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Acta Scientiarum. Education

Print version ISSN 2178-5198On-line version ISSN 2178-5201

Acta Educ. vol.45  Maringá  2023  Epub Aug 01, 2023

https://doi.org/10.4025/actascieduc.v44i1.65423 

FORMAÇÃO DE PROFESSORES E POLÍTICAS PÚBLICAS

A recepção do pensamento de Deleuze, Guattari e Deleuze-Guattari na pesquisa educacional brasileira: décadas iniciais

La recepción del pensamiento de Deleuze y Deleuze-Guattari en la investigación educativa brasileña

Christian Fernando Ribeiro Guimarães Vinci1 
http://orcid.org/0000-0003-2914-3032

1Universidade Estadual de Campinas, Cidade Universitária ‘Zeferino Vaz’, s/n., 13083-970, Campinas, São Paulo, Brasil.


RESUMO.

O artigo em questão almeja apresentar um breve panorama dos movimentos de difusão e apropriação do pensamento de Gilles Deleuze (1925-1995) no campo das pesquisas em Educação, levando em consideração tanto sua obra individual quanto aquela escrita em parceria com Félix Guattari (1930-1992), contextualizando os distintos momentos do processo de recepção do pensamento desses autores e considerando unicamente as suas décadas iniciais (1980-2000). Para tanto, procedemos com a análise de um extenso arquivo bibliográfico compilado ao longo de nossa pesquisa de mestrado e doutorado, levando em consideração o início da recepção desses autores na década de 1980, integrando o grupo de teóricos ‘pós’ - pós-crítico, pós-estruturalista ou pós-modernos -, até a autonomização das pesquisas deleuzianas e/ou deleuzo-guattarianas na década de 2000, quando do surgimento de uma preocupação com questões de cunho metodológico no interior desses estudos. Defendemos não ser possível compreender o modo como se deu a recepção do pensamento deleuziano, guattariano e deleuzo-guattariano no campo educacional sem levarmos em consideração certos contextos maiores, como aquele instaurado com a crise do paradigma crítico na década de 1980, e entendemos que as pesquisas em educação que se filiam ao diapasão teórico da ‘Filosofia da diferença’ adquirem proeminência e autonomia apenas quando se recusam a combater o paradigma crítico e passam a construir ferramentas metodológicas próprias.

Palavras-chave: Gilles Deleuze; Félix Guattari; filosofia da educação; método científico; difusão científica

RESUMEN.

El artículo en cuestión pretende presentar un breve recorrido por los movimientos de difusión y apropiación del pensamiento de Gilles Deleuze en el campo de la investigación en Educación, teniendo en cuenta tanto su obra individual como la escrita en colaboración con Félix Guattari, contextualizando los diferentes momentos de este proceso de recepción en Brazil. Procederemos al análisis de un extenso archivo recopilado durante nuestras investigaciones de maestría y doctorado, teniendo en cuenta el inicio de la recepción de estos autores en la década de 1980, cuando pasaron a formar parte del grupo de ‘post’ -teóricos de posgrado-críticos, postestructuralistas o posmodernos-, hasta el empoderamiento de la investigación deleuziana, guattariana y/o deleuzo-guattariana en la década de 2000, cuando surgió una preocupación por cuestiones metodológicas dentro de estos estudios. Argumentamos que no es posible entender cómo fue recibido el pensamiento deleuziano, guattariano y deleuzo-guattariano en el campo educativo sin tener en cuenta ciertos contextos más amplios, como el que se instaura con la crisis del paradigma crítico en la década de 1980, y entendemos que Las investigaciones en educación que se adhieren al marco teórico de la Filosofía de la Diferencia adquieren protagonismo y autonomía sólo cuando se niegan a combatir el paradigma crítico y comienzan a construir sus propias herramientas metodológicas.

Palabras-clave: Gilles Deleuze; Félix Guattari; filosofía de la educación; método científico; divulgación científica

ABSTRACT.

The article in question aims to present a brief overview of the movements of diffusion and appropriation of the thought of Gilles Deleuze (1925-1995) in the field of educational research in Brazil. This considers both his individual work and that written in collaboration with Félix Guattari (1930-1992), contextualizing the different moments of the reception process of these authors' ideas and considering solely their early decades (1980-2000). To achieve this, we proceed with the analysis of an extensive bibliographic archive compiled throughout our master's and doctoral research. We consider the beginning of the reception of these authors in the 1980s, integrating them into the group of 'post' theorists - post-critical, post-structuralist, or post-modern - until the automatization of deleuzian and/or Deleuze-Guattarian research in the 2000s. During this time, a concern for methodological issues emerged within these studies. We argue that understanding the way the Deleuzian, Guattarian, and Deleuze-Guattarian thought was received in the educational field requires taking into account certain broader contexts, such as the one established by the crisis of the critical paradigm in the 1980s. We also understand that educational research aligned with the theoretical diapason of the 'Philosophy of Difference' gains prominence and autonomy only when it stops fighting the critical paradigm and starts constructing its own methodological tools.

Keywords: Gilles Deleuze; Félix Guattari; educational philosophy; cientific method; science popularization

Introdução

Corria o mês de setembro do ano de 1982 quando a obra Mille Plateaux, publicada dois anos antes na França, acabou sendo agraciada com uma resenha de página inteira, As mil planícies de Guattari (Escobar, 1982), no caderno de cultura de um importante periódico brasileiro: o jornal Folha de São Paulo. Diferente das demais resenhas ali presentes, ocupando meia página ou menos, a análise do livro em questão ganhou destaque não apenas por sua extensão, mas também por conta dos louvores esboçados por um resenhista que, amiúde, sugeria aos seus leitores estar diante de um dos livros mais importantes do século XX. Nada surpreendente, levando em consideração que um de seus autores, o psicanalista Félix Guattari, era uma figura conhecida nos meios intelectuais e políticos brasileiros e, naquele longínquo mês de setembro, encerrava uma longa viagem realizada Brasil afora para debater, com grupos os mais diversos, os rumos da redemocratização de nosso país.1 A influência do psicanalista francês em nossos quadros político-intelectuais era tamanha que, naquele mesmo ano, Guattari realizou uma extensa entrevista com uma das principais lideranças do período, o então líder sindical Luiz Inácio ‘Lula’ da Silva, cuja publicação em formato brochura (Guattari, 1982) apareceria no mercado editorial brasileiro pouco depois de publicada a supracitada resenha e se esgotaria rapidamente. O alcance de seu pensamento entre os intelectuais brasileiros, mormente àqueles ligados ao campo da psicanálise2, acabaria por tornar o Brasil um dos países mais afeitos às discussões sobre micropolítica e ao movimento dito esquizoanalítico por ele preconizado (Dosse, 2010).3 Se o destaque concedido pelo periódico em questão à Mille Plateaux não configurava uma grande surpresa, dada a referida circulação do psicanalista francês em nosso país, a completa ausência na chamada principal do nome de seu parceiro, Gilles Deleuze, poderia surpreender alguns leitores contemporâneos acostumados a lidar com uma situação inversa, qual seja: o destaque conferido ao nome do autor de Diferença e repetição (Deleuze, 1988) e a desconsideração para com o de seu parceiro, Guattari. Tratar-se-ia, conforme defendido pelo resenhista, de uma obra realmente significativa para o campo das discussões filosóficas contemporâneas ou os elogios em questão visavam apenas engrandecer midiaticamente o nome do psicanalista francês? Como justificar o apagamento do nome de Deleuze tanto da chamada principal quanto do corpo do texto? Não estaríamos, antes, diante de uma análise interessada em louvar um eminente pensador francês, Guattari, cuja intensa circulação nos meios midiáticos e intelectuais brasileiros não poderia permitir que seu nome fosse desprezado, diferente do de seu parceiro, Deleuze, que jamais visitou nosso país e quiçá, por esse motivo, não merecesse gozar de tamanho apreço naquele momento? Tais questões, lançadas a esmo e sem qualquer pretensão de serem resolvidas aqui, apontam para certos modos como o pensamento desses autores se difundiu e acabou sendo apropriado em terras brasileiras e, mais, possibilitam retomar uma inquietação lançada anos antes por Jacques Derrida (1930-2004), filósofo franco-argelino responsável pela elaboração da teoria da desconstrução da Filosofia.

Para Derrida (2004), contemporâneo de Deleuze e Guattari, as ciências humanas, até então dominadas por certa cultura hermenêutica alemã, teriam vivenciado na década de 1960 uma reconfiguração francesa responsável por modificar o seu modo operatório. Passadas algumas décadas, desde essa dita reconfiguração, ainda resta por ser mensurado “[...] o que se passou então e que permanece por ser analisado, para além dos fenômenos de rejeição e de moda que continua a provocar [tal reconfiguração]” (Derrida, 2004, p. 306). Derrida não definiu como se deu essa reconfiguração, apenas se colocou como agente ou herdeiro da mesma, sustentando que muito desse processo seria decorrência tanto dos novos sistemas de pensamento que surgiam quanto do vazio midiático instaurado com a crise do paradigma estruturalista que dominara a cena cultural francesa ao longo da década de 1950. Esse vazio midiático instaurado, ademais, possibilitou que os filósofos daquela geração - Michel Foucault (1926-1984), Gilles Deleuze, Jean-François Lyotard (1924-1998), o próprio Derrida e outros - assumissem um papel de porta-vozes desse modo outro de filosofar - papel cujas universidades estadunidenses, na década seguinte, acabariam por endossar, transmutando-os nos pensadores ditos pós-estruturalistas (Cusset, 2008). Ora, nesse sentido, ao considerarmos os modos como se deu a recepção do pensamento desses autores, aqui ou alhures, não podemos deixar de lado os fenômenos de moda atrelados aos seus nomes e, no caso brasileiro, tampouco desconsiderar a influência exercida por esses ditos fenômenos na maneira como acabaram sendo recepcionados por nossos quadros intelectuais.

A difusão do pensamento de Deleuze e Guattari em nosso país, acreditamos, procedeu de maneira difusa, não tendo um único eixo de propagação e tampouco estando restrita aos meios acadêmicos. Diferente de tantos outros teóricos, para os quais a universidade e as pesquisas desenvolvidas em seu seio se configuram como o principal eixo de difusão de seu pensamento, os autores de O Anti-Édipo (Deleuze & Guattari, 2010) possuem larga aderência com o campo das práticas artísticas, clínicas e com certas formas de mobilização social, implicando em um processo de difusão um tanto singular de seu pensamento.4 Antes mesmo de contar com uma compilação para o português de seus principais escritos, por exemplo, os textos de Guattari circulavam entre ativistas ligados às rádios piratas ou grupos de intelectuais brasileiros engajados com a reforma psiquiátrica. Deleuze, por seu turno, embora contasse com traduções de algumas de suas obras desde a década de 1970, apenas começou a se desprender do papel de comentador de outros filósofos - Hume, Nietzsche etc. - em finais da década de 1980, mesmo momento no qual grupos teatrais, companhias de dança e coletivos artísticos, surgiram dialogando com o seu aparato conceitual. A recepção do pensamento de Deleuze no Brasil, ainda contou com cenas inusitadas e um tanto caricatas, como o curioso caso daquele “[...] grupo de deleuzianos [...]” que, imitando certos lacanianos que se vestiam como Lacan no Rio de Janeiro, passaram a fazer algo similar e começaram a imitar fisicamente Deleuze (Escobar, 1991, p. 7). Essas apropriações, realizadas muitas vezes de maneira enviesada e de modo tateante - experimental quase -, desconsideravam especificidades epistemológicas ou se desprendiam de certa ideia de rigor exigida pela exegese filosófica tradicional, ao ponto de um dos introdutores do pensamento deleuziano no Brasil sugerir que tais apropriações rendiam um prejuízo intelectual sem precedentes, dada a “[...] esterilidade destes deleuzianos em publicações, reflexões próprias e originalidades de ideias" (Escobar, 1991, p. 7).

Dado esse preâmbulo, como compreender a completa ausência do nome de Deleuze da resenha supracitada? Tal resenha ilustraria um fenômeno de moda, estando restrita a solidificar o apreço midiático em torno da figura de Guattari pela imprensa brasileira ou, antes, apontaria para uma sensível reconfiguração de nosso campo epistêmico, indício de uma mudança teórica que paulatinamente começava a ganhar corpo nas ciências humanas tupiniquins? Independente da qualquer eventual resposta passível de ser aqui esboçada, entendemos ser impossível separar a esfera da difusão, compreendida em sua máxima amplitude - midiática, acadêmica etc. -, da esfera da apropriação propriamente. Alhures (Vinci & Ribeiro, 2015) discorremos sobre a correlação entre essas esferas para pensarmos os modos de recepção do pensamento de Deleuze e Guattari no Brasil5, à época compreendemo-las como esferas indistintas e pontuamos que a difusão do pensamento deleuziano, guattariano e deleuzo-guattariano em terras brasileiras seguiu um caminho tortuoso e de difícil apreensão. Como outros de sua geração, as ideias de Deleuze e Guattari circularam - e circulam - entre grupos artísticos, coletivos políticos, defensores de mídia livre tanto quanto entre pesquisadores acadêmicos de áreas diversas, sendo que essa especificidade acabou por impactar e imprimir uma marca própria às apropriações de seu pensamento em campos os mais diversos. Por vezes, notamos o modo como certas apropriações acadêmicas, em diálogo com aquelas apropriações de caráter mais experimental típicas de coletivos artísticos, acabam por abdicar do rigor exegético corriqueiro no campo das pesquisas universitárias a fim de promoverem uma mirada para os seus objetos de pesquisa mais artística ou poética. Acreditamos que esse contágio entre apropriações mais experimentais e outras mais exegéticas, aquilo que Eric Alliez (2015, p. 198) denominou de “[...] leituras conexas [...]”, marcaria as apropriações do pensamento desses autores também no campo educacional, mormente a partir dos anos 2000 quando vivenciaríamos a emergência de discussões interessadas não em promover uma introdução ao seu pensamento, mas fazê-lo funcionar no interior da área por meio da criação de ferramentas metodológicas singulares que flertam com certas linguagens artísticas.

Almejamos, com esse trabalho, apresentar um breve panorama da recepção do pensamento deleuziano, guattariano e deleuzo-guattariano no campo das pesquisas educacionais, desde a década de 1980 até a virada para os anos 2000, consideradas as décadas iniciais do ingresso de seu pensamento no Brasil. Buscaremos não só compreender os distintos momentos de difusão e apropriação desse pensamento pelos estudos da área, salientando os contextos específicos de cada momento, mas a evolução de certas linhas de força que, embora latentes na produção das décadas de 1980, só ganhariam autonomia e se articulariam de modo mais orgânico nas décadas posteriores, quando do surgimento de discussões metodológicas que trariam à cena toda a potencialidade do pensamento deleuziano e deleuzo-guattariano. Apenas com o surgimento dessas discussões, surgidas em meados da década de 1990, o pensamento desses autores passaria a atuar como intercessores capazes de promover uma renovação epistémica do campo. Antes, presos nos embates que dominavam o campo educacional, Deleuze e Guattari surgiam nas pesquisas em Educação de modo genérico, contando com citações incipientes e sendo utilizados como argumentos de autoridades a maior parte das vezes. Para reconstrução desses cenários, recuperando elementos de uma pesquisa pregressa realizada em um amplo arquivo (Vinci, 2014, 2019), composto por fontes bibliográficas diversas - artigos publicados em periódicos renomados, sobretudo, mas também reportagens de jornal, livros, transcrições de palestras etc. - e procuraremos apresentar ao leitor um pequeno recorte de nossa massa documental a fim de apreender as linhas de força gerais presentes na produção em cada momento. Seguindo Alliez (2015), compreendemos que, no campo educacional, o estudo do pensamento de Deleuze, Guattari e Deleuze-Guattari não se restringiu a comentários textuais ao pensamento desses autores, mas antes “[...] fazer tais textos funcionarem segundo o regime plural de suas intensidades próprias, dotando-se, no caminho, por meio de leituras conexas, e num processo mais em espiral do que linear, das ferramentas conceituais indispensáveis à travessia” (Alliez, 2015, p. 198-199). Essa leitura interessada, afastada dos rituais tradicionais da análise academicista, marcaria os modos como o campo educacional brasileiro apropriou-se do pensamento deleuziano, guattariano e/ou deleuzo-guattariano, mas a apreensão desse processo só pode ser compreendida levando em consideração os distintos embates produzidos no interior do campo das pesquisas educacionais e a guinada produzida em direção às discussões de cunho metodológico. Antes, como uma espécie de preâmbulo, apresentamos uma interpretação da parceria entre Deleuze e Guattari capaz de indicar alguns aspectos importantes do pensamento desses autores para as pesquisas educacionais, bem como salientar sua importância para as mesmas.

Deleuze, Guattari: intercessores

Ao longo de nossa pesquisa de mestrado e doutorado (Vinci, 2014, 2019), mapeamos as produções educacionais que se valeram do referencial teórico deleuziano, guattariano e/ou deleuzo-guattariano no Brasil, mormente os artigos publicados nos periódicos mais bem qualificados da área e as dissertações/teses defendidas, levando em consideração o intervalo 1980-2010. Se não nos debruçamos sobre os referenciais guattarianos isso se deve, como a remissão à resenha As mil planícies de Guattari (Escobar, 1982) que abre esse artigo bem o demonstra, ao fato de que os movimentos de difusão e apropriação do pensamento elaborado pelo psicanalista francês, em parceria ou não com Deleuze, seguiram caminhos diversos e exigiram uma análise específica (Vinci, 2014). Podemos, à guisa de exemplo, notar dois momentos distintos na apropriação do pensamento desse pensador: em um primeiro momento, Guattari foi lido como um teórico alinhado à tradição crítica, dado o seu intenso diálogo com certos teóricos da tradição marxista - Trotsky, sobretudo -; em um segundo momento, lidamos com o descredenciamento de sua parceria com Deleuze. Encontramos ecos do primeiro momento nas apropriações realizadas nas décadas de 1980 sobretudo; do último, nas das décadas de 1990 e 2000. Ainda hoje, não raro, deparamos com estudos cuja remissão exclusiva ao nome de Deleuze se apresenta como regra, ainda que muitos dos conceitos utilizados pelos pesquisadores advenha de sua empreitada ao lado de Guattari, sobretudo os tomos integrantes da coleção Capitalismo & esquizofrenia. O próprio Deleuze (2007), em certo momento, pontuou o equívoco dessas apropriações que desconsideram a sua parceria com Guattari - como foi o caso da leitura apresentada por Arnaud Vilani, sobre a qual Deleuze teceu agudas críticas em sua Carta a um crítico severo6.

Deleuze e Guattari, conforme argumentamos em outra ocasião (Vinci & Ribeiro, 2022), trabalharam juntos de maneira a deslocarem o pensamento um do outro. Para os fins que nos interessam, convém salientar que esse modo de trabalho conjunto primava por uma certa experimentação de ideias que ambos, cada qual em seu percurso individual, ousaram vivenciar. Em sua obra escrita em parceria com Claire Parnet, Deleuze assim se refere a esse movimento de experimentação:

Eu tentava nos meus livros precedentes descrever um certo exercício de pensamento. Mas descrevê-lo não era ainda exercer o pensamento desse modo. (Analogamente, gritar ‘viva o múltiplo’ não é ainda fazê-lo, é preciso fazer o múltiplo. E também não basta dizer ‘baixo os gêneros’, é preciso escrever efetivamente de tal modo que já não existam ‘gêneros’, etc.) Eis que, com Félix, tudo isso se tornava possível, mesmo que falhássemos (Deleuze & Parnet, 2004, p. 27-28, grifo do autor).

Deleuze e Guattari não eram parceiros de trabalho simplesmente, mas intercessores um do outro.7 Os intercessores, em Deleuze (2007), operam como signos sensíveis capazes de engendrar aquilo que o filósofo francês denomina de pensar no pensamento (Deleuze, 1988). Conforme propagado em Diferença e repetição (Deleuze, 1988), não padecemos de uma propensão natural ao pensamento, antes pensamos apenas a partir de um encontro violento com um signo sensível que nos leva a pensar.8 Somos vítimas desse encontro, mais do que agentes. Pensar, ademais, não significaria refletir sobre esse encontro ou sobre outras tantas coisas, mas em companhia desse signo sensível criar algo da ordem do impensável. Todo pensamento, em um diapasão deleuziano e/ou deleuzo-guattariano, se caracterizaria como criação do impensável. Os intercessores, nessa toada, poderiam ser interpretados como interferências sensíveis e intensivas no processo criativo do pensamento, interferências fabulatórias ou pegas em um “[...] flagrante delito de fabular [...]” (Deleuze, 2007, p. 157) capazes de engendrar o dito pensar no pensamento.

O pensamento só pensa coagido e forçado, em presença daquilo que ‘dá a pensar’, daquilo que existe para ser pensado - e o que existe para ser pensado é do mesmo modo o impensável ou o não pensado, isto é, o fato perpétuo que ‘nós não pensamos ainda’. É verdade que, no caminho que leva ao que existe para ser pensado, tudo parte da sensibilidade. Do intensivo ao pensamento, é sempre por meio de uma intensidade que o pensamento nos advém. O privilégio da sensibilidade como origem aparece nisso: o que força a sentir e aquilo que só pode ser sentido são uma mesma coisa no encontro, ao passo que as duas instâncias são distintas nos outros casos. Com efeito, o intensivo, a diferença na intensidade, é ao mesmo tempo o objeto do encontro e o objeto a que o encontro eleva a sensibilidade (Deleuze, 1988, p. 210, grifo do autor).

Ora, seguindo a picada aberta por Deleuze, se não pensamos espontaneamente, o que fazemos quando cremos estar pensando? No geral, restamos atrelados a certo preconceito infantil que nos condiciona a sempre conceber o pensamento como uma resposta, previamente definida - ou sim ou não -, a problemas construídos de véspera. Tendemos, em outras palavras, a compreender o pensar como uma ação voltada para a solução de certos problemas, mas tanto os problemas quanto as respostas possíveis estariam definidos previamente pela cultura vigente. Para nos livrarmos dessa concepção limitadora acerca do que significa pensar, Deleuze sugere que passemos a inventar os nossos próprios problemas. Desde Bergsonismo (Deleuze, 2012), uma de suas primeiras obras, Deleuze insiste nessa questão, argumentando que “[...] a verdadeira liberdade está em um poder de decisão de constituição dos próprios problemas: esse poder, ‘semidivino’, implica tanto o esvaecimento de falsos problemas quanto o surgimento criador de verdadeiros” (Deleuze, 2012, p. 11, grifo do autor). Visando promover essa libertação, convém proceder com uma crítica daquilo que se concebe por pensamento, recusando compreendê-lo como um mero exercício de reflexão sobre determinado objeto previamente dado, e procurar aliados capazes de nos arrastar para outras searas do pensável, no qual o impensado não foi pensado ainda e, portanto, necessita ser criado. Compete aos intercessores, portanto, promover esse deslocamento, um deslocamento intensivo.

Para além da aliança forjada entre os dois pensadores, cada um servindo de intercessor ao outro, a obra de Deleuze, escrita ou não em parceria com Guattari, também buscaria aliados de pensamento, procurando atuar como intercessores de pesquisadores alocados nos campos disciplinares os mais diversos. Tal desejo, expresso inúmeras vezes por Deleuze, se manifestaria na recusa em ofertar seus textos para a reflexão alheia somente, demandando antes um tratamento de seus escritos que não passasse por certa conduta reverencial:

Mas uma boa maneira de ler hoje em dia, seria tratar um livro como se ouve um disco, como se vê um filme ou uma emissão televisiva, como se recebe uma canção: qualquer tratamento do livro que exija um respeito especial, uma atenção de outro tipo, vem do passado e condena definitivamente o livro. Não há nenhuma questão de dificuldade nem de compreensão: os conceitos são exatamente como sons, cores ou imagens. São intensidades que vos são ou não convenientes, que passam ou não passam. Pop’filosofia. Não há nada a compreender, nada a interpretar. . . . É a boa maneira de ler: todos os contra-sensos são bons, na condição todavia de que não consistam em interpretações mas que digam respeito ao uso do livro, que multipliquem o seu uso, que construam uma língua nova no interior da sua língua (Deleuze & Parnet, 2004, p. 14-15).

Os escritos deleuzianos e/ou deleuzo-guattarianos, por conseguinte, prestar-se-iam para apropriações e usos experimentais que não se esgotariam na mera exegese de suas ideias, pelo contrário. Procurariam, pois, leitores interessados não em resolver velhos problemas, mas criar os seus próprios, por meio de um deslocamento ou alargamento daquilo tal qual está dado - criar uma língua no interior de sua própria. Uma leitura, pois, capaz de conectar o escrito a um fora, experimentá-lo: “[...] essa maneira de ler em intensidade, em relação com o fora, fluxo contra fluxo, máquina com máquinas, experimentações, acontecimentos em cada um que nada têm a ver com um livro, fragmentação do livro, maquinação dela com outras coisas, qualquer coisa... etc., é uma maneira amorosa” (Deleuze, 2007, p. 18).

Não surpreende, caso levemos esse apelo deleuziano para o campo educacional que Deleuze e Guattari fossem convocados como companheiros para criação de outros problemas, para elaboração de uma outra língua na pesquisa educacional. Essa criação, por seu turno, não apela para uma apropriação inconteste das ferramentas metodológicas elaboradas pelos autores de Mil platôs (Deleuze & Guattari, 1998)- a cartografia, por exemplo -, mas sim por uma elaboração singular que retoma o delírio fabulatório dessas ferramentas e as conecta com problemas inauditos do campo. Isso, contudo, não deveria ser feito desconsiderando o papel de Guattari na criação filosófica de O Anti-Édipo (Deleuze & Guattari, 2010) e Mil platôs (Deleuze & Guattari, 1998), como tantas vezes se fez. Ainda que hoje deparemos com pesquisas que recuperem o legado de Guattari para o campo educacional (Carvalho & Camargo, 2015), essa retomada ainda se faz de modo tímido. De qualquer modo, apreender o modo como Deleuze e Guattari trabalharam conjuntamente nos ajuda a situar o apelo por uma leitura em intensidade presente no escrito desses autores, elaborados conjuntamente ou não, que a pesquisa educacional recente procura recuperar. Entretanto, conforme o panorama da difusão de seu pensamento a ser apresentado, essa apropriação interessada, ou experimental, de seus escritos ocorreu apenas na virada para a década de 2000. Antes, o pensamento de Deleuze e Guattari se viu refém de demandas mais complexas, mormente aquela derivada da crise de paradigma instaurada no interior das pesquisas educacionais, e por esse motivo a apropriação desses autores ocorreu de maneira incidental, pouco atenta a elementos específicos de seu pensamento.

Os anos 80: início da recepção do pensamento deleuziano no Brasil

Sandra Benedetti (2007), em um dos primeiros trabalhos preocupados em mensurar o impacto do pensamento deleuziano e deleuzo-guattariano para o campo das pesquisas educacionais brasileiras - Entre a educação e o plano de pensamento de Deleuze & Guattari: uma vida...-, assombrou-se com a vertiginosa explosão de estudos interessados em pensar a seara educacional a partir do aparato conceitual erigido por Deleuze, Guattari e Deleuze-Guattari. Em 2001, ao encerrar a pesquisa para o seu mestrado, eram poucos os artigos em Educação que se utilizavam do referencial teórico deleuziano, guattariano e/ou deleuzo-guattariano como seus principais articuladores teóricos; pouco menos de cinco anos depois, contudo, ao iniciar sua pesquisa de doutorado, esse número praticamente quintuplicou.

Durante a pesquisa de mestrado (1996-2001), Alice conseguiu localizar apenas quatro pesquisas em educação que traziam Deleuze e Guattari em seus principais argumentos. Três delas, teses de doutorado em educação e uma em arte-educação. Em contrapartida, no levantamento realizado em 2005, Guattari e, principalmente, Deleuze apareciam citados em mais de mil endereços eletrônicos, dentre teses, dissertações, artigos em sites de divulgação de produções acadêmicas brasileiras, além de blogs de escritores, jornalistas, artistas, anarquistas etc.9 Na atualidade, são mencionados em ou embasam teoricamente um sem número de pesquisas brasileiras produzidas em cursos de cinema, teatro, artes, dança, comunicações, enfermagem, medicina, psicologia, filosofia, dentre outros. Estão presentes, igualmente, em outras dezenas de pesquisas e estudos educacionais, nas mais distintas linhas temáticas: currículo, filosofia da educação, formação de professores, políticas públicas, educação ambiental, educação e multimeios, educação a distância, educação em arte (Benedeti, 2007, p. 23-24).

Contribuindo para esse aumento significativo, nota ainda a pesquisadora, em 2005, duas importantes revistas da área - Educação & Realidade, ligada à UNICAMP, e Educação & Pesquisa, ligada à UFRGS - já haviam lançado dossiês voltados para o pensamento deleuziano e atestado a sua importância para as pesquisas na área, corroborando o prognóstico de que esses autores deixavam de ser mero acessório para os pesquisadores em Educação e assumiam uma relativa importância. O aumento exponencial de pesquisas articuladas com o referencial teórico dos autores de Mil platôs (Deleuze & Guattari, 1998) demonstrou, na concepção da autora (Benedetti, 2007), a centralidade assumida pela Filosofia da diferença10 nos estudos da área a despeito do recorte temático. Essa centralidade se deve dada a busca pelo novo por parte de muitos pesquisadores, interessados em esgarçar “[...] as concepções de representação e de recognição acopladas à ideia de sujeito da educação, expondo os artifícios de produção e corrupção das subjetividades pelo capitalismo e suas estratégias de captura” (Benedetti, 2007, p. 160).

Endossando o prognóstico supramencionado, Cristiane Marinho (2014), em Filosofia e Educação no Brasil: da identidade à diferença, compreende que a emergência desse pensamento no interior dos estudos educacionais produziu uma quebra nos paradigmas filosóficos predominantes até então, mormente nas discussões promovidas na subárea da Filosofia da Educação, dominada até então por leituras marxistas. Para Marinho (2014), o campo da Filosofia da Educação seria algo recente entre nós11, sendo possível situar o seu surgimento em meados do século XX e de maneira um tanto tímida, estando fundido com o campo dos estudos em História da Educação; essa precocidade explicaria os embates surgidos na área e a cristalização de alguns grupos que, pouco interessadas em discussões como aquela encabeçada por Deleuze, não viram razão para articulá-lo aos debates por ele promovidos.12 Tal situação, contudo, iria se modificar radicalmente em meados da década de 1990, com o pensamento deleuziano assumindo certa centralidade nesses debates e possibilitando uma renovação das discussões da área, bem como uma completa autonomização do campo da Filosofia da Educação que, a partir da leitura deleuzo-guattariana da filosofia como atividade eminentemente criativa (Deleuze & Guattari, 1992), possibilitaria aos pesquisadores da área se afastarem de vez do campo de discussões mais históricas sobre os sentidos da educação.

Para os fins de nosso artigo, convém notar que, antes dessa reconfiguração da área notado tanto por Benedetti quanto por Marinho, o pensamento de Deleuze, Guattari e Deleuze-Guattari trilhou um tortuoso caminho, não sendo possível compreender a sua erupção no campo das pesquisas em Educação sem levarmos em consideração o embate surgido em meados da década de 1970 e 1980 no interior dos estudos críticos. Conforme pontuou Maria Rocha (2022), em Bourdieu à brasileira, o campo dos estudos críticos, predominante nas pesquisas educacionais até a década de 1990, se cristalizou na década de 1970 graças ao diálogo com a obra do sociólogo Pierre Bourdieu e, secundariamente, com a do filósofo Louis Althusser. A escolha pelo pensamento de Bourdieu não foi aleatória, pelo contrário. Diante de um regime ditatorial que coibia a circulação irrestrita de certos pensadores, mormente aquelas envolvidas em discussões marxistas, a obra do sociólogo francês, ainda pouco conhecida entre nós, apresentava uma via de exercer uma crítica social sem necessariamente se valer do cabedal teórico-metodológico marxista, presente por seu turno em Althusser. O paradigma reprodutivista, influenciado pelas leituras de Bourdieu e Althusser, tornar-se-ia algo marcante e quase incontestes ao longo daquelas décadas, responsável pelas principais críticas dirigidas ao sistema escolar - compreendido como um sistema reprodutor das desigualdades sociais ou como aparelho reprodutor da ideologia estatal -; até que, em meados da década de 1980, assistiremos à emergência de um novo paradigma, o dito Histórico-Crítico, que pontuará as limitações da leitura crítico-reprodutivista precedente e a questionará sobre sua real capacidade e modificar o cenário social.13 Como nota Lucia Aranha (1992), trata-se de um momento de embate no interior do próprio paradigma crítico que será acentuado com as crises do universo socialista surgida em finais da década de 1980 e início da de 1990.

Ao longo das décadas de 1970 e 1980, em resumo, o campo dos estudos educacionais se viu marcado por esse embate entre dois polos distintos, ambos atrelados ao campo dito crítico, e mesmo autores importantes, como é o caso de Paulo Freire, acabaram convergindo para um desses polos. Conforme pontua Marinho (2014), ainda que Freire apenas acene para o marxismo - sua maior influência derivou de certo existencialismo cristão -, sua alocação no campo dos estudos críticos era algo natural e incontestável. Dada o domínio do campo por esse debate, autores que, de algum modo, não dialogavam diretamente com esse rincão crítico, acabaram padecendo de apropriações incidentais, em completa desconsideração pela especificidade de seu pensamento muitas vezes. Foi esse o caso de Deleuze, Guattari e Deleuze-Guattari, autores que emergiam nesse cenário como completos estrangeiros.

Ao longo da década de 1980, deparamos com algumas citações incidentais de Deleuze ou Guattari, sendo que raramente ambos os autores apareceram juntos. Guattari, conforme demonstram os estudos desenvolvidos por José Carlos de Paula Carvalho (1985, 1987), era recorrentemente associado a autores os mais diversos - Edgard Morin, por exemplo - e as citações ao seu pensamento ocorrem sempre de modo incidental, com pouco aprofundamento em seus conceitos e de forma pouco dialogada com o método de trabalho guattariano. Deleuze, por seu turno, aparecia unicamente como comentador, seja de Kant (Borges, 1987) ou Hume (Goto, 1989). Por vezes, conforme depreendemos das obras de Carvalho (1987), Deleuze e Guattari surgem como uma espécie de argumento de autoridade, utilizado para validar uma leitura e/ou interpretação.

Exceção digna de nota, para esse período, decorre do trabalho de Aida Novelino (1988), única autora que apresentou uma discussão mais aprofundada de temas e conceitos guattarianos, sem remissão às obras escritas por ou em parceria com Deleuze, como a discussão sobre movimentos micropolíticos e acerca da produção de subjetividades no capitalismo, deslocando-os para pensar seu problema de pesquisa, qual seja: a produção de um perfil idealizado de maternidade. De acordo com a autora:

[...] considero importante, então, discutir nesse momento a noção de produção de subjetividade proposta por Félix Guattari, para explicar o processo através do qual as pessoas são modeladas para agir, pensar, sentir etc. Para ele, a subjetivação é uma dimensão social - não um aspecto do indivíduo - e, enquanto tal, produzida socialmente. É o resultado de um processo coletivo e não da soma de subjetividades isoladas. (Novelino, 1988, p. 23).

Embora a leitura de Novelino (1988) recupere as discussões guattarinianas de maneira mais detida, sua percepção de que a construção de um perfil ideal - e, portanto, normativo - de maternidade privilegia o modo como os interesses econômicos, políticos e sociais plasmam esse modelo ao longo dos séculos, sendo possível ler a subjetividade como um subproduto de aparelhos ideológicos vigentes na sociedade. Esse acento marxista nas apropriações do pensamento guattariano ao longo da década de 1980 seria uma constante.

Percebemos, em suma, uma presença mais recorrente de Guattari nos estudos da área, ainda que a remissão ao seu pensamento o aloque ao lado de certa tradição marxista - mesmo Novelino (1988) o faz, ainda que recuperando certos conceitos específicos de Guattari - ou alocando-o ao lado de autores os mais diversos - tal qual Carvalho (1987), ao aproximar Guattari do pensamento complexo de Edgard Morin -, enquanto Deleuze, por seu turno, apareceria como um comentador de outros tantos filósofos. As obras desses autores, em suma, eram lidas e apropriadas de maneira incidental, desconsiderando-se a especificidade de seu pensamento e alocando-os em searas de discussões que, para o leitor contemporâneo ao menos, soariam contraditórias. Eram estrangeiros, portanto, sem direito à cidadania, ou quando muito usufruindo uma cidadania de segunda mão no vasto mundo das pesquisas brasileiras. Conforme pontuou Marinho (2014), contudo, o campo das pesquisas educacionais estava imerso nas discussões críticas e, dentro dessa vertente teórica, uma luta embrionária ocorria entre os adeptos do reprodutivismo e aqueles ligados ao movimento histórico-crítico, tal luta acabaria por produzir questionamentos entre os seus adeptos que os fez buscar outras vertentes interpretativas. Diz-nos a autora:

O marxismo, principalmente o vinculado às posições de Saviani, que era o referencial dominante da filosofia da educação na época, começou a ser questionado por muitos de seus simpatizantes. Esses questionamentos se deram em função das reordenações mundiais do capital e das suas consequências que começavam a ocorrer, muitos filósofos da educação em crise passaram a buscar novos referenciais teóricos (Marinho, 2014, p. 247).

Essa luta no interior do paradigma crítico marcaria o surgimento de um novo paradigma, o dito pós-crítico, no interior do qual Deleuze e Guattari passariam a usufruir de certo destaque e gozariam de um novo momento de difusão; momento de leituras mais atentas de sua obra ao invés das apropriações incidentais que marcaram a década de 1980.

Deleuze e Guattari na década de 1990

Convencionou-se, no interior do campo das pesquisas educacionais, atrelar o pensamento deleuziano, guattariano e/ou deleuzo-guattariano ao surgimento do grupo denominado de ‘pós-crítico’ (Veiga-Neto, 1995; Corazza, 1996). Surgido sobretudo na passagem da década de 1980 para o de 1990, os estudos alocados sob tal alcunha - por vezes também denominada de pós-estruturalista ou pós-modernista, naquele momento essas designações foram utilizadas como sinônimos, ou simplesmente consideradas como teorias ‘pós’ (Corazza, 1996)14 - visavam promover um redirecionamento das análises canônicas de modo a fazer frente à certa crise instaurada no interior da perspectiva anterior, aquela de verve crítica. Crise sintetizada na leitura de Alfredo Veigo-Neto (1995), autor para quem:

[...] não há como ignorar que estamos vivendo num tempo em que os ideais e as promessas iluministas esfumam-se no horizonte de nossas esperanças. O esgotamento do humanismo e do racionalismo - pelo menos segundo os moldes em que esses foram articulados na Modernidade - pode ser sentido tanto em termos sociais, políticos e econômicos, quanto em termos éticos, epistemológicos e estéticos. Vem principalmente daí a sensação de que se vive hoje uma profunda e ampla crise. É nesse cenário que muitos falam num suposto fim do projeto educacional moderno. (Veiga-Neto, 1995, p. 8).

O prognóstico de Veiga-Neto encontra ressonâncias em outras publicações surgidas na década de 1990, inclusive de publicações filiadas ao paradigma dito crítico. Lucia Aranha (1992), por exemplo, apresentou uma leitura muito similar àquela supramencionada em seu livro Pedagogia histórico-crítica: o otimismo dialético em educação. Para a autora (Aranha, 1992), o campo das pesquisas em Educação padeceu de uma aguda sensação de crise, instaurada devido aos limites inerentes à própria tradição crítica que, incapaz de acompanhar as mudanças políticas e sociais posteriores à falência do projeto histórico socialista, deixou de questionar os seus intentos e objetivos. A autora, à época, categoricamente afirmou: “[...] a utilização, por parte dos teóricos da tendência aludida, do materialismo histórico dialético sem concatenação com dinâmicas teórico-sociais contemporâneas, pode estar contribuindo para possíveis insuficiências/lacunas e/ou equívocos” (Aranha, 1992, p. 8). Como única saída possível, a autora insistiu na urgência do estabelecimento de um diálogo com outras vertentes teóricas, de modo a promover um alargamento epistêmico do campo e, assim, renovar o paradigma em questão, quando não possibilitar “[...] uma maior complexificação nos quadros teóricos/analíticos educacionais, tendo em conta a própria complexidade das sociedades atuais” (Aranha, 1992, p. 8). Entre o rol de autores citados pela autora, a fim de promover esse alargamento ou complexificação dos quadros teóricos/analíticos, deparamos com uma miríade de autores brasileiros filiados ao paradigma histórico-crítico - como Demerval Saviani, José Carlos Libâneo e outros - e com autores distantes da tradição crítica - Jean-Francois Lyotard, Edgar Morin, Michel Serres etc. Tal qual Veiga-Neto em seu prognóstico, Aranha (1992) também opta por atacar os universalismos que permearam as palavras de ordem de teor crítico no campo educacional, insistindo na necessidade de historicizarmos os conceitos e os intentos que permearam o campo educacional.

A despeito dos posicionamentos teóricos, o diagnóstico de uma crise vigorando no interior das pesquisas educacionais ao longo da década de 1990 marcou a emergência de uma busca por novos paradigmas no campo; em suma, marcou uma preocupação em produzir um deslocamento epistêmico (Silva, 1995).15 O surgimento do grupo dito pós-crítico, embora pudesse ser categorizado simplesmente como uma resposta superficial ao paradigma crítico que dominou as pesquisas desde a década de 1980 ou uma vã tentativa de “[...] superar as contradições geradas dentro do próprio paradigma [crítico] que nos aprisiona [...]” (Veiga-Neto, 1995, p. 8), não se limitou à realização de uma tarefa negativa apenas, voltada para o combate ao paradigma anterior, antes se prestou a produzir uma renovação epistêmica considerável ao ponto de, hoje, inspirar uma gama considerável de pesquisas em Educação (Marinho, 2014).

Não podemos perder de vista que, em meados dos anos 90, autores que já circulavam pelo campo das pesquisas educacionais de forma difusa - como é o caso de Michel Foucault, presente nas pesquisas da área desde 1970 (Aquino, 2018) - começaram a ganhar notoriedade e, dentre eles, Deleuze e Guattari despontavam como parceiros importantes para os pesquisadores em Educação, ainda que de maneira tímida em um primeiro momento. Sua importância para as pesquisas desenvolvidas na área seria atestada nas décadas de 2000 e 2010, tanto graças a consolidação do campo de estudos pós-crítico, sobretudo no campo dos estudos curriculares (Paraíso, 2004, 2005), quanto devido ao surgimento de uma certa ruptura no interior desse mesmo grupo que possibilitaria aos pesquisadores alinhados exclusivamente ao diapasão teórico deleuziano e/ou deleuzo-guattariano procederem com seus trabalhos investigativos de maneira autônoma. Os estudos educacionais alinhados com o pensamento de Deleuze e Deleuze-Guattari, conforme defendemos alhures (Vinci, 2016), acabariam por se dissociar dos estudos pós-crítico a partir do momento em que abdicaram de sua preocupação em renovar ou deslocar ou problematizar o paradigma anterior e passaram a procurar criar uma visada própria aos objetos da área, uma visada de teor mais poético e marcadamente expressa nas discussões metodológicas que ganharam corpo em meados da década de 2000.

Essa mudança na relação com o pensamento de Deleuze, Guattari e Deleuze-Guattari, ainda, acompanha uma mudança maior ocorrida no meio acadêmico brasileiro. Conforme notou Eric Alliez (2015), os anos 90 marcariam um novo momento na recepção do pensamento de Deleuze nos departamentos de filosofia. Essa mudança permitiu o surgimento dos primeiros grandes comentadores do corpus deleuziano, cujas obras acabaram ofertando uma grade interpretativa para o pensamento de Deleuze que serviria de base para discussões teóricas desenvolvidas não só no campo da filosofia, mas também no educacional. Diz-nos o autor:

É nesses mesmos anos [1990] que a situação começa a mudar num grande número de departamentos de filosofia, que até então haviam ignorado largamente a inventividade dos conceitos deleuzianos em função de sua irredutibilidade à história disciplinar da filosofia e à divisão semioficial do mundo filosófico em seus dois blocos analíticos e fenomenológico. A irrupção de uma nova geração de jovens professores vai desencadear a transformação. Para alguns, que romperam com os mais velhos e estabelecidos, nos quais será denunciada - nem sempre sem razão - a formação dogmática e/ou provinciana, a imagem do ‘pensamento 68’ (isto é, Deleuze e Foucault - cujo seminário sobre ‘as verdades e as formas jurídicas’ oferecido em 1973 na PUC do Rio de Janeiro e logo publicado, havia marcado os espíritos de maneira definitiva) representará algo da ordem de uma alternativa cultural em que se negocia uma prática decididamente pós-nietzschiana e transdisciplinar da filosofia contemporânea. Para outros, mais numerosos e de formação mais ‘clássica’, a abertura da questão pós-heideggeriana de uma história filosófica da filosofia, uma vez que ela não podia mais se satisfazer com uma identificação destinal com o tema obrigatório do fim da filosofia e do esquecimento do ser, era cada vez menos separado de uma indagação sobre as condições do esgotamento aporético da fenomenologia e da filosofia analítica. Merleau-Ponty e Wittgenstein, portanto, que contam aqui como notáveis intérpretes; mas também Deleuze, o outsider, cujo pensamento criador está adquirindo, numa Faculdade ameaçada de sair dos eixos, uma nova atualidade (Alliez, 2015, p. 1999, grifo do autor).

Tal qual no campo educacional, no qual assistíamos a uma crise do paradigma crítico, os departamentos de filosofia vivenciavam uma crise dos paradigmas então dominantes, crise esta que os levou a buscar a companhia do pensamento deleuziano. Deleuze, por meio de suas leituras interessadas da história da filosofia, bem como sua crítica ao caráter repressor da mesma (Deleuze, 1988), ofertava uma saída interessante para aqueles alocados nesses departamentos, por permitir pensar a construção de uma história da filosofia filosofante e, mais, conceber uma outra conceção do que seira filosofia. Convém notar que Deleuze recebe certo destaque, mas não Guattari. Essa mudança nos departamentos de filosofia em relação ao pensamento de Deleuze e Guattari, iria se fazer sentir em muitos trabalhos do campo educacional que surgiram no início da década de 1990, voltados para pensar o tema do ensino da filosofia.

Na aurora dos anos 1990, portanto, assistimos ao nascimento das primeiras discussões do campo educacional interessadas em articular o pensamento de Deleuze e Deleuze-Guattari às temáticas da área de forma mais orgânica. Essa apropriação se deveu, sobretudo, a certas discussões setoriais como aquela empreendida por autores que debatiam os pressupostos norteadores do ensino de filosofia em nosso país, mas também a uma mudança processada no interior dos departamentos de filosofia. Para os fins que nos interessa, seguindo a leitura proposta por Marinho (2014), as discussões sobre o primado criativo da filosofia, compreendida por Deleuze e Guattari (1992) como uma atividade criadora de conceitos por excelência, marcaram um ponto de inflexão sem precedentes para os pesquisadores do campo. Celso Favaretto (1992) e Ricardo Fabbrini (1993), por exemplo, insistem que encontramos em O que é a Filosofia?, livro publicado na França em 1991 e traduzido para o português em 199216, uma nova concepção sobre os intentos norteadores do ensino de Filosofia em nosso país. Para Fabbrini, por exemplo, compete ao professor de Filosofia em sala de aula “[...] desconstruir e reconstruir o texto - trabalhá-lo: traçar seu plano de imanência, inventar ou reinventar os conceitos e sua coexistência” (Fabbrini, 1993, p. 127). Essa defesa, alinhada às concepções deleuzo-guattarianas expressas em O que é a Filosofia? (Deleuze, & Guattari, 1992), busca renovar a concepção estanque do ensino de filosofia como canal para discussão ou explicitação dos ideais universais formativos. Embora reconheçam a singularidade da leitura de Deleuze e Guattari, bem como sua importância para ressignificarmos o sentido de se ensinar Filosofia em nosso país, tais autores não trabalham de maneira exaustiva com os autores de Mil platôs (Deleuze & Guattari, 1998). Encontramos, porém, outros trabalhos que o fazem, ainda que com ressalvas.

Nyvia Cristina Bandeira Castro, em artigo intitulado Questões discursivas: retomando algumas considerações (1993), apresenta uma leitura mais exegética e densa da obra de Deleuze para tratar de questões concernentes à análise discursiva e, sobretudo, as políticas de significação operando em nossa sociedade - retomando as discussões de Lógica do sentido (Deleuze, 2009), obra de Deleuze traduzida para o português em meados da década de 1970. Conceitos deleuze-guattarianos como ‘palavra de ordem, diferença’ e tantos outros circulam de forma mais orgânica, sendo analisados e operacionalizados no corpo do próprio texto. Diferente de textos que veríamos surgir na década de 2000, de teor mais experimentais, o texto de Castro (1993) ainda se alinha às regras de certa leitura exegética, interessada mais em compreender a especificidade do aparato conceitual deleuziano do que propriamente experimentá-lo. Deleuze, por seu turno, ainda que salvaguardada especificidades de seu pensamento, aparece ao lado de autores diversos, sobretudo do campo das discussões linguísticas - Benveniste, Ducrot etc. Na verdade, esse interesse por uma compreensão do referencial teórico forjado por Deleuze, mais do que por sua experimentação, seria a marca dos movimentos de apropriação de seu pensamento ao longo de toda a década de 1990.

Nessa toada, por exemplo, assistiríamos ao final daquela década o surgimento de pesquisas interessadas em experimentar conceitos como o de transversalidade ou rizoma, similar ao movimento realizado por Silvio Gallo (1999). Gallo, em Transversalidade e educação: pensando uma educação não-disciplinar (1999), buscando escapar dos limites impostos por certo paradigma presente no campo das discussões científicas que tende a hierarquizar e disciplinar os saberes, por meio sobretudo da metáfora da árvore do saber17, retoma a noção de rizoma forjada por Deleuze e Guattari (1998) visando subverter a “[...] ordem da metáfora arbórea, tomando como paradigma aquele tipo de caule radiciforme de alguns vegetais, formado por uma miríade de pequenas raízes emaranhadas em meio a pequenos bulbos armazenatícios, colocando em questão a relação intrínseca entre as várias áreas de saber” (Gallo, 1999, p. 30). A discussão promovida por Gallo, sua retomada do conceito de rizoma como modo de deslocar algumas discussões canônicas na área, ainda segue na busca por alargar horizontes teóricos, tal qual as demais produções da década, mas o faz em um diálogo mais orgânico com o pensamento deleuziano, guattariano e deleuzo-guattariano. Os autores, em Gallo (1999), não são convocados para integrar um grupo genérico de autores, tampouco como argumentos de autoridade apenas. Ademais, os princípios norteadores do paradigma rizomático são apresentados como ferramentas para se trabalhar em uma perspectiva metodológica distinta daquela canônica para a área. Embora Gallo não adentre em uma discussão de teor metodológico, visando construir uma ferramenta a ser utilizada pelos pesquisadores da área, sua obra começa a apontar para esse intento que tomaria de assalto as produções da década seguinte - Gallo, ademais, tornou-se um dos principais divulgadores desse pensamento dentro do campo das pesquisas educacionais.

De um lado, Deleuze e Guattari começam a ser reconhecidos pelos pesquisadores da área, seja por conta de discussões específicas - como aquela ligada ao ensino de filosofia - ou pelo aparato conceitual próprio que possibilitaria aos pesquisadores em Educação iniciarem, ainda que timidamente, uma guinada epistémica rumo às discussões em torno da diferença. Por outro, constata-se a permanência de leituras incidentais de seu pensamento, ainda alocando-o no interior de grandes blocos analíticos - pós-crítico ou marxista - a fim de torná-lo legível a uma gama mais ampla de leitores. Ainda hoje, poder-se-ia argumentar, essas apropriações convivem em relativa harmonia, sendo possível encontrar desde apropriações mais radicais do pensamento desses autores até menções incidentais quando não acidentais - articulando-os de maneira apressada a campos epistêmicos que lhes seriam estranhos, como certa vulgata marxista. Sem dúvida, longe de nós desmentir tal veredito, acontece que, na década de 1990, as apropriações do pensamento deleuziano, guattariano e/ou deleuzo-guattariano ainda dialogam sobremaneira com a crise de paradigmas instaurada na área na década anterior; as pesquisas desenvolvidas sob a égide desse pensamento, em outros termos, ainda aparecem sobre uma chave responsiva, por vezes negativa, visando lidar com uma pretensa crise e apontar outros caminhos.

Se compararmos a produção desenvolvida na década de 1990 com aquela que ganharia corpo posteriormente, como aquelas desenvolvidas por Sandra Corazza (2002), perceberemos que, enquanto as da década de 1990 ainda buscam repensar ou mesmo combater o paradigma antecedente, as pesquisas desenvolvidas na virada para o século XXI procuram se autonomizar, entendo que não se trata mais de ultrapassar ou repensar paradigmas anteriores, mas criar ou produzir uma outra Educação. Conforme notamos alhures (Vinci, 2016), tais pesquisas buscam assumir uma posição de pura positividade, criativas, ao invés de se restringirem ao papel negativo que lhes foi infligido anteriormente. Se as pesquisas da década de 1990 não buscaram se autonomizar - com uma rara exceção, como veremos na seção posterior -, muito disso se deveu ao modo como o pensamento de Deleuze, Guattari e Deleuze-Guattari foi difundido na área educacional, por meio de produções que alocavam esses autores de modo indiscriminado no grupo que se convencionou chamar de pós-crítico.

Por fim, foi na 1990 que assistimos a uma articulação de um importante grupo de pesquisadores, em sua maioria ligados à UFRGS, interessados em promover uma renovação epistémica na área. Encontramos ecos desse esforço na revista Teoria e Educação, uma publicação de vida breve - publicada entre os anos de 1990 e 1992 -, mas que possibilitou aos/às pesquisadores/as o acesso a discussões teóricas até então inéditas em nosso país. Os dossiês publicados por essa revista traziam autores ligados ao campo dos ‘estudos culturais’, como Stuart Hall, e discussões que traziam para a cena elementos do pensamento francês dito pós-estruturalista, mormente Michel Foucault. Tendo em seu corpo editorial nomes como Tomaz Tadeu da Silva e Alfredo Veiga-Neto, importantes difusores desse pensamento francês em nosso país, a revista seria aquela responsável por impulsionar a pesquisa que se convencionou chamar de pós-crítica. Mesmo após sua descontinuidade, no ano de 1992, seus editores continuaram engajados na difusão desse pensamento, como atesta a trilogia organizada por Silva e Veiga-Neto: Teoria educacional crítica em tempos pós-modernos, organizado por Tomaz Tadeu da Silva no ano de 1993 (Silva, 1993); O sujeito da educação: estudos foucaultianos, organizado também por Silva em 1994 (Silva, 1994); e, por fim, Crítica pós-estruturalista e educação, organizado por Alfredo Veiga-Neto em 1995.

Esse trabalho hercúleo, em resumo, importante para a introdução de outros pensadores que não somente aqueles de verve crítica, possibilitou o acesso do público brasileiro a uma série de outras perspectivas teóricas, mas não necessariamente àquela representada pela perspectiva deleuziana, guattariana e/ou deleuzo-guattariana. Deleuze e Guattari, juntos ou individualmente, apareceram como comentadores sobretudo, sendo que a apropriação de seu pensamento, por conseguinte, ainda ocorria de maneira incidental. Pode-se inferir que, no interior dos estudos pós-críticos, o pensamento desses autores não era distinguido do de outros autores alcunhados de pós-estruturalismo, muito por conta de os esforços dos pesquisadores daquele período estarem no embate contra o campo teórico precedente, dito crítico, ou seja, estarem limitados a uma tarefa de ordem puramente negativa. Apenas quando avançamos na década de 1990, perceberemos uma discussão mais rica com esses autores. Ao final dessa década, surgem as primeiras discussões sobre transversalidade (Gallo, 1999), devir (Fonseca, 1999) e até tímidos movimentos rumo a uma outra metodologia, cartográfica (Gauthier, 1999). Tais discussões, ainda tímidas, anunciam a mudança que se processaria na virada para os anos 2000, uma mudança que iria recuperar as principais linhas de força do pensamento de Deleuze, Guattari e Deleuze-Guattari na promoção de novas metodologias de trabalho, metodologias experimentais interessadas não mais em promover uma mudança de paradigma simplesmente, ou um combate ao paradigma precedente, mas permitir a emergência do não pensado em educação.

Por um outro pensamento em Educação: as apropriações metodológicas do pensamento deleuziano e deleuzo-guattariano

Dentre as publicações surgidas na década de 1990, uma se destacou por conta de sua singularidade: o livro Caminhos investigativos I: novos olhares na pesquisa em educação, organizado por Marisa Vorraber Costa (1996a). O livro em questão, interessado em apresentar novos olhares metodológicos, procurou ofertar uma saída para todos/as aqueles/as engajados na superação das “[...] limitações impostas pelo formalismo metodológico instaurado pela ciência moderna [...]” (Costa, 1996b, p. 14); podendo, sem dúvida, ser considerado um livro cujas intenções prolongaram e corroboraram aquela expressa pelas demais publicações do período, quase todas elas interessadas em promover um ultrapassamento ou um deslocamento em relação a perspectiva epistemológica então reinante. O enfoque nas discussões metodológicas demonstrou ser um campo mais propício para tal tarefa, uma vez que permitiu uma apropriação dos autores ditos pós-estruturalistas capaz de escapar da mera citação incidental de suas ideias, evitando, assim, aproximá-los de paradigmas teóricos dissonantes - trabalhar, por exemplo, com a perspectiva teórica deleuziana, pautada na diferença, a partir de uma leitura marxista-dialética, como ocorrido na década de 1990, na qual a diferenças se transmutaria em mera oposição. Nessa obra percebemos um esforço não apenas em discutir as ideias dos autores e apresentá-las a um público maior, mas também construir, em sua companhia, ferramentas metodológicas coesas. Em outros termos, em Caminhos investigativo (Costa, 1996a), observamos para além do interesse em alargar ou combater o paradigma teórico dominante, uma preocupação em construir um novo campo epistêmico, abandonando de vez as velhas estruturas de pensamento que animaram a pesquisa educacional até então. Tarefa hercúlea, sem dúvida, capaz de gerar angústia naqueles/as ousam desafiar os parâmetros científicos estabelecidos há tantos séculos, conforme expressou Marisa Costa:

[...] é preciso criticar o jogo da reprodução de modelos tão bem instaurado pela arquitetura epistemológica da iluminação, que institui a vigilância em todos os campos, fazendo-nos súditos de seus ditamos tanto temáticos quanto metodológicos. A fragilidade intelectual e emocional que nos acomete quando temos que enfrentar as metodologias, em nossas investigações, é fruto do endeusamento desse tipo de pensamento a que denominados ciência e está impregnado de ‘parâmetros’ que enquadram todos, homogeneízam tudo, definindo o certo e o errado, o bom e o mau, o falso e o verdadeiro etc. (Costa, 1996b, p. 18, grifo do autor).

A publicação, conforme notamos acima, seguia a tendência de seu tempo, boa parte de seus artigos procuravam colocar-se contra a tradição científica moderna e a sua pretensão à verdade, operacionalizando uma tarefa negativa portanto, mas inovavam ao buscar apontar para uma necessidade de criarmos nossas próprias balizas metodológicas para lidar com objetos singulares, para construirmos os nossos próprios problemas. Assim como as demais publicações do período, ainda, a compilação apresentava artigos que trabalharam com autores os mais variados: Michel Foucault, sobretudo, mas também Martin Heidegger, Hans-George Gadamer e, importante para nosso recorte, Gilles Deleuze. Pela primeira vez, em nossa pesquisa, deparamos com um texto voltado para discutir temáticas educacionais, metodologia de pesquisa mais especificamente, a partir de uma leitura orgânica do corpus deleuziano e deleuzo-guattariano. A autora, Sandra Mara Corazza (1996) - uma das mais eminentes pesquisadoras em Educação a trabalhar com o pensamento de Deleuze e Deleuze-Guattari no Brasil -, forneceu reflexões interessantes a partir daquilo que denomina de ‘ponto de basta’, aquele ponto no qual o investigador necessita problematizar os seus próprios movimentos de pesquisa, os labirintos nos quais se embrenhou de modo a produzir um “[...] outro modo de experimentação (não ao modo positivista) de descolagem (não ao modo fenomenológico) dos saberes, poderes e formas de subjetivação que atravessam e produzem as [nossas] práticas de pesquisa” (Corazza, 1996, p. 105). Assumindo, de largada, que tal empreitada exigiria a construção de um outro vocabulário e uma outra metodologia de trabalho, a fim de se escapar das visões canônicas da área sobre o que significa desenvolver pesquisa em Educação, Corazza encontrava em Deleuze um poderoso aliado para essa tarefa.

Deleuze, ali, surgia como um integrante das teorizações ‘pós’ e Corazza, nesse momento, ainda procurava compreender o modo como se constituiu essa “[...] pororoca entre a prática de pesquisa educacional crítica e as teorizações pós [...]” (Corazza, 1996, p. 106), bem como a melhor forma de se posicionar no interior dessa dita pororoca. Embora a tarefa negativa ainda esteja presente, questionar o paradigma anterior, em seu texto vigora uma força que, anos depois, seria melhor explorada por outros de seus livros, como é o caso de Para uma filosofia do inferno na educação: Nietzsche, Deleuze e outros malditos (Corazza, 2002), no qual o trabalho negativo cede espaço para uma experimentação puramente positiva: levar o pensamento a fabular outros possíveis, aumentar a potência da prática pedagógica ou levar a pesquisa da área a enfrentar uma enfermidade ficcional como nunca antes vista. A busca pela criação de outros problemas na pesquisa educacional substituirá a preocupação em problematizar o paradigma precedente, dito crítico, não se trata mais de denunciar suas limitações e alargar seu horizonte de atuação, antes, procurar-se-á produzir um outro pensamento sobre educação. Tais intentos surgem manifestos nas palavras de ordem gerais que estruturam os intentos da obra:

Poderá ser criticado por ter pouco a ver com o racional, o sistemático, o acadêmico, com a teorização científica, grave, séria da educação. E até propõe-se isso mesmo. Sem ser uma concessão ao exotismo, ao esoterismo ou à escatologia, o livro reivindica a sua enfermidade ficcional, a sua anomalia curativa, o seu estado valetudinário. Acredita que, somente por meio da loucura exaltada do pensamento, a imaginação educacional poderá traçar o seu próprio plano de imanência e criar seus personagens, enquanto a invenção conceitual instaura a sua festa (Corazza, 2002, p. 13).

A obra de Corazza se propõe pensar/experimentar o inferno que atravessa o mundo da Educação, tornando-o seu ponto de alucinação, uma “[...] arma de guerra capaz de atirar projéteis, em velocidade absoluta, contra as fortalezas da Bem Aventurança Educacional” (Corazza, 2002, p. 12). Essa experimentação, por seu turno, seria conduzida por meio da criação daquilo que a autora denominou de uma máquina abstrata infernal, forjada com conceitos oriundos da filosofia de Nietzsche, Deleuze, Guattari e outros malditos. Essa ferramenta metodológica possibilitaria acessar o impensável - o pensamento-outro da Educação (Corazza, 2002).

O intento expresso por Corazza marcará outras tantas obras surgidas no período, ao ponto de podermos afirmar que a produção educacional surgida na década de 2000, alinhada ao pensamento deleuziano e deleuzo-guattariano, assumirá tarefa a renovação metodológica por meio da criação de ferramentas teóricas capazes de servir como intercessoras. Constatamos essa preocupação na explosão bibliográfica que veríamos surgir ao final da década, sendo o livro Pistas do método da cartografia (Passos, Kastrup, & Escóssia, 2012b), organizado por Virginia Kastrup, Eduardo Passos e Liliana de Escossia, publicado originalmente em 2009, um marco para a área. Doravante, a busca por ferramentas metodológicas envolvendo o aparato conceitual de Deleuze e Deleuze-Guattari se tornaria algo frequente no campo e, gradativamente, tais discussões acabariam sendo articuladas com uma incitação à produção de movimentos de experimentação. Os próprios autores do livro supracitado insistem nessa articulação que busca pensar metodologia como uma espécie de experimentação:

Daí o sentido tradicional de metodologia que está impresso na própria etimologia da palavra: metá-hódos. Com essa direção, a pesquisa é definida como um caminho (hódos) predeterminado pelas metas dadas de partida. Por sua vez, a cartografia propõe uma reversão metodológica: transformar o metá-hódos em hódos-metá. Essa reversão consiste numa aposta na experimentação do pensamento - um método não para ser aplicado, mas para ser experimentado e assumido como atitude (Passos, Kastrup, & Escóssia, 2012a, p. 10).

Experimentação como atitude, não como método pura e simplesmente. Uma atitude que ousa afrontar as velhas metodologias e balizas do fazer científico, sobretudo ao proporem que o importante não é a apreensão/reflexão sobre o objeto, mas a intervenção em processos, pensando outros possíveis. Uma atitude que busca levar o pesquisador a ir além dos limites impostos pelo campo científico, possibilitando-lhe observar seu objeto a partir de ângulos inauditos, construídos no próprio movimento da pesquisa. Não há, nessa perspectiva, balizas seguras ou caminho previamente definido, apenas experimentação e potências a serem experimentadas/inventadas.

Outros tantos pesquisadores também buscaram forjar metodologias próprias, valendo-se dessa mesma experimentação. Sandra Corazza (2012), por exemplo, buscou pensá-la a partir de seu lastro vital e, em seu Método Valéry-Deleuze: um drama na comédia intelectual, lemos: “[...] como artistas ou operadores das forças, ao efetivar experimentações de posturas vitais, os pesquisadores fazem da pesquisa, clínica; e, ao diagnosticar o tipo vital de cada Vidarbo de AICE (o seu de-Fora), fazem do discurso, crítica” (Corazza, 2012, p. 1022). Interessa-nos notar como a experimentação metodológica propagada pela pesquisadora a aproxima de certo fazer artístico, na verdade essa será a segunda grande tendência das discussões surgidas na década de 2000, qual seja: pensar a pesquisa educacional como uma arte de pensamento, bem como o pesquisador como um artista.

A experimentação defendida por esses trabalhos, por conseguinte, seria uma espécie de metodologia-artística voltada para a problematização de objetos cotidianos, problematização que almeja retirar tais objetos da grade sensível na qual estão imersos de modo que possamos estabelecer uma outra relação com os mesmos. Não por outro motivo, como insistirá Corazza (2017), tal pesquisa confunde-se com certo fazer poético, um fazer interessado em lançar uma outra mirada para o mundo e, assim, possibilitar um afastamento em relação aos objetos empíricos que não se assemelha àquele afastamento propagado pelas ciências modernas, mas sim àquele defendido pela arte, compreendendo afastamento como invenção ou experimentação de outros sentidos possíveis para objetos cotidianos.

Pensar a pesquisa educacional em termos de experimentação, acreditamos, permitiria compreendê-la em termos de potência, levando em consideração aquilo que ela é capaz de realizar ou de produzir ao se conectar com tantas outras coisas. Coisas que não se encontrariam em um deslumbrante alhures, ou em um futuro por vir, mas no trivial aqui e agora, ressignificando práticas e objetos a partir de uma outra mirada, mais poética ou artística. Passaríamos, assim, a conceber a pesquisa como uma experimentação imanente, abdicando de julgá-la por meio de parâmetros científicos transcendentes ou de valores universais. Haveria toda uma reconfiguração da área, possibilitada por esses movimentos de experimentação, produzida a partir da emergência de uma nova compreensão do que significaria pesquisar. Pesquisar não significaria mais responder perguntas de modo a se atingir um objetivo exterior, mas criar questões em diálogo com o trivial educacional, com o seu tão difamado presente.

Esses movimentos de experimentação em Educação, ademais, possibilitariam processar uma reformulação ético-estética do campo, ao permitiram o estabelecimento de uma política de pensamento não categorizada por balizas transcendentes. A atitude do pesquisador frente ao seu objeto, sob a égide da experimentação, exigiria um novo modo de se relacionar com o pensamento. Este não procuraria representar ou refletir o real, mas fabular outros possíveis por meio da experimentação desse mesmo real. Nessa chave, o pesquisador não buscaria confirmar uma verdade previamente definida, ou uma hipótese, tampouco contentar-se-ia em descrever certas práticas, mas buscaria com seu trabalho experimentar o impensável. O real, aqui, surgiria como um grande intercessor, companhia a ser experimentada. Experimentação em pesquisa educacional, desse modo, passaria a significar uma busca pela criação de problemas próprios e ainda não enunciados ou configurados de véspera. A experimentação empreendida por um pesquisador soaria, assim, como uma criação artística única e individual, devendo ser avaliada por aquilo que ela fomenta, pelo universo por ela erigido, e os afetos que ela promove, o quanto de potência ela apresenta para aqueles interessados em problematizar o campo educacional. Por sua poética, em suma.

Considerações finais

Almejamos, com esse artigo, não apenas apresentar alguns dos movimentos de difusão e apropriação do pensamento de Deleuze e Deleuze-Guattari em nosso país, mormente na pesquisa educacional, mas contextualizá-los. Se hoje os autores de Mil platôs (Deleuze & Guattari, 1998) possuem um lugar de destaque no campo das pesquisas em Educação, isso se deveu a embates e lutas travados no interior da área. Apropriados inicialmente dada a crise instaurada no paradigma crítico que animou as pesquisas durante a década de 1980, inseridos ao lado de uma gama heterogênea de autores, Deleuze e Guattari gradativamente foram conquistando seu espaço e se firmando como teóricos importantes para a área. Reconhecidas como de caráter mais experimental, as pesquisas educacionais desenvolvidas sob a égide do pensamento deleuziano e deleuzo-guattariano receberam esse reconhecimento dada sua preocupação na construção de ferramentas teóricas que, mais do que interessadas em questionar ou reformular o paradigma teórico precedente, buscam pensar os problemas da educação a partir de uma mirada de ordem mais poética do que científica. A construção de uma problemática própria passa pelo fomento de novos afetos no campo educacional, pela demanda por uma leitura em intensidade na qual os textos não visam apresentar uma verdade ou resolver um problema construído de véspera, mas se apresentam como intercessores, signos sensíveis por meio dos quais podemos passar a pensar o impensável em Educação. De algum modo, somente no interior das discussões de cunho metodológico tal pretensão alcançou sua máxima potência, ao ponto de hoje, ao lidarmos com uma massa enorme de pesquisas interessadas em realizar uma cartografia ou voltadas para a produção de um devir em Educação, termos de reconhecer o débito de todas essas pesquisas com tais discussões.

Obviamente que isso não ocorreu sem algumas baixas: Guattari, por exemplo, antes um famoso pensador, acabou tendo seu nome apagado nas pesquisas produzidas nas décadas de 1990 e 2000, tendo seu regado recuperado apenas recentemente. Além disso, conforme salienta Benedetti (2007), muitas vezes essas pesquisas mais experimentais são compreendidas como pouco ou nada sérias, visto que seu engajamento imediato não está ao lado da emancipação humana ou da promoção cidadã - pensando nos grandes universais que circundam o campo. Para aqueles/as incapazes de reconhecer a importância de tais pesquisas, convém lembrar a discussão deleuziana (Deleuze & Parnet, 2004) sobre a tendência das perguntas sobre o futuro de uma revolução em fracassar. Antes de uma pergunta sobre o futuro, convém trabalhar com e contra o tempo presente, de modo a promover um devir-revolucionário das pessoas. Ao invés, por conseguinte, de uma pergunta que almeja um alhures, quiçá inatingível, Deleuze nos convida a lidar com o aqui e agora, com a imanência das relações. Essa lida passa por uma mudança sensível, mais do que intelectual, por um apelo a construção de outras relações com o espaço do real, relações mais afeitas à criação de outros possíveis não configurados por grandes ideais universais que tendem a homogeneizar as relações e calar a diferença. Para um campo tão prenhe de palavras de ordem, tal qual o educacional, aprender a mirar para o cotidiano escolar a partir de uma outra perspectiva parece ser uma tarefa urgente e, para tanto, convém não desconsiderarmos a experimentação promovida por essas pesquisas que seguem em companhia do referencial teórico deleuziano, guattariano e deleuzo-guattariano.

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1Félix Guattari já havia, anos antes, visitado nosso país, sendo possível considerá-lo uma figura conhecida de nossos meios intelectuais. Entre 1979 e 1992, Guattari visitou nosso país sete vezes, e em certo momento chegou a considerar se instalar em nosso país (Dosse, 2010). Em 1982, contudo, vivíamos a euforia do processo de redemocratização e sua presença aqui se deu visando o estabelecimento de um diálogo com esse momento. Em sua apresentação ao livro Micropolítica: cartografias do desejo, a psicanalista Suely Rolnik, organizadora da viagem, discorria sobre essa visita: “[...] organizei uma movimentada agenda de atividades, entre agosto e setembro de 1982, em cinco estados. Programei não só uma série de conferências, mesas-redondas e debates públicos (que sempre lotaram os espaços onde foram realizados), mas principalmente reuniões, encontros, entrevistas e conversas formais e informais, com pessoas, grupos, movimentos e associações” (Guattari & Rolnik, 2010, p. 16).

2Para Suely Rolnik (Guattari & Rolnik, 2010, p. 11), “[...] o Brasil é um dos únicos países em que se desenvolveu uma clínica, inclusive psicanalítica, que incorporou tão explicitamente as contribuições de Guattari, Deleuze, Foucault e de toda uma tradição filosófica em que estes pensadores se inserem (especialmente a obra de Nietzsche), para problematizar as políticas de subjetivação no contemporâneo e fazer face aos sintomas que delas decorrem”.

3 Francois Dosse (2010), em Deleuze & Guattari: biografia cruzada, chegou a sugerir que o Brasil poderia ser “o único país em que o enxerto da esquizoanálise vingou de verdade” (Dosse, 2010, p. 396), tal sucesso, ainda nas palavras do autor, seria decorrência do fato de que “a sociedade miscigenada, fundamentalmente híbrida e mestiça como é a sociedade brasileira, talvez se preste mais do que a outras a essa labilidade da construção subjetiva, aos seus devires múltiplos e a uma subjetividade fundamentalmente heterogênea” (Dosse, 2010, p. 396).

4 Eric Alliez (2015) foi um dos primeiros autores a notar que a recepção no Brasil dos conceitos de Gilles Deleuze, elaborados ou não em parceria com Guattari, ultrapassa os muros universitários a um ponto que não podemos deixar de considerar formas de apropriação de seu pensamento que não seguem os protocolos acadêmicos.

5Naquele momento, levamos em consideração sobretudo as apropriações midiáticas do pensamento desses autores, mas sem deixarmos de atentar para o modo como essa apropriação ressoou no campo das pesquisas universitárias, mormente na área educacional (Vinci & Ribeiro, 2015).

6“Seria preciso corrigir a maneira como, logo nas primeiras páginas, você faz abstração de Félix. O seu ponto de vista está correto, e pode-se falar de mim sem Félix. Acontece que O Anti-Édipo e Mil platôs são inteiramente dele como são inteiramente meus, sob dois pontos de vista diferentes. Donde a necessidade, se você quiser, de marcar que se você opta por ficar comigo, é apenas em virtude de seu próprio trabalho, e não por conta de um caráter secundário ou ‘ocasional’ de Félix” (Deleuze, 2015, p. 82, grifo do autor).

7“Eu preciso de meus intercessores para me exprimir, e eles jamais se exprimiriam sem mim; sempre se trabalha em vários, mesmo quando isso não se vê. E mais ainda quando é visível: Félix Guattari e eu somos intercessores um do outro” (Deleuze, 2007, p. 156).

8Em Proust e os signos, Deleuze insiste: “O que nos força a pensar é o signo. O signo é o objeto de um encontro; mas é precisamente a contingência do encontro que garante a necessidade daquilo que ele faz pensar. O ato de pensar não decorre de uma simples possibilidade natural; é, ao contrário, a única criação verdadeira. A criação é a gênese do ato de pensar no próprio pensamento. Ora, essa gênese implica alguma coisa que violenta o pensamento, que o tira de seu natural estupor, de suas possibilidades apenas abstratas. Pensar é sempre interpretar, isto é, explicar, desenvolver são a forma da criação pura. Nem existem significações explícitas nem ideias claras, só existem sentidos implicados no signo; e se o pensamento tem o poder de explicar o signo, de desenvolvê-lo em uma Ideia, é porque a Ideia já estava presente no signo, em estado envolvido e enrolado, no estado obscuro daquilo que força a pensar” (Deleuze, 2010, p. 91).

9Não podemos deixar de mencionar que, nesse intervalo, algumas modificações podem ter influenciado esse boom, auxiliando na circulação de material bibliográfico atrelado ao nome dos autores em questão, quais sejam: a criação de repositórios institucionais ligados às instituições acadêmicas brasileiras, responsáveis pela divulgação de material elaborado em seus programas de pós-graduação e outros; bem como portais de revistas acadêmicas online.

10O conceito de ‘Filosofia da diferença’ é utilizado para se remeter a certo pensamento francês surgido na década de 1960, expresso em autores diversos como Gilles Deleuze e Jacques Derrida, interessado em romper com a dialética de matriz hegeliana a partir de uma remissão à Friedrich Nietzsche e sua teoria das forças. Em Nietzsche e a filosofia, Deleuze (2017) compreende a dialética como um modo de pensamento que tende a apagar a diferença em prol da identidade, transmutando aquela em mera oposição. Nesse movimento, o exercício do pensamento primaria por buscar identidades e aproximações por meio de um jogo representativo, ignorando qualquer diferença. Retomando Nietzsche, Deleuze busca questionar quais forças que almejam a produção dessa identidade e o apagamento de todo e qualquer rastro diferencial. Diferença, nesse diapasão, não seria secundária ou mero acidente, antes a matriz de possibilidade de todo e qualquer pensamento. O encontro com signos sensíveis, os ditos intercessores, capazes de engendrar pensar no pensamento prima pelo encontro com forças diferenciais, mas, para que tal encontro ocorra, é necessário escapar do movimento dialético.

11Apenas em 1993, no âmbito da ANPED - Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação, assistiremos ao surgimento de um Grupo de Trabalho (GT) voltado ao tema da Filosofia da Educação.

12 Marinho (2014) identifica três matrizes gerais, quais sejam: aquela ligada ao pensamento de Anísio Teixeira, próxima de uma abordagem pragmatista inspirada no pensamento de Johw Dewey; aquela ligada ao pensamento de Paulo Freire, próxima do existencialismo cristão e com certo aceno ao marxismo; e, por fim, aquela representada por Demerval Saviani, marcadamente marxista. Essas três perspectivas, na análise da autora, marcariam o campo da Filosofia da Educação até meados dos anos 2000, quando uma nova perspectiva epistemológica, atrelada à Filosofia da Diferença deleuziana e/ou deleuzo-guattariana, surgiria.

13Encontramos tal crítica em Demerval Saviani (2021), autor para quem o paradigma crítico-reprodutivista surgia em resposta ao fracasso de maio de 68, denunciando a pretensão de certo grupo em tentar promover uma revolução social por meio de uma revolução cultural. Embora importante, tal paradigma apresentava uma limitação ao não considerar a prática docente como um gesto eminentemente crítico, uma vez que a “[...] prática pedagógica situa-se sempre no âmbito da violência simbólica, da inculcação ideológica, da reprodução das relações de produção” (Saviani, 2021, p. 59).

14Em nenhum momento, contudo, isso significa que os/as autores/as desconsiderassem as especificidades de cada uma dessas denominações, podemos notar esse cuidado no artigo de Tomaz Tadeu da Silva (1995), O projeto educacional moderno: identidade terminal?. Acreditamos que, conforme discorreremos adiante, o intento de se contrapor ao paradigma precedente, de teor crítico, marcou as pesquisas da década de 1990 ao ponto de, naquele momento ao menos, a especificação desses termos importava pouco.

15 Cristiane Marinho (2014), em Da Identidade à diferença: filosofia da educação no Brasil, sustenta que foi nesse momento que passamos a observar o surgimento de uma perspectiva filosófica que quebrava com o primado da identidade, marca de todas as tendências filosóficas presentes em nosso país desde a época colonial, e apontava para um pensamento da diferença expresso em autores franceses como Michel Foucault, Jacques Derrida e Gilles Deleuze.

16A precoce tradução para o português do livro O que é a Filosofia? se deveu ao trabalho de Eric Alliez que, à frente da recém-lançada coleção Trans, deu início a introdução sistemática das obras de Deleuze e Guattari em nosso país por meio da Editora 34, uma das principais editoras voltadas para a divulgação de obras desses autores em nosso país.

17Diz-nos Silvio Gallo: “O paradigma arbóreo implica uma hierarquização do saber, como forma de mediatizar e regular o fluxo de informação pelos caminhos internos da árvore do conhecimento. A frondosa árvore que representa os saberes apresenta-os de forma disciplinar, fragmentados (os galhos) e hierarquizados (os galhos ramificam-se e não se comunicam entre si, a não ser que passem pelos troncos)” (Gallo, 1999, p. 30).

18Félix Guattari had previously visited our country years earlier, making him a recognizable figure in our intellectual circles. Between 1979 and 1992, Guattari visited our country on seven occasions, and at one point, he even contemplated the possibility of settling here (Dosse, 2010). However, in 1982, we were amidst the euphoria of the redemocratization process, and his presence was aimed at engaging in a dialogue with this period. In her introduction to the book ‘Micropolitics: Cartographies of Desire’, psychoanalyst Suely Rolnik, the organizer of the trip, elaborated on this visit: "[...] I organized a packed schedule of activities between August and September 1982 in five states. I planned not only a series of conferences, roundtable discussions, and public debates (which consistently filled the spaces where they were held), but above all, meetings, encounters, interviews, and both formal and informal conversations with individuals, groups, movements, and associations" (Guattari & Rolnik, 2010, p. 16).

19According to Suely Rolnik (Guattari & Rolnik, 2010, p. 11), "[...] Brazil is one of the few countries where a clinic, including psychoanalytic, has so explicitly incorporated the contributions of Guattari, Deleuze, Foucault, and an entire philosophical tradition in which these thinkers are situated (especially the work of Nietzsche), to problematize the politics of subjectivation in the contemporary context and to confront the symptoms that arise from them."

20 Francois Dosse (2010), in Deleuze & Guattari: Crossed Biography, even went so far as to suggest that Brazil could be "[…] the only country where the graft of schizoanalysis truly thrived" (Dosse, 2010, p. 396). According to the author, this success could be attributed to the fact that "[…] the mixed society, fundamentally hybrid and mestizo as Brazilian society is, might be more conducive than others to this labile nature of subjective construction, its multiple becomings, and a fundamentally heterogeneous subjectivity" (Dosse, 2010, p. 396).

21 Eric Alliez (2015) was among the first authors to observe that the reception of Gilles Deleuze's concepts in Brazil, whether developed in collaboration with Guattari or not, extends beyond university walls to an extent that we cannot disregard forms of appropriation of their ideas that do not adhere to academic protocols.

22At that juncture, we primarily took into account the media appropriations of these authors' ideas, while also remaining attentive to how this appropriation reverberated within the realm of university research, particularly in the field of education (Vinci & Ribeiro, 2015).

23“It would be necessary to correct the way, right from the opening pages, you abstract Félix. Your viewpoint is correct, and one can speak of me without Félix. The fact is that Anti-Oedipus and A Thousand Plateaus are entirely his as they are entirely mine, from two different perspectives. Hence the necessity, if you wish, to emphasize that if you choose to align with me, it is solely due to your own work and not due to any secondary or 'occasional' nature of Félix" (Deleuze, 2015, p. 82, author's emphasis).

24"I need my intercessors to express myself, and they would never express themselves without me; we always work in multiples, even when it's not apparent. And even more so when it is visible: Félix Guattari and I are intercessors for each other" (Deleuze, 2007, p. 156).

25In Proust and Signs, Deleuze insists: "What compels us to think is the sign. The sign is the object of an encounter; but it is precisely the contingency of the encounter that guarantees the necessity of what it prompts us to think. The act of thinking does not arise from a mere natural possibility; on the contrary, it is the only true creation. Creation is the genesis of the act of thinking within thought itself. Now, this genesis involves something that violates thought, that removes it from its natural stupor, from its merely abstract possibilities. To think is always to interpret; that is, to explain; to develop is the form of pure creation. There are no explicit significations or clear ideas; only senses implicated in the sign exist; and if thought has the power to explain the sign, to develop it into an Idea, it is because the Idea was already present in the sign, in a state of implication and entanglement, in the obscure state of what compels thought" (Deleuze, 2010, p. 91).

26We cannot fail to mention that, during this interval, certain modifications may have influenced this boom, contributing to the circulation of bibliographic material associated with the names of the authors in question. These include: the establishment of institutional repositories linked to Brazilian academic institutions, responsible for disseminating material produced within their postgraduate programs and others; as well as online portals for academic journals.

27The concept of Philosophy of Difference is used to refer to a certain French line of thought that emerged in the 1960s, articulated by various authors such as Gilles Deleuze and Jacques Derrida. It aims to break away from the Hegelian dialectic by drawing on Friedrich Nietzsche and his theory of forces. In "Nietzsche and Philosophy," Deleuze (2017) understands dialectic as a mode of thought that tends to erase difference in favor of identity, reducing the former to mere opposition. In this process, the exercise of thought primarily seeks identities and approximations through a representational game, disregarding any difference. Drawing from Nietzsche, Deleuze questions the forces that strive for the production of identity and the erasure of any trace of difference. In this context, difference is not secondary or a mere accident; rather, it is the matrix of possibility for all thought. The encounter with sensible signs, the so-called intercessors capable of engendering thought within thought, relies on encountering differential forces. However, for such an encounter to take place, one must escape the dialectical movement.

28Only in 1993, within the scope of ANPED - National Association for Postgraduate Education and Research in Education, did we witness the emergence of a Working Group (WG) focused on the topic of Philosophy of Education.

29 Marinho (2014) identifies three general frameworks, namely: the one associated with the thought of Anísio Teixeira, closely aligned with a pragmatist approach inspired by the thinking of John Dewey; the one linked to Paulo Freire's thought, connected to Christian existentialism with a certain nod to Marxism; and finally, the perspective represented by Demerval Saviani, which is distinctly Marxist in nature. According to the author's analysis, these three perspectives would shape the field of Philosophy of Education until the mid-2000s, when a new epistemological perspective, linked to the Deleuzian and/or Deleuze-Guattarian Philosophy of Difference, would emerge.

30We find this critique in Demerval Saviani (2021), an author who views the critical-reproductive paradigm as arising in response to the failure of May 68, denouncing the attempt by a certain group to promote social revolution through cultural revolution. While significant, this paradigm had a limitation in not considering teaching practice as an inherently critical gesture, as "[...] pedagogical practice always exists within the realm of symbolic violence, ideological inculcation, and the reproduction of production relations" (Saviani, 2021, p. 59).

31However, this does not imply that the authors disregarded the specificities of each of these designations. We can observe this attention to detail in the article by Tomaz Tadeu da Silva (1995), The Modern Educational Project: Terminal Identity? We believe that, as we will elaborate further, the attempt to counter the preceding critical paradigm characterized the research of the 1990s to the extent that, at that moment, the specification of these terms mattered relatively little.

32 Cristiane Marinho (2014), in From Identity to Difference: Philosophy of Education in Brazil, argues that it was during this time that we began to witness the emergence of a philosophical perspective that broke away from the primacy of identity, a hallmark of all philosophical trends present in our country since colonial times. This perspective pointed towards a thought of difference expressed in French authors such as Michel Foucault, Jacques Derrida, and Gilles Deleuze.

33The early translation of the book What is Philosophy? into Portuguese can be attributed to the efforts of Eric Alliez. He spearheaded the newly established "Trans" collection, which systematically introduced the works of Deleuze and Guattari in our country through the publishing house Editora 34. This publishing house is one of the primary venues for disseminating the works of these authors in Brazil.

34According to Silvio Gallo: "The arboreal paradigm implies a hierarchy of knowledge, as a way to mediate and regulate the flow of information through the inner paths of the tree of knowledge. The leafy tree that represents knowledge presents it in a disciplinary manner, fragmented (the branches) and hierarchized (the branches branch out and do not communicate with each other unless they pass through the trunks)" (Gallo, 1999, p. 30).

Recebido: 15 de Outubro de 2022; Aceito: 19 de Abril de 2023

E-mail: vinci@unicamp.br

INFORMAÇÕES SOBRE O AUTOR Christian Fernando Ribeiro Guimarães Vinci: Professor da Faculdade de Educação, da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Integrante dos grupos PHALA - Grupo de Pesquisa Educação, Linguagem e Práticas Socioculturais (UNICAMP) e OLHO - Laboratório de Estudos Audiovisuais (UNICAMP). ORCID: http://orcid.org/0000-0003-2914-3032 E-mail: vinci@unicamp.br

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