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Acta Scientiarum. Education

Print version ISSN 2178-5198On-line version ISSN 2178-5201

Acta Educ. vol.45  Maringá  2023  Epub Aug 01, 2023

https://doi.org/10.4025/actascieduc.v45i1.65889 

FORMAÇÃO DE PROFESSORES E POLÍTICAS PÚBLICAS

Cartografia para pesquisar currículos e infâncias em dissidências: um exercício experimental de invenção

Cartografía para investigar los currículos y las infancias disidentes: un ejercicio experimental de invención

João Paulo de Lorena Silva1  * 
http://orcid.org/0000-0002-4855-0197

Marlucy Alves Paraíso1 
http://orcid.org/0000-0002-3542-4650

1Universidade Federal de Minas Gerais, Av. Antônio Carlos, 6627, 31270-901, Pampulha, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil.


RESUMO.

Este artigo explora os movimentos constitutivos de uma cartografia inventada para pesquisar currículos e infâncias em dissidências. Instalando-se no território das metodologias pós-críticas em Educação e Currículo, objetiva mostrar o fazer cartográfico de uma pesquisa que investigou os agenciamentos de vida e morte que as infâncias em dissidências de gênero e sexualidade fazem no currículo. A cartografia é um modo de investigar um processo em produção, de acompanhar um traçado incerto, um certo tempo que dura. Inspirada nos trabalhos de Gilles Deleuze e Félix Guattari, ela se ocupa em estudar processos subjetivos, acompanhando os agenciamentos que possibilitam um acontecimento. O argumento aqui desenvolvido é o de que, para cartografar currículos e infâncias em dissidências, faz-se necessário organizar encontros capazes de apreender os acontecimentos, compor com as sensações produzidas nos entrelugares dos corpos e narrar em dissidência, fazendo da experiência narrativa um uso menor, intensivo e geográfico.

Palavras-chave: cartografia; currículo; metodologias pós-críticas; infâncias; diferença

RESUMEN.

Este artículo explora los movimientos constitutivos de una cartografía inventada para investigar los currículos y las infancias disidentes. Instalándose en el territorio de las metodologías poscríticas en Educación y Currículo, pretende mostrar el hacer cartográfico de una investigación que investigó los agenciamientos de vida y muerte que hacen las infancias en disidencias de género y sexualidad en el currículo. La cartografía es una forma de investigar un proceso en producción, de seguir un camino incierto, un tiempo determinado que dura. Inspirada en la producción de Gilles Deleuze y Félix Guattari, se ocupa de estudiar los procesos subjetivos, siguiendo los agenciamientos que hacen posible un acontecimiento. El argumento que se desarrolla aquí es que, para mapear los currículos y las infancias disidentes, es necesario organizar encuentros capaces de aprehender los acontecimientos, componer con las sensaciones producidas en los entre-lugares de los cuerpos y narrar en la disidencia, haciendo de la experiencia narrativa un uso menor, intensivo y geográfico.

Palabras-clave: cartografía; currículo; metodologías poscríticas; infancias; diferencia

ABSTRACT.

This article explores the constitutive movements of a cartography invented to research curricula and childhoods in dissidences. Installing itself in the territory of post-critical methodologies in Education and Curriculum, it aims to show the cartographic making of a research that investigated the agencies of life and death that children in dissidences of gender and sexuality make in the curriculum. Cartography is a way to investigate a process in production, to follow an uncertain path, a certain time that lasts. Inspired by the production of Gilles Deleuze and Félix Guattari, it is concerned with studying subjective processes, following the agencies that make an event possible. The argument developed here is that in order to map curricula and childhoods in dissidence, it is necessary to organize encounters capable of apprehending the events, to compose with the sensations produced in between the places of the bodies and to narrate in dissidence, making the narrative experience a minor, intensive and geographic use.

Keywords: cartography; curriculum; post-critical methodologies; childhood; difference

Introdução1

‘Organizar encontros, compor com as sensações e narrar em dissidência’ são os movimentos de uma cartografia desenhada para pesquisar currículos e infâncias em dissidências. A cartografia apresentada neste artigo se constitui em uma prática investigativa produzida nos interstícios dos encontros, conectando matérias díspares, compondo com as sensações e com os processos em curso, operando com a ‘ética da experimentação’. A cartografia é um modo de investigar um processo em produção, de acompanhar um traçado incerto, um certo tempo que dura. Inspirada nos trabalhos de Gilles Deleuze e Félix Guattari, ela se ocupa em estudar processos subjetivos, acompanhando os agenciamentos que possibilitam um acontecimento. A cartografia é, também, uma arte dos encontros. Isso porque tudo nela é conexão, mistura, composição, bricolagem, cruzamento, combinação. Por isso, ela exige do(a) pesquisador(a) a habitação em diferentes territórios, na perspectiva de se transformar para conhecer.

Cartografar um currículo é mapear as linhas que o atravessam e constituem. É prestar atenção aos devires e assumir uma posição de abertura e experimentação para não perder de vista os encontros e suas produções. Nesse movimento, está implicado um fazer geográfico-experimental que compreende que “[...] a vida passa entre as linhas” (Deleuze & Guattari, 2012, p. 81-82). É entre as linhas de um território que se passam os acontecimentos, as pequenas resistências, as invenções moleculares, os desvios de rota, as demolições e mortes, os devires e a fuga. Em uma cartografia, nos movemos entre as coisas, no meio, destituindo o fundamento, anulando o começo e o fim. O meio é o lugar dos encontros, das conexões improváveis, dos agenciamentos que possibilitam e afirmam a diferença. É, pois, no meio, intermezzo, em movimentos de zigue-zague, nos interstícios das metodologias curriculares pós-críticas, que discutimos o fazer cartográfico inventado para pesquisar currículos e infâncias em dissidências.

Este artigo, instalando-se no território das metodologias pós-críticas em Educação e Currículo, objetiva mostrar o fazer cartográfico de uma pesquisa que investigou os agenciamentos de vida e morte que as infâncias em dissidências de gênero e sexualidade fazem no currículo. Trata-se de uma cartografia realizada ao longo de dois anos e que se movimenta entre infâncias em dissidências, currículos escolares e currículos externos ao espaço escolar, de modo a mapear o que se agencia nos entrelugares desses diferentes territórios. Nessa ‘cartografia’ operamos com a arte de construir um mapa sempre inacabado e aberto, de modo a acompanhar processos de composição de diferentes linhas traçadas ou seguidas por crianças em dissidências e suas famílias para fazerem conexões no currículo, desmontarem o já feito e construído, reverterem sentidos dados e seguirem um percurso que pode levar a modos de existência que priorizam a vida. O ‘argumento’ aqui desenvolvido é o de que, para cartografar currículos e infâncias em dissidências, faz-se necessário organizar encontros capazes de apreender os acontecimentos, compor com as sensações produzidas nos entrelugares dos corpos e narrar em dissidência, fazendo da experiência narrativa um uso menor, intensivo e geográfico.

As crianças, famílias, professoras(es) e profissionais da saúde que povoam o mapa desta cartografia vivem em diferentes cidades e estados do Brasil. Seus percursos e as linhas de vida que traçam, embora distintos e singulares, se conectam na experiência da dissidência. Para apresentar e discutir as linhas que constituem o mapa produzido nesta cartografia e os procedimentos metodológicos inventados para traçá-lo, este artigo, a partir daqui, está dividido em três partes. Na primeira parte, demarcamos espacialmente e narramos alguns fragmentos que constituem as linhas cartografadas do mapa aberto e inacabado que inventamos, de modo a apresentar o território investigado. Na segunda parte, por sua vez, apresentamos, por meio de três movimentos, os procedimentos cartográficos criados para a investigação que fizemos. Na terceira parte, por fim, fazemos algumas considerações finais, que funcionam como um pequeno manifesto para seguir inventado encontros em uma pesquisa.

Entrando no território para demarcar as suas espacialidades

Um território possui diferentes espacialidades geográfico-existenciais. Para traçar a sua cartografia, é importante demarcar os seus espaços, sem perder de vista as linhas que se conectam e interagem, os agenciamentos que produzem os acontecimentos e os movimentos que se fazem. Apresentamos, a seguir, as espacialidades do território cartografado na investigação que subsidia este artigo.

- Demarcação 1: Em Aracaju, capital de Sergipe, uma criança de 6 anos perambula pela casa, abraçada a uma girafa de pelúcia que tem desde que era bebê. Sua mãe está em um dos cômodos, trabalhando. A criança entra no escritório improvisado. O silêncio é interrompido por uma convocação. “Mãe, quero falar com você”. A mulher se vira. Há tensão por todos os lados. “Você ainda vai me amar se eu for um menino?”, dispara a criança. Ambos choram. “Raio de sol, eu odeio tamarindo, se você virar um tamarindo eu ainda vou lhe amar, que dirás um menino bonito!”, responde a mulher. A criança coloca a mão no coração e continua: “é porque aqui dentro eu sou um menino. Se você quiser me expulsar de casa...”.

- Demarcação 2: Uma professora sofre em casa, na cidade de Aracaju, angustiada por não saber o que fazer. Um filme passa por sua cabeça e ela recorda os primeiros passos da criança que viu crescer. Sente-se em luto. Pensa em uma estratégia para que a criança, que agora tem um outro nome, se sinta acolhida e para que a transição de gênero seja ritualizada também na escola. Decide experimentar. No outro dia, em sala de aula, coloca em prática a estratégia que inventou. Fica feliz e aliviada ao perceber que as crianças se abrem para acolher.

- Demarcação 3: Distante dali, na cidade de São João del-Rei, interior de Minas Gerais, uma mulher aproveita a tarde de domingo para descansar e se senta em uma cadeira no terraço de sua casa, contemplando o movimento da rua. Movimento que é cortado pela criança que chega. “Oh, mamãe! Eu quero ser uma menina. Sou uma menina. Não sou menino”, exclama a criança de 3 anos. A mulher se abaixa, olha para a criança e responde: “A mamãe pediu um menino a papai do céu, eu queria um menino, papai do céu mandou um menino pra mim”. A criança começa a chorar. Chora muito, ao mesmo tempo em que repete várias vezes: “Eu não consigo controlar a minha vida!”.

- Demarcação 4: Em São João del-Rei, uma professora olha, atentamente, os desenhos de uma criança. Fica impressionada ao perceber que os desenhos ficaram maiores, mais coloridos e vibrantes após a sua transição de gênero. Enquanto observa a criança, que agora tem 5 anos, lembra-se do ‘menino’ tímido, que quase não falava e que sempre olhava para baixo. Lembra-se, também, dos desenhos minúsculos, sem cor e sem vida. A professora se alegra ao perceber que tudo mudou. A criança triste e tímida deu lugar a uma menina comunicativa, sorridente, que gosta de liderar e chega na escola cheia de pulseiras, adereços e cores. Há brilho na criança.

- Demarcação 5: Em Belo Horizonte, um menino de 8 anos vai para a escola maquiado. Suas unhas estão pintadas. Ele caminha entre as crianças com leveza. Algumas pedem para ver as suas unhas. O menino mostra somente para quem confia e tem intimidade. Uma delas, durante o recreio, puxa o menino com um bambolê, para ver as unhas de perto. O menino escapa. As crianças se agitam. Algumas professoras conversam entre si, reprovando a família da criança, ‘que permitiu que ele viesse como uma menina para a escola’. Uma das professoras decide fazer diferente. Para acolher a criança e resolver os conflitos que surgiram em sua turma, altera o seu planejamento curricular e, durante uma aula de Arte, traça uma conexão entre a maquiagem e as unhas pintadas do menino e as pinturas corporais dos povos indígenas. “Nessas culturas, os meninos também se pintam”, explica. O menino fica feliz e, a partir desse dia, sempre vai até a professora para mostrar a cor de suas unhas.

- Demarcação 6: Na sala da orientação educacional, nessa mesma escola, uma mãe chora copiosamente após ser chamada para uma conversa com a orientadora. Seu filho de 11 anos havia espalhado pela escola que iria se matar, após descobrir que o menino pelo qual estava ‘apaixonado’ tinha trocado mensagens e declarado que estava gostando de uma menina de sua sala de aula. A diretora é chamada para mediar a situação. A mãe chora muito e começa a gritar, dizendo que não sabe o que fez de errado para ter um filho gay. “Lá em casa nós somos todos muito religiosos e o meu marido não vai aceitar isso”. A diretora explica que também é católica, mas que “Deus é amor e Jesus acolhia todas as pessoas como elas são”. A criança espera do lado de fora da sala e escuta o choro da mãe. A orientadora educacional aconselha a mãe a dar um abraço e acolher a criança. Depois disso, vai buscar o menino. Ele pergunta em voz baixa e com os olhos lacrimejando: “Minha mãe está chorando por ter descoberto que eu sou gay?”.

- Demarcação 7: Em sala de aula, uma criança de 11 anos sofre em silêncio e é chamada de ‘viado’ pelos meninos. Algumas professoras, preocupadas com a situação, tentam conversar com o aluno, mas ele não se abre. Por ser lido como um ‘menino afeminado’ por outras crianças, os comentários ofensivos ficam cada vez mais intensos. Nas aulas de Educação Física, a criança é isolada pelos meninos e acolhida pelas meninas. “A gente não quer uma mulherzinha no time de futebol”, comenta um dos alunos.

- Demarcação 8: O ambulatório do Centro de Referência e Assistência integral para a Saúde Transespecífica (CRAIST), do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), está absurdamente cheio. Pessoas movimentam-se de um lado para o outro, inquietas, enquanto aguardam a hora da consulta. Nas salas de atendimento, profissionais da saúde acolhem, examinam e orientam os pacientes. Uma criança chega. Os olhares da clínica voltam-se para ela. Acompanhada por sua mãe e por seu pai, que buscam acolhimento e acompanhamento profissional, a criança de 5 anos logo ganha o coração da equipe. Após uma primeira conversa, o pai da criança pergunta: “Mas, se chegar na adolescência e ela decidir que não é isso e quiser voltar tudo atrás? A gente vai ter feito isso tudo por nada?”. Uma das profissionais do ambulatório responde, olhando para a criança e para o pai: “Esse sorriso é nada? A gente terá garantido uma infância feliz e protegida”.

- Demarcação 9: Em uma escola de Petrópolis, Rio de Janeiro, uma criança de 7 anos está sentada, sozinha, durante o recreio. A criança não ‘se encaixa com as meninas’ e ‘não é aceita pelos meninos’. Por isso, não tem vínculos de amizade. A psicóloga escolar explica à mãe que é ‘imaturidade’, e orienta que a criança ‘repita de ano’ para amadurecer e fazer ‘amigas’ em sua sala. A criança, que está cada vez mais triste e isolada, começa a vomitar na hora de ir para a escola. Não aceita mais o ‘nome feminino’ e não quer mais nada que seja lido socialmente como ‘coisa de menina’. A mãe, preocupada com a situação, decide esconder na mochila escolar da criança, sem que ela perceba, um velho gravador que tinha em casa. Para a sua surpresa, descobre que a professora estava agindo com ‘preconceito’ e tentando ‘corrigir’ a performatividade de gênero da criança, considerada pela docente ‘inadequada para uma menina’.

- Demarcação 10: Em Itaúna, São Paulo, uma menina de 10 anos decide contar para a mãe que é ‘pansexual’. Indignada, a criança desabafa que a sua professora quer forçá-la ‘a usar vestido’. Durante a conversa, explica que ‘está gostando de uma pessoa, uma menina’, abre o notebook que usa para estudar e dá ‘uma aula’ para a mãe, explicando cada letra da sigla LGBTQIAP+.2 A mãe, surpresa com a atitude da filha, levanta-se e pede um abraço. No dia seguinte, procura na caixa de busca do Facebook grupos sobre ‘crianças pan’, abreviação para pansexual. Na pesquisa, encontra o grupo Mães pela Diversidade e decide fazer parte do coletivo.

Reativamos esses fragmentos narrativos para apresentar algumas das linhas e traçados cartografados na investigação que subsidia este artigo. Trata-se de uma cartografia feita em territórios distintos, com crianças, famílias, professores(as) e profissionais da saúde de diferentes cidades e estados do Brasil, com demarcações espaciais que os tornam únicos. Contudo, se retiramos as cercas que os separam em suas distintas paisagens geográfico-existenciais podemos ver linhas que os conectam. Nesses territórios, currículos e infâncias em dissidências se agenciam de diferentes modos, e são esses agenciamentos e suas produções que cartografamos.

Um currículo quando conectado com crianças em dissidências, como qualquer território, é composto por muitas e variadas linhas. Trata-se de um território onde linhas de morte e vida coexistem e travam disputas. Pequenas mortes, tais como: a morte do desejo, a morte do prazer, a morte da alegria, a morte dos sonhos e a morte do aprender, podem acontecer. Ao mesmo tempo, um currículo é território em que linhas que se agenciam e levam para a vida podem se instalar, produzindo alegrias e o desejo de lutar, resistir e existir de um outro modo. Afinal, como afirma Paraíso (2018, p. 49, grifo do autor), “[...] apesar de todos os poderes que insistem em mostrar a infertilidade das coisas, as dificuldades da vida, as faltas de saídas, as cercas dos currículos [...], o solo que pisamos é ‘fértil’, assim como a vida é ‘grávida’ de nascimentos e o currículo ‘prenhe’ de possibilidades”.

Para cartografar territórios ‘prenhes’ de possibilidades, como o currículo, é necessário inventar procedimentos metodológicos sensíveis à novidade e à criação. A seguir, apresentamos e discutimos três movimentos constitutivos da cartografia de currículos e infâncias em dissidências que desenhamos. Trata-se, é preciso dizer, de movimentos abertos, incompletos, nos quais sempre é possível agenciar outras linhas, que podem fazer surgir novos deslocamentos e moveres.

Movimentos de uma cartografia para pesquisar currículos e infâncias em dissidências

Movimento I: organizar encontros

Os encontros são o coração de uma cartografia desenhada para pesquisar currículos e infâncias em dissidências. Encontrar é abrir-se às conexões, às misturas e aos agenciamentos que o próprio fazer metodológico possibilita. Trata-se de uma abertura ativa, que se faz na artesania das relações, sempre buscando o que se passa no ‘meio’ dos corpos, das coisas e do pensamento. Encontrar é “[...] achar, é capturar, é roubar, mas não há método para achar, nada além de uma longa preparação” (Deleuze & Parnet, 1998, p. 15). Em nossa experiência de cartografar currículos e infâncias em dissidências, essa preparação demandou a ‘criação de um corpo poroso’, capaz de ser afetado e de experimentar com as sensações. Criar para si um corpo poroso, em uma cartografia, implica deixar passar pelos poros do fazer investigativo os pequenos encontros que se agenciam em um território.

Encontra-se não somente pessoas, mas ideias, conceitos, inspirações, acontecimentos e movimentos que podem vir de qualquer lugar. Por isso, para cartografar é importante ficar à espreita, aguçar os sentidos, deixar-se atravessar pelas forças e intensidades que circulam em um território. É necessário, também, “[...] abrir-se a encontros com toda sorte de signos e linguagens, na luta para que algo nos toque amorosamente e nos ajude a encontrar um caminho para a invenção” (Paraíso, 2014, p. 42). Encontros que acontecem o tempo todo e que, embora distintos, podem se conectar e produzir efeitos dos mais variados. Encontros que precisam ser inventados e organizados, mas que também podem surgir de lugares insuspeitados. Afinal, a imprevisibilidade e a novidade são matérias dos encontros.

Muitos são os encontros que atravessam esta cartografia. O primeiro deles diz respeito ao encontro com a infância de um dos autores deste artigo: um menino gay e afeminado que foi criança no interior de Pernambuco. Nesse sentido, as linhas e os traçados do fazer cartográfico desta investigação agenciam-se à geografia existencial de um pesquisador que também viveu uma infância em dissidência, experimentando as alegrias, as dores, os medos, as inseguranças e as possibilidades de habitar um corpo infantil desviado da norma. Uma criança que cresceu e fez da dor uma luta, assumindo na micropolítica das relações cotidianas, na pesquisa acadêmica em educação e currículo e no seu professorar a afirmação da vida em sua multiplicidade. A marca subjetiva deste pesquisador, portanto, possibilitou uma abertura ao encontro no processo do pesquisar e uma conexão quase imediata com as dores, alegrias e lutas na cartografia de currículos e infâncias em dissidências.

No percurso desta cartografia, quando ainda estávamos tateando o território a ser cartografado, também foram importantes os encontros com relatos de vida de crianças que experimentaram uma infância em dissidência das normas de gênero e sexualidade e que, quando adultas, escreveram sobre esse processo. No encontro com Paul Preciado (2020) e o relato de sua infância queer, sapatão e transviada, nos conectamos e nos indignamos com as inúmeras violências sofridas por ele na escola, na clínica e em sua família. Percorrendo com o filósofo os caminhos de suas memórias, sentimo-nos entristecidos pelo desprezo de seu pai e a culpabilização de sua mãe. Sensações que se conectaram com as memórias afetivas de um dos autores deste artigo, que também enfrentou o abandono paterno e viu a sua mãe ser culpabilizada por gerar um filho gay.

“Quem defende a criança queer?” (Preciado, 2020, p. 69) é a pergunta feita por Preciado no título que abre o seu relato autobiográfico e que tomamos como problema político, ético e de pesquisa. Pergunta que nos atravessa de modo visceral, interpelando-nos a assumir um compromisso ético-político em entender, mapear e cartografar os processos e os caminhos trilhados e inventados pelas crianças que, ao escaparem às normas de gênero e sexualidade, experimentam a dissidência e lutam para existir na diferença que as constitui. No encontro com a infância narrada por Preciado, fizemos de sua pergunta-problema uma espécie de lente para ver, observar e registrar quem está defendendo a criança queer e as crianças que, de modos distintos, experimentam e disparam modos de vida dissidentes.

Também nos tocou e mobilizou o encontro com a infância de Hija de Perra, ativista trans chilena que foi criança nos anos de chumbo da ditadura militar de Pinochet. Uma infância atravessada pela dureza dos dias no regime ditatorial e pela tirania das normas de gênero e sexualidade que, ainda muito cedo, demarcaram o seu corpo mariconcito como desviado e desprovido de inteligibilidade. Em suas memórias afetivas, Hija de Perra (2015) recorda os horrores que se sucederam após a sua professora encontrá-la brincando com uma boneca. Desde o ‘tratamento psicológico’ que durou quatro anos, com o objetivo de ‘curar a sua homossexualidade’, até as estratégias que precisou inventar, explorando uma performatividade de gênero considerada masculina, para burlar o suposto ‘processo terapêutico’. Estratégias que possibilitaram a criação de saídas e o traçado de linhas que a levaram para uma vida de liberdade e experimentação.

O encontro com a infância de Hija de Perra produziu em nós o desejo de mapear as estratégias de resistência inventadas pelas crianças em dissidências para bagunçar as normas de gênero e escapar dos poderes que operam para capturar e normalizar os seus corpos. Desse encontro, extraímos uma espécie de curiosidade cartográfica para compreender o que se passa entre infâncias em dissidências, escola, currículo, família e clínica. Isso porque foi na escola que, pela primeira vez, Hija de Perra viu a sua performatividade corporal ser enquadrada como dissidente. Foi por meio de uma professora que sua família foi convocada e orientada a encaminhar a criança para uma ‘terapia’ com o objetivo de ‘reverter’ a sua ‘homossexualidade’.

A experiência do encontro com essas e outras narrativas, tais como: a discussão acerca das experiências de gays afeminados, viados e bichas pretas na infância escolar (Oliveira, 2020), o relato da infância de uma criança queer peruana nos anos 1950 e 1960, que precisou inventar uma pedagogia queer da amizade para sobreviver às violências de gênero e existir na diferença (Cornejo, 2015), a autoetnografia da guerra declarada contra um menino afeminado (Cornejo, 2011), possibilitou que traçássemos uma linha de conexão entre os diferentes territórios que se agenciam às experiências dissidentes de gênero e sexualidade e que atravessam a vida das crianças. Dessa linha de conexão, anotamos a importância de, no mapa traçado, propiciar e multiplicar encontros com crianças em dissidências, suas famílias, profissionais de suas escolas e profissionais da saúde, de modo a registrar e entender os agenciamentos produzidos, no tempo presente, quando infâncias em dissidências e currículo se encontram, e observar a que esses agenciamentos levam.

Mobilizados por essa linha traçada, ‘organizamos encontros’ com famílias, profissionais da saúde e professoras(es) de crianças que, por escaparem às normas de gênero e sexualidade, experimentam uma infância dissidente. Crianças, famílias, profissionais da saúde e escolas de diferentes regiões do Brasil, que foram chegando ao longo da investigação que subsidia este artigo e que, embora distantes geograficamente umas das outras, se encontram na experiência da dissidência e nos efeitos que ela produz. Na cartografia que traçamos aprendemos que encontro é percurso que não se faz sozinho. Há sempre uma multidão, um bando, uma matilha, uma solidão acompanhada, uma linha que se estende e conecta o nosso fazer investigativo a outros fazeres, com outras vidas. Isso porque em um encontro vidas são conectadas e linhas são traçadas para agenciar experiências que parecem completamente distantes. Afinal, um encontro, seja ele qual for, “[...] é talvez a mesma coisa que um devir ou núpcias. É do fundo dessa solidão que se pode fazer qualquer encontro” (Deleuze & Parnet, 1998, p. 14).

A cada encontro com as famílias, infâncias, profissionais da saúde e professoras(es) que povoam esta investigação, algo em nosso fazer cartográfico mudava. O encontro com as infâncias de duas crianças trans - uma menina e um menino -, por exemplo, nos interpelou a seguir as linhas que se aproximam e se afastam nos agenciamentos que fazem essas crianças e mapear o que há de singular nesses processos. O encontro com a família e a professora de uma delas, nos instigou a mapear o que acontece quando um currículo externo se conecta com o currículo escolar, interpelando-o a se abrir para hospedar a diferença. Também nos inquietou, a partir desses diferentes encontros, o desejo de compreender o que acontece quando as famílias se abrem para acolher e afirmar a diferença, mas as escolas seguem fechadas e endurecidas. Assim como o que se passa nessas experiências quando a escola decide entrar na luta pela vida das crianças em dissidências e encontra dificuldades e bloqueios entre as famílias.

No decorrer da cartografia de currículos e infâncias em dissidências realizada, portanto, cada encontro funcionou como um acontecimento, uma experiência que nos deslocou, produzindo diferentes sensações. No percurso traçado para o fazer cartográfico, vimos, sentimos e registramos que um encontro é sempre prenhe de possibilidades, pois se trata de um processo aberto, nunca terminado. Há no ato de encontrar algo da ordem do incontrolável, de uma linha que se abre deixando passar coisas clandestinas e selvagens. Por mais que planejemos, escrevamos roteiros prévios, formulemos perguntas com antecipação, outras questões, outros raciocínios, outras entradas e saídas, ‘acontecem’ e nos arrastam para caminhos que não estavam previstos no mapa. Caminhos que são traçados no fazer cartográfico e que se movimentam na medida em que nos abrimos para compor com o território, sem medo de experimentar com as sensações e com as forças que passam nas entrelinhas da vida.

Sendo os encontros experiências sensoriais que estão na ordem da sensibilidade e da imanência, em uma cartografia é necessário se abrir para compor com as sensações. No movimento cartográfico a seguir, apresentamos e discutimos o exercício de composição com as sensações que foi realizado na investigação que subsidia este artigo.

Movimento II: compor com as sensações

A cartografia de currículos e crianças em dissidências que criamos opera com as sensações. Por ser um exercício imanente que não privilegia o pensamento em detrimento do corpo, as sensações funcionam como procedimentos cartográficos que possibilitam e inspiram novas maneiras de pensar, ver, ouvir e sentir em um território. As sensações são produzidas no encontro dos corpos. Elas são efeitos desses encontros. A cartografia, nesse sentido, é uma prática sensorial que cria coisas na medida em que as encontra. Está na ordem do sensível, pois é uma pragmática que se faz à flor da pele, na medida em que abrimos os poros de nosso corpo aos afectos que pedem passagem. Afinal, “[...] a subjetividade do cartógrafo é afetada pelo mundo em sua dimensão de matéria-força [...]. A atenção é tocada nesse nível, havendo um acionamento no nível das sensações” (Kastrup, 2015, p. 42).

Na cartografia que inventamos para pesquisar currículos e infâncias em dissidências, ‘compor com as sensações’ foi um procedimento metodológico que possibilitou apreender os trânsitos e mapear os pequenos e sutis movimentos que as crianças, suas famílias, profissionais da saúde e professoras(es) fazem em um território. Nesse exercício de composição, para traçar o mapa de nosso fazer cartográfico, nos conectamos a linhas carregadas de memórias, desejos, lágrimas, lutas, sonhos, abraços, sorrisos, despedidas, recomeços, corações humanos, esperanças, revoltas, paixões. Linhas que se movem com pés delicados, embora carreguem consigo a ‘bruta flor’ do querer, a fatalidade de uma vida, o ritmo frenético de um corpo que transborda.

Compor! Compor com! Compor com as sensações! A sensação remete a um devir, pois implica um abrir-se e um tornar-se, um enlaçar-se energético. Quando duas sensações ressoam uma na outra o enlace ou o corpo a corpo ocorre. Trata-se de uma ressonância que implica um corpo a corpo puramente ‘energético’. Por isso a sensação se passa entre os corpos e tem muito de imprevisibilidade (Deleuze & Guattari, 2010). De repente, um gesto silencioso comunica o imprevisível. O sol entra pelas vidraças e ilumina a vida. Uma criança corta os seus cabelos montando para si um corpo ‘outro’. Uma mãe abraça o seu filho e chora com a urgência de quem sabe que cada minuto importa. Uma professora se abre à experimentação e inventa, não sem dificuldades e sofrimento, caminhos para acolher o estudante que chega em sua estrangeiridade. Um pai escreve uma carta, se despedindo do ‘menino’ que viu nascer e afirmando para o mundo que recebe com amor a transição de gênero e o nascimento da filha. Uma mulher escuta um velho disco de Caymmi e dança sozinha em seu apartamento, embalada pelo calor de uma taça de vinho e pela dor de um luto que precisa atravessar. Uma criança chora por não se reconhecer no gênero compulsoriamente investido sobre ela. Uma escola e um currículo são afetados por um devir que os arrasta para a transição. O signo do amor, que está na ordem do acolhimento e do reconhecimento da diferença, é disparado e um currículo abre as portas para a hospitalidade.

Para mapear as sutilezas dessas diferentes experiências e apreender os trânsitos de acontecimentos que emergem no campo do sensível, a cartografia de currículos e infâncias em dissidências precisou conectar linhas díspares, dizer de que elas se compõem e o que elas formam. Cartografar as forças, seguir seus movimentos, nomear as sensações e os devires. Os devires são fenômenos de dupla captura. Quando alguém ou algo se transforma, aquilo em que ele se transforma muda assim como ele próprio. Desse modo, foi preciso acompanhar essas linhas díspares e registrar como elas se estendem em um território, para analisar com quais outras se conectam. Acompanhar suas quebras e retomadas. Perseguir os traçados que fazem, suas rachaduras e desterritorializações. Tudo isso não pode ser feito sem operar com as sensações. Afinal, entre as linhas de um território se passa “[...] toda uma vida molecular intensa [...]” (Deleuze & Guattari, 2012, p. 74) que precisa ser mapeada no nível dos afectos, das forças que atravessam o corpo e das intensidades que fazem o chão de uma cartografia vibrar.

Compreendemos como ‘afecto’ “[...] as afecções do corpo, pelas quais sua potência de agir é aumentada ou diminuída, estimulada ou refreada e, ao mesmo tempo, as ideias dessas afecções” (Spinoza, 2017, p. 98). Nesse sentido, os seres são definidos “[...] pelo seu ‘poder de serem afetados’, pelas afecções de que são capazes, pelas excitações a que reagem, aquelas a que permanecem indiferentes, aquelas que excedem o seu poder e os adoecem ou matam” (Deleuze, 2002, p. 52, grifo do autor). Os afectos estão na ordem das relações e, por isso, para mapeá-los na cartografia de currículos e infâncias em dissidências, foi importante analisar os encontros que as crianças fazem e quais deles aumentam ou diminuem a potência de seus corpos e vidas.

“Tudo é apenas encontro no universo, bom ou mau encontro” (Deleuze & Parnet, 1998, p. 73). Partindo desse pressuposto, traçamos um mapa sensorial dos bons encontros que as crianças em dissidências fazem no currículo, isto é, daqueles que produzem alegrias, multiplicam as forças e estendem linhas que levam à afirmação da vida e da diferença. Como, por exemplo, o encontro de um menino gay de 11 anos que percebeu a orientadora educacional de sua escola como uma aliada para ajudá-lo a ‘sair do armário’ e ser acolhido por sua família. A aliança de vida produzida nesse encontro, que compõe esta cartografia, deu ao menino forças para lutar e coragem para enfrentar as dificuldades oriundas do conservadorismo religioso de sua casa.

Uma cartografia não opera com critérios transcendentes. Nesse sentido, ‘não existe o Bem ou o Mal, mas há o ‘bom’ e o ‘mau’’, que estão no plano de imanência a ser traçado. “O bom existe quando um corpo compõe diretamente a sua relação com o nosso, e, com toda ou com uma parte de sua potência, aumenta a nossa”. O mau, por sua vez, “[...] existe quando um corpo decompõe a relação do nosso, ainda que se componha com as nossas partes [...], como um veneno que decompõe o sangue” (Deleuze, 2002, p. 28). Na cartografia que traçamos, acompanhamos e mapeamos linhas de sofrimento, tristeza e dor que atravessam as infâncias e os territórios investigados. Linhas produzidas no encontro das crianças em dissidências com signos de hostilidade, preconceito, diferenciação, humilhação, normalização e controle.

Para cartografar encontros que aumentam a potência da vida em currículos que hospedam infâncias em dissidências de gênero e sexualidade, foi necessário atentar-se às composições que se fazem ‘entre’ corpos. Em um dos currículos que cartografamos, por exemplo, o encontro de uma criança trans com o professorar da experimentação inventado e praticado por sua professora, emitiu signos de acolhimento e ‘hospitalidade’. Conectando-nos a esse professorar, entramos no território de um currículo para ver, acompanhar e mapear o que acontece quando práticas curriculares e pedagógicas se abrem para compor com a estrangeiridade da diferença. Nessa experiência, vimos, sentimos e fomos afetados pelos movimentos de trânsito de uma criança de 7 anos, na relação com sua família e professora, que se agenciaram para criar uma rede de proteção e cuidado, de modo a lutar contra a transfobia e garantir para ela uma infância feliz. Vimos e sentimos, também, que esse processo não se deu sem sofrimento, dúvidas, lágrimas, medos e inseguranças. Sensações díspares se misturavam o tempo todo, disparando linhas que ora levavam para a vida e ora para pequenas mortes e despedidas.

Em uma cartografia que se faz exercitando e experimentando com o sensível, “[...] os fragmentos de sensações, roubadas entre olhares, vão edificando o encontro do pesquisar, nas relações com quem pesquisa e o modo de pesquisar” (Lazzarotto & Carvalho, 2012, p. 24). Há, nesse exercício de composição, algo que transforma não somente o ato de cartografar, como também os(as) pesquisadores(as) cartógrafos(as). Nesse sentido, uma cartografia é também uma estética da existência. Do encontro com os currículos e infâncias em dissidências, compondo com as sensações, não saímos do mesmo jeito que entramos. No ato de compor, os procedimentos metodológicos, o território e a vida se encontram e tudo é transformado. Tudo muda. Tudo é afetado e se move de seu lugar. A partir desse encontro, como canta Milton Nascimento, “[...] nada será como antes”3.

Considerando que compor com as sensações e experimentar com o sensível, em uma cartografia, é experiência capaz de criar um ‘estilo’, uma língua menor no interior da linguagem, explicamos no movimento cartográfico a seguir o modo como narramos as linhas seguidas e traçadas no território que investigamos.

Movimento III: narrar em dissidência

Narrar, em uma cartografia de currículos e infâncias em dissidências, é um exercício que se faz em risco. Há sempre o perigo de interpretar e ser capturado pela gramática da teleologia, que busca imprimir um sentido último, uma racionalidade intrínseca, um desejo de fundamento, uma busca pela verdade naquilo que se passa em um território. Para escapar dessa armadilha, na cartografia que traçamos, fez-se necessário operar uma ‘torção’ na experiência narrativa, fazendo dela um uso ‘menor’, isto é, intensivo. Esse exercício de minoração do ato de narrar demandou “[...] uma posição de estrangeiridade ao que habitualmente é dito [...]” (Passos & Barros, 2015, p. 164) e um esforço metodológico para desfazer as formas e extrair delas as forças, os devires e o movimento.

Partindo do pressuposto de que os “[...] devires são o mais imperceptível, são atos que só podem estar contidos em uma vida e expressos em um estilo [...]” (Deleuze & Parnet, 1998, p. 11), foi importante inventar um estilo narrativo que fosse capaz de dar vazão às forças no território que cartografamos. Um ‘estilo dissidente’, como as infâncias e os currículos que povoam esta investigação. Um estilo “[...] não é uma estrutura significante, nem uma organização refletida, nem uma inspiração espontânea, nem uma orquestração” (Deleuze & Parnet, 1998, p. 12). Trata-se de “[...] um agenciamento, um agenciamento de enunciação. Conseguir gaguejar em sua própria língua, é isso um estilo” (Deleuze & Parnet, 1998, p. 12). Em um estilo dissidente, como o que inventamos para produzir o mapa desta cartografia, opera-se com a polissemia de vozes, com a confusão de sentidos, com o burburinho de sons e com o desejo movente de multiplicar as perspectivas em torno de um objeto ou acontecimento.

É da ordem da dissidência a cisão, a divergência, a dissenção, a desavença, a contrariedade e o questionamento. Isso porque, nessa perspectiva, recusamos a uniformidade da identidade e do mesmo, os pensamentos cheios, a homogeneidade da coesão, as certezas absolutas, a unidade em detrimento da multidão. É da ordem da dissidência, também, a transgressão, o estranhamento, o deslocamento e a ruptura. Afinal, o que está em jogo, na dissidência, é a vida em seus processos sempre abertos de criação, movimento e reinvenção. Narrar em dissidência, nesse sentido, implica estranhar a própria voz, fazê-la fugir, gaguejar, misturá-la às vozes que ecoam no campo, de modo que não se saiba mais quem ou o que está falando. Nesse processo, fomos atravessados por uma pergunta que reverberou em nosso fazer cartográfico: “[...] como chegar a falar sem dar ordens, sem pretender representar algo ou alguém, como conseguir fazer falar aqueles que não têm esse direito, e devolver aos sons seu valor de luta contra o poder?” (Deleuze, 2013, p. 58). Dessa pergunta e da relação com o território cartografado, extraímos algumas ‘operações metodológicas’ que orientaram a produção de um estilo narrativo em dissidência.

A primeira delas nomeamos como ‘falar sem dar ordens’. Isso porque a ordem pertence ao sistema do juízo, que prescreve e modela os corpos, aprisionando a vida em critérios transcendentes. Na cartografia realizada não prescrevemos. A vida não é julgada a partir de valores superiores ou de fundamentos. As infâncias, as práticas curriculares e as pedagogias não são submetidas ao crivo do ‘juízo de Deus’, isto é, ao tribunal regulador da transcendência. Afinal, “[...] o que há é o que existe e insiste na superfície dos acontecimentos e dos corpos. Não há explicações abaixo - fundamento ou sentido submerso a serem desvelados ou interpretados -, nem acima, céus da transcendência e da representação” (Santos, 2018, p. 134).

Nesse sentido, a cartografia realizada é um exercício ético e narrativo que se fez em um plano de imanência. A Ética, entendida como “[...] uma tipologia dos modos de existência imanentes, substitui a Moral, a qual relaciona sempre a existência a valores transcendentes. A moral é o julgamento de Deus, o ‘sistema de Julgamento’. Mas a Ética desarticula o sistema de julgamento” (Deleuze, 2002, p. 29, grifo do autor). Para falar sem dar ordens e sem aprisionar a escrita e as análises que fizemos de um território, não nos interessou o Bem e o Mal, categorias metafísicas que esvaziam a vida de sua potência. Interessou-nos, em contraponto, falar de um modo a deixar aparecer o que é imanente, o que se faz nos entrelugares dos encontros, o que afirma a vida em sua vontade de perseverar. Interessou-nos, também, perder a voz, de modo a não mais falar. Perder a voz para que os sons da Terra pudessem ressoar. Para que outras línguas, dialetos menores que se fazem no interior da própria língua, pudessem aparecer e desfazer a gramática da prescrição.

Uma segunda operação metodológica que consideramos importante na invenção de um estilo narrativo em dissidência foi nomeada como ‘falar em bando’. Um bando, uma matilha ou um rizoma “[...] não é feito de unidades, mas de dimensões, ou antes de direções movediças. Ele não tem começo nem fim, mas sempre um meio pelo qual ele cresce e transborda” (Deleuze & Guattari, 2011, p. 43). Com as crianças que experimentam uma infância em dissidência e com os currículos inventados para acolhê-las na diferença, fizemos bando. Suas vozes, desejos e aspirações ecoam em cada linha desta cartografia. Não falamos ‘pelas’ crianças, nem por suas famílias, currículos e professoras(es). Falamos e narramos ‘com’ elas, em aliança, agenciando os nossos corpos e pensamentos aos corpos e vidas do território cartografado. Trata-se, portanto, de uma cartografia em bando. Uma cartografia que conecta, na experiência narrativa, as múltiplas vozes das crianças, de suas famílias, currículos e escolas, sem aspirar qualquer unidade ou representação. Operando, em vez disso, com a multiplicidade que se cria na composição das vozes e com os efeitos produzidos no ato de falar em bando.

Um bando é mais geográfico do que histórico. Isso porque ele se movimenta fazendo rizoma, conectando as suas partes e dimensões, disparando linhas que não são da história, mas de um fazer geográfico-especial. Não há no bando a voz do ancião ou do patriarca, que seria responsável por guardar a memória longa e preservar a identidade individual e coletiva do seu povo. Nesse sentido, por exemplo, as infâncias em dissidências e os currículos inventados na relação com elas, não se constituem como uma identidade e não têm memória. Não têm memória porque as lutas políticas travadas para reconhecer, visibilizar e amparar as crianças e suas infâncias dissidentes, em suas famílias e escolas, são bastante recentes. Trata-se de um tema novo e, por isso, famílias, docentes e crianças não conseguem buscá-lo ou resgatá-lo na ‘memória longa’ e na tradição. Essa novidade tem demandado pedagogias porvir, currículos que se fazem em ato para um futuro que sonhamos diferente, condições de vida que precisam ser criadas para que as crianças e suas infâncias possam existir com liberdade. O bando, nesse sentido, é uma antigenealogia. Nele, há somente “[...] uma memória curta ou uma antimemória” (Deleuze & Guattari, 2011, p. 43).

Da experiência de fazer bando no território cartografado, extraímos uma terceira operação metodológica, que nomeamos como ‘narrar geograficamente’. Para fazer isso, desterritorializamos o conceito de ‘narrativa’ da história e o reterritorializamos nas paisagens geográficas de nosso fazer metodológico. Narrar, na perspectiva da ‘geofilosofia’, com a qual operamos, “[...] nada tem a ver com significar, mas com agrimensar, cartografar, mesmo que sejam regiões ainda por vir” (Deleuze & Guattari, 2011, p. 19). Narrar geograficamente, em uma cartografia de currículos e infâncias em dissidências, demandou abdicar da ‘memória longa’ - a infância universal, o gênero como verdade dos corpos, a família cisheterocentrada, o currículo-identitário -, que trabalha para decalcar, interpretar e circunscrever as coisas e o pensamento em metanarrativas arborescentes. Operamos, por sua vez, com a ‘memória curta’ e rizomática dos acontecimentos, da brevidade quase fugaz dos encontros, dos devires que não podem ser historicizados porque vazam o tempo todo, como “[...] riacho sem início nem fim, que rói suas duas margens e adquire velocidade no meio” (Deleuze & Guattari, 2011, p. 49). Desse modo, ao narrarmos a vida que experimentamos no território cartografado, não nos interessa buscar a origem perdida das coisas ou desvelar o que é subjacente a um acontecimento. Não queremos cavar o chão para encontrar algo que estaria enterrado nas profundezas da experiência. Não desejamos, por exemplo, buscar a ‘verdade do gênero’, a ‘transexualidade original’ ou a ‘homossexualidade legítima’. Ao invés vez disso, encostamos os ouvidos, o coração e a pele na superfície do território, de modo a escutar e sentir as coisas na velocidade que as faz deslizar. Interessa-nos o que é dissidente, o que desvia, o que faz transbordar.

Ao trabalharmos com narrativas dissidentes, considerando as suas espacialidades moventes, partimos do pressuposto de que “[...] as histórias não captam o corpo a que se referem. Mesmo a história deste corpo não é completamente narrável” (Butler, 2015, p. 54). Desse modo, até mesmo o “[...] relato que faço de mim mesma é parcial, assombrado por algo para o qual não posso conceber uma história definitiva [...]. Há algo em mim e de mim do qual não posso dar um relato” (Butler, 2015, p. 55). Essa compreensão possibilitou que olhássemos para a incompletude e para a provisoriedade da experiência narrativa que traçamos, de modo a explorar as suas potencialidades. Pensando nessa incompletude e partindo dela, operamos, no fazer cartográfico, com a produção de ‘fragmentos narrativos’, de modo a apresentar, discutir e analisar as linhas de conexões entre as infâncias, as famílias e os currículos. As linhas que compõem a vida narrada nesses fragmentos, nada encerram e nada concluem. Afinal, operar com a lógica da dissidência é “[…] partir do meio, pelo meio, entrar e sair, não começar nem terminar” (Deleuze & Guattari, 2011, p. 49).

Os fragmentos narrativos que atravessam e constituem o mapa que traçamos foram registrados no ‘diário das acontecências’, nome que criamos para o diário de campo da cartografia. Tal diário foi produzido como um pequeno inventário de vidas, lembranças, afetos, aspirações, silêncios, olhares, invenções, alegrias, sofrimentos, dúvidas, angústias, lutas e demais ‘acontecências’ plantadas há tempos no coração de crianças e adultos que povoam as geografias existenciais do território investigado. ‘Acontecência’, aqui, diz respeito ao que acontece sem jamais terminar. Ao que sempre está em movimento, conectando-se a outras linhas e ganhando vida em outros espaços.

Considerações finais ‘ou’ um pequeno manifesto para seguir inventando encontros em uma pesquisa

Iniciamos este artigo falando de ‘encontros’ que nos transformaram ao longo do percurso da cartografia que inventamos para pesquisar currículos e infâncias em dissidências. Encontros que nos sensibilizaram, nos fizeram mudar de rota, reinventar procedimentos metodológicos, produzir lentes capazes de enxergar não a profundidade, mas a superfície de currículos que, agenciados à vida de crianças em dissidências de gênero e sexualidade, são deformados e abrem-se para experimentar com a diferença. Encontros carregados de beleza, força, poesia, desejo, luta, lágrimas, sorrisos, esperanças, incertezas, angústias, rebeldias e sonhos. Agora, nas últimas palavras que, comumente, são chamadas de considerações finais, é hora de falar de ‘despedidas’. Mas, antes, um lembrete que aprendemos com a voz das montanhas de Minas Gerais: “O trem que chega é o mesmo trem da partida. A hora do encontro é também despedida”.4

Falar de despedidas, em uma cartografia que se ocupa em mapear linhas que não têm início ou fim, pode soar estranho. Até mesmo porque concordamos que na vida e em um território e em um fazer cartográfico, “[...] nunca é o início ou o fim que são interessantes; o início e o fim são pontos. O interessante é o meio” (Deleuze & Parnet, 1998, p. 52). No interior das chegadas e dos encontros, estão as partidas e as despedidas. Por isso, queremos fazer destas últimas palavras, um ‘pequeno manifesto’ para que sigamos organizando encontros, compondo com eles, reinventando as cartografias que fazemos, as linhas que traçamos, as pesquisas que maquinamos, os pensamentos que movimentamos no investigar.

O manifesto, a seguir, mistura-se aos territórios que cartografamos. Nele, estão registradas algumas das aprendizagens e das invenções que fizemos na composição com o campo. Queremos fazer dele um ‘uso menor’, intensivo, dissidente, de modo a seguir inventado encontros capazes de, no pesquisar, encontrar os meios de registrar os agenciamentos que acolhem no currículo e na vida essas infâncias em dissidências que já estão gritando pelo reconhecimento de seus modos de existências.

Pequeno manifesto dos encontros na pesquisa

1. O que importa em uma cartografia são os encontros. Organizar encontros. Deixar-se atravessar por eles. Criar em composição com eles.

2. Para cartografar é necessário abrir os corpos. Produzir para si mesmo um corpo permeável, poroso, disponível, deformado. Um corpo em dissidência.

3. A cartografia gosta de composições. Compor sempre! Compor com as infâncias e com os currículos que investigamos, com as sensações produzidas nos encontros que organizamos, com o professorar que praticamos, com a vida que se costura no território que pesquisamos.

4. A experimentação está no sangue de uma cartografia. Experimentar para fugir do mesmo, para desfazer as formas e inventar caminhos que sejam da criação. Experimentar para brincar com os procedimentos metodológicos como as crianças brincam com o gênero.

5. Cartografar sentindo. A cartografia é uma arte sensorial que se faz à flor da pele.

6. Narrar o território, os acontecimentos, as experiências sem fazer o juízo de Deus, sem prescrever o melhor caminho, a ideia mais justa, o plano ideal.

7. Apostar nos bons encontros, naqueles que aumentam a potência da vida. Nos encontros que fazem uma criança, um currículo e um professorar existirem com liberdade.

8. Recusar o negativo na pesquisa, no curricular e na vida. Afastar-se daquilo que apequena, aprisiona e estanca os devires.

9. Inventar caminhos metodológicos desviados, transgressores, imorais. Caminhos capazes de afrontar a normalidade, a pieguice e os ‘bons costumes’ nas metodologias de pesquisa.

10. Cartografar como uma drag queen que se monta. Desmontando práticas, procedimentos e raciocínios que repetem o mesmo. Remontando-os como uma diva, com alegria, lantejoulas e muito brilho.

11. Devir-criança, devir-bicha, devir-trans, devir-sapatão... É em devires que se faz uma cartografia.

12. Ativar a micropolítica. Dedicar atenção ao micro, àquilo que se faz na brecha, nos entrelugares.

13. Cartografar ‘sem medo de ser feliz’. Acreditando na vida, nos acontecimentos, na potência dos bons encontros, no professorar da experimentação, na força da hospitalidade, no ‘sim’ das crianças e nos recomeços que estão contidos em cada encontro e em cada despedida.

Referências

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1Protocolo do Comitê de Ética: 53794621.3.0000.5149 (UFMG).

2Sigla que significa Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais, Transgêneros, Queer, Intersexo, Assexuais e Pansexuais. O sinal +, na sigla, foi acrescentado para indicar as inúmeras possibilidades implicadas nas identidades sexuais e de gênero, nas performatividades corporais dissidentes e nos processos de trânsito que um corpo pode efetuar.

3‘Nada será como antes’ é o título de uma canção de Milton Nascimento, com participação de Lô Borges (Nascimento & Bastos, 1972).

4Trecho extraído da canção ‘Encontros e despedidas’, de Milton Nascimento (Nascimento & Brant, 1985).

8NOTA: Os autores foram responsáveis pela concepção, análise e interpretação dos dados; redação e revisão crítica do conteúdo do manuscrito e, ainda, aprovação da versão final a ser publicada.

5Ethics Committee protocol: 53794621.3.0000.5149 (UFMG).

Recebido: 18 de Novembro de 2022; Aceito: 08 de Fevereiro de 2023

*Autor para correspondência. E-mail: joaopaulopalmas@gmail.com

INFORMAÇÕES SOBRE OS AUTORES João Paulo de Lorena Silva: Doutorando e Mestre em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Minas Gerais. Pesquisador no Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Currículos e Culturas. Professor no Colégio Marista Padre Eustáquio. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4855-0197 E-mail: joaopaulopalmas@gmail.com

Marlucy Alves Paraíso: Professora Titular da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais. Pesquisadora PQ do CNPq, Nível 1B. Criadora e coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Currículos e Culturas. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3542-4650 E-mail: marlucyparaiso@gmail.com

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