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Acta Scientiarum. Education

Print version ISSN 2178-5198On-line version ISSN 2178-5201

Acta Educ. vol.45  Maringá  2023  Epub Aug 01, 2023

https://doi.org/10.4025/actascieduc.v45i1.65614 

FORMAÇÃO DE PROFESSORES E POLÍTICAS PÚBLICAS

Zapear: arsenal metodológico para sintonizar políticas de morte e escapes afirmativos em um currículo

Zapping: methodological arsenal to tune death policies and affirmative escapes in a curriculum

1Universidade Federal Rural do Semi-Árido, Rua Gamaliel Martins Bezerra, s/n., 59515-000, Angicos, Rio Grande do Norte, Brasil.

2Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, Paraíba, Brasil.


RESUMO.

Esse artigo recupera o arsenal metodológico de uma pesquisa de doutoramento que tomou como objeto de investigação o currículo das narrativas midiáticas seriadas, significando-o como um artefato implicado na ‘pedagogização’ das existências e na delimitação de vidas como vivíveis e como matáveis. O objetivo foi o de evidenciar as políticas de morte e os escapes afirmativos no currículo investigado. Dividido em algumas notas metodológicas, a análise desse artefato foi realizada a partir de uma articulação de diferentes orientações pós-críticas, produzindo uma ‘metodologia-zapping’, fundamentada na análise do discurso de Michel Foucault e na cartografia de Gilles Deleuze e Félix Guattari. No exercício de uma ‘metodologia-zapping’, concluímos que o currículo das narrativas midiáticas seriadas é produzido em meio a tensões, embates e conflitos que lhe constituem como um artefato híbrido, sendo possível conectar um mapa de produção de morte com um mapa dos escapes e afirmação de vida. Isso porque, para além de todas as necropolíticas em jogo, de todos os investimentos de endereçamento da violência e da morte aos sujeitos dissidentes, de todas as tentativas em ora normalizar, ora aniquilar a diferença, também há espaços para resistência. É nesse espaço-entre que o currículo das narrativas midiáticas seriadas demonstra que pode verter sangue, mas também transbordar vida.

Palavras-chave: currículo; diferença; cartografia; discurso

RESUMEN

RESUMEN. Este artículo rescata el arsenal metodológico de una investigación doctoral que tomó como objeto de investigación el currículo de las narrativas mediáticas seriales, entendiéndolo como un artefacto involucrado en la ‘pedagogización’ de las existencias y en la delimitación de las vidas como vivibles y como matables. El objetivo fue resaltar las políticas de muerte y escapes afirmativos en el currículo investigado. Dividido en algunas notas metodológicas, el análisis de este artefacto se realizó a partir de una articulación de distintas orientaciones poscríticas, produciendo un ‘metodologia-zapping’, basado en el análisis del discurso de Michel Foucault y en la cartografía de Gilles Deleuze y Félix Guattari. En el ejercicio de una ‘metodologia-zapping’, concluimos que el currículo de narrativas seriales mediáticas se produce en medio de tensiones, choques y conflictos que lo constituyen como un artefacto híbrido, posibilitando conectar un mapa de producción de muerte con un mapa de escapes y afirmación de la vida. Esto porque, además de toda la necropolítica en juego, todas las inversiones en abordar la violencia y la muerte de los sujetos disidentes, todos los intentos de normalizar o aniquilar la diferencia, también hay espacios de resistencia. Es en este espacio intermedio donde el currículo de las narrativas mediáticas seriales demuestra que puede derramar sangre, pero también rebosar de vida.

Palabras-clave: currículo; diferencia; cartografía; discurso

ABSTRACT.

This article rescues the methodological arsenal of doctoral research that took as its object of investigation the curriculum of serial media narratives, meaning it is an artifact involved in the ‘pedagogization’ of existences and the delimitation of lives as livable and as killable. The objective was to highlight the death policies and affirmative escapes in the investigated curriculum. Divided into some methodological notes, the analysis of this artifact was carried out from an articulation of different post-critical orientations, producing a ‘methodology-zapping’, based on the analysis of Michel Foucault's discourse and the cartography of Gilles Deleuze and Félix Guattari. In the exercise of a ‘methodology-zapping’, we conclude that the curriculum of serial media narratives is produced between tensions, clashes, and conflicts that constitute as a hybrid artifact, making it possible to connect a map of the production of death with a map of escapes and affirmation. of life. This is because, in addition to all the necropolitics at stake, all the investments in addressing violence and death to dissident subjects, and all the attempts to either normalize or annihilate difference, there are also spaces for resistance. It is in this in-between space that the curriculum of serial media narratives demonstrates that it can shed blood, but also overflow with life. Zapear: arsenal metodológico para sintonizar políticas de muerte y escapes afirmativos en un currículo.

Keywords: curriculum; difference; cartography; discourse.

Introdução

Iniciamos este artigo inspirados por Paul Preciado (2020), para quem escrever é uma prática performativa de produção de vida, entendendo que há coisas que só a escrita é capaz de nos propiciar. Trata-se de perseguir “[...] uma escrita viva, uma escrita com vida, uma escrita que convide, uma escrita convidativa, uma escrita que dispare sensações [...]”, uma vez que “[...] não há maior prova de vitalidade do que a criatividade: criar é da ordem da vida, criar é do mundo dos vivos, só o que está vivo pode criar” (Maknamara, 2021, p. 204). Fazendo alusão ao nome do grupo de pesquisa ao qual somos vinculados, pensamos que é necessário ‘escre(vi)ver’.1 fazer da própria vida uma matéria de escrita para que a escrita possa, ela mesma, abrir-se à vida. Esse argumento, caro às pesquisas (auto)biográficas, é o ponto de partida de um trabalho que versa sobre vida e sobre morte. Sobre currículo e qualificação de modos de existências. Sobre políticas de morte e suas possíveis rachaduras e escapes. Sobre subjetividades programáveis, sujeitos serializados, janelas de subjetivação.

Recorrendo ao pensamento do literato William Faulkner, uma investigação como esta que aqui se desdobra opera de modo semelhante a acender um fósforo em um campo aberto, no meio da noite. Seu pequeno foco de luz certamente não é capaz de clarear muita coisa, mas é o suficiente para nos depararmos com e compreendermos quanta escuridão nos envolve. Em outras palavras, uma pesquisa em perspectiva pós-crítica2 pela qual este artigo se fundamenta toma como um dos seus pressupostos uma “genealogia dos problemas”, de modo a evidenciar que “[...] nem tudo é ruim, mas tudo é perigoso, o que não significa exatamente o mesmo que ruim. Se tudo é perigoso, sempre há algo a fazer” (Foucault, 1995, p. 256).

A escolha ético-estético-política em perscrutar alguns dos perigos que nos rondam permite focalizar melhor esses ‘claros breus’ que nossas investigações pretendem cintilar. Nesse sentido, nossa escrita é concebida nos termos que Conceição Evaristo (2015) apresenta em sua obra Olhos d’água: uma escrita como febre incontrolável, que arde, arde, arde... Uma escrita como maneira de sangrar, de expurgar, de fazer vazar algo novo e imprevisível. Uma escrita que nos permita uma espécie de ‘acerto de contas’ com tudo aquilo que nos quer tristes, impossibilitados, asfixiados, despotencializados. Escrever para confrontar o tirano, os ‘ladrões de almas’ que nos fazem significar a vida como um fardo e a morte como uma certeza. Escrever para enfrentar aquele ‘grande inimigo’ que Deleuze e Guattari (2011) anunciam em ‘O anti-édipo’: o fascismo. Escrever também para reconhecer, conforme Foucault (1996a) nos mostrou de modo tão belo em seu prefácio para esta obra, intitulado de “introdução à vida não-fascista”, que o fascismo não está resumido aos aparelhos estatais e tampouco figura apenas nos grandes ditadores, mas que está presente em nosso cotidiano, incrustrado em nós mesmos/as. Em suma, trata-se de escrever para declarar a vida como potência impessoal, tal qual o último registro de Deleuze (2002, p. 16), para testificá-la como um composto de “[...] virtualidades, acontecimentos, singularidades”. Afinal, a despeito de todas essas tentativas de sufocá-la, de extirpá-la, a vida segue adiante.

Para tanto, o artigo resgata o arsenal metodológico de uma pesquisa de doutoramento que tomou como objeto de investigação o currículo das narrativas midiáticas seriadas, significando-o como um artefato implicado na ‘pedagogização’ das existências e na delimitação de vidas como vivíveis e como matáveis. Currículo passa a ser concebido neste trabalho como “[...] um artefato que inclui e excede as limitações impostas pelos esquemas escolares, pela carga horária disciplinar e pelas atribuições dadas pelos/as profissionais de Educação regulamentados/as” (Gurgel, 2022, p. 19). Fundamentado no campo dos estudos culturais, o trabalho do qual este artigo é um recorte objetivou investigar as imagens de vida e de morte nos ensinamentos de gênero, sexualidade e raça nesse artefato. Logo, o presente artigo põe em tela algumas das questões que se arregimentaram no momento em que precisamos definir o nosso percurso metodológico e que pareciam, de certo modo, ressoar uma velha questão levada a cabo há várias décadas por Donna Haraway (1995, p. 25), quando a filósofa questiona: “[...] com o sangue de quem foram feitos os meus olhos?”. Conforme a própria autora argumenta, a visão, muito mais do que um sentido cuja função nos permite perceber o mundo, é “[...] sempre uma questão do poder de ver - e talvez da violência implícita em nossas práticas de visualização” (Haraway, 1995, p. 25). Logo, qualquer que seja o exercício metodológico que se preste a perscrutar um artefato tal qual o currículo das narrativas midiáticas seriadas, é preciso tomar de empréstimo de Haraway (1995) algumas das questões que ela levanta acerca do limite da nossa visão enquanto pesquisadores/as e aqueles significados atribuídos à parcialidade e objetividade.

Como ver? De onde ver? Quais os limites da visão? Ver para quê? Ver com quem? Quem deve ter mais do que um ponto de vista? Nos olhos de quem se joga areia? Quem usa viseiras? Quem interpreta o campo visual? Qual outro poder sensorial desejamos cultivar, além da visão? (Haraway, 1995, p. 28).

Adicionaríamos: quais são as ‘lentes’ que temos nos valido, fundindo-as de tal forma ao nosso olhar, que, na sua ausência, passamos a ter dificuldade de enxergar o mundo? (Chaves, 2016). Ou, torcendo levemente essa posição, cabe também inserir um complicador para a presente investigação: quais são os enquadramentos possíveis de serem utilizados em relação aos diferentes marcadores da diferença social? Dispomos de um certo ‘close up’ a captar apenas uma parte dos detalhes possíveis, excluindo deliberadamente tudo aquilo que possa oferecer algum risco ao que é considerado ‘normal’? Ou estaria mais suscetível aos enquadramentos em ‘long shot’, isto é, um plano aberto capaz de capturar o máximo de elementos presentes? Questões pertinentes se partimos do pressuposto de que “[...] as normas que determinam quem é e quem não é humano nos chegam sob uma forma visual” (Butler, 2017, p. 18). Logo, determinados enquadramentos podem fazer com que nós não consigamos “[...] apreender a vida dos outros como perdida ou lesada [...]”, tornando-se, portanto, “[...] operações de poder” (Butler, 2017, p. 14).

O empreendimento metodológico que aqui se delineia parte de uma questão de olhar. Ou melhor, um ‘duplo olhar’. Refere-se tanto ao nosso olhar parcial, provisório e contingente em relação ao objeto que investigamos, quanto também aos múltiplos - e por vezes contraditórios - olhares que se avolumam e que constituem um artefato cultural como o currículo das narrativas midiáticas seriadas. Os ‘olhares’ que compõem esse currículo são variados; uma idiossincrasia desse artefato precisamente por ser gestado em uma cultura, que não é nada mais do que “[...] a soma de diferentes sistemas de classificação e diferentes formações discursivas aos quais a língua recorre a fim de dar significado às coisas” (Hall, 1997, p. 29). Logo, qualquer artefato que passe a ser considerado ‘cultural’ pode ser abordado como um “[...] terreno em que significados sejam compartilhados e no qual se lute por sua imposição em meio a relações de poder” (Maknamara & Paraíso, 2013, p. 43). Partindo de diferentes perspectivas, pressupostos e ‘olhares’, o currículo das narrativas midiáticas seriadas está diretamente envolvido em práticas de significação, isto é, a capacidade de “[...] fazer valer significados particulares, próprios de um grupo social, sobre os significados de outros grupos, o que pressupõe um gradiente, um diferencial de poder sobre eles” (Silva, 2010, p. 23).

Inúmeros são os elementos ‘em cena’ no currículo das narrativas midiáticas seriadas: as imagens, as coisas ditas, os recursos de linguagem adotados e as diferentes maneiras de significar as expressões de gênero, sexualidade e de raça. Somam-se também os distintos modos de divulgar hábitos, costumes, saberes, valores, bem como as conflituosas posições de sujeito disponibilizadas pelos seus discursos. São precisamente esses elementos que oportunizam a audiência desse artefato cultural a se reconhecer, a sentir-se identificada, de tal modo que esse currículo possa orientar, interpelar e pautar as suas vidas, visto que a mídia “[...] invade o nosso cotidiano, nos expõe, nos ensina modos de ser, pensar, estar e agir” (Paraíso, 2007, p. 24). Foi munidos dessas características do currículo das narrativas midiáticas seriadas, sem esquecer de que se trata de um artefato cuja produção de significados está diretamente ligada às lutas sociais e políticas específicas de um dado momento histórico, que passamos a refletir acerca de qual seria o desenho metodológico mais apropriado para esta pesquisa.

Conforme nos lembra Deleuze, em conversa com Foucault (2017, p. 132), qualquer que seja a ferramenta utilizada pelo/a pesquisador/a, “[...] é preciso que sirva, é preciso que funcione”. Em uma perspectiva pós-crítica, somos autorizados/as a utilizar “[...] tudo aquilo que nos serve das diferentes disciplinas, dos diferentes campos teóricos, das diferentes metodologias de pesquisa” (Paraíso, 2021, p. 36). Partindo do pressuposto de que há certas peculiaridades de um dado objeto que permitem a composição de uma forma de investigação que a elas se adequem, argumentamos que, para investigar o currículo das narrativas midiáticas seriadas, é possível valer-se de orientações metodológicas da análise do discurso e da cartografia. Ambas nos capacitaram a esquadrinhar tanto as necropolíticas em exercício nesse currículo, como os escapes criativos e de afirmação de vida.

Entendemos, junto a Meyer e Paraíso (2021), que uma metodologia é pedagógica, uma vez que ela descreve um ‘como fazer’, no sentido de mostrar como conduzimos as nossas investigações. Nesse sentido, o presente artigo está dividido em nove notas metodológicas que fazem referência aos modos em que interrogamos o objeto desta pesquisa, formulamos questões para prosseguir pesquisando, construímos problemas na medida em que nos envolvemos com o percurso, bem como descrevem as nossas articulações com um conjunto de procedimentos de “coleta de informações” e de descrição e análise. Essas notas estão descritas com verbos no imperativo, inspirado em Maknamara e Paraíso (2013, p. 49), no sentido de visibilizar, ao mesmo tempo, “[...] a utilidade de cada uma delas para caminhos investigativos que lhe sejam próximos e a validade circunstancial das mesmas”. Em outras palavras, trata-se aqui de um arsenal que corresponde as maneiras pelas quais fomos compondo, re/de/compondo, recortando, colando, modificando percursos, alterando trajetos, re/vendo, re/significando, enfim, construindo um caminho que é único, que não é dado a priori e que não pode ser copiado da mesma forma em outras circunstâncias.

Advertência: esse currículo pode causar dependência!

E se adicionalmente ao anúncio de mais uma narrativa midiática seriada adentrando no seu já extenso catálogo, a Netflix nos advertisse - de modo semelhante às publicidades antitabagistas que veiculam nos versos das carteiras de cigarro desde meados dos anos 1990 - dos perigos de sua dependência semiótica? E se as tão requeridas e celebradas ‘maratonas’ fossem compreendidas não mais como um fenômeno ocasional e inocente, mas o efeito narcótico de uma racionalidade atrelada a uma certa modelização da subjetividade na contemporaneidade? E se fossem criadas casas de recuperação para aqueles sujeitos que, confrontados com seu estado de adição, desejassem implodir esse processo que os encerra em uma narcotização programada da vida? E se os serviços de streaming solicitassem, dentre as várias cláusulas de um termo de compromisso - que na expressiva maioria das vezes assinamos sem sequer lê-los em sua integridade - a completa desresponsabilização quanto aos possíveis indivíduos compulsivos produzidos pelas horas dedicadas ao binge-watching? Você ainda assumiria os riscos e encararia essa maratona? (Gurgel & Maknamara, 2023, p. 14, grifo do autor)

Calma, leitor/a! A advertência que figura na epígrafe deste tópico não paira sob os pesados ombros dos/as espectadores/as, desde já aturdidos/as com aquilo que poderão se deparar em suas longas maratonas, em um momento que deveria ser de pura fruição e relaxamento. É, de certa forma, um modo que escolhemos para evidenciar as dificuldades e intempéries enfrentadas ao longo do nosso processo investigativo, cujo objeto se mostrou insidioso, múltiplo e, a cada novo olhar, diferente do que se previa. Foi preciso trabalhar, portanto, com as aberturas e as expansões, sem deixar de atentar para as linhas estratificadas e a produção de normas que tentam formatar e conformar os sujeitos.

Houve momentos em que a ‘hospitalidade de gênero’ (Paraíso, 2018) se fazia presente: percebemos que, ao investigar uma determinada narrativa seriada, tal artefato, ao disputar espaço na produção de significados, estaria disponibilizando outras imagens que possibilitariam a compreensão do que é próprio ao masculino e ao feminino. No entanto, se já fomos sobreavisados por Foucault de que ‘onde há poder, há resistência’, para nós foi necessário trilhar um caminho inverso: se de início nos deparamos precisamente com aqueles artefatos que pareciam dialogar mais fortemente com a resistência, era urgente procurar as relações de poder ali instauradas.

Com isso, o que queremos argumentar é que o próprio processo investigativo não se deu de forma linear, homogênea, com resultados previstos e caminhos bem definidos. O percurso foi se modificando, indicando novas rotas e tracejando destinos outros para a composição metodológica aqui desenhada. De início, o processo parecia mais alinhado às ‘perspectivas cartográficas’, conforme registramos em alguns dos nossos trabalhos publicados como resultado final da investigação. Em um desses trabalhos, exploramos algumas notas esquizoanalíticas para a cartografia do currículo das narrativas midiáticas seriadas, evidenciando que as linhas constitutivas desse artefato têm apresentado uma multiplicidade que o faz ser compreendido como um ‘currículo antológico’ (Gurgel & Maknamara, 2022), algo que focalizaremos na nota VIII deste artigo. Lançamos mão, portanto, de importantes contributos das filosofias da diferença de Gilles Deleuze e Félix Guattari.

Mas o que nos parecia ser a estratégia metodológica adotada, mostrou-se, na verdade, ‘uma das’. Após investir na produção de linhas desse mapa, o objeto investigado solicitou outras ferramentas. Foi preciso pedir ajuda a outro filósofo francês, desta vez Michel Foucault, do qual apreendemos a noção de subjetividade como “[...] a maneira pela qual o sujeito faz a experiência de si mesmo em um jogo de verdade, no qual ele se relaciona consigo mesmo” (Foucault, 2004, p. 236). Assim, quando passamos do registro das formas de ‘resistência’ para focalizar, de fato, o ‘poder’ - o qual observamos, em nossas análises, ser um ‘necropoder’ (Gurgel & Maknamara, 2022) -, pudemos argumentar em torno de uma produção de modos de vida em registros precários, convergindo para a produção daquilo que consideramos como uma ‘subjetividade zumbi’. Tal ‘subjetividade zumbi’ refere-se aos modos do sujeito relacionar-se consigo mesmo, na fruição de variadas posições de sujeito disponibilizadas por esse currículo, em uma composição modelizada, serializada, programada (Gurgel, 2022).

Não foi fácil ‘esquematizar’, neste artigo, o nosso percurso metodológico, quando este se mostrou tão incerto, impreciso e com caminhos tão sinuosos. Mas currículo é isso mesmo: um território que, se por um lado pode ser capaz de normatizar e aniquilar a diferença, por outro é um espaço que propicia o soerguimento dos escapes afirmativos, insuflando a vida de possíveis. Para dar conta de um artefato tão incontrolável, necessitávamos recorrer a diferentes procedimentos, ferramentas e estratégias metodológicas. Foi necessário ampliar as leituras, diversificar os/as teóricos/as e deles/as retirar aquilo que nos possibilitava dar continuidade a investigação. Tornou-se urgente revirar, desmontar, afinar as ferramentas para que fosse possível, a qualquer momento, revisitar esse currículo, sacudi-lo e olhá-lo sob outros olhares, em novos ângulos. Desconfiávamos, a qualquer tempo, das conclusões, finalizações e desfechos; quando avistávamos um possível ‘happy end’, aí é que dávamos prosseguimento. Nesse sentido, as oito notas metodológicas desdobradas a seguir tentam dar conta deste percurso turbilhonar, explicitando, de forma não-linear, como se deu o processo de investigação da pesquisa aqui descrita.

‘Está ciente e deseja continuar?’

O controle remoto é o seu melhor amigo!

Inspirado sobretudo nos alicerces queers e nas filosofias da diferença, a metodologia aqui desenvolvida é inspirada no ‘zapping’, termo que faz referência ao ato de tomar o controle remoto em mãos e ‘zapear’ entre um canal de televisão e outro - ou, para melhor afinar ao cenário contemporâneo, entre o catálogo de um serviço de streaming e outro - em busca de algo que agrade ou comova, que provoque emoções, enfim, que estabeleça algum sentido para o/a espectador/a.

Inspire-se nesse ato aparentemente banal e corriqueiro daqueles/as que consomem as imagens da televisão para fazer dele propriamente um investimento metodológico. Isso porque, para além da possibilidade de jogar com o campo semântico do objeto com o qual se opera e compor com os termos que dele derivam (Paraíso, 2019 - não referenciado), trata-se de uma aposta, a partir do que anuncia Beatriz Sarlo (1997, p. 57), quanto ao “[...] poder [...]” do controle remoto e a sua “[...] moviola caseira de resultados imprevisíveis”. Em outras palavras, está aqui alguns dos pressupostos que fundamentam as metodologias de investigação em uma perspectiva pós-crítica: o de criar novas formas de olhar nosso objeto e de “[...] pensar o impensado [...]” ao mover-se “[...] pelo desejo de pensar coisas diferentes na educação” (Paraíso, 2021, p. 42).

Embora ‘zapear’ tenha um sentido comumente atribuído a uma “[...] enlouquecida repetição de imagens [...]” (Sarlo, 1997, p. 57), sem que a audiência possa dar tempo de melhor assimilá-las, multiplique o seu significado ao compreendê-lo como um modo particular de investigar um currículo cultural. Ao invés de ‘pular’ de um canal a outro de modo descompromissado, a ‘metodologia-zapping’ está mais alinhada às possibilidades em demorar-se nas imagens que saltam as nossas vistas; em ‘ouvir’ atentamente os ditos e os não ditos; em ‘sintonizar’ diferentes ‘canais’ na busca de compreender as regularidades desses ditos; em dispor de um ‘catálogo’ que corresponda não apenas ao material empírico a ser analisado - as narrativas midiáticas seriadas -, mas também aos saberes articulados e aos modos de operar com esse artefato.

‘Zapear’ constitui-se como um ‘atentado’ às supostas filiações teóricas e metodológicas, a uma pretensa ‘lealdade’ rígida que não permitiria a adoção de novos procedimentos no curso da investigação, algo incompatível com o campo pós-crítico, uma vez que assumimos que “[...] não temos uma única teoria a subsidiar nossos trabalhos e não temos um método a adotar” (Paraíso, 2021, p. 33). É nesse sentido que o zapping é uma metodologia afeita ao imprevisto, capaz de multiplicar os significados para que aquilo que o objeto enuncie não seja sedimentado pela fixidez e unificação dos sentidos, para mostrar a sua contingência e para enfatizar que, na perspectiva na qual este trabalho se fundamenta, não há uma busca por uma essência, mas sim uma atividade que evidencia a sua construção, peça por peça.

É preciso considerar que nosso intuito de produzir uma ‘metodologia-zapping’ foi, ao frigir dos ovos, uma decisão metodológica cujo objetivo teve vistas a resolução de uma aparente contradição, já sinalizada no tópico anterior: como uma única investigação poderia dar conta de dois procedimentos metodológicos aparentemente distintos? Como uma pesquisa poderia, ao mesmo tempo, valer-se dos contributos da cartografia deleuzo-guattariana e da análise do discurso foucaultiana? Como cruzar diferentes orientações metodológicas pós-críticas, sem que houvesse um risco de que ambas acabassem por tornarem-se meramente ‘acessórias’, sem de fato demonstrar ambas as necessidades no curso da pesquisa?

A uma primeira vista, o mais razoável parecia fazer uma concessão, mesmo que isso significasse descartar uma parte considerável da produção, já encaminhada e com algumas publicações. Por um lado, o currículo investigado poderia ser analisado em um empreendimento apenas cartográfico ou em uma pesquisa que empregasse apenas a análise do discurso. No entanto, as escolhas feitas ao longo do percurso, em termos de referencial teórico, estético, político, bem como o material empírico analisado no curso da investigação, deram as margens para esse cruzamento de diferentes orientações metodológicas pós-críticas. Afinal, o próprio ‘comportamento’ desse currículo nos incitava a operar ‘seriadamente’ com o artefato: ora com ferramentas analíticas foucaultianas, ora com ferramentas deleuzo-guattarianas, ora com a articulação de ambas. Em outras palavras, trata-se aqui de um certo “agenciamento promíscuo” entre esses filósofos da diferença em relação as potencialidades que cada um oferece em termos de múltiplos olhares para esse currículo. Se os chamados tempos queers, conforme aponta Jasbi Puar (2005), requer ‘queerizar’ os modos como conduzimos nossas pesquisas e analisamos nossos objetos, uma investigação assumidamente queer também permite-se estranhar os próprios referenciais dos quais se vale, torcê-los, colocá-los em suspensão, recortá-los, destacá-los e produzir algo novo.

Adeque a sua ‘watchlist’ aos propósitos da sua pesquisa

Se nenhuma pesquisa conseguiria dar conta de um artefato cultural em sua totalidade, não seria diferente com o currículo das narrativas midiáticas seriadas. Tenha em mente que estamos vivenciando aquilo que os/as teóricos/as da comunicação estão chamando de ‘Peak TV’, uma era marcada por “[...] uma produção excessiva, com uma quantidade enorme de novos programas surgindo a cada mês, vindo de todos os agentes do mercado televisivo e, particularmente, do streaming, que não encontra limitações temporais [...] para produzir conteúdo” (Castellano & Meimaridis, 2021, p. 213). Por isso, cuidado para não cair na cilada das engrenagens do próprio objeto: tentar dar conta do artefato como um todo pode fazê-lo passar a ‘maratonar’ o currículo no intuito de cobrir todas as suas possibilidades. Ao invés de um/a pesquisador/a de ‘alta performance’, percorra distâncias mais curtas e permita ‘sentir’ melhor os trajetos que efetua. Ou seja: ao invés de ‘maratonar’ episódios das narrativas seriadas, priorizando uma dimensão quantitativa, eleja exatamente aqueles que melhor se adequem aos fundamentos teóricos e epistemológicos da investigação.

Monte algo semelhante a ‘jukebox investigativa’ que Maknamara & Paraíso (2013) aludem, no sentido de escolher deliberadamente quais serão as narrativas seriadas e os respectivos episódios a compor a análise. Certifique-se, no entanto, de ter selecionado “[...] um material empírico compatível com seus objetivos e questões de pesquisa” (Maknamara & Paraíso, 2013, p. 48). Se os/as autores/as supracitados/as utilizam a imagem da jukebox em função do artefato que analisam - um estilo musical -, componha a sua ‘watchlist’, isto é, um acervo das narrativas midiáticas seriadas ‘sintonizadas’ aos seus propósitos investigativos. Você até pode se valer do seu conhecimento enquanto um/a exímio/a ‘seriador/a’, mas não pode furtar-se em adequar o seu cardápio aos propósitos investigativos. Com isso, não assuma a posição de um/a irrepreensível participante de um fandom3, mas também não busque por uma pretensa objetividade em sua posição de pesquisador/a. Encontre uma espécie de zona capaz de equacionar as posições de alguém que, por um lado, conhece bem os meandros técnicos do funcionamento do artefato, e que se vale disso para potencializar os achados de sua pesquisa e, por outro, alguém que ainda permite-se surpreender com o que investiga. Em suma, não tente ‘antecipar’ os resultados: como você bem deve saber, spoilers4 são desagradáveis, seja no consumo das narrativas midiáticas seriadas, seja na sua análise.

Seja um/a ‘showrunner’ que valoriza os ‘plot twists

É possível que na imersão com esse artefato você se encante com personagens, torça em particular por alguma protagonista, guarde algum sentimento negativo em relação a um vilão ou vilã da trama ou até mesmo se frustre com o desfecho concedido pelos/as roteiristas a algum enredo em específico. Ficou preocupado, visto que o que tradicionalmente têm permeado a ciência moderna são os pressupostos de neutralidade, objetividade e racionalidade? Não se sinta mal: essas pretensas lentes já não são capazes de dar conta das nossas experiências metodológicas, cabendo, portanto, entender o modo como conduzimos nossas pesquisas não mais como uma experiência asséptica e neutra, alheia às nossas vontades e desejos. Isso porque o nosso olhar “[...] é sempre contingente, datado, limitado pelas posições de sujeito que ocupamos e por fatores que desconhecemos” (Balestrin & Soares, 2021, p. 89). Somos modificados/as quando ‘entramos em campo’, quando perscrutamos um objeto, quando sobre ele nos debruçamos.

Você já está assegurado pelos estudos de gênero e pelas teorizações feministas de que um/a pesquisador/a não consegue se posicionar de modo distante daquilo que investiga (Haraway, 1995). Permita-se, pois, ser o/a ‘showrunner’ de sua pesquisa: aquele/a responsável em conduzir uma obra, encarregando-se, para tanto, de tomar decisões que envolvem desde a composição do material empírico até os procedimentos metodológicos e as técnicas de análise, deixando todas essas escolhas explícitas em sua escrita. Afinal, não há conhecimento que consiga esconder quem o produz (Haraway, 1995), e a nossa escrita é um instrumento de luta por significação na qual nos forjamos como pesquisadores/as e que materializamos as disputas e os jogos de verdade envolvidos na produção de saber.

No entanto, para que a sua pesquisa não corra os riscos de ser ‘cancelada’5 por se distanciar do referencial pós-crítico, não ocupe a posição de um/a showrunner autoritário/a, cuja voz é a única a ser ouvida. Possibilite que a sua voz enquanto autor/a se misture às vozes de tantos/as outros ‘roteiristas’ - aqueles/as autores/as que se filiam às perspectivas teóricas adotadas - você consiga ‘contratar’ para melhor burilar os seus escritos. Só assim o seu texto não cairá na mesma cilada da transcendência e neutralidade que um certo tipo de ‘realismo investigativo’ tentou por muito tempo imputar. Cultive em seu percurso “[...] a contestação, a desconstrução, as conexões em rede e a esperança na transformação dos sistemas de conhecimento e nas maneiras de ver” (Haraway, 1995, p. 24). Em suma, valorize também os ‘plot twists’ da pesquisa: se o desenho metodológico de uma pesquisa pós-crítica “[...] não pode ser fechado a priori e não pode ser replicado em qualquer tempo e lugar [...]” (Paraíso, 2021, p. 55), esteja aberto às surpresas que esse percurso pode proporcionar.

Permita-se ‘demorar’ nas imagens

Antes de pular para um próximo canal, dê tempo suficiente para as imagens ‘falarem’. No entanto, cabe a advertência: as imagens não ‘falam’ no sentido de registrar os diálogos de personagens ou de vocalizar descritivamente o que está contido em seus roteiros. Afirmar que essas imagens ‘falam’ é assumir uma perspectiva filiada aos estudos culturais de que esse currículo é compreendido como um ‘texto cultural’, ou seja, “[...] o local no qual o significado é negociado e fixado, em que a diferença e a identidade são produzidas e fixadas, em que a desigualdade é gestada” (Costa, 2005, p. 138). Consequentemente, o que está sendo ‘dito’ através das imagens não é mero reflexo de um objeto que lhe é anterior. Tampouco tais imagens se prestariam a tão somente ‘nomear’ as coisas que dispõem em cena. O que está em jogo é o ‘discurso’, isto é, uma prática de poder que não apenas ‘descreve’ o que enuncia, mas que efetivamente institui aquilo de que fala (Foucault, 1996b). Aquilo que se diz sobre algo não é da ordem da mera representação, não é um registro de um objeto que lhe é anterior, mas ganha materialidade precisamente por estar historicamente associado às “[...] dinâmicas de poder e saber de seu tempo” (Fischer, 2001, p. 204).

Para melhor sintonizar ao referencial aqui adotado, entenda por ‘imagem’, a partir de Maknamara (2011, p. 18), como “[...] aquilo que é tornado visível por um discurso”. Como um efeito discursivo, as imagens de um artefato cultural, qualquer que seja ele, devem ser assumidas como “[...] veículos dos significados [...]” (Kellner, 2013, p. 116), uma ‘captura em grafia’ de enunciados, um ‘registro pictórico’ que enquadra saberes, que grava relações de poder. Logo, os modos de produção semiótica de um artefato cultural “[...] não são arbitrários, mas, antes, histórica e economicamente constituídos pelas formas sociais no interior das quais vivemos nossas vidas” (Simon, 2013, p. 64).

Vejamos um exemplo: o que diz, em termos de construção da masculinidade, a cena em que um mafioso responde bravamente a sua terapeuta, quando esta lhe alerta da obrigatoriedade em fazer um exame de próstata, com a seguinte enunciação: “[...] eu não deixo ninguém ao menos apontar o dedo na minha cara!”?6 Antes que você mude de canal por não concordar com esse modo de construção das diferentes perspectivas de gênero, consideramos importante demarcar que o discurso “[...] divulga e fornece uma das muitas maneiras de compreender o mundo [...]” (Paraíso, 2010a, p. 43), cabendo investir sua análise naquilo que ele incita, constrange e produz. Logo, quando diante de um dado discurso acionado por esse currículo, enquadre “[...] as relações históricas, os jogos de força, as práticas concretas que o próprio discurso articula, põe em funcionamento e mantém ‘vivas’” (Maknamara, 2011, p. 62, grifo do autor). Em outras palavras, enfatize a performatividade da linguagem, isto é, a centralidade conferida aos diferentes discursos no sentido de interpelar, orientar, produzir objetos, significados, práticas sociais e sujeitos.

Questione: o que é dito nesse currículo, dessa forma, na fruição dessas imagens, nas situações propostas por esses enredos, e não em outros tempos e espaços, de maneiras distintas? Ora, valer-se desse tipo de análise consiste em uma forma muito singular que se presta não em encontrar uma verdade, mas sim em compreender “[...] de que maneiras, por quais caminhos, tudo aquilo que se considera verdade, tornou-se um dia verdadeiro” (Veiga-Neto, 2006, p. 87). É preciso buscar as condições de possibilidade, e não uma suposta ‘personalidade’, sujeito ou ‘autor’ do discurso, uma vez que não é de interesse dessa orientação metodológica “[...] analisar as relações entre o autor e o que ele disse (ou quis dizer ou disse sem querer)” (Foucault, 2005, p. 108). Afinal, os discursos “[...] não emanam do interior do sujeito, mas se colocam no plano do acontecimento” (Maknamara, 2011, p. 61).

Como ‘showrunner’ da pesquisa, convém estabelecer as relações “[...] entre as coisas ditas no discurso investigado com outras coisas ditas em outros momentos e espaços [...]”, pois tal articulação possibilita “[...] identificar de que modo as coisas existem, quais suas relações com outras coisas que são ditas e o que significa o fato delas terem se manifestado” (Paraíso, 2007, p. 64). Considere mapear os discursos, interrogar os enunciados e buscar as tecnologias que são acionadas para que a audiência das narrativas midiáticas seriadas vivencie experiências específicas e, na fruição de um catálogo de posições disponibilizadas por esses discursos, tornem-se tipos particulares de sujeitos. No que diz respeito aos marcadores da diferença social, persiga o que os discursos consideram como ‘normal’ e o que é assumido como ‘anormal’, de modo a visibilizar como tem sido produzidas as noções hierarquizantes de ‘vidas vivíveis’ e ‘vidas matáveis’. Foi perseguindo esses marcadores que observamos, por exemplo, que “[...] há vidas nesse currículo sendo alvo de tentativas de determinações, sendo alvo de buscas por normalizações, em sua possibilidade ou não de viver” (Gurgel & Maknamara, 2022, p. 88), embora também seja possível chegar até algumas narrativas “[...] capazes de produzir fissuras nas normas de gênero e de sexualidade, produzindo modos de resistência relativamente aos regimes de poder” (Gurgel & Maknamara, 2022, p. 14).

Não busque por ‘easter eggs7

Buscar informações ocultas, mensagens escondidas intencionalmente pelos/as criadores/as de uma narrativa seriada pode até ser uma atividade divertida para um/a espectador/a, mas figura pouco proveitosa em termos metodológicos. Ao invés de sair em busca desses ‘easter eggs’, é mais oportuno dar conta das relações históricas, das “[...] práticas muito concretas, que estão ‘vivas’ nos discursos” (Fischer, 2001, p. 198-199, grifo do autor). Não há nada aquém ao discurso, não há nada sob os escombros do que é dito: entre um dado discurso e aquilo do que ele fala “[...] não há uma relação de mera correspondência e de continuidade [...]”, mas sim uma prática que articula elementos “[...] por meio dos quais efeitos de poder são traduzidos em fabricações de sujeitos” (Maknamara, 2011, p. 129). Como Paraíso (2007, p. 30) argumenta em sua análise do currículo da mídia educativa, o discurso “[...] faz o que ele diz fazer [...]”, evidenciando como os sujeitos dirigidos a esse discurso devem ser, proceder, vivenciar e se comportar.

Por sua vez, não valorizar ‘easter eggs’ na análise desse currículo não significa dizer que não haja um trabalho de exímio/a genealogista, de alguém que trabalha com “[...] pergaminhos embaralhados, riscados, várias vezes reescritos” (Foucault, 2017, p. 15). Se essas mensagens ocultas são deixadas de lado, explora-se, em contrapartida, com documentos, reportagens, mensagens e vídeos publicados em redes sociais, entrevistas, acontecimentos, fatos históricos etc., de modo a perscrutar não a origem de um discurso, mas a sua proveniência. Conforme explicita Foucault (2017, p. 15), a genealogia é “[...] meticulosa e paciente [...]”, o que exige “[...] a minúcia do saber, um grande número de materiais acumulados, exige paciência”. Sim, trata-se de uma “[...] anatomia dos detalhes [...]”, mas que permite evidenciar, a partir dessa “[...] singularidade dos acontecimentos, longe de toda finalidade monótona [...]”, o caráter histórico e imerso em relações de poder de cada uma dos elementos que compõe o currículo das narrativas midiáticas seriadas.

Há coisas que certamente não são ‘ocultas’ no sentido de que estariam à espera de serem ‘desvendadas’ como um grande mistério de final de temporada, mas que, por outro lado, precisam ser ‘nomeadas’ no sentido de atribuir-lhes sentido e multiplicar os significados. É o caso das ‘técnicas, estratégias, mecanismos e tecnologias’ de poder que operam a partir dos discursos acionados por esse currículo. São esses elementos que possibilitam “[...] trabalhar com o próprio discurso para mostrar os enunciados e as relações que o discurso coloca em funcionamento” (Paraíso, 2021, p. 29). Essas peças fazem com que seja possível perceber como os diferentes discursos desse currículo se assentam em classificações e julgamentos que regulam e conformam as vidas como possíveis de existir ou passíveis de extermínio.

Portanto, seja criativo nos processos de nomeação! Mas também esteja ciente que, diante do referencial pós-crítico, a linguagem “[...] se produz, se mantém e se modifica no contexto de lutas e de disputas pelo direito de significar [...]” (Meyer, 2021, p. 52), o que certamente envolve os termos que adotamos e escolhemos para descrever e analisar nossos objetos. ‘Nomear’ algo é um exercício empírico que evidencia o referencial o qual nos afiliamos e reitera a história das coisas, a sua contingência e a sua artificialidade.

Foi precisamente essa aproximação com a geneologia foucaultiana que nos possibilitou, em um dado momento da investigação, a identificar quais seriam os efeitos desse currículo em um sentido mais amplo, “[...] capaz de se estender a diferentes aspectos das nossas vidas, com diferentes efeitos em nossas composições como sujeitos” (Gurgel & Maknamara, 2023, p. 4). Nesse sentido, uma ‘prática da maratona’ tem concorrido para a produção de um estilo de vida próprio de uma ‘cultura seriadora’, a qual vê a sua lógica da urgência incorporada a tantas dimensões da vida social forem possíveis (Gurgel & Maknamara, 2023).

Atualize o seu catálogo de posições de sujeito

Femme-fatale, homem-maricas, libertina, príncipe-desencantado, assintomático, bromance, discreto-e-fora-do-meio, enrustido, mulher-confusa, corpo-expropriado, antes-corpo, corpo-suporte, traidora-de-gênero, morto-vivo-queer, negra-hiperssexualizada, negra-idílica-materna, violável...’ Inúmeras podem ser as formas de ‘nomear’ sujeitos a partir do currículo das narrativas midiáticas seriadas, o que nos fez chegar até as múltiplas e criativas maneiras de pensar, dizer e de viver relativamente às expressões de gênero, sexualidade e raça. São posições que assinalam não apenas algumas expectativas quanto a esses marcadores da diferença social, mas que também dão conta de inventariar os modos em que um determinado corpo toma sobre si o signo de ‘vivível’ ou que, em contrapartida, lhe é conferido um ‘alvo’, tornando-se ‘matável’.

É importante não apenas atentar a esses ‘nomes’ que vão emergindo no sentido de identificar, classificar e ordenar sujeitos, mas também perseguir as formas como essas nomeações se dão no interior dos discursos. Para tanto, é preciso identificar as ‘posições de sujeito’ - a posição que um dado indivíduo pode ou não ocupar para ser sujeito de um discurso (Foucault, 2005). Tal posição é “[...] contingente, histórica, situada no espaço e no tempo, variável, flexível, plástica, permeável, múltipla” (Sales, 2021, p. 125), correspondendo, pois, às ‘regiões’ do discurso a serem ocupadas de maneira mais ou menos provisória. O sujeito não preexiste ao discurso que o constitui e é precisamente esse campo de regularidade que faz com que cada indivíduo, diante da possibilidade de vir a tornar-se sujeito de um dado discurso, seja efetivamente um compósito, uma amálgama de variadas posições, pequenos componentes que forjam a subjetividade.

Portanto, não é porque o artefato que você investiga funciona ‘on demand8 que seu esforço analítico se resume apenas em sentar no sofá, frente à televisão e assistir passivamente aos episódios. Ou seja, você não está isento/a de ‘catalogar’ quantas posições de sujeito forem possíveis de vislumbrar por meio de sua investigação. Sua leitura será ainda mais proveitosa caso você consiga calibrar a resolução dessas imagens ao ponto de torná-las ‘full HD’9. Isto é, quão melhor você dispuser das questões apropriadas a essa análise, mais nítidas ficarão as engrenagens de poder que atravessam o currículo das narrativas midiáticas seriadas e os modos como elas operam na constituição de sujeitos. Cabe, portanto, interrogar: diante de todas essas possibilidades de tornar-se sujeito, qual ou quais dessas posições são consideradas ‘normais’ e quais são significadas como o que difere do ‘padrão’? Como a normalidade e a diferença são gestadas pelas imagens desse currículo? E o que esses marcadores oferecem em termos de qualificação das existências como vivíveis e como matáveis?

Focalize os jogos de poder

Sua trama será tão mais insidiosa quanto mais você for capaz de enquadrar os jogos de poder em ação nesse currículo. Recorde que o discurso é da ordem da guerra, possui “[...] pequenos combates [...]”, inúmeros “[...] pontos de luta” (Paraíso, 2021, p. 39). E, não, isso não significa que relações de poder estariam presentes apenas naquelas narrativas seriadas que se prestam a representar as disputas bélicas entre povos e reinados, a exemplo das tão celebradas ‘Game of Thrones’ e ‘Vikings’. Significar o poder como esse ‘entrave’, como uma situação estratégica, relaciona-se ao modo como esse currículo carrega as marcas das múltiplas relações de poder que capacitam esse artefato a falar acerca dos tipos de sujeito que ele tem desejado produzir. Enquanto artifício flutuante e indeterminado do discurso, nos constituímos como sujeitos de determinadas verdades ou nos assujeitamos às verdades de uma determinada formação histórica precisamente porque relações de poder são travadas e porque o poder é, sobretudo, produtivo (Foucault, 2017).

Para dar conta de focalizar as diferentes relações de poder em jogo nesse artefato - de gênero, de sexualidade e de raça - é preciso fazer uso de lentes apropriadas. Se para enfatizar a dispersão dos discursos foi preciso munir-se de uma lente ‘macro’, um ângulo ampliado para dar conta das diferentes maneiras em que um discurso se dissemina em diferentes ‘suportes materiais’, apenas um olhar ‘micro’ possibilitaria visualizar a produção de sujeitos em torno de sistemas de diferenciação que o poder em uma dimensão ‘necro’ é capaz de movimentar. Em suma, trata-se de produzir um “[...] sumário topográfico e geológico da batalha [...]” (Foucault, 2017, p. 242), evidenciando os traços dos diferentes discursos articulados nesse currículo, enfatizando a sua distribuição, seus mecanismos de operação e as suas práticas de subjetivação.

Sendo a prática discursiva indissociável ao exercício de poder (Foucault, 2003), e sendo o currículo, ele mesmo, um ‘texto de poder’ (Silva, 2010), atente ao currículo das narrativas midiáticas seriadas em sua capacidade de prescrever saberes, de disponibilizar modos de ser e de agir conformados a certos hábitos, atitudes e valores que são sugeridos, acolhidos e valorizados. Ou seja, investigue na própria discursividade desse currículo, no entrecruzamento de diferentes tecnologias de poder e suas técnicas correlatas, os modos pelas quais certas formas particulares de experiência relativamente a gênero, sexualidade e raça têm sido reguladas. Parta do pressuposto de que o campo de produção de significados e de sentidos em um currículo é algo sempre contestado, disputado e envolvido em conflitos. Afinal, “[...] a luta pelo significado é uma luta por hegemonia, por predomínio” (Silva, 2010, p. 24). Em outras palavras, é uma luta por controle das condutas. E esse controle será tão mais eficiente quão múltiplas e insidiosas forem as estratégias com vistas a normalizar os corpos de sua audiência e demarcá-los como vivíveis ou matáveis.

Não deixe que o caráter antológico do currículo ‘saia do ar’

Uma das peculiaridades do currículo das narrativas midiáticas seriadas e que possibilita uma mescla de orientações metodológicas, é precisamente o seu caráter ‘antológico’. ‘Antologia’ é uma premissa própria do campo audiovisual e se refere a capacidade de um determinado artefato apresentar-se de diferentes maneiras, modificando-se ao longo de sua exibição - seja em relação entre um episódio e outro, seja em relação entre uma temporada e a seguinte. Para Pinheiro (2021, p. 52), a noção de antologia serve para evidenciar que narrativas midiáticas seriadas podem ser conectadas por um tema em geral “[...] e não necessariamente por um mundo persistente”. Consequentemente, em uma narrativa dita antológica, cada episódio pode abarcar novos enredos ou estes podem ser modificados entre uma temporada e outra10; novos personagens podem substituir aqueles/as cujas histórias tenham sido finalizadas; tramas podem ser concluídas e ceder seu lugar para outras que façam melhor sentido para a temática em geral. Porém, uma antologia exige “[...] uma consistência na proposta conceitual que une os episódios propostos embaixo de uma mesma temática” (Pinheiro, 2021, p. 52). Os episódios ou a temporada devem funcionar, por si, de modo isolado. No entanto, só funcionam isoladamente porque, em um contexto mais amplo, obedecem a uma certa regularidade - que pode ser de ordem temática, conceitual, estilística etc.

Assumir que o currículo das narrativas midiáticas seriadas é ‘antológico’ possibilita agenciar a diferença, a alegria e as paixões alegres, o devir e o desejo em um artefato que, a uma primeira vista, parece normalizar, segregar, separar e controlar as expressões de gênero, sexualidade e de raça. Possibilita também enxergar a vida soerguendo em um território que se apresenta de modo tão estéril, perigoso e ameaçador. Trata-se de criar possibilidades de contrapor as necropolíticas em curso para agenciar movimentos que desterritorializem esse currículo e possibilite a produção de linhas de fuga. Isso porque o currículo, como nos aponta Paraíso e Caldeira (2018, p. 13), ao mesmo tempo em que pode ser usado para “[...] regular e ordenar [...]”, também pode ser “[...] território de escapes de todos os tipos [...]”, no qual “[...] se definem e constroem percursos inusitados [...]”, “[...] caminhos mais leves [...]”, “[...] trajetos grávidos de esperança a serem percorridos”.

Nossas primeiras experimentações com os contributos da cartografia deram-se no processo de tentar compreender como se forjavam as relações de gênero no currículo das narrativas midiáticas seriadas. O objetivo inicial foi o de “[...] multiplicar os sentidos que atribuímos ao que convencionalmente nomeamos por ‘currículo’, com o objetivo de abordá-lo como ‘máquina’” (Gurgel et al., 2022, p. 4, grifo do autor), orientando-nos, para tanto, pelas leituras que fazíamos das obras dos autores, especialmente ‘O Anti-Édipo’ (Deleuze, & Guattari, 2011) e ‘Mil platôs’ (Deleuze, & Guattari, 2012). Lançando mão de uma noção ‘maquínica’ de currículo, passamos a significá-lo como um artefato cujas peças “[...] se conectam a outras, ainda que estas sejam de uma outra ordem ou de uma outra natureza [...]” (Gurgel et al., 2022, p. 5), entendimento este que, agora, parece-nos assemelhar a outros desdobramentos da investigação, a exemplo da empreitada genealógica que citamos anteriormente na nota V deste artigo.

Em síntese, as filosofias da diferença de Deleuze e Guattari nos permitiram, neste momento da pesquisa, vislumbrar que tal currículo não se constituía apenas de ‘linhas duras’ de imposição e domínio, mas também de linhas mais ‘flexíveis’, maleáveis, expandidas, de resistência e afirmação (Gurgel et al., 2022). Para dar conta deste tipo de análise, compomos algumas ‘notas esquizoanalíticas’, argumentando que tal currículo é atravessado por um embate entre linhas duras, linhas flexíveis e linhas de fugas (Gurgel & Maknamara, 2021). Mapear tais linhas nos possibilitou evidenciar, nesse artefato, as ‘regiões de controle’ - espaços estriados cuja função é a de capturar, controlar o nomadismo, dominar os fluxos, traduzindo-os para direções predeterminadas, movimentos limitados, zumbificação dos modos de vida -, sem se furtar de também constituir as ‘zonas de escapes’- agenciamento de espaços lisos que provocam fissuras nos modelos hierarquizantes, convocando a sua audiência a deformar os modelos, permitindo-lhe fabular outros modos de existência ao proporcionar experiências menos normativas (Gurgel & Maknamara, 2022a).

Logo, no exercício de uma ‘metodologia-zapping’, é possível conectar o ‘mapa da produção de morte’ com o ‘mapa dos escapes’ e da ‘afirmação da vida’. A produção desses mapas só será possível na medida em que se experimente outros modos de condução de pesquisa, ‘zapeando’ por outras possibilidades de orientações metodológicas. Se o propósito é o de visibilizar a produção de rupturas nos pontos de subjetivação que ‘serializam’ e ‘modelizam’ as existências da audiência seriadora, valendo-se, portanto, da “[...] invenção de estratégias para a constituição de novos territórios, outros espaços de vida e de afeto [...]”, buscando por “[...] saídas para fora dos territórios sem saídas [...]” (Guattari & Rolnik,1996, p. 18), uma das possibilidades é a partir das contribuições da cartografia.

Se em uma cartografia “[...] há passagens de um campo teórico a outro, de um tipo de texto a outro, de uma perspectiva a outra [...]”, disponha das “[...] teorias e conceitos que se afastam das dicotomias que demarcam e impõem fronteiras” (Paraíso, 2019, p. 181). Para tanto, persiga as linhas, os “[...] elementos constitutivos das coisas e dos acontecimentos [...]”, de modo a marcar “[...] caminhos e movimentos, com coeficientes de sorte e de perigo” (Deleuze, 2013, p. 47-48). Tenha em mente que em uma experimentação cartográfica, as linhas são “[...] esticadas, cruzadas, arranjadas; elas juntam-se umas às outras, formando mapas que se conectam com outros mapas [...]” e que elas não possuem uma única origem, mas “[...] inúmeras proveniências, em cujos traçados delineiam bordas sempre movediças, contornos mutantes” (Paraíso, 2019, p. 166).

Aprenda, a partir de Deleuze e Parnet (1998, p. 6), que “[...] encontrar é achar, é capturar, é roubar; um encontro é talvez a mesma coisa que um devir ou núpcias”. Há muitos encontros em um procedimento cartográfico e eles se efetuam no imprevisível: encontro com ‘territórios’ que se modificam no próprio curso da pesquisa; encontros com ‘outras formas de saber’ que nos propiciam novos olhares e, consequentemente, atualizam nossos modos de enxergar os artefatos que investigamos; encontros com ‘sensações’ de todas as ordens, disparando afectos e perceptos. São encontros com “[...] movimentos, ideias, acontecimentos, entidades [...]” (Deleuze & Parnet, 1998, p. 6), que dão conta de mapear territórios ao mesmo tempo em que outros se dissolvem para ceder espaço ao novo, ao inusitado, aos devires.

De início, o foco desta ‘metodologia-zapping’ estava no inventário de posições de sujeito divulgadas pelos discursos acionados pelo currículo das narrativas midiáticas seriadas. Agora, é possível sintonizar um outro ‘canal’, elaborar uma nova rota, um novo traçado de linhas, de modo a explorar as aberturas, as fraturas, as expansões e as potencialidades desse artefato que se mostrou, a princípio, um mobilizador de necropoderes. Trata-se de um modo de contrapor todos esses poderes que requerem corpos tristes, esgotados, zumbificados. Como nos mostra Pelbart (2017), “[...] o poder não é um domínio absoluto, é uma relação de forças, sempre móvel, e assim comporta sua dose de jogo e margem de indeterminação - e, portanto, de reversibilidade”. Nesses “[...] tempos de perigo [...]”, de sinais apocalípticos e de soerguimento intermitente da morte, “[...] não cabe temer ou esperar, mas buscar novas armas” (Deleuze, 2013, p. 220). Armas que sirvam também para que voltemos a ‘acreditar no mundo’, isto é, suscitar “[...] acontecimentos, mesmo que pequenos, que escapem do controle, ou então fazer nascer novos espaços-tempos, mesmo de superfície e volume reduzidos” (Deleuze, 2013, p. 222). Enfim, trata-se de valer-se da cartografia para encontrar um modo de liberar as forças e de fissurar as formas hierarquizantes do currículo.

Antes de finalizar...[considerações finais]

Significar um artefato cultural como currículo nos permitiu interrogar de que maneiras vida e morte se imbricam nesse processo de ‘pedagogização’ das nossas existências. Com isso queremos afirmar que, em certa medida, as nossas próprias vidas passaram a ser valorizadas como uma expressão a ser acolhida, divulgada e ensinada pelos mais variados currículos. Consequentemente, eleger uma determinada forma de expressão como adequada ou legítima possibilita que outros modos de vida sejam significados como intoleráveis, indignos e extermináveis. Portanto, temos concebido o currículo como uma confabulação coextensiva à vida. Um agenciamento capaz de eleger quais modos de vida serão produzidos e como eles serão apresentados. Uma maquinação na qual é possível qualificar a vivibilidade das existências, ao ponto dos sujeitos por ela interpelados terem as suas vidas garantidas ou aniquiladas (Paraíso, 2010b). Trata-se de um território que acopla discursos, imagens, experiências, saberes e raciocínios, em uma trama de poder, de modo a deflagrar o que é ‘normal’ e ‘anormal’, o que é ‘vivível’ e o que é ‘não vivível’ (Butler, 2017, 2019).

O que quer ensinar, por exemplo, uma narrativa como The O.C. (2003-2007), ao significar o envolvimento amoroso da protagonista com outra mulher a um dos elementos ‘autodestrutivos’ que culmina, posteriormente, com a sua morte? O que podemos aprender, em Them (2021), com a reiteração do corpo negro como dotado de um alvo inescapável? Temos tentado compreender como uma certa ‘escala de morticínio’ divulgada pelas imagens das narrativas midiáticas seriadas tem rasurado aquelas noções pelas quais somos capazes de identificarmos os indivíduos como seres humanos e as suas vidas como plenamente ‘vivíveis’. São enquadramentos que têm recorrido a uma gramática da violência para normatizar e conferir espessura às formas dissidentes dos sujeitos se expressarem quanto ao gênero, sexualidade e raça. Nesse sentido, as transgressões às normas têm sido configuradas como uma espécie de “programa de milhagens” para uma sentença de morte apriorística, cujo ‘score’ advém de uma matriz no qual o determinante é calculado e tornado reconhecível a partir de um gradiente de intensidades dos diferentes marcadores sociais, especificamente gênero, sexualidade e raça.

No entanto, longe de cair em arquétipos homogeneizantes de ‘vilão/vilã’ ou ‘herói/heroína’, consideramos que tal currículo é produzido em meio a tensões, embates e conflitos que lhe constituem como um artefato híbrido. Isso porque, para além de todas as necropolíticas em jogo, de todos os investimentos de endereçamento da violência e da morte aos sujeitos dissidentes, de todas as tentativas em ora normalizar, ora aniquilar a diferença, também há espaços para escapes, resistência e afirmação da vida. É nesse ‘espaço-entre’ que esse currículo reafirma determinados significados, acata uns, exclui outros e multiplica os sentidos disponibilizados para a sua audiência seriadora.

Essa conclusão só foi possível a partir das orientações metodológicas múltiplas que adotamos nesta pesquisa. A análise do discurso de perspectiva foucaultiana, por exemplo, nos permitiu chegar até algumas tecnologias acionadas por esse currículo, que ora concorrem para a dissimulação das expressões de gênero e de sexualidade, ora investem em uma ação necropolítica que articula significados que justifiquem o expurgo dos ‘intoleráveis’ - seja de gênero, sexualidade ou de raça -, a partir de uma ‘programação de morte’. Tais imagens, ao mesmo tempo em que atualizam um certo ‘repositório’ de experiências generificadas, sexualizadas e racializadas, também ensinam, a partir do medo, do pânico, da incerteza de um amanhã, a necessidade de nos conformarmos aos ideais normativos. Trata-se, portanto, de uma ‘pedagogia apocalíptica’ que tem trabalhado no sentido de convocar a sua audiência a associar comportamentos e experiências de gênero àquelas catástrofes iminentes de um mundo em colapso (Gurgel, 2022).

Por outro lado, foi precisamente a cartografia que nos evidenciou que, ainda que esteja inserido nessa lógica de formatação dos modos de vida e de uma demanda de subjetividade ‘em série’, esse currículo também é capaz de acionar espaços de resistência, movimentar escapes, inaugurando existências menores. Conforme apontamos em outros espaços (Gurgel et al., 2021), há também a possibilidade de produção de um ‘currículo-menor’ no seio do próprio ‘currículo-maior’ das narrativas midiáticas seriadas. Operando como um ‘cavalo de tróia’, algumas dessas narrativas se valem desse espaço normalizador para promover pequenas fissuras, conduzindo ‘desaprendizagens’ de gênero e de sexualidade capazes de romper com alguns fenômenos de estratificação. Ultrapassando algumas convenções normativas e estabelecendo outros modos de vida para além daqueles relacionados com a possibilidade de extermínio, também pudemos chegar a um ‘currículo-obsceno’ e um ‘currículo-louco’ capazes de articular o amor e o riso como vetores para desagregar aquilo que pretende definir, classificar, coibir e dar um certo ‘grand finale’ seguro.

E não estaria aí, sob os escombros das políticas de morte e suas necro-forças, a possibilidade de insurgir? Que a força poética do currículo nos ajude a chegar a alguma resposta...

Considerações finais

[acerto de contas]

Histórias importam. Narrá-las é um ato de poder

Histórias contam histórias que contam vidas

Histórias contam histórias que contam mortes

Histórias ‘contabilizam’ mortes

Histórias ‘qualificam’ vidas

Currículos sombreiam. Enclausuram. Cafetinam.

Currículos podem ser narrados pelo silêncio, pelo silenciamento, pelo não falar, pelo não ser

Currículos podem matar o desejo

Tornam uma vida intolerável. Tornam uma existência insuportável

Currículos exterminam, expurgam, vomitam.

Currículos tornam algo abjeto

Currículos supliciam: rasgam corpos, cortam na carne

‘Um currículo pode verter sangue’

O que se pode conhecer?

Como se pode conhecer?

Por quê? Para quem?

Um currículo pode verter sangue em sua pressuposta ignorância

[naquilo que ele não permite conhecer

Um currículo pode verter sangue quando dimensiona os limites do que poder ser compreendido

[e quando exclui determinadas existências

Um currículo pode verter sangue quando ao invés de preservar a vida

[ele passa a agir contra ela

‘Um currículo pode verter sangue’

Minha TV perversamente sorri em vermelho para mim

[e tantos olhos de vidros e seus espelhos negros me encaram

Um currículo pode verter sangue quando ele mesmo sangra

Quando eu me vejo na tela sendo supliciado

Quando eu só passo a existir em suas imagens como um corpo matável

Sangra porque opera em uma episteme da violência

Orgia do intolerável

Programa de milhagens

[e se eu entrar no SERASA das dissidências?

[mas meu nome já é sujo

[eu queria adiar a minha morte

E se a gente combinar de não morrer?

Um dia eu sangrei

‘PAREM DE NOS MATAR NA DRAMATURGIA E NA VIDA REAL!’

eu não sangro mais

[dos zumbis]

Mas nem sempre não morrer é estar vivo,

[foi o que me disse a Evaristo

eu bem posso ser um zumbi igual a todos os outros

programado no mesmo circuito existencial

desejo estrangulado

diferença asfixiada

Um dia desses saiu na TV

‘[O MINISTÉRIO DA SAÚDE ADVERTE’

‘O consumo excessivo de narrativas seriadas pode causar a impotência do desejo!’

tornamo-nos ensurdecidos às possibilidades de expandirmos

e de sermos afetados

ritmação das nossas existências

na velha cadência já ressentida

carregando os mesmos fardos de posições de sujeito

sobrevivendo em uma lógica atacadista

existências em série

um maratonista que não sai do lugar

afogado nas mesmas raias competitivas

sedado para não explodir

[a vida...]

Mas é sempre possível traçar uma nova rota

[criar um caminho

nem tudo é ruim

[mas sim perigoso

até aquilo que pressupunha zumbificante

pode ser afirmação de vida

pode deflagrar outros acontecimentos

pode contar outras histórias

ilhas de respiro

enlouquecer o currículo

torná-lo obsceno

torná-lo menor

[hackear as suas fendas

‘Cavalo de tróia’

estalar os estados fixos das coisas

fazer o desejo proliferar

O currículo é coextensivo à vida

fabulação sem medidas

espessura das nossas existências

ele pode verter sangue

[mas também pode verter tanta beleza

ele pode rasgar nossas peles

[mas também ser um torvelinho aos nossos fascismos íntimos

ele pode nos perseguir

[mas também expandir nossas forças

ele pode ser repleto de ordenamentos

[mas também soerguer a diferença

‘Currículo verte sangue’

‘Currículo transborda vida’

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1ESCRE(VI)VER: Grupo de Estudos e Pesquisas com Narrativas em Educação/UFBA/CNPq

2O campo das pesquisas pós-críticas é forjado na confluência de abordagens teóricas diversas, desde aquelas designadas como ‘pós’ - pós-estruturalismo, pós-colonialismo, pós-feminismo, pós-humanismo etc. -, como também outras abordagens que se deslocam das teorias críticas, tais como as filosofias da diferença, os estudos culturais, os estudos queer, os estudos de gênero, os estudos (trans)feministas, ecológicos, geracionais, étnicos/raciais etc. (Meyer & Paraíso, 2021).

3Fandom’, na cultura seriadora, refere-se aos ‘fã-clubes’, comunidades de participantes aficionados por narrativas midiáticas seriadas.

4‘Spoiler’ é a revelação antecipada de informações de um artefato, de modo a comprometer a experiência de quem está assistindo.

5Embora a palavra ‘cancelamento’ hoje em dia esteja relacionada ao que convencionou-se nomear de ‘cultura do cancelamento’, nos referimos aqui ao ‘cancelamento’ de narrativas midiáticas seriadas, isto é, a interrupção abrupta de uma série, comumente por questões relacionadas a baixos índices de audiência, deixando-a sem um final planejado previamente.

6Cena da narrativa midiática seriada The Sopranos (David Chase, 1999-2007).

7Termo que alude a uma referência ou algo que está escondido dentro de uma mídia audiovisual. Geralmente, o autor do mistério (no caso das narrativas seriadas, os/as produtores/as) dá pistas para que outras pessoas encontrem aquela coisa mantida em segredo.

8‘VOD’ ou ‘video on demand’ refere-se ao princípio dos serviços de streaming: uma tecnologia que permite o/a espectador/a selecionar, em qualquer horário e em qualquer local, qual será a programação a ser consumida.

9Full HD’ é a sigla para ‘Full High Definition’, isto é, ‘Máxima Alta Definição’ de imagem, o que refere-se a qualquer sistema pelo qual tenha o mínimo de 1080 linhas na vertical.

10Como exemplos de narrativas midiáticas seriadas antológicas cujos episódios se diferem um do outro, temos ‘Black Mirror’, ‘The Twilight Zone’, ‘Room 104’ etc. Dentre as narrativas midiáticas seriadas antológicas cujas temporadas se modificam umas em relação às outras, posso citar ‘American Horror Story’, ‘American Crime Story’, ‘Fargo’ etc.

14NOTA: Evanilson Gurgel e Marlécio Maknamara foram responsáveis pela concepção, análise e interpretação dos dados; redação e revisão crítica do conteúdo do manuscrito e ainda, aprovação da versão final a ser publicada.

11The term you're referring to is "Easter egg." It alludes to a reference or something hidden within an audiovisual media. Usually, the creator of the mystery (in the case of TV series, the producers) provides clues for others to find that hidden thing.

Recebido: 29 de Outubro de 2022; Aceito: 10 de Março de 2023

*Autor para correspondência. E-mail: evanilsongurgel@gmail.com

INFORMAÇÕES SOBRE OS AUTORES Evanilson Gurgel: Professor Adjunto do Departamento de Ciências Humanas da Universidade Federal Rural do Semi-Árido, Campus Multidisciplinar de Angicos. Doutor em Educação pela Universidade Federal da Bahia (2022). Mestre em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (2018). Licenciado em Ciências Biológicas (UFRN, 2014) e em Pedagogia (UNINTER, 2022). Líder do grupo (ARTE)FATOS: Grupo de Estudos e Pesquisas em Narrativas, Currículos e Políticas Culturais/UFERSA/CNPq. Integrante dos grupos ENSAIO - vida, pensamento e escrita em educação/UFPB/CNPq e ESCRE(VI)VER: Grupo de Estudos e Pesquisas com Narrativas em Educação/UFBA/CNPq. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2018-767X E-mail: evanilsongurgel@gmail.com

Marlécio Maknamara: Pesquisador Produtividade em Pesquisa do CNPq. Professor Associado do Centro de Educação da Universidade Federal da Paraíba. Professor dos Programas de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal da Bahia e da Universidade Federal da Paraíba. Doutor em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais (2011). Mestre em Educação pela Universidade Federal da Paraíba (2005). Líder dos grupos ENSAIO - vida, pensamento e escrita em educação/UFPB/CNPq e ESCRE(VI)VER: Grupo de Estudos e Pesquisas com Narrativas em Educação/UFBA/CNPq. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0424-5657 E-mail: maknamaravilhas@gmail.com

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