse modo, ressaltamos que a pesquisa, realizada a partir da concepção teórico-metodológica de Marx, expressa a construção de um conhecimento apurado, refinado, a partir de um pensamento complexo, que demanda do pesquisador um esforço intelectual mais elevado, permitindo a compreensão do objeto na sua totalidade e no seu movimento, transformando assim seu modo de ser, de pensar e de agir sobre sua realidade social.

Sendo assim, metodologicamente, optamos por uma abordagem qualitativa, que de acordo com Minayo (2015, p. 21) “[...] responde a questões muito particulares. Ela se ocupa nas ciências sociais [...]. Ou seja, ela trabalha com o universo dos significados, dos motivos, das aspirações, das crenças, dos valores e das atitudes”.

Desse modo, selecionamos como instrumentos de coleta de dados a entrevista, e a observação. A este respeito Lakatos e Marconi (2010, p. 147) explicam que “[...] nas investigações, em geral, nunca se utiliza apenas um método ou uma técnica, e nem somente aqueles que se conhece, [...] na maioria das vezes, há uma combinação de dois ou mais deles, usados concomitantemente”. Neste sentido, entendemos que a entrevista e a observação foram centrais para captar o movimento do objeto de pesquisa. Minayo (2015, p. 63) afirma que “[...] dois são os instrumentos principais desse tipo de trabalho: a observação e a entrevista. A primeira é feita sobre tudo aquilo que não é dito mais pode ser visto e captado por um observador atento, a segunda tem como matéria-prima à fala de alguns interlocutores”.

Assim, iniciamos os procedimentos de coleta de dados a partir das entrevistas, pois por meio dessas os sujeitos da pesquisa têm a possibilidade de expressar todos os seus sentimentos, sejam positivos ou negativos a respeito do tema investigado, da mesma forma que é nesse momento que se estabelece uma relação de cumplicidade entre entrevistado e entrevistador. A este respeito, Minayo (2015, p. 66) afirma que “[...] ao contrário do que muitos podem pensar, é fundamental o envolvimento do entrevistado com o entrevistador. [...] ela é condição de aprofundamento da investigação e da própria objetividade”. Com relação à elaboração do roteiro de entrevista, Ludke e André (1986) afirmam que:

Será preferível e mesmo aconselhável o uso de um roteiro que guie a entrevista através dos tópicos principais a serem cobertos. Esse roteiro seguirá naturalmente uma ordem lógica e também psicológica, isto é, cuidará para que haja uma sequência lógica entre os assuntos, dos mais simples aos mais complexos, respeitando a sentido do seu encadeamento (Ludke & André, 1986, p. 36).

Logo, utilizamos um roteiro flexível possibilitando ao entrevistador alterar as ordens das questões, conforme a necessidade de melhor esclarecimento das respostas dos entrevistados. Para Lakatos e Marconi (2010, p. 182) “[...] a entrevista, que visa obter respostas válidas e informações pertinentes, é uma verdadeira arte, que se aprimora com o tempo, com treino e com experiência. Exige habilidade e sensibilidade; não é tarefa fácil, mas é básica”.

Quanto às observações desenvolvidas pelo pesquisador, usamos a observação semiestruturada, que nos permite registrar os diferentes aspectos da realidade, sem que seja necessário elaborar um planejamento prévio. A este respeito, Minayo (2015) esclarece que:

A atividade de observação tem também um sentido prático. Ela permite ao pesquisador ficar mais livre de prejulgamentos, uma vez que não o torna necessariamente prisioneiro de um instrumento rígido de coleta de dados ou de hipóteses testadas antes, e não durante o processo de pesquisa. Na medida em que convive com o grupo, o observador pode retirar de seu roteiro questões que percebe serem irrelevantes do ponto de vista dos interlocutores; consegue também compreender aspectos que vão aflorando aos poucos [...] (Minayo, 2015, p. 70).

Para a realização das observações, utilizamos o principal instrumento de trabalho desse processo, o diário de campo, no qual realizamos os registros pertinentes sobre o sujeito observado. Minayo (2015, p. 71) explica “[...] que nada mais é que um caderninho, uma caderneta, ou arquivo eletrônico no qual escrevemos todas as informações que não fazem parte do material formal de entrevistas em suas várias modalidades”.

Portanto, as seções a seguir se constituem da fase interpretativa e de análise do material empírico coletado, pela mediação dos conceitos e teses do referencial teórico assumido no processo de investigação. Vale ressaltar que quando utilizarmos no texto a sigla CP significa que estamos nos referindo ao Coordenador Pedagógico.

A finalidade da escola na visão dos sujeitos da pesquisa

Esta seção tem por objetivo interpretar as entrevistas realizadas com os sujeitos da pesquisa, identificando nos seus depoimentos a percepção que eles têm sobre ‘a função da escola’. De acordo com Saviani (2005, p. 98) “[...] a escola tem uma função especificamente educativa, propriamente pedagógica, ligada à questão do conhecimento”. Portanto, diante dessa concepção de educação apresentada pelo autor, os depoimentos a seguir revelam a compreensão dos sujeitos da pesquisa sobre essa categoria.

O relato da CP3 ressalta que a escola não tem exclusivamente uma função; a escola tem várias funções e a maior delas é fazer o aluno se ver como um indivíduo transformador da realidade, que esse aluno consiga pensar, ter opinião própria, reconhecendo que ele não é um ser passivo, e sim um ser de transformação, por meio do conhecimento que ele adquire no meio com os outros e com o trabalho do professor dentro da sala de aula. Explica, portanto, que se o indivíduo consegue se reconhecer como esse sujeito de transformação, propondo mudanças na sua família, na sua casa ou no seu bairro, com o intuito de melhorar a sociedade, com certeza a escola terá cumprido o seu papel, pois acredita que a escola é esse elo de transformação social.

Identificamos claramente no depoimento dessa coordenadora características de uma educação emancipadora, em que o indivíduo, por meio da educação, se apropria de instrumentos teóricos e práticos que podem garantir o seu pleno desenvolvimento, sua evolução e a ampliação da sua capacidade de decisão e de contribuir com a superação de problemas que possam surgir na sua vida. Sobre essa finalidade emancipadora da educação, Severino (2001) compreende que:

[...] a educação identifica-se com o processo do conhecimento e o exercício da consciência. Educar-se é apreender-se e se construir cada vez mais como sujeito. [...] a educação é aprendizagem e vivência da cultura simbólica, é experiência de auto-realização. Ela deve ser processo intencional de personalização. [...] a educação é investimento na consolidação do sujeito autônomo e dotado de vontade. Não cabe à educação ‘fazer’ pessoas, mas despertá-las para sua autonomia mediante os recursos da cultura. [...] a educação promove o desenvolvimento da gama de sensibilidades especificamente subjetivas: lógica, ética, estética etc (Severino, 2001, p. 80, grifo do autor).

Ainda com relação a essa finalidade transformadora da educação, o CP6 compreende que o papel da escola é formar aquele aluno crítico, ativo perante a sociedade, com capacidade de pensar criticamente e de agir de modo intencional, em face dos desafios da vida em sociedade. Acredita que o objetivo da escola é auxiliar no processo de ensino e aprendizagem, fazendo com que os alunos, por meio dos estudos, consigam chegar ao patamar de vida social que eles sempre almejaram. Identificamos no depoimento do coordenador uma concepção de emancipação humana, que segundo Saviani (2005) se dá por meio da educação e da apropriação da cultura clássica:

A escola existe, pois, para propiciar a aquisição dos instrumentos que possibilitam o acesso ao saber elaborado (ciência), bem como o próprio acesso aos rudimentos desse saber. As atividades da escola básica devem organizar-se a partir dessa questão. [...] Ora, o saber sistematizado, a cultura erudita, é uma cultura letrada. [...] Está aí o conteúdo fundamental da escola elementar: ler, escrever, contar, os rudimentos das ciências naturais e das ciências sociais (história e geografia humanas). [...] Ora o clássico na escola é a transmissão-assimilação do saber sistematizado. Este é o fim a atingir (Saviani, 2005, p. 14-15).

Com relação a essa finalidade clássica da escola, o depoimento da CP4 indica que a função da escola é priorizar a aprendizagem dos alunos para que eles saiam da escola alfabetizados, principalmente no primeiro, segundo e terceiro ano, que já devem saber ler e escrever. Afirmando essa discussão, a CP3 afirma que a matemática e o português tem sido uma área constante de dificuldade dos alunos dentro da escola, principalmente o português, porque, como ela afirma, infelizmente a escola ainda não tem dado conta de alfabetizar os alunos até o terceiro ano como deve ser.

Os relatos das coordenadoras evidenciam que na sociedade atual a finalidade clássica da escola, de ensinar a ler, a escrever e a contar na idade certa sofreram algumas alterações, além disso, parece que a escola também já não consegue mais cumprir com a finalidade de ensinar aos alunos os diferentes conhecimentos elaborados historicamente pelo homem. Como afirma Pinto (2016, p. 25) “[...] no que se refere ao papel da escola na sociedade contemporânea [...] é desenvolver nos alunos da educação básica, o pensar metódico, pela atividade mental intensa de compreender, memorizar, comparar, organizar, analisar e relacionar conhecimentos de diferentes tipos e procedências”.

O relato da CP5 sobre essa questão indica uma preocupação, pois como ela nos esclarece as formações continuadas que a Secretaria Municipal de Educação (SEMED) oferece aos professores geralmente é no contexto da leitura, da escrita, da matemática, porque essa é uma grande deficiência dos alunos. Além disso, eles enfatizam muito o português e a matemática porque as provinhas externas são apenas nessas duas áreas de formação e acabam deixando as outras disciplinas a desejar. No entanto, além desses conhecimentos já mencionados no relato das coordenadoras, como afirma Libâneo (2013), é necessário que a escola aposte num currículo baseado no conhecimento crítico que incorpore as práticas socioculturais e introduza a diversidade cultural nos conteúdos:

A visão de escola centrada na formação cultural e científica realça a universalidade da cultura escolar de modo que à escola cabe transmitir, a todos, os saberes públicos que apresentam um valor, independentemente de circunstâncias e interesses particulares, em razão do direito universal ao conhecimento. Por outro lado, como a escola lida com sujeitos diferentes, cabe considerar no ensino a diversidade cultural, a coexistência das diferenças, a interação entre indivíduos de diferentes identidades culturais (Libâneo, 2013, p. 66).

Contudo, os depoimentos das coordenadoras dão indicações de que ocorre uma interferência das políticas educacionais dentro da escola, alterando o currículo escolar e consequentemente as práticas dos professores em sala de aula, e, portanto, descaracterizando a verdadeira finalidade da educação, porque à medida que se prioriza o ensino apenas do português e da matemática os alunos são privados de se apropriar do conhecimento cultural e científico das outras disciplinas, conforme nos esclarece Libâneo (2013), reduzindo, portanto, suas chances de ampliar a sua capacidade cognitiva, seu crescimento pessoal, ou seja, a sua emancipação humana. Assim, de acordo com Torres (2017) a educação para emancipação é o caminho para se chegar à liberdade, portanto:

[...] o objetivo dessa educação é a superação das contradições da sociedade capitalista, voltada à plena liberdade, momento em que homem não mais será mercadoria de outro e como homem novo e total, desenvolver-se-á suas múltiplas faculdades. Portanto, educar para emancipação é uma práxis revolucionária, pois é ao mesmo tempo formar indivíduos para viver conforme sua essência, ou seja, no conjunto das relações sociais sem interferências exteriores (Torres, 2017, p. 1274).

Essa concepção põe, claramente, o entendimento, segundo o qual, educar para a emancipação é agir de modo intencional e coletivamente visando a superação das relações sociais capitalistas e o desenvolvimento pleno dos indivíduos, condição na qual estes terão não apenas as suas necessidades básicas satisfeitas, como também, o desenvolvimento pleno de todos os órgãos dos sentidos (Faria, 2011).

Localizamos ainda no depoimento do CP6 uma visão otimista com relação à finalidade da educação. Assim, o coordenador esclarece que a escola dentro da sua limitação de condições, quando tem uma equipe comprometida, procura fazer o seu melhor, e também procura dar o máximo de si em tudo que faz, mas afirma que tem ações que independem dele, que dependem de terceiros e muitas vezes esses terceiros não estão predispostos a ajudar. O coordenador vê a escola como a saída para a grande maioria das problemáticas sociais, mas acredita que para que isso aconteça as autoridades competentes precisam investir na educação.

O relato do coordenador dá indicações de que são necessárias mudanças estruturais na educação. Deste modo, cabe à escola desenvolver ações educativas que tenham por finalidade garantir o pleno desenvolvimento dos alunos, fundamentada a partir de uma perspectiva crítica de educação. Concordando com essa discussão, Oliveira (2013, p. 245) compreende que “[...] a concepção de educação que está sendo preconizada fundamenta-se numa perspectiva crítica que concebe o homem na sua totalidade, como ser constituído pelo biológico, material, afetivo, estético e lúdico”. Portanto, no desenvolvimento das práticas educativas, é preciso ter em mente que os sujeitos dos processos educativos são os homens e suas múltiplas e históricas necessidades (Oliveira, 2013).

Evidenciamos, portanto, nessa seção, relatos de coordenadores que possuem uma visão otimista com relação à finalidade da educação, quando em seus depoimentos ressaltam a concepção transformadora e emancipadora da escola. No entanto, compreendemos que a principal finalidade da escola é garantir aos alunos, independentemente de qualquer situação social, classe, gênero, etnia, cor e credo os conhecimentos necessários que lhes possibilitem desenvolver a sua capacidade crítica, seu pensamento reflexivo, sua formação social, científica e tecnológica, ou seja, que a educação possibilite aos alunos seu pleno desenvolvimento, condição importante para os processos e lutas pela emancipação humana, uma vez que esta só será possível em sentido amplo com a superação das relações sociais burguesas, impondo a necessidade da auto-organização intencional e coletiva, na luta pela socialização dos meios de produção.

A centralidade do trabalho do coordenador pedagógico da rede Municipal de Ensino de Cruzeiro do Sul

Esta seção tem por objetivo interpretar o material empírico extraído das entrevistas realizadas com os sujeitos da pesquisa, identificando nos seus depoimentos a compreensão que eles têm sobre a ‘função do coordenador pedagógico’. Sobre essa função, Libâneo et al. (2003) esclarecem que:

Cabe ao coordenador a difícil tarefa de auxiliar o professor no desenvolvimento do trabalho pedagógico de modo a contribuir com a melhoria da qualidade do ensino, construindo e administrando situações de aprendizagem adequadas às necessidades educacionais dos alunos, por meio da reflexão e da investigação. Esse procedimento está associado ao processo de formação contínua e sistemática que considera as necessidades dos educadores envolvidos (Libâneo et al., 2003, p. 373-374).

A partir dessa ideia elaborada pelos autores, observamos a amplitude da função do coordenador pedagógico, que não está vinculada somente a questões pedagógicas da sala de aula, mais, sobretudo ao papel desse profissional no desenvolvimento de ações que auxiliem na melhoria da qualidade do ensino. Neste sentido, vejamos a seguir os depoimentos dos sujeitos da pesquisa sobre essa categoria.

Para o CP1, a função do coordenador pedagógico está relacionada a questões burocráticas da escola, afirmando que a escola em quer trabalha por ter um número pequeno de alunos não tem direito a dois coordenadores, ou seja, o de ensino e o pedagógico, então ela acumula a função dos dois. Ressalta ainda que “[...] o pedagógico requer mais, pois trabalho de perto com os professores, ajudando, dando sugestões, buscando encontrar soluções pra melhorar o processo de ensino e aprendizagem, mas o de ensino não, o de ensino é exclusivamente a parte burocrática” (CP1).

A este respeito Pinto (2011, p. 150) também ressalta que “[...] a divisão de funções que pode acontecer deve ser decorrente do tamanho da escola e de suas demandas. Assim, em uma escola muito pequena, apenas um pedagogo pode atuar em todas essas áreas, ao contrário de uma escola muito grande que pode comportar vários pedagogos”.

Com relação ao trabalho burocrático realizado na escola, o CP1 ainda acrescenta que “[...] a parte burocrática me consome noventa por cento, eu fico dez por cento pra ajudar os professores”. Percebe-se na fala dessa coordenadora a insatisfação de ter que realizar funções burocráticas que não lhe competem.

Também identificamos nas falas do CP6 a insatisfação de desenvolver o trabalho burocrático da escola, ao afirmar que o coordenador pedagógico muitas vezes age com outras ações na escola, “[...] não vamos dizer que ele é só o coordenador pedagógico, muitas vezes ele faz o trabalho administrativo, de gestão, não deveria ser assim, mas é a realidade. E quando o gestor sai quem fica responsável por tudo na escola é o coordenador pedagógico [...]” (CP6). O depoimento do coordenador expressa mais uma vez o desejo de poder realizar apenas aquilo que realmente é atribuído para sua função. Embora se perceba que no cotidiano escolar, no envolvimento de ações desenvolvidas pela escola, ele precisa exercer diversas funções para não atrapalhar o andamento da rotina escolar.

A CP2 esclarece que “[...] este ano resolvi que vou ser só pedagógica, assim vou ter tempo de acompanhar melhor o professor e o aluno, porque na verdade o coordenador é quem acompanha o professor, para ver o resultado no aluno, a função é essa [...]” (CP2). A sua fala expressa que o coordenador precisa priorizar as ações pedagógicas, que contribuem para o desenvolvimento de práticas emancipadoras cujos desdobramentos repercutem diretamente no processo de ensino e aprendizagem dos alunos.

Ainda sobre as funções do coordenador pedagógico, a CP3 menciona a questão da formação de professores, que segundo ela “[...] também é uma atribuição do coordenador”. Para André (2015, p. 36) “[...] no que tange às equipes gestoras, o coordenador pedagógico é visto como responsável pela formação”. A autora recorre ainda aos estudos de Placco (2003) para afirmar que “[...] ao coordenador pedagógico, é atribuído o papel de articulador das ações formativas na escola, as quais devem promover o desenvolvimento da equipe pedagógica (e não apenas do professor)”.

Portanto, diante de todas essas afirmativas sobre seu papel como formador, a CP3 ainda destaca que é colocado hoje pela Secretaria de Educação que uma das maiores responsabilidades do coordenador é a formação de professores. Segundo ela, “[...] aquilo que a universidade não conseguiu, que a prática docente de anos, ou de meses não conseguiu, é o coordenador que vai ter que conseguir a duras penas, mas tem que conseguir [...]” (CP3).

Identificamos na fala da coordenadora a crítica que ela faz à formação inicial de professores oferecida pelas universidades, ressaltando que essa formação não está conseguindo suprir as necessidades do professor iniciante. Portanto, concordamos com André (2015, p. 36) quando “[...] concebe a formação inicial como deficitária, o que leva a atribuir à formação continuada uma função compensatória, de suprir as deficiências”.

Na concepção do CP4 “[...] as funções do coordenador são várias: é olhar planejamento, fazer teste com os alunos pra ver se eles estão avançando, acompanhar as aulas do professor na sala de aula, realizar encontros pedagógicos [...]”. O depoimento do coordenador revela que ele está preocupado fundamentalmente com a parte pedagógica da escola, no entanto, sabemos que além das ações pedagógicas o coordenador desempenha outras funções, como por exemplo, “[...] dar todo o subsídio necessário para que o ensino aprendizagem ocorra de forma plausível, com os professores, com os alunos, se envolvendo em todas as ações pedagógicas, como fazer o planejamento, as atividades, todo o contexto de ensino e aprendizagem, mas infelizmente ele foge disso para efetivar outras funções. Essa é a realidade!” (CP6).

Portanto, é nesse contexto de desafios e contradições, principalmente de desvios de funções, que o trabalho do coordenador pedagógico da rede Municipal de Cruzeiro Sul vai se constituindo. É necessário, portanto, uma política de valorização desse profissional, que auxilie no desenvolvimento da sua formação, proporcionando assim a compreensão da sua verdadeira função no processo de organização do trabalho pedagógico da escola.

Considerações finais

Neste artigo, analisamos o trabalho do coordenador pedagógico a partir da perspectiva crítica de educação, identificando as possíveis contribuições para o desenvolvimento de práticas pedagógicas que tenham por base as finalidades educativas clássicas da escola. As reflexões nos mostraram que as finalidades clássicas da educação é garantir aos indivíduos a apropriação dos conhecimentos científicos, éticos, políticos e estéticos, tornando-os capazes de intervir de modo consciente e transformador nos problemas concretos da vida em sociedade.

Deste modo, a partir das transformações do papel da escola, a função do coordenador pedagógico também se modifica, ou seja, ele torna-se responsável em desenvolver na escola os programas, as políticas, as avaliações, as questões metodológicas do ensino, a seleção sistemática dos conteúdos, responsabilizando-se também pelo planejamento e elaboração da formação continuada na escola.

A análise das categorias extraídas dos depoimentos dos coordenadores pedagógicos dá indicações de que as práticas de alguns deles se aproximam das finalidades clássicas da escola, embora seja necessário enfrentar muitos desafios que a função lhe impõe. Outros apresentam indícios de desconhecimento de questões próprias da sua função, como por exemplo, o reconhecimento do que é o pedagógico, ou a realização de atividades rotineiras, que não levam em consideração a realidade social da escola e dos alunos.

Compreendemos, portanto, que é na escola, por meio do trabalho do professor, que o aluno tem a possibilidade de desenvolver as formas superiores de pensamento, ou seja, de se apropriar do conhecimento sistematizado, dos instrumentos culturais e científicos que são essenciais para o desenvolvimento pleno enquanto indivíduo singular e, ao mesmo tempo, universal. No entanto, a escola pública no interior da sociedade burguesa encontra desafios para cumprir com suas finalidades clássicas, tendo em vista que as políticas educacionais tendem a redirecionar as suas finalidades para atender aos interesses do mercado capitalista. Portanto, a escola pública deve ser instrumento de luta em especial dos educadores, daqueles que pensam e fazem a educação, em defesa do cumprimento da sua finalidade, que é contribuir para que os alunos possam se apropriar dos conteúdos clássicos. Acreditamos que a emancipação do aluno se dá pela apropriação ativa e crítica desse saber que foi acumulado e desenvolvido historicamente, de modo que, ao se apropriar, ele tenha condições de se colocar como um sujeito ativo e crítico perante a sociedade.

Nessa perspectiva de educar para a emancipação, o papel do coordenador torna-se imprescindível na condução do trabalho pedagógico junto aos professores. Uma vez que o trabalho desse profissional se dá, em termos mais amplos, em mobilizar todos os sujeitos envolvidos com o ensino para que tenham essa participação ativa, localizando os problemas da escola, apontando os caminhos e se posicionando do ponto de vista pedagógico-didático e curricular. Possibilitando ao professor desenvolver sua capacidade crítica e de autonomia no desenvolvimento da atividade docente. Para tanto, o coordenador pedagógico deve oportunizar aos professores momentos de estudo e reflexão sobre a escola, a sala de aula e a prática pedagógica e suas inter-relações e mediações com as políticas educacionais e curriculares. As práticas emancipadoras se trazem na ação intencional e sistemática com vistas, na formação de professores, contribuir com sua autonomia intelectual e autoria.

Portanto, entendemos que o trabalho do coordenador pedagógico em uma perspectiva crítica, coletiva e solidária na construção e reconstrução das finalidades clássicas da escola permite que esta instituição se torne um local de aprendizagem não só para o aluno, mas para o conjunto dos sujeitos envolvidos nos processos de ensino-aprendizagem. De modo a criar as condições intraescolares propiciadoras do cumprimento da função da escola que se traduz em garantir aos alunos a apropriação do conhecimento clássico, dos conteúdos culturais e científicos. Assim, esta instituição é um espaço de aprendizagem e de estudos para o coletivo escolar. Todavia, a centralidade do seu trabalho é o processo de ensino-aprendizagem dos alunos, assegurado pela mediação do trabalho intencional do professor em sala de aula.

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3NOTA: As autoras foram responsáveis pela concepção, análise e interpretação dos dados; redação e revisão crítica do conteúdo do manuscrito e ainda, aprovação da versão final

Recebido: 30 de Agosto de 2020; Aceito: 05 de Abril de 2021

*Autor para correspondência. E-mail: lenildafaria@uol.com.br

Naiara de Souza Fernandes: Pedagoga. Mestra em Educação, na área de concentração ‘Formação de Professores e Trabalho Docente’ do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Acre (UFAC, 2018). Pós-graduada em nível de Especialização em Planejamento e Gestão Escolar na Educação Básica pelo Instituto de Educação Superior Acreano - Faculdade Euclides da Cunha (INEC), no Município de Cruzeiro do Sul - Acre. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5352-3046 E-mail: naiaraleticia2@gmail.com

Lenilda Rêgo Albuquerque de Faria: Pedagoga. Doutora em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo/FEUSP (Teorias de Ensino e Práticas Escolares). Professora Associada da Universidade Federal do Acre, lotada no Centro de Educação, Letras e Artes (CELA/UFAC, 2002). Docente do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE/UFAC). Pesquisa temáticas relativas a Pedagogia, a Didática e Formação de Professores. É membro do GT-04 Didática-ANPED. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8971-600X E-mail: lenildafaria@uol.com.br

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