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Acta Scientiarum. Education

versión impresa ISSN 2178-5198versión On-line ISSN 2178-5201

Acta Educ. vol.45  Maringá  2023  Epub 01-Dic-2023

https://doi.org/10.4025/actascieduc.v45i1.62025 

FORMAÇÃO DE PROFESSORES E POLÍTICAS PÚBLICAS

O instrumento jacente no plano em uma prática no laboratório de ensino de geometria

El instrumento jacente no plano en una práctica en el laboratorio de enseñanza de geometría

Francisco Wagner Soares Oliveira1  * 
http://orcid.org/0000-0001-9296-8200

Ana Carolina Costa Pereira1 
http://orcid.org/0000-0002-3819-2381

1Universidade Estadual do Ceará, Av. Dr. Silas Munguba, 1700, 60714-903, Fortaleza, Ceará, Brasil.


RESUMO.

Pesquisas em Educação Matemática têm apontado caa vez mais a necessidade de um Laboratório de Ensino de Matemática ser disponibilizado em escolas da Educação Básica e em universidades. Uma das justificativas é que esse ambiente favorece a formação dos estudantes, pois neste se pode tanto aprender, como também aprender a aprender. Neste artigo, tem-se tem como objetivo apresentar uma prática laboratorial com discentes da Licenciatura em Matemática sobre a mobilização dos conceitos de triângulo retângulo isósceles e de perpendicularismo no espaço a partir da construção do instrumento jacente no plano dando destaque ao seu potencial didático. Essa ação tem cunho qualitativo e esteve amparada no aporte de uma Unidade Básica de Problematização. O estudo revela, por exemplo, a partir da necessidade de posicionamento do triângulo de forma perpendicular a tábua, que a ação impulsionou os discentes a pensar em uma estratégia levando em consideração aspectos materiais e matemáticos. Eles também puderam visualizar e aplicar conceitos abstratos em termos práticos, fato que, possivelmente favoreceu a atribuição de ainda mais significados aos conceitos mobilizados. Portanto, conclui-se que explorar o instrumento em uma prática junto a estudantes da licenciatura pode contribuir para o desenvolvimento profissional.

Palavras-chave: laboratório de geometria; instrumento jacente no plano; formação inicial de professores

RESUMEN.

La investigación en Educación Matemática ha señalado cada vez más la necesidad de disponer de un Laboratorio de Enseñanza de las Matemáticas en las escuelas y universidades de Educación Básica. Una de las razones es que este entorno favorece la educación de los estudiantes, ya que es posible aprender y aprender a aprender. En este artículo, el objetivo es presentar una práctica de laboratorio con estudiantes de la Licenciatura en Matemáticas sobre la movilización de los conceptos de triángulo rectángulo isósceles y perpendicularidad en el espacio a partir de la construcción del instrumento jacente no plano destacando su potencial didáctico. Esta acción tiene carácter cualitativo y fue apoyada con el aporte de una Unidad Básica de Problematización. El estudio revela, por ejemplo, a partir de la necesidad de posicionar el triángulo perpendicular al tablero, que la acción impulsó a los estudiantes a pensar en una estrategia teniendo en cuenta aspectos materiales y matemáticos. También fueron capaces de visualizar y aplicar conceptos abstractos en términos prácticos, hecho que posiblemente favoreció la atribución de aún más significados a los conceptos movilizados. Por tanto, se concluye que explorar el instrumento en la práctica con estudiantes de pregrado puede contribuir al desarrollo profesional.

Palabras clave: laboratorio de geometría; instrumento jacente no plano; formación inicial del profesorado

ABSTRACT.

Research in Mathematics Education has increasingly highlighted the need for a Mathematics Teaching Laboratory to be made available in Primary and Secondary Education schools and in universities. One of the justifications is that this environment favors the training of students, as in this environment they can both learn and learn how to learn. In this article, the objective is to present a laboratory practice with undergraduate Mathematics Education students on the mobilization of the concepts of isosceles right triangle and perpendicularity in space based on the construction of the instrument jacente no plano - an instrument to find the altitude of sun - highlighting its didactic potential. This action has a qualitative nature and was supported by the contribution of a Basic Problematization Units. The study reveals, for example, based on the need to position the triangle perpendicular to the board, that the action encouraged students to think about a strategy which considered material and mathematical aspects. They were also able to visualize and apply abstract concepts in practical terms, a fact that possibly favored the attribution of even more meanings to the mobilized concepts. Therefore, it is concluded that exploring the instrument in a practice with undergraduate students can contribute to their professional development.

Keywords: Geometry laboratory; instrument jacente no plano; initial teacher training

Introdução1

No campo da Educação Matemática, o Laboratório de Ensino de Matemática (LEM) é visto como um ambiente propício para a formação de professores, seja ela inicial ou continuada (Lorenzato, 2012; Turrioni, 2004). Sobre isso, sabe-se que uma das potencialidades do laboratório para o processo de ensino e aprendizagem está no trabalho com materiais didáticos concretos (Lorenzato, 2012). Aqui é dado atenção ao instrumento jacente no plano pensado por Pedro Nunes (1502-1578) no contexto da navegação como uma alternativa para a determinação da altura do Sol acima do horizonte, pois segundo Lorenzato (2012) os instrumentos de medida também podem fazer parte do LEM.

Entende-se que o instrumento jacente no plano pode ser considerado um Material didático (MD), visto que um recurso desse tipo “[...] é qualquer instrumento útil ao processo de ensino-aprendizagem. Portanto, MD pode ser um giz, uma calculadora, um filme, um livro, um quebra-cabeça, um jogo, uma embalagem, uma transparência, entre outros” (Lorenzato, 2012, p. 18). As aproximações do instrumento jacente no plano com a formação de professores, até então já realizadas apontam que a necessidade dos discentes em compreender os conceitos geométricos que estão sintetizados nele, seja por meio de sua construção e/ou uso favorece a processo de ensino-aprendizagem (Oliveira, 2019; 2021).

Das discussões em torno de recursos voltados ao laboratório, sabe-se que é consenso que “[...] talvez a melhor das potencialidades do MD seja revelada no momento de construção do MD pelos próprios alunos, pois é durante esta que surgem imprevistos e desafios, os quais conduzem os alunos a fazer conjecturas e a descobrir caminhos e soluções” (Lorenzato, 2012, p. 28). Nesses termos, questiona-se: qual o potencial didático da construção do instrumento jacente no plano para uma prática no Laboratório de Matemática, quando se tem como foco o processo de ensino e aprendizagem dos conceitos de triângulo retângulo isósceles e de perpendicularismo no espaço?

Atrelado a esse questionamento, neste artigo o objetivo é apresentar uma prática laboratorial com discentes da Licenciatura em Matemática sobre a mobilização dos conceitos de triângulo retângulo isósceles e de perpendicularismo no espaço a partir da construção do instrumento jacente no plano dando destaque ao seu potencial didático. A ação formativa teve como ambiente o Laboratório de Matemática e Ensino Professor Bernardo Rodrigues Torres (LAbMatEN) da Universidade Estadual do Ceará (UECE)2, particularmente um espaço cedido na disciplina de laboratório de ensino de geometria3.

Este trabalho, metodologicamente, tem base qualitativa (Creswell, 2010) e está ancorado na proposta de Unidade Básica de Problematização (UBP) no formato criado por Miguel e Mendes (2010). Dito isto, logo na sequência expõe-se o perpendicularismo no espaço presente na construção do instrumento, posteriormente os elementos teóricos metodológicos que guiaram a pesquisa, e antes das considerações finais se têm os resultados e discussões.

O instrumento jacente no plano e o perpendicularismo no espaço

Sabe-se que é importante “[...] o professor saber utilizar corretamente os MD. Pois estes, como outros instrumentos, tais como o pincel, o revólver, a enxada, a bola, o automóvel, o bisturi, o quadro-negro, o batom, o sino, exigem conhecimentos específicos de quem os utilizam” (Lorenzato, 2012, p. 24). É ancorado nessa concepção que agora se fala do instrumento jacente no plano, dando atenção ao perpendicularismo no espaço que ele tem sintetizado.

O instrumento jacente no plano é divulgado no século XVI inicialmente nas Petri Nonii Salaciensis Opera4 em 1566 e posteriormente na obra De arte atque ratione navigandi publicada em 1573, ambas de autoria de Pedro Nunes5. Diante do conteúdo desses veículos de divulgação, entende-se que o aparato nasce no contexto da navegação portuguesa, no qual sua função era a de servir como mais uma alternativa para a determinação da altura do Sol acima do horizonte, assim como, por exemplo, o anel náutico, o astrolábio, a balhestilha, e o quadrante (Oliveira & Pereira, 2020). O instrumento tem a seguinte forma física (Figura 1).

Fonte: Arquivo dos autores.

Figura 1 Instrumento jacente no plano. 

O instrumento é composto por uma tábua e um triângulo retângulo isósceles posto de forma perpendicular a tábua. Nessa configuração exposta na Figura 1, sobre a tábua se tem uma circunferência graduada em 360º e uma reta tangente a ela6. Quanto ao uso desse instrumento, não se tem qualquer registro em seu período de elaboração que indique que ele foi de fato utilizado de forma prática na navegação. Sabe-se apenas que foi utilizado em aulas teóricas por João Baptista de Lavanha (c.1550-1624) como se verifica no Tratado del Arte de Navegar (Canas, 2011) e em outra arte de navegar do século XVII de autoria desconhecida (Almeida, 2011).

A ausência do instrumento jacente no plano na prática da navegação tem sido justificada pela necessidade de ele ter que ser posicionado de forma paralela ao plano do horizonte, o que é difícil de se conseguir em alto mar. Porém, essa justificativa possivelmente não contempla o real motivo para tanto, pois se sabe que existiam outros instrumentos como a agulha que deveriam estar paralelos ao horizonte e eles eram utilizados em alto mar. Talvez o não uso do instrumento jacente no plano esteja associado ao fato de já existirem outros aparatos, bem mais apreciados pelos navegantes para a determinação da altura do Sol (Oliveira & Pereira, 2020).

Dito isto, dando destaque agora ao conceito de perpendicularismo no espaço sintetizado no aparato vide a Figura 2.

Fonte: Arquivo dos autores.

Figura 2 Instrumento jacente no plano e a perpendicularismo no espaço. 

Nessa ilustração, está representada uma forma de posicionamento do triângulo retângulo isósceles de modo que fique perpendicular à tábua a partir de outro triângulo que não necessariamente precisa ser retângulo e isósceles, basta que seja retângulo. Na Figura 2 (A), nota-se porque é possível afirmar que o triângulo estará perpendicular à tábua que tem a circunferência graduada. Note, o segmento de reta em verde-claro é perpendicular ao plano da tábua, pois ele é perpendicular a dois segmentos de retas concorrentes contidos nesse plano (aquele em amarelo e o outro em vermelho). O mesmo argumento é válido para justificar a estratégia da Figura 2 (B), por sua vez na Figura 2 (C), tem-se o triângulo posicionado de forma perpendicular à tábua.

Elementos teóricos metodológicos

Este estudo tem base qualitativa (Creswell, 2010) e está ancorado na proposta de Unidade Básica de Problematização (UBP) pensada por Miguel e Mendes (2010). Neste âmbito, a UBP ganha espaço devido a seu viés que valoriza o trabalho com atividades investigativas na sala de aula de matemática a partir de elementos/recursos/fontes advindos da história da matemática. Nesses termos, a UBP vai ao encontro do que se espera proporcionar no LEM, ou seja, um ambiente em que a exploração e a investigação sejam peças-chave no processo educativo (Lorenzato, 2012).

Sabe-se que na base das atividades investigativas que envolvem a UBP está a investigação histórica proposta por Iran Abreu Mendes (2001, 2008, 2009, 2015), a qual, entende-se que é constituída por meio de atividades investigativas de ensino, pautadas em informações históricas aliadas a um encaminhamento didático que proporcione a compreensão do processo de construção do saber matemático. Em defesa da investigação histórica, Mendes (2001, p. 95) explica:

Para efetivarmos um ensino-aprendizagem significativo em matemática, é necessário utilizarmos as atividades históricas, buscarmos no material histórico existente todas as informações úteis à condução da nossa ação docente e somente a partir daí orientar os estudantes à realização de atividades. Surge, porém, nesse momento uma questão: como conduzir esse processo? Esse questionamento se resolve quando fazemos uma reflexão acerca da necessidade de se buscar a investigação histórica como meio de (re)construção da matemática produzida em diferentes contextos sócio culturais e em diferentes épocas da vida humana.

Nesse sentido, entende-se que é pertinente buscar conduzir o encaminhamento didático da aula de modo que se possa explicar os porquês matemáticos que permeiam a atividade, ou seja, deve-se ter uma preocupação com uma epistemologia matemática, com uma compreensão conceitual e procedimental. Desse modo, compreende-se que se pode “[...] contribuir na concretização de um ensino e aprendizagem de Matemática com significado, ao envolver situações históricas problematizadoras que conduzam os estudantes em busca de sua aprendizagem matemática” (Mendes, 2015, p. 21).

Dando enfoque particular à UBP, cabe destacar que:

Uma UBP nada mais é do que um ‘flash discursivo memoralístico’ que descreve uma prática sociocultural situada em um determinado campo de atividade humana, e que teria sido de fato realizada para se responder a uma necessidade (ou desejo) que teria se manifestado a um ou mais integrantes de uma comunidade de prática, em algum momento do processo de desenvolvimento dessa atividade na história (Miguel & Mendes, 2010, p. 386, grifo dos autores).

Nesses termos, entende-se que a UBP serve de base para a problematização a qual deve ser pensada, dentre outros elementos à luz de uma prática sociocultural (Farias & Mendes, 2014). Em outras palavras, a UBP também pode ser definida como “[...] uma atividade materializada por um texto que descreve claramente uma prática sociocultural, preservando seus aspectos históricos e técnicos, além de aclarar a autoria do desempenho e das técnicas nela mobilizados” (Martins, 2021, p. 203). Como forma de desenvolver uma UBP, além dos referenciais basilares (Mendes, 2009; Miguel & Mendes, 2010), seguem-se ainda as 7 etapas propostas por Martins (2021), a saber: 1) apresentar atividades aos alunos; 2) formação de grupos; 3) distribuição e feitorada atividade; 4) apresentação e discussão dos resultados; 5) avaliação pelos estudantes; 6) avaliação (dos estudantes) pelo professor e; 7) apresentação do conteúdo matemático.

Diante desse aporte e orientação, a atividade ocorreu no formato remoto de forma síncrona por meio da plataforma Zoom, com duração de 4 horas-aula. A Unidade Temática trabalhada foi a Geometria, e teve como objetos de conhecimento os conceitos de triângulo retângulo isósceles e o de perpendicularismo no espaço. O público foram 15 estudantes da Licenciatura em Matemática da Universidade Estadual do Ceará (UECE), particularmente discentes da disciplina de Laboratório de Ensino de Geometria7. Para o desenvolvimento da prática laboratorial, foi entregue uma folha de papel formato A4 aos alunos, com as orientações da prática.

Preliminarmente, cabe destacar que a UBP (flash discursivo memoralístico) proposta aos discentes foi: assumam o papel de um fabricante de instrumentos náuticos no século XVI. Estando em sua oficina, para mais um dia de trabalho, chega desesperado no início da tarde um navegador que tem viagem marcada para a Índia na manhã do dia seguinte. Sua aflição se deve ao fato de que alguns instrumentos que estavam em sua nau foram saqueados, dentre eles o astrolábio, o quadrante e a balhestilha (instrumentos com os quais se poderia determinar a altura do Sol acima do horizonte). O navegador, então desembrulha de um pacote que estava em suas mãos uma folha de papel com alguns excertos de uma obra de Pedro Nunes que o navegador teve contato em uma aula de João Baptista Lavanha na Academia das Matemáticas em Madrid. Junto com o texto o navegador também retira do embrulho uma tábua que tem uma circunferência graduada em 360 partes e um segmento de reta tangente a circunferência, tal como propõe Pedro Nunes.

Dito isso, o navegador suplica a você, fabricante de instrumento, que conclua a construção do aparato para que possa utilizá-lo logo no dia seguinte em sua viagem. Para a fabricação, siga o excerto de Pedro Nunes (2008, p. 358):

[...] fabrique-se, num material duro, um triângulo rectângulo e isósceles fgh, de modo que os lados fg e gh façam um ângulo recto e sejam iguais ao semidiâmetro do círculo traçado. Coloque-se então esse triângulo perpendicularmente à tábua circular, de tal modo que o lado gh se ajuste perfeitamente a ae, semidiâmetro do círculo, isto é, que fique g com a, e h com e; por conseguinte o ponto f ficará para cima.

Para o desenvolvimento da prática, à luz das ideias de Cohen e Lotan (2017), os 15 participantes foram orientados a se organizarem em grupos de 3 alunos, o que rendeu 5 salas simultâneas no Zoom. Sala 1 (Isadora, Fábio e Rebeca), Sala 2 (Flora, Gabriel e Graciliano), Sala 3 (Antônio, Clara e Francisco), Sala 4 (Getúlio, Fernando e Marcos) e Sala 5 (Umberto, Luiza e Socorro)8. Cada estudante, além de desenvolver a atividade, teve ainda uma função para o andamento da situação proposta, desse modo foram orientados que a primeira ação que deveriam fazer era a de definir alguém para atuar como: 1) controlador do tempo ficará responsável para alertar o grupo sobre o tempo; 2) facilitador será o estudante responsável por favorecer a compreensão da tarefa; 3) harmonizador terá como função inibir, apaziguar e mediar o trabalho em grupo para que não tenha conflitos que fujam a situação proposta e; 4) repórter responsável por expor a todos os participantes da atividade o trabalho interno de seu grupo. O critério para a definição dos papéis foi quem fizesse aniversário mais próximo do mês de maio será o controlador do tempo; o segundo mais próximo será o facilitador; o terceiro mais próximo o harmonizador) e o mais distante o repórter. Como em cada grupo estavam presentes apenas três estudantes, foi orientado que as funções de controlador do tempo e de harmonizador ficassem de responsabilidade de um único participante. Para a construção do instrumento jacente no plano foram solicitados previamente aos discentes os seguintes materiais (Figura 3).

Fonte: Arquivo dos autores.

Figura 3 Materiais solicitados para a construção do instrumento jacente no plano. 

Como se pode observar, os materiais foram apenas uma folha de papel formato A4 com a circunferência graduada (uma espécie de gabarito com a circunferência pronta para ser posta em um material duro), tesoura, régua, compasso, lápis, borracha, folha de papelão (para utilizar como tábua e confecção do triângulo) e cola. Estes são todos recursos de baixo custo, o que possivelmente pode potencializar a realização de atividades com a construção do instrumento jacente no plano, muitos deles, aliás já podem ser adquiridos facilmente na escola/universidade.

Dito isto, cabe ainda destacar que a análise da prática é tecida a partir dos pressupostos da Análise de Conteúdo de Laurence Bardin (2011). Desse modo, trabalha-se com elementos das três etapas que são previstas por esse método, sendo elas: 1) pré-análise; 2) exploração do material; e 3) tratamento dos resultados, a inferência e a interpretação.

Sabe-se que para a primeira etapa, a orientação é que se faça uma leitura flutuante do material, a escolha de documentos que serão analisados, a constituição do corpus, a formulação de hipóteses e preparação do material (Bardin, 2011). Diante disso, cabe destacar que o material de análise gira entorno da gravação em áudio e vídeo da referida prática de Laboratório de Geometria9. A partir de uma leitura flutuante sobre o vídeo, ele é organizado para análise em dois tipos de documentos, um deles é uma transcrição do áudio da prática e o outro no formato de imagens de momentos da gravação. Entende-se que esse corpus de dados pode favorecer o desenvolvimento da etapa de interpretação e inferência. As transições do registro oral, assim como as imagens, ambas contemplam todos os momentos da prática laboratorial, ou seja, tem-se registros dos discentes durante o trabalho em grupo em cada umas das cinco salas virtuais criadas no Zoom.

Sobre a segunda fase - exploração do material - cabe destacar que o direcionamento esteve voltado a codificação e a categorização dos dados previstos pela Análise de Conteúdo (Bardin, 2011). Na codificação, fez-se uso das noções de unidades de registro e unidades de contexto. As unidades de registro foram elencadas à luz da questão de pesquisa, considerando os principais descritores/palavras-chave (na análise de conteúdo são chamados de palavras/termos) envolvidos na pesquisa, foram eles: triângulo retângulo isósceles e perpendicularismo.

Em relação ao triângulo retângulo isósceles, cabe destacar que as unidades de contexto, em que esse termo foi abordado, convergem (por meio do critério semântico da Análise de conteúdo) para uma primeira categoria intitulada por ‘construção do triângulo retângulo isósceles’. Já o termo perpendicularismo, sua frequência nas unidades de contexto, assinalam (por meio do critério semântico da Análise de conteúdo) para uma categoria relacionada ‘noção de perpendicularismo a partir da configuração do instrumento’ e para outra ‘posicionamento do triângulo de forma perpendicular a tábua’.

Desse modo, à luz dessas categorias que organizam os dados, em continuação ao método da Análise de Conteúdo na sequência é dado espaço a terceira etapa (tratamento dos resultados, a inferência e a interpretação).

Resultados e discussão

A análise é tecida tendo como fonte primária a transcrição da comunicação oral dos discentes durante a prática laboratorial. Desse modo, a significação é considerada para as possíveis interpretações e inferências. Discute-se, respectivamente, sobre a: noção de perpendicularismo; construção do triângulo retângulo isósceles; e posicionamento do triângulo de forma perpendicular a tábua.

Noção de perpendicularismo a partir da configuração do instrumento

No início da prática como já assinalado, os discentes receberam como guia, apenas a folha de papel do aluno, na qual estavam descritas as orientações para a prática e as instruções de Pedro Nunes para a construção do instrumento jacente no plano. Nesse documento não estava disponibilizado uma figura que mostrasse a configuração física do aparato, esse fato, somado a apenas uma primeira leitura sobre os excertos do Cosmógrafo, possibilitou surgir o seguinte questionamento “[...] professor, a gente tem que desenhar um triângulo encima da impressão?” (Clara, 2021, Gravação de áudio Sala 3). Essa mesma interpretação aparece em outras salas, e a esse respeito tem-se (Figura 4).

Como resposta ao questionamento e à representação feita por Clara, o grupo foi orientado a fazer uma nova leitura mais minuciosa sobre os excertos, para que pudessem chegar em uma conclusão mais próxima do posicionamento correto do triângulo. Diante da nova leitura, um componente do grupo afirma: “[...] entendi, entendi, já que ele quer perpendicular é como se o triângulo estivesse em pé do negócio, ele está em pé do papel está ligado? Ele quer perpendicular a circunferência! É isso professor? (Gabriel, 2021, Gravação de áudio Sala 2). Aqui aparece a expressão “estivesse em pé do negócio” isso indica que essa ideia de em pé é um dos significados que ele atribui ao conceito de perpendicularismo.

Levando em consideração que um material didático deve servir como mediador para favorecer a relação professor/aluno/conhecimento na construção do saber (Passos, 2012), então, como forma de fomentar o trabalho em grupo a partir do instrumento, o questionamento de Gabriel é repassado para os demais membros do grupo, um deles então responde: “[...] há entendi, é o seguinte, você constrói o triângulo e depois vai rebater em cima do plano, ai depois é subir o triângulo, vai servir de base para construir o triângulo e subir para ficar perpendicular ao plano, [...] como se fosse uma jangada” (Graciliano, 2021, Gravação de áudio Sala 2). Diante dessa interpretação, Flora (2021) afirma “[...] era o que você estava falando Gabriel”. Gabriel conclui seu pensamento destacando que:

Isso! [...] é para construir o triângulo usando essa circunferência, porque você vai usar os dois raios como se fossem dois catetos. Ai usando isso como se fosse uma espécie de régua, aí você só deixa o triangulozinho em pé, aí esse triângulo que está em pé ele tem que estar encima do centro, porque ele vai se medir em relação ao Sol, né. Vai ser tipo um relógio solar (Gabriel, 2021, Gravação de áudio Sala 2).

Fonte: Arquivo dos autores (Sala 2, 2021).

Figura 4 Posicionamento do triângulo retângulo isósceles. 

Na fala desses participantes é possível observar que para entenderem a configuração do instrumento eles atribuem significado à noção de perpendicularismo a partir de objetos concretos já conhecidos. A jangada, assim como o Relógio do Sol de fato possuem uma estrutura ereta sobre uma base que pode indicar o perpendicularismo. Essa associação feita pelos discentes de algo concreto para o abstrato, assinala que ainda não possuem uma compreensão efetiva acerca do conceito de perpendicularismo, pois “[...] para as pessoas que já conceituaram esses objetos, quando ouvem o nome do objeto, flui em suas mentes a ideia correspondente ao objeto, sem precisarem dos apoios iniciais que tiveram dos atributos tamanho, cor, movimento, forma e peso” (Lorenzato, 2012, p. 22). O que se nota na fala dos discentes é que o referido conceito ainda está muito ligado a apoios de natureza concreta.

Em livros didáticos da Educação Básica é possível observar o apreço dado a apoios concretos, isso para iniciar a tratar sobre o tema, no caso particular da perpendicularismo, no volume dois da coleção ‘Conexões com a matemática’ de 2016 da editora Moderna, eles destacam o gnómon (vareta fincada ao solo para marcar sombras) e o fio de prumo para erguer paredes (Leonardo, 2016). Essa alusão a apoios concretos visto nessa coleção vai ao encontro do que defende Lorenzato (2012), em que esses apoios iniciais são vistos como elementos para despertar uma primeira conceituação dos objetos.

Ainda sobre momentos do encontro que fazem alusão à noção de perpendicularismo, tem-se a Figura 5.

Fonte: Arquivo dos autores (Sala 5, 2021).

Figura 5 Representação gestual da noção de Perpendicularismo 

Focando no que Luiza fala sobre perpendicularismo, nota-se que ela traz mais um significado para compor o conceito, já que é sabido que “[...] as representações geométricas podem se dar por meio de desenhos, objetos construídos, gestos, pela linguagem, entre outras manifestações” (Passos, 2000, p. 39). Pelo que ela manifesta, se o triângulo estiver levemente inclinado ele não está perpendicular, ela usa então as mãos para representar seu argumento. O posicionamento dado às mãos, de fato faz referência à noção de perpendicularismo, pois sabe-se que “[...] duas retas são perpendiculares quando se encontram formando quatro ângulos congruentes; cada um deles é chamado de ângulo reto” (Lima, Carvalho, Wagner, & Morgado, 2016, p. 177). Sua fala também corrobora para esse fato, haja visto dizer que o ângulo feito pelo triângulo com o tabuleiro é de 90º.

Diante dessas discussões acerca do perpendicularismo a partir da configuração do instrumento, os discentes chegam na representação da Figura 6.

Fonte: Arquivo dos autores (Sala 5, 2021).

Figura 6 Configuração do instrumento jacente no plano vislumbrada pelos discentes. 

Como se pode observar, com a leitura dos excertos de Pedro Nunes, os estudantes conseguiram compreender o modo como o triângulo deveria estar posicionado. Contudo, é interessante observar que estando eles em um mesmo grupo (Sala 5) ainda assim posicionam o triângulo de forma diferente sobre a circunferência. Notem que Umberto põe o ângulo de 90º do triângulo retângulo isósceles próximo ao centro do círculo, já Socorro o posiciona sobre um ponto da circunferência. Indagados sobre o porquê desse empasse, uma das alunas responde, em tom de afirmação “Socorro, você colocou os lados do triângulo errado” (Luiza, 2021, Gravação de áudio Sala 5). Sabe-se à luz dos excertos de Pedro Nunes que a forma como Socorro fez estava correta, entretanto, ao invés de falar que um estava certo e o outro errado, os discentes foram orientados a fazerem uma nova leitura sobre o texto disponibilizado na folha de papel do aluno.

Na categoria seguinte, é dado destaque ao modo como os estudantes pensaram para construir o triângulo.

Construção do triângulo retângulo isósceles

Como já mencionado na categoria anterior, a primeira iniciativa dos alunos foi desenhar o triângulo sobre a circunferência graduada. Após entenderem que o triângulo deveria estar perpendicular, pensaram em usar a circunferência “[...] para construir o triângulo [...], porque você vai usar os dois raios como se fossem dois catetos. Ai usando isso como se fosse uma espécie de régua” (Gabriel, 2021, Gravação de áudio Sala 2). Como justificativa para tanto, afirmam “[...] a gente disse que o semidiâmetro seria no caso os raios e formamos o triângulo isósceles e retângulo” (Flora, 2021, Gravação de áudio na Sala principal com todos os discentes).

Ainda nessa mesma direção, um outro aluno destaca que “[...] eu vi, que o método mais correto era você traçar uma reta (uma corda) do zero até o noventa na circunferência” (Marcos, 2021, Gravação de áudio na sala principal com todos os discentes). No entanto, uma das dificuldades dos estudantes em usar a circunferência como uma espécie de molde, como eles vislumbraram, foi o fato de que alguns discentes não estavam de posse do material solicitado previamente para a prática. De forma a amenizar esse ‘problema’, um dos alunos utiliza uma folha e um objeto com formato cilíndrico para construir a circunferência (Figura 7).

Fonte: Arquivo dos autores (Sala 4, 2021).

Figura 7 Construção da circunferência. 

Na Figura 7 (A) tem-se o objeto cilíndrico e na Figura 7 (B) a circunferência criada. Sobre essa construção, Marcos (repórter da sala 4) destaca que “[...] eu construí esse círculo aqui ó, com um objeto circular, não sei se ele estava deformado, mas construí passei as diagonais supostamente porque não tem como garantir” (Marcos, 2021, Gravação de áudio na sala principal com todos os discentes). A incorporação do objeto cilíndrico para a construção do instrumento jacente no plano não estava prevista para a prática, porém, sabe-se que os “[...] materiais precisam estar integrados a situações que levem à reflexão e à sistematização, para que se inicie um processo de formalização” (Base Nacional Comum Curricular [BNCC], 2018, p. 276).

Nesses termos, entende-se que o objeto cilíndrico teve um papel importante para o cumprimento da atividade proposta, já que na fala do estudante se observa que ele tem consciência da possível imprecisão do material usado, e que a partir dele pode não ter construído uma figura exatamente circular e que se torna difícil determinar seu centro para o traço dos diâmetros.

Diante dessa possível imprecisão, de forma a se aproximar de algo exato, uma estudante pede a palavra e declara que “[...] a construção do triângulo, a gente fez pegando o compasso, fazendo um quarto de um círculo que é 90º, aí o verticezinho do 90º do triângulo fica exatamente no que seria o centro da circunferência” (Luiza, 2021, Gravação de áudio na sala principal com todos os discentes). Essa construção, ao que parece, envolveu o transporte de ângulos, pois o ângulo 90º (quadrante) foi construído possivelmente a partir das medidas do semidiâmetro da circunferência posta sobre a tábua (Carvalho, 1958), pois esta é uma construção bem viável que recorrentemente se observa em livros de construções geométricas.

Uma outra estratégia para a construção do triângulo retângulo isósceles, ainda associada à circunferência, refere-se ao uso de um material rígido pensado pelos estudantes da Sala 1 (Figura 8).

Fonte: Arquivo dos autores (Sala Principal, 2021).

Figura 8 Proposta para construção do triângulo retângulo isósceles. 

Nesse caso, nota-se que para construir o triângulo os estudantes partem da ideia de perpendicularismo como um ângulo de 90º. O uso de uma folha de papel, um material rígido ilustra com as pontas de um caderno indica que os decentes possivelmente visualizam na folha/capa do material um retângulo, o qual certamente sabem que este tem seus quatro ângulos internos retos. Conforme Pais (1996), ao tomar como base aspectos intuitivo, experimental e teórico do conhecimento geométrico, os quais são centrais em uma teoria epistemológica da geometria, compreende-se que esse caderno serve como uma primeira representação do conceito no processo de apreensão do objeto.

Na sala principal, ainda sobre a construção desse triângulo, Marcos pede a fala para destacar que:

[...] teve uma discussão no meu grupo, a gente teve dificuldades referente ao que era um triângulo isósceles, eu tinha entendido que eram dois lagos iguais e um menor, mas na verdade é só dois lados iguais o outro não necessariamente menor ou maior, porque isósceles não tem nada a ver com ângulos, tem a ver com o tamanho do lado, né (Marcos, 2021, Gravação de áudio na sala principal com todos os discentes).

A esse respeito, nota-se que a discussão possivelmente favoreceu para que pudessem refletir sobre o conceito de triângulo isósceles. Como a primeira ideia para construção do triângulo esteve associada à circunferência graduada, neste caso o triângulo formado tem um lado maior (hipotenusa) e dois menores (raios). Entretanto, caso não fosse retângulo, e apenas isósceles, então, o triângulo poderia ter um par de lados maiores congruentes e um menor como assinala Marcos.

Diante das reflexões realizadas, até então, entende-se que os discentes tiveram a possibilidade de reconfigurar e/ou ampliar os conhecimentos matemáticos mobilizados, pois as situações promoveram a comunicação de ideias matemáticas e a troca de ideias por meio do trabalho em grupo (Rêgo & Rêgo, 2012).

Posicionamento do triângulo de forma perpendicular a tábua

Durante as discussões na sala principal, com o retorno de todos os grupos de discentes, fica evidente que a instrução de Pedro Nunes para posicionar o triângulo perpendicularmente à tábua foi a mais difícil para eles. Prova disso, é que apenas uma equipe conseguiu apresentar uma estratégia que é exposta e refinada junto a todos os participantes da prática laboratorial. Ao expor a ideia, a repórter da Sala 5 destaca que:

Para garantir que o triângulo ficou perpendicular a gente até pensou em um argumento só não sabemos se está muito correto. O tabuleiro ele tem esses dois diâmetros aqui onde cada um forma 90º [...] ai o triângulo está em uma dessas linhas, desses diâmetros, no outro diâmetro a gente traça um plano, por exemplo colasse uma folha, a gente ia ter que garantir que esse ângulo aqui é 90º, para ele está perpendicular, e a gente garante isso também comparando o ângulo do triângulo que a gente sabe que é 90º com esse ângulo, a gente vai chegar que ele é igual usando o compasso (Luiza, 2021, Gravação de áudio na sala principal com todos os discentes).

No cerne dessa estratégia, nota-se que o grupo propõe trabalhar a partir dos diâmetros da circunferência. Como recursos auxiliares trazem a incorporação de uma folha de papel na qual estaria representando um plano e de um compasso para assegurar um ângulo de 90º responsável pela perpendicularismo do triângulo retângulo isósceles. A esse respeito, tem-se a Figura 9.

Fonte: Arquivo dos autores (Sala 4, 2021).

Figura 9 Construção da circunferência. 

Nessa Figura 9, com a mão a aluna representa o triângulo e com uma folha de papel o suposto plano que sua equipe sugeriu como estratégia. Nas palavras da repórter “[...] está aqui o triângulo e o outro plano que você traçou, que não é o tabuleiro, esse plano está em cima do tabuleiro, você garante que ele está perpendicular porque ele está exatamente no outro diâmetro do tabuleiro” (Luiza, 2021, Gravação de áudio na sala principal com todos os discentes). Percebe-se que os alunos estão trabalhando com planos perpendiculares, um representado pelo triângulo e outro representado pela folha de papel. Desse modo, de fato, é possível assegurar que o triângulo estaria perpendicular, pois a intersecção desses planos é uma reta que corta a tábua em no mínimo dois ângulos retos (um do triângulo e o outro da folha), o que é suficiente para assegurar o perpendicularismo.

Explicitando a ideia da Sala 5, a discente ainda destaca que “[...] assim, a gente tem na verdade três planos, tem o tabuleiro, [...] esse triângulo ele está contido em outro plano também né, a gente quer provar que o plano que contém o triângulo” (Luiza, 2021, Gravação de áudio na sala principal com todos os discentes). Indagados se o triângulo poderia ser considerado um plano, Marcos afirma:

Se a gente considerou o pedaço de papel um plano (a circunferência graduada) o triângulo também pode ser considerado um plano. [...] existem dois pontos dele em um plano e um terceiro não está contido nele, então quer dizer que eles formam um plano secante, [...] porque a reta está em um e a reta está fora (Marcos, 2021, Gravação de áudio na sala principal com todos os discentes).

De fato, a justificativa do aluno é pertinente e aceitável. Pedro Nunes não traz qualquer informação nesse sentido, ele diz apenas que se deve construir um triângulo retângulo isósceles em um material duro. Entende-se que o cosmógrafo faz referência apenas à representação do que seria um triângulo, pois é evidente que para qualquer material que o triângulo seja construído este sempre será, na verdade, um prisma triangular reto e a tábua do instrumento um paralelepípedo reto, isso devido às dimensões que indicam a espacialidade (comprimento, largura e altura).

Após o pedido de alguns colegas, a relatora do Grupo 5 volta a falar da estratégia de sua sala sobre isso na Figura 10, busca-se detalhar a fala da estudante por meio de imagens.

Fonte: Arquivo dos autores (Sala Principal, 2021).

Figura 10 Representação da fala da estudante sobre a estratégia utilizada. 

Diante desse quadro, pode-se observar com clareza a ideia e validade da estratégia tomada. É possível ver os planos secantes destacados anteriormente por Marcos, um deles representado pelo triângulo e o outro pela folha de papel incorporada para se conseguir o posicionamento desejado. Contudo, cabe destacar que essa construção assinalada pela repórter da Sala 5 mantém um equívoco, já observado anteriormente, ainda quando estavam em atividade interna no grupo, que é o posicionamento do triângulo retângulo sobre o semidiâmetro. Sabe-se que o vértice de 90º do triângulo deve estar sobre a circunferência, e não ao centro. Esse problema foi resolvido por meio de uma nova leitura dos excertos de Pedro Nunes e pelo diálogo da repórter com os demais estudantes dos outros grupos.

Ainda sobre essa estratégia pensada pelos participantes da Sala 5, inquieta com um dos recursos utilizados, uma estudante expõe sua impressão:

- Eu entendo, até quando ela fala do plano, né. Mais a ideia do compasso eu fico confusa no final (Rebeca).

- A ideia do compasso, é só para tu garantir que o triângulo vai fazer 90º, porque quando você tem um compasso você forma uma circunferência. E aí, vamos supor, se eu desenho daqui até aqui estou desenhando o valor de um ângulo, isso aqui é um ângulo quando desenho no compasso. Se eu pego o compasso e invés de desenhar um círculo inteiro eu desenho um quarto de um círculo, eu estou desenhando um ângulo de 90º. Então eu vou usar o compasso para mostrar que eu consigo desenhar um ângulo exatamente de 90º fazendo um quarto de um círculo, entendeu (Luiza).

- Mas tu desenha no outro plano? (Rebeca).

- Isso! (Luiza) (Diálogo entre estudantes na sala principal, 2021).

Nesses termos, entende-se que a ideia do compasso é construir um quarto de círculo no plano representado pela folha de papel. Esse quarto de círculo, pela fala da repórter não necessariamente precisar ter seus lados congruentes ao semidiâmetro da circunferência, da forma como é obrigatório para o triângulo que deve ser posto na perpendicular. Visto isso, compreende-se que seria válido também apenas construir outro triângulo e recortá-lo da folha de papel. Quanto a uma possível aprendizagem dos discentes sobre os conceitos abordados, os diálogos sinalizam que esta possivelmente foi atingida, já que segundo Lorenzato (2012) um dos principais gatilhos para que aconteça é a atividade mental. Nesta atividade laboratorial a aprendizagem esteve presente em todos os momentos, prova disso são as falas e ações dos participantes em busca de atender as instruções de Pedro Nunes. Diante dessa estratégia, surge outra ideia para o posicionamento do triângulo retângulo isósceles, a seu respeito, tem-se a Figura 11.

Fonte: Arquivo dos autores (Diálogo entre estudantes na sala principal, 2021).

Figura 11 Diálogo sobre a estratégia que incorpora o movimento parabólico 

Nessa ideia, o estudante usa a caneta como forma de representar o triângulo. Assim, percebe-se que o discente está atribuindo um outro significado ao conceito de perpendicularismo. Aqui ela aparece associada ao ponto mais alto de uma curva de movimento parabólico. Além disso, ainda os possibilitam mobilizar/articular conceitos diferentes, não apenas internos a própria matemática. Por conta do tempo, não foi explorada essa estratégia com os discentes e a atividade se encerrou com uma breve retomada das observações dos estudantes apresentadas na direção de formalizar a estratégia de posicionamento do triângulo.

Levando-se em conta as estratégias e ações dos discentes no sentido de resolver o problema prático impulsionado por meio das instruções de Pedro Nunes, concorda-se com Pereira e Saito (2019) quando destacam que o trabalho com instrumentos matemáticos possibilita que as relações e conceitos geométricos sintetizados no aparato ganhem ainda mais significado para os estudantes.

Desse modo, pensando na formação d estudantes da Licenciatura em Matemática, entende-se que essa prática pode ter contribuído para entenderem que “[...] a Geometria envolve o estudo de um amplo conjunto de conceitos e procedimentos necessários para resolver problemas do mundo físico e de diferentes áreas do conhecimento” (BNCC, 2018, p. 271), pois alguns conceitos foram mobilizados de forma prática e de modo articulado.

Considerando o aporte teórico metodológico, entende-se que a UBP desenvolvida, possivelmente favoreceu para a aprendizagem dos estudantes, pois esta foi permeada por uma constante exploração e investigação, tal como prevê Lorenzato (2012) para as atividades que se desenvolvem dentro do LEM. A UBP também possibilitou que os discentes observassem o conhecimento matemático em termos práticos, potencialidade essa que vai ao encontro do proposto por Miguel e Mendes (2010).

Considerações finais

Diante do observado na ação formativa, entende-se que o potencial do instrumento para o processo de ensino e aprendizagem está em colocar a compreensão dos conceitos de triângulo retângulo isósceles e de perpendicularismo no espaço que estão sintetizados nele como necessidade para a construção do instrumento. É essa necessidade que envolve o professor e os discentes ativamente no processo de ensino e aprendizagem, pois é ela que motiva os alunos durante a ação formativa e ainda é responsável por fazer do MD um instrumento de reflexão e avaliação.

O fato de os discentes terem a possibilidade de construir o próprio instrumento jacente no plano, tornou a prática laboratorial uma situação viva, em que o MD assumiu o papel de mediador da relação aluno/professor/conhecimento. À medida que alguns conceitos eram mobilizados de forma prática, estes possivelmente ganhavam mais significado para os alunos, o mesmo também se pode falar da possibilidade de observar como diferentes conceitos se relacionam. Dito isto, nota-se que o potencial didático do instrumento não está sobre ele, ou sua forma física em si, mas sim sobre as operações que com ele se pode realizar.

Nesses termos, compreende-se que o instrumento jacente no plano pode ser incorporado no LEM, como mais um recurso disponível ao professor para ajudar a desenvolver práticas em que se queira pensar, criar ou construir conhecimento matemático. Para novas pesquisas, cabe assinalar que ainda se tem muito a ser explorado do potencial do instrumento, aqui, por exemplo foi dado destaque apenas à construção do triângulo e seu posicionamento sobre a tábua. Carecem ainda de iniciativas para explorar a graduação da circunferência e seu uso em uma situação prática de medição da altura do Sol, e do mesmo modo carecem de estudos que busquem explorar esse MD na Educação Básica.

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1Parecer Nº 3.599.527 e CAAE: 19561119.6.3001.5534

2Para detalhes sobre a concepção de trabalho do LAbMatEN da UECE e de alguns trabalhos já realizados, consulte Pereira, Pinheiro, e Santos (2021).

3Essa ação formativa se fundamenta nas orientações da BNC-Formação do CNE/CP (Resolução nº 2, 2019). A intenção é possibilita um ambiente que venha a possibilitar o desenvolvidos de habilidades necessárias à futura prática profissional na Educação Básica.

4Uma possível tradução: “Obras de Pedro Nunes da antiga Salácia”. Esse documento consiste em uma publicação em que o autor divulga suas contribuições para favorecer a navegação.

5Para mais informações e detalhes sobre essas obras de Pedro Nunes, vide Almeida (2011), Canas (2011), Leitão (2008) e Oliveira (2019).

6Neste trabalho é dado destaque a essa configuração do instrumento jacente no plano, contudo, deve-se saber que ele pode ser construído de forma diferente sofrendo algumas variações, para detalhes sobre todas as possibilidades vide Oliveira (2019).

7Para explorar o instrumento jacente no plano a atividade esteve amparado no Parecer Nº 3.599.527 e no CAAE: 19561119.6.3001.5534) e contou com a aceitação de todos os participantes.

8Sobre o nome dos participantes, considerando os aspectos éticos da pesquisa, como forma de preservar a identidade todos os nomes indicados nesta pesquisa são fictícios.

9As gravações de áudios e vídeos foram previamente autorizadas pelos estudantes participantes.

21Nota: Os autores Francisco Wagner Soares Oliveira e Ana Carolina Costa Pereira foram responsáveis pela concepção, análise e interpretação dos dados; redação e revisão crítica do conteúdo do manuscrito

Recebido: 04 de Janeiro de 2022; Aceito: 08 de Junho de 2022

*Autor para correspondência. E-mail: franciscowagner2007@gmail.com

INFORMAÇÕES SOBRE OS AUTORES Francisco Wagner Soares Oliveira: Doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da Universidade Estadual do Ceará (UECE). Mestre em Ensino de Ciências e Matemática pelo Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (PGECM/IFCE) (2019), especialista em Metodologia do ensino de matemática e física pela Universidade Candido Mendes (2018). ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9296-8200 E-mail: franciscowagner2007@gmail.com

Ana Carolina Costa Pereira: Possui graduação em Licenciatura em Matemática pela Universidade Estadual do Ceará, mestrado em Educação Matemática pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, doutorado em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte e pós-doutorado em Educação Matemática pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3819-2381 E-mail: carolina.pereira@uece.br

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