Introdução
As políticas públicas podem ser compreendidas como a totalidade de ações, metas e planos que os governos (nacionais, estaduais ou municipais) traçam para alcançar o bem-estar da sociedade e o interesse público. É certo que as ações que os dirigentes públicos (os governantes ou os tomadores de decisões) selecionam (suas prioridades) são aquelas que eles entendem serem as demandas ou expectativas da sociedade. Ou seja, o bem-estar da sociedade é sempre definido pelo governo e não pela sociedade.
Nesse sentido, as políticas públicas podem ser compreendidas como um processo que obedece a regras e, por conseguinte, segue uma série de etapas com a finalidade de atingir determinado objetivo ou ser a resolução de determinado problema. Assim, a política pública pode ser entendida como um sistema de ações sociais que compreende um esforço da sociedade e principalmente das instituições.
O contexto político-econômico do final dos anos 1990 e início dos anos 2000, foi marcado por agressivas incidências neoliberais1 na educação. Notadamente, é no período compreendido entre os anos 2000 a 2010 que as políticas articuladas e acordadas na década de 1990 começam de fato a serem implementadas, e que serão referências para essa pesquisa (Silva Júnior, 2003; Barreto & Leher, 2003). Assim, este trabalho é um esforço intelectual de compreender as políticas de formação de professores no Brasil no início de um novo século (século XXI) a partir dos pressupostos de hegemonia do capital estabelecido com as reformas neoliberalizantes da década de 1990.
A Comissão de Educação da Câmara Federal, dentro do desenho institucional do Legislativo Brasileiro, exerce um papel importante no que diz respeito às discussões e debates em torno das políticas educacionais no Brasil. Assim, a pergunta motivadora para esta pesquisa foi: quais os são os atores no Legislativo presentes na Comissão Permanente de Educação da Câmara Federal, no referido período, que atuaram sobre os processos pré decisórios de formulação de políticas públicas educacionais e de formação de professores?
Desse modo, faz-se necessário apresentar como e de que forma tal comissão se organiza e se estrutura. De acordo com informações do próprio site da Câmara dos Deputados, na aba Histórico2 e Atribuições, a Comissão de Educação atualmente conta com 42 membros e igual número de suplentes e, após o desmembramento ocorrido em 2013 nos termos da Resolução nº 21 (2013), atua nos seguintes campos temáticos: assuntos atinentes à educação em geral; política e sistema educacional, em seus aspectos institucionais, estruturais, funcionais e legais; direito da educação; recursos humanos e financeiros para a educação.
Neste artigo, o objetivo é apresentar ao leitor o resultado de uma pesquisa de mestrado desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) que analisou os documentos da Comissão Permanente de Educação da Câmara Federal da República Federativa do Brasil entre os anos 2000 a 2010. A pesquisa investigou quais foram as propostas ou projetos de leis que dizem respeito às políticas públicas educacionais e, especificamente, as políticas de formação de professores discutidas no âmbito dessa comissão. Esta pesquisa também analisou e as possíveis incidências dos Organismos Internacionais - Banco Mundial (BM), Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) - na formulação destas políticas. Para tanto, este trabalho apresenta o levantamento dos documentos gerados e disponíveis no site da Câmara Federal, a organização destes documentos e a sistematização do conteúdo para análise.
Logo, um estudo que discute os interesses e influências na construção de políticas de formação de professores no Brasil é de suma importância, uma vez que, todo projeto de educação é marcadamente político. Não existe neutralidade ao se estabelecer propostas e projetos educacionais. O trabalho aqui apresentado tem sua relevância porque, ao se debruçar sobre as discussões e embates do final do século XX, pretende demonstrar através de uma dialógica, o macro contexto com as propostas de projetos discutidos no âmbito da Comissão de Educação da Câmara Federal.
O tratamento metodológico dos documentos se deu pela técnica de análise documental, uma vez que, o estudo analisou os documentos gerados nas reuniões da Comissão de Educação da Câmara Federal no período analisado, disponíveis no acervo digital, em um esforço de obter aqueles nos quais os termos relacionados a formulação de política de formação de professores tenha sido tratado. Desse modo, a análise documental é a técnica chave, pois entende que o objeto “[...] necessita de contextualização histórica e sociocultural [...]”, enquanto perpassa suas fases pelo levantamento bibliográfico, constituindo-se em uma pesquisa qualitativa (Sá-Silva, Almeida, & Guindani, 2009, p. 2). Após a coleta e organização dos documentos, têm-se as fases de análise e interpretação dos dados coletados. A ferramenta teórico-metodológica para a análise e interpretação dos documentos foi Contexto de Influência, embasado na perspectiva do Ciclo de Políticas (Ball, 1994) na formulação de políticas públicas educacionais. Esta técnica metodológica aprecia as investigações documentais enquanto pesquisa histórico educacional.
Este artigo tem em seu primeiro movimento, uma discussão sobre o tema das políticas públicas (conceitos) e a formação de professores (contextualização e leitura do campo). No segundo momento, traz uma abordagem a partir do papel do Estado na elaboração de políticas públicas. Em seguida, apresenta-se o escopo de documentos e a metodologia empregada no levantamento dos dados da pesquisa. Enfim, conclui-se com um movimento de leitura das discussões sobre políticas de formação de professores no Brasil a partir da Comissão de Educação da Câmara Federal, seguido das considerações finais do trabalho.
Políticas públicas e a formação de professores no Brasil
Nesse primeiro movimento será discutido o tema das políticas públicas, a construção das políticas públicas e a formação de professores. As políticas públicas consistem na materialização da ação pública, sendo o Estado em movimento e a representação concreta das respostas que governos dão ao processo, que emerge da articulação entre os diversos grupos e atores, de modo que suas agendas e interesses sejam processados e hierarquizados (Oliveira, 2019).
Segundo Matias e Jardilino (2019), as políticas públicas fazem parte do nosso cotidiano, o que obviamente influencia tanto em seu surgimento, bem como, provoca modificações em políticas já existentes. Souza (2006, p. 26), define o conceito de política pública como o “[...] campo do conhecimento que busca, ao mesmo tempo, ‘colocar o governo em ação’ e/ou analisar essa ação [...] e, quando necessário, propor mudanças no rumo ou curso dessas ações [...]”.
Ao se discutir a formação de professores no Brasil em uma leitura do campo, deve-se compreender que as políticas públicas de formação de professores ganham materialidade dentro de um campo de intensa disputa. Ainda, há que se observar como diversos atores influem e pautam as políticas educacionais em países como o Brasil. Assim, observa-se uma sequência de políticas neoliberais a partir da década de 1990 em um processo de convergências de políticas tanto globais quanto nacionais.
O esforço para garantir uma formação superior aos docentes da educação básica, tem se tornado um embate com as orientações do capital, em especial no que se consagrou chamar-se de ideologia neoliberal. É sabido que há, a partir da proposta do neoliberalismo, uma minimização (quase aniquilamento) do papel do Estado e a maximização do mercado. De acordo com Amorim (2018), essa ideologia interfere em todas as esferas governamentais com forte ingerência não só na economia, mas também em outros aspectos das políticas públicas. Nesse sentido, há interferência na formulação das políticas com vistas a atender à demanda de mercado, afetando diretamente a educação e mais, os processos de formação de professores, com o propósito de atender a uma padronização das funções sociais em consonância com a lógica do capital.
Sabe-se que o Estado enquanto instituição sofreu inúmeras transformações, principalmente no que diz respeito à sua função de fiador da organização da sociedade. Constata-se que, durante os séculos XVIII e XIX, o principal objetivo do Estado era a segurança pública e a defesa externa. Com o passar dos anos houve a expansão da democracia e, por conseguinte, as responsabilidades do Estado se diversificaram. Atualmente, pode-se compreender que, ainda influenciado pelo assim chamado Estado de Bem Estar Social3, a função do Estado é a de promover o bem estar da sociedade. Para tanto, ele necessita desenvolver uma série de ações e atuar diretamente em diferentes áreas, tais como saúde, educação e meio ambiente.
Como uma das formas para atingir os resultados, visto que, a sociedade é complexa e, por conseguinte, tal fator acarreta uma variedade de problemas, o Estado através do governo produz e utiliza de políticas públicas para atingir resultados e gerar o bem estar da sociedade.
Para Howlett, Ramesh e Perl (2013) há várias definições de ‘política pública’ e todas tentam captar a ideia de que a policy-making é um processo técnico-político que visa definir e compatibilizar objetivos e meios entre os atores sociais sujeitos a restrições. Segundo os autores, essas definições postulam que as políticas são ações intencionais de governos que contêm algum ou alguns objetivos articulados, por mais que esses objetivos tenham sido precariamente identificados, justificados e formulados (Howlett et al., 2013).
Para esta pesquisa, optou-se por uma das melhores definições de política pública por se tratar de uma definição mais aberta, o que possibilita um melhor arranjo para os objetos da pesquisa. Jenkins (1978) apud Howlett et al. (2013) define a política pública como:
[...] um conjunto de decisões inter-relacionadas, tomadas por um ator ou grupo de atores políticos, e que dizem respeito à seleção de objetivos e dos meios necessários para alcança-los, dentro de uma situação específica em que o alvo dessas decisões estaria, em princípio, ao alcance desses atores (Howlett et al., 2013, p. 8).
Esta definição é muito útil no sentido de esclarecer que o conteúdo de uma política compreende a ‘seleção de objetivos e de meios’. De certo modo, isso demonstra que uma política pública não é algo estanque, engessado. Segundo a definição de Jenkins, a policy-making seria um processo dinâmico e, portanto, a política pública é, em geral, o resultado de ‘um conjunto de decisões inter-relacionadas’. Logo, os governos raramente tratam os problemas com uma única decisão (Howlett et al., 2013).
O papel do Estado na elaboração de políticas públicas e os grupos de interesses
Este movimento apresenta um debate sobre o papel do Estado na formulação das políticas públicas e como se dá o processo de formulação, o debate em torno de determinada política, como as instituições tanto privada como institucionais agem e pressionam no legislativo brasileiro, especificamente na arena ora pesquisada, a Comissão de Educação da Câmara Federal.
Notadamente, infere-se que as políticas públicas estão em todas as áreas e, tratando-se de políticas de formação de professores, tais políticas influenciam positivamente ou negativamente no processo educativo. Uma gestão que dá prioridade às ações de qualidade focadas na educação indica o desejo de garantir o acesso ao conhecimento para todos e, consequentemente, construir um país menos desigual.
No debate sobre as políticas públicas obviamente cabe uma resposta a fim de elucidar qual o papel do Estado na sua definição e implementação. A complexidade do processo de discussão sobre determinada política pública não deve se dar tão somente pelas pressões dos grupos de interesses, muito menos o Estado deve optar por políticas públicas definidas exclusivamente por aqueles que estão no poder. Segundo Souza (2006), é preciso uma certa autonomia no processo de definição de políticas públicas de acordo com uma concepção moderna de organização do Estado e da sociedade. Na prática, isso demonstra que o Estado detém uma certa autonomia no que diz respeito a um espaço de atuação, embora esse espaço seja permeado por influências externas e internas.
Percebe-se que outros segmentos, para além do governo, se envolvem na formulação de políticas públicas e são denominados grupos de interesses, cada qual com maior ou menor influência a depender do tipo de política formulada e das coalizões que integram o governo. Destaca-se ainda que o Brasil, via acordos internacionais desde a década de 1990, vem seguindo a linha orientadora proposta pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), BM e outros Organismos Internacionais, tais como Unesco, Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e OCDE.
Durante a década de 1990, o Brasil, assim como outros países da América Latina, enfrentou um processo de reestruturação do Estado que, justificado pelas necessidades de ajustes estruturais - em grande medida em razão da crise da dívida externa - alterou a relação entre Estado e sociedade civil. Silva Júnior (2003) destaca que, o movimento reformista não deve ser apontado como um fato de um único país, trata-se de um movimento mundial, com as especificidades de cada um, mas que mantém traços de identidade em todos eles, segundo a racionalidade da transição do metabolismo social capitalista.
Essa reestruturação teve como paradigma a adoção dos critérios da economia privada na gestão da coisa pública. O Brasil mesmo tendo suas peculiaridades, no escopo das reformas da década de 1990 se submeteu ao figurino do capital, desenhado pelos organismos multilaterais, com especial destaque para o Banco Mundial (Silva Júnior, 2003).
Com essas reformas, a ênfase muda do estado provedor para o estado regulador, aquele que estabelece as condições através das quais se autoriza os vários mercados internos a operar, e o estado auditor, aquele que avalia os resultados. Logo, têm-se um Estado modernizado, um Estado gestor voltado para a reprodução do capital. Portanto, as reformas do Estado no atual estágio do capitalismo mundial tendem para um desmonte do Estado intervencionista na economia e nos setores sociais, provocando e aprofundando ainda mais as desigualdades sociais (Silva Júnior, 2003). Assim, a reorganização do Estado provoca uma mudança sobre o objeto de controle, que deixa de ocorrer sobre os processos para se efetivar, principalmente, sobre os resultados (Trípodi, 2012).
De acordo com Mourão, Costa, Nogueira e Mendes (2023, p. 2), “[...] o poder do Estado desvaloriza o trabalho docente com ações econômicas, políticas e ideológicas que parecem ser estruturantes da valorização, mas que na prática precarizam o trabalho do professor”. Nesta perspectiva, o Estado atua no campo educacional no sentido de conformar a luta dos profissionais da educação a mera luta salarial.
Segundo Sampaio (2018), é necessário conhecer sobre o significado, o objetivo e o funcionamento do sistema federativo nacional. De acordo com Fernandes (2015), a forma de Estado deve ser entendida como a distribuição do poder político em função de um território. Pode-se afirmar então que se trata da forma como o poder político é exercido dentro de um território. Existem várias espécies ou tipos de Estado4. Um dos tipos é o federalismo que, segundo Abrucio (2010) é uma forma de organização territorial e, como tal, tem enorme impacto na organização dos governos. Com relação ao federalismo brasileiro, com a Proclamação da República em 1889, pode-se constatar que a federação nasce em outra direção, na perspectiva da descentralização (Oliveira & Sousa, 2010).
Essa forma de organização deu aos entes federados uma maior capacidade de organização, todavia, à maior descentralização corresponde também uma maior desigualdade.
Enquanto no Estado unitário o governo central é anterior e superior às instâncias locais, e as relações de poder obedecem a uma lógica hierárquica e piramidal, nas federações vigoram os princípios de autonomia dos governos subnacionais e de compartilhamento da legitimidade e do processo decisório entre os entes federativos (Abrucio, 2010, p. 41).
Logo, têm-se na prática mais de um agente governamental legítimo na definição e elaboração das políticas públicas. De acordo com Oliveira e Sousa (2010), essa tensão entre centralização e descentralização e a forma de colaboração entre União e os demais entes federados é fundamental para entender como se desvelam as políticas educacionais.
Compreendendo que o direito à educação, conforme preconizado pelo artigo 205 da Constituição da República Federativa do Brasil (1988), pressupõe igualdade de condições para todos, essa compreensão contrapõe-se à diferenciação típica do sistema federativo. Para Oliveira e Sousa (2010), a estrutura do pacto federativo é particularmente importante para as políticas públicas, uma vez que interfere diretamente nas temáticas da democracia e da igualdade. Ressalta-se que a transferência de responsabilidades para os estados, notadamente induziu a cada um desses estados a darem tratamentos diferenciados à educação. Logo,
[...] o que se manifesta nos estados do Sul e Sudeste que assumiram a responsabilidade pelo atendimento educacional e construíram, ao longo do século XX, sistemas próprios de ensino, recorrendo subsidiariamente aos municípios; o dos estados do Norte e Nordeste em que estes se omitiram de construir um sistema de ensino de massas e tal responsabilidade foi precariamente assumida pelos municípios (Oliveira & Sousa, 2010, p.16).
Notadamente em 1996, com a criação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério [Fundef]5 (Emenda Constitucional nº 14, 1996), começa-se a estabelecer critérios mais precisos de repartição de recursos, de modo que, se articulassem aportes financeiros às respectivas responsabilidades. Segundo Oliveira e Sousa (2010), utilizou-se como medida de equivalência um valor comum de gasto por aluno em cada estado, isso facilitou um processo de redistribuição dos recursos. Todavia, esse tipo de solução é apenas paliativa em um universo de desigualdades regionais. Para o autores, a solução mais simples e direta para a desigualdade regional seria uma reforma tributária que alinhasse responsabilidades com as políticas sociais e condições financeiras de efetivá-las. Ora, sabe-se que no Brasil os entraves políticos para o manejo de reformas estruturais, tais como a tributária, que obviamente atingiria as elites brasileiras, são entraves históricos.
No âmbito da discussão do novo Plano Nacional de Educação (PNE) que vigora atualmente e que tem o prazo compreendido entre os anos de 2014 a 2024, ressurgiu como tema para o debate a ideia de um Sistema Nacional de Educação (SNE). Salienta-se que durante a discussão sobre a Lei de Diretrizes e Bases (LDB/1996), este tema também teve certa visibilidade. Esse sistema consistiria em,
[...] no redimensionamento da ação dos entes federados, garantindo diretrizes educacionais comuns a serem implementadas em todo o território nacional, tendo como perspectiva a superação das desigualdades regionais. Dessa forma, objetiva-se o desenvolvimento de políticas públicas educacionais nacionais universalizáveis, por meio da regulamentação das atribuições específicas de cada ente federado no regime de colaboração e da educação privada pelos órgãos de Estado. O Sistema Nacional de Educação assume, assim, o papel de articulador, normatizador, coordenador e, sempre que necessário, financiador dos sistemas de ensino (federal, estadual/DF e municipal), garantindo finalidades, diretrizes e estratégias educacionais comuns, mas mantendo as especificidades próprias de cada um (Conferência Nacional de Educação [CONAE], 2008, p. 11).
De acordo com Oliveira e Sousa (2010), esse sistema se aproximaria de uma formulação tipo Sistema Único tal como o Sistema Único de Saúde (SUS). Embora cabível, a analogia possui algumas limitações e, especificamente no caso da educação, a forma de cooperação, além da normativa comum, se materializaria pela via financeira ou, ainda, pela assistência técnica. Assim, a adoção de um SNE enfrenta dificuldades políticas para ser viabilizado, considerando que o mesmo não se concretizou nem na Constituição Federal de 1988 e muito menos na LDB de 1996. Tal fato diz respeito a sua adoção por parte dos entes federados, uma vez que, sua imediata adoção implicaria uma adesão a diretrizes comuns e a federação é uma das cláusulas pétrea de nossa Constituição. Portanto, dadas as dificuldades de uma modificação mais ampla que estabeleça um sistema nacional de educação ou uma reforma tributária, as relações entre os entes federados se dão de maneira assimétrica e, logo, faz-se necessário o estabelecimento de ações pactuadas e sistêmicas.
Para Abrucio (2010), a visão descentralizadora teve efeitos positivos no campo das políticas públicas, com a criação de alguns planos de âmbito nacional, tais como, Programa Saúde da Família (PSF) e o Bolsa Escola (atualmente Bolsa Família), que foram programas que nasceram através da iniciativa de prefeitos e da sociedade local. Todavia, muito embora os resultados positivos se desvelassem na realidade concreta, os resultados negativos também foram produzidos. Percebe-se ainda mais a heterogeneidade entre os municípios em termos financeiros, políticos e administrativos (Abrucio, 2010).
Após essa breve, mas importante discussão a respeito de como se organiza o Estado e sua forma de federalismo, pode-se observar que, devido a fragmentação e desorganização dos entes, a arena de formulação de políticas públicas sofre a influência de diferentes grupos de interesses, sejam eles ligados aos próprios entes federados - tais como associações e sindicatos - bem como, os grupos empresariais da educação que, no escopo do período analisado por este trabalho, ganharam destaque dentro do processo de formulação de políticas educacionais. Tais grupos são denominados de atores e desempenham importante papel, seja apresentando reivindicações ou executando ações que, posteriormente, serão transformadas em políticas públicas.
Assim no contexto macro político, os atores privados se constituem nas organizações não governamentais, nos sindicatos, nas organizações de classe e, no que diz respeito às políticas educacionais de formação de professores, têm-se como duas das principais organizações: a Associação Nacional de Pós Graduação e Pesquisa em Educação (ANPED, 2021) e a Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação (ANFOPE, 2021).
Tanto Anped quanto Anfope são dois atores importantes no que diz respeito ao campo de pesquisas em políticas educacionais bem como, especificamente, do campo de formação de professores. Ambas coadunam do mesmo entendimento de que o pensamento educacional brasileiro precisa manter um compromisso assumido com uma escola pública, laica, gratuita, inclusiva e socialmente referenciada em todos os níveis e modalidades e para todos os cidadãos brasileiros.
Ainda dentro do escopo de grupos de interesses, há a atuação dos movimentos ditos como “colaboradores”, ou ainda, ‘amigos da educação’. Se encaixam neste perfil grupos como Fundação Lehman, Fundação Itaú, Fundação Bradesco, Instituto Ayrton Senna e, um grupo que se articula muito bem nas arenas políticas e com muita atuação no Congresso Nacional, denominado de Todos pela Educação6. Esse movimento, descrito pela própria entidade como um grupo suprapartidário e independente, destaca que atua sem receber recursos públicos e tem por missão, contribuir para melhorar a educação básica no Brasil. Ora, bem sabemos que não existe neutralidade na educação logo, qualquer atuação de movimentos tais como este possuem sim uma intenção, uma proposta e mais ainda, tendo como apoiadores as fundações supracitadas anteriormente.
Assim, no processo de mundialização da educação via atuação dos Organismos Internacionais e suas políticas globalizantes, o professor se torna o principal agente da formação do cidadão resiliente, necessário à “paz” e à coesão social em uma perspectiva do bom cidadão conformado dentro do escopo neoliberal globalizante. O cidadão resiliente é o sujeito neoliberal e o papel da educação e da formação nesta sociedade neoliberal é tornar as pessoas mais resilientes e prepará-las para uma certa invulnerabilidade que lhes possibilite resistir sem quebrar a situações adversas, agressivas e, até violentas que a vida certamente irá lhes colocar (Tavares, 2002 apud Coelho, 2017). Esta proposta do cidadão resiliente faz com que o professor ganhe uma centralidade no processo de convencimento e conformação das classes subalternas, ora como protagonista, ora como obstáculo para a implementação das contrarreformas educacionais neoliberais (Coelho, 2017).
Documentos da Comissão de Educação da Câmara Federal: organização dos dados
Esse movimento tem por objetivo apresentar o escopo de documentos encontrados e que dizem respeito especificamente sobre políticas públicas educacionais e nelas, as políticas de formação de professores na Comissão de Educação da Câmara Federal. Os documentos da Comissão Permanente de Educação da Câmara dos Deputados foram escolhidos como objeto de análise desta pesquisa tendo como objetivo geral, portanto, verificar nesses documentos e propostas de projetos de leis, quais foram as incidências nas formulações de políticas de formação de professores na primeira década do século XXI no contexto brasileiro.
De acordo com informações do próprio site da Câmara dos Deputados, na aba Histórico7 e Atribuições, a Comissão de Educação conta com 42 membros e igual número de suplentes e, desde o desmembramento ocorrido em 2013 nos termos da Resolução nº 21 (2013), atua nos seguintes campos temáticos: assuntos atinentes à educação em geral; política e sistema educacional, em seus aspectos institucionais, estruturais, funcionais e legais; direito da educação; recursos humanos e financeiros para a educação.
Organizar o material coletado de pesquisa significa processar a leitura segundo critérios da análise documental comportando algumas técnicas, tais como fichamento, levantamento quantitativo e qualitativo de termos e assuntos recorrentes, criação de códigos e tabelas para facilitar o controle e manuseio. Os dados para esta pesquisa estão disponíveis em acervo digital no site da Câmara dos Deputados (CD). No site da CD, na tela inicial é possível visualizar na aba superior o tópico Atividade Legislativa e, nesse tópico, a aba se desdobra em agenda, proposta legislativa, plenário, comissões, discursos e debates, estudos legislativos, orçamento da União, legislação, entenda o processo legislativo e participe. No caso desta pesquisa, o item selecionado foi Comissões.
Na página com as Comissões Permanentes, escolhe-se Comissão de Educação e ao lado esquerdo encontram-se os tópicos: Histórico e atribuições; Presidência; Membros; Subcomissões; Projetos de lei e outras proposições na Comissão; Reuniões; Audiências públicas; Seminários e outros eventos; Documentos; Acordos, normas e súmulas; Publicações; Notas taquigráficas; Relatórios; Indicações; Outros documentos; Notícias. Seleciona-se o item Reuniões que é redirecionado para a página de busca, no qual define-se as datas de início e fim da busca. Como marco temporal desta pesquisa, têm-se o período compreendido entre os anos de 2000 a 2010. Então, para o preenchimento do campo, utilizou-se como data inicial 01/01/2000 e como data final 31/12/2010.
Após esta etapa, o site da Comissão de Educação apresenta uma seção, onde há 811 itens, dos quais, 657 correspondem a reuniões, audiências, seminários e encontros, correspondendo a 81,0% dos itens. Foram analisadas as 657 reuniões com o objetivo de verificar quais delas abordaram o tema de formação de professores. Das 657 reuniões analisadas, 63 delas abordaram o tema ou palavra-chave ‘formação de professores’, ou seja, apenas 10% das reuniões revisadas (Figura 1).

Fonte: Elaborado pelo próprio autor a partir dos dados da pesquisa
Figura 1 Reuniões que mencionaram formação de professores na Comissão Permanente de Educação de Cultura da Câmara Federal entre 2000-2010. Foram apenas 63 das 657 reuniões analisadas
Ressalta-se que das 63 reuniões que mencionaram formação de professores, não necessariamente a formação de professores foi o tema principal, ou seja, dentro de uma perspectiva de contexto, a temática da formação foi abordada em falas e/ou discursos. De acordo com levantamento prévio realizado, encontrou-se apenas uma Audiência Pública cujo tema principal foi a formação de professores, realizada em atendimento ao requerimento nº 254/2009 do deputado Iran Barbosa do PT, no dia 10 de setembro 2009 (Câmara dos Deputados, 2009). O tema específico da reunião consistia em “Discussão sobre as novas diretrizes para a formação dos docentes da educação básica”.
Pode-se observar que, a abordagem do tema sobre formação de professores se concentrou nas Reuniões Deliberativas Ordinárias, 52%, como mostrado na Figura 2.

Fonte: Elaborado pelo próprio autor a partir dos dados da pesquisa
Figura 2 Tipos de reuniões que mencionaram formação de professores na Comissão Permanente de Educação de Cultura da Câmara Federal entre 2000-2010. O debate do tema se concentrou em Reuniões Deliberativas Ordinárias (52%) e Audiências Públicas Ordinárias (35%)
As 63 reuniões geraram 182 documentos, distribuídos em: 34 pautas, 34 íntegras em texto, 60 resumos/resultados e 54 atas. As pautas e as listas de presença não continham elementos que corroborassem para a pesquisa e, portanto, foram descartadas da análise documental. Além disso, as listas de presença constavam em branco, ou seja, só é possível aferir quem ou quais parlamentares registraram presença nas referidas reuniões a partir das atas. As atas, por sua vez, só continham informações de identificação dos deputados presentes, com data e hora, e apreciação dos requerimentos e dos projetos de lei. Não houve nenhum tipo de documento que todas as 63 reuniões produziram igualmente. A distribuição dos documentos é mostrada na Figura 3.

Fonte: Elaborado pelo próprio autor a partir dos dados da pesquisa
Figura 3 Documentos disponíveis das 63 reuniões que mencionaram formação de professores na Comissão Permanente de Educação de Cultura da Câmara Federal entre 2000-2010. A maioria dos documentos são resumos/resultados e atas, representando 33% e 29% respectivamente
As reuniões também foram analisadas de acordo com o recorte temporal da pesquisa (2000 a 2010) a fim de se averiguar em quais anos houve maior incidência do tema ou que a formação docente esteve em evidência. Os dados demonstraram que os temas foram distribuídos da seguinte forma: 1 em 2000, 2 em 2002, 5 em 2003, 7 em 2004, 10 em 2005, 7 em 2006, 15 em 2007, 4 em 2008, 6 em 2009 e 6 em 2010. Não foram encontradas reuniões em que a formação de professores tenha sido abordada no ano de 2001. Os dados são representados na Figura 4.

Fonte: Elaborado pelo próprio autor a partir dos dados da pesquisa
Figura 4 Proporção de reuniões que mencionaram formação de professores na Comissão Permanente de Educação de Cultura da Câmara Federal por ano (2000-2010).
A partir da organização dos dados, o objetivo é aprofundar a análise dos documentos, levando em consideração o Contexto de Influência, a atuação da Comissão Permanente de Educação e as propostas nela discutidas que dizem respeito, especificamente, às políticas de formação de professores. Tendo em consideração que é no Poder Legislativo que se concretiza o primeiro momento de constituição das políticas públicas, uma vez que é nele que o debate público se torna objeto de proposição que poderá ser de iniciativa de um dos três poderes (Oliveira, 2016).
As normas que estabelecem os instrumentos das políticas públicas ganham a versão final no Poder Legislativo (ressalvada a possibilidade de vetos, que de qualquer forma, podem ser derrubados pelo próprio Legislativo) se editadas por lei ou Medida Provisória. Outro ponto importante a ser destacado é que “[...] o Legislativo dispõe ainda do instrumento do decreto legislativo para sustar atos do Executivo que considere como tendo invadido sua competência (art. 49, V, CF)” (Martins, 2014, p. 16).
Os documentos da Comissão de Educação da Câmara Federal, no que diz respeito às propostas de formação de professores da Educação Básica, desvelaram algumas categorias que emergiram na análise das atas e íntegras em texto, a saber: nível superior como lócus da formação de professores; formação específica na área em que atua; formação continuada; Organismos Internacionais; formação e valorização profissional e avaliação docente.
Portanto, o próximo passo será composto de parte analítica em um esforço para compreender as políticas de formação de professores em curso no Brasil a partir dos dados organizados, desvelando as contradições, assim como, apontando desafios e perspectivas nas mais recentes ações do Estado brasileiro.
As discussões sobre políticas de formação de professores no Brasil a partir da Comissão de Educação da Câmara Federal
A partir das 63 reuniões identificadas anteriormente foram encontrados cerca de 182 documentos, distribuídos em: 34 pautas, 34 íntegras em texto, 60 resumos/resultados e 54 atas. Conforme já explicitado, o objetivo da pesquisa foi aprofundar a análise dos documentos da atuação da Comissão Permanente de Educação e as propostas nela discutidas que dizem respeito, especificamente, às políticas de formação de professores, tendo em vista o Contexto de Influência. Portanto, uma análise dos documentos em busca das categorias que norteiam esta pesquisa, seja nas falas e discursos, propõe-se a investigar propostas de projetos de leis e requerimentos apresentados.
Para fins de uma análise mais específica, fora escolhido como corpus documental as Atas (documento onde é possível aferir os projetos de leis debatidos e deliberados) e as Íntegras em Texto (documento que contém todas as falas das reuniões), uma vez que, são esses os dois documentos mais relevantes de uma reunião, audiência ou seminário. Ao final, têm-se 54 atas e 34 íntegras em texto para análise.
Como o trabalho debruça-se sobre o período compreendido entre os anos 2000 a 2010, optou-se por uma análise cronológica a partir de 01/01/2000 até 31/12/2010. Isso possibilita também um acompanhamento aproximado do objeto da pesquisa e uma percepção de quais momentos ou períodos ocorreram mais discussões e debates em torno do tema.
Assim, o que pôde ser constatado é que, o espaço de uma Comissão de Educação, tal qual a analisada (Comissão de Educação da Câmara Federal), deveria ser um ambiente em que todas as vozes e todos os atores, indistintamente, de fato tivessem espaço para debater e discutir a construção e elaboração das políticas públicas de educação e nela, as políticas de formação de professores. Todavia, nota-se pela análise dos documentos, a falta de interesse por parte dos legisladores brasileiros, dessa que é chamada a Casa do Povo, para com as políticas de formação de professores.
Como forma de ilustrar, têm-se alguns dos poucos projetos de lei que após análise, discussão e debates no âmbito da Comissão de Educação da Câmara, tramitaram pelo Congresso Nacional e tornaram-se legislações educacionais: Projeto de Lei 5.395/2009 de autoria do Poder Executivo transformado na Lei Ordinária 12.796/2013 que Altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para dispor sobre a formação dos profissionais da educação e dar outras providências; o Projeto de Lei nº 5.418/05 da deputada Luiza Erundina (PSB) transformado na Lei nº 12.612 (2012), de 13 de abril de 2012, declara o educador Paulo Freire Patrono da Educação Brasileira; o Projeto de Lei 6.514/2009 de autoria do Senador Cristovam Buarque (PDT) com objetivo de alterar a Lei nº 9.394 (1996), para estabelecer direito de acesso aos profissionais do magistério a cursos de formação de professores, por meio de processo seletivo diferenciado, transformado na Lei Ordinária 13.478 (Lei nº 13.478, 2017).
Outro ponto importante sobre a formação de professores, que passa ao largo de qualquer discussão na Comissão, diz respeito às reformas educacionais empreendidas pelo Estado brasileiro. Esta agenda reformista que emerge no final de década de 1980 e início da década de 1990 é ilustrativa do que passamos a denominar de ordenamento político-legal neoliberal, que demanda a flexibilização do próprio Estado, que passa tanto induzir esta reorganização produtiva, quanto possibilitar o reordenamento técnico e ético do trabalhador, que deve responder por competências e habilidades produtivas. Portanto, um Estado aberto aos anunciados movimentos de reforma de seus instrumentos de reprodução social e cultural.
De certo modo, essa constatação coaduna com o que Oliveira (2016, p. 114) descreve como “[...] as contradições que caracterizam a política de formação de professores da Educação Básica”. Em seu trabalho de análise sobre a produção legislativa sobre a 53ª8 e 54ª9 Legislatura do Congresso Nacional, a autora afirma:
1. A produção legislativa sobre formação de professores no Brasil que alcança o status de lei são de inciativa particular e exclusiva do Poder Executivo nas legislaturas investigadas. 2. Mesmo sendo um país federado, com práticas que tem como princípio a descentralização, a legislação analisada sugeriu que predomina a centralização do Executivo federal na regulamentação das políticas de formação de professores da Educação Básica (Oliveira, 2016, p.113).
Nesse entendimento, uma leitura sobre os dados encontrados reflete um tipo de Estado que se pauta mais por diretrizes externas do que por uma construção coletiva dos atores internos, tais como, as universidades e entidades como Anped e Anfope. Todavia, de acordo com Druck (2006):
Hoje, ao chegar no quarto e último ano de mandato, o Governo Lula da Silva não só não se constituiu nessa possibilidade, como optou em dar continuidade à aplicação e defesa de uma política econômica neoliberal. E, consequente com a base ideológica e política do neoliberalismo, vem atuando no sentido de desmobilizar os movimentos sociais, de anular a força autônoma e independente do movimento sindical, através de uma permanente cooptação de suas direções e de um processo de “estatização” das organizações dos trabalhadores (sindicatos e partidos, especialmente, o Partido dos Trabalhadores) (Druck, 2006, p. 330-331).
Observando essa inferência, constata-se uma certa ‘desmobilização’ por parte dos atores como universidades públicas e sindicatos. Por outro lado, uma forte presença de movimentos, tais como Todos pela Educação nas discussões e debates sobre a educação brasileira. No caso específico do Todos pela Educação, ressalta-se que o mesmo foi estruturado, segundo Martins (2013):
[...] a partir de um pacto entre iniciativa privada, terceiro setor e governos - o que contribui para a ocultação dos conflitos entre classes, e frações de classe, tornando mais complexa a compreensão da realidade, sobretudo no que se refere aos tênues limites entre o público e o privado - de modo a tornar também menos nítida a distinção entre os direitos sociais e os direitos individuais (Martins, 2013, p. 154).
Portanto, a constatação de apenas uma reunião, no qual o tema central foi a formação de professores, é fruto de todo o exposto da realidade brasileira nos contextos dos governos FHC e Lula. As propostas de projetos de leis, quando apresentadas, se pautaram apenas nos indicativos legais e não foi possível encontrar nenhuma discussão de projetos para as políticas de formação de professores no Brasil no tocante a formação inicial enquanto macro projeto. Quando identificado a categoria ‘formação de professores’ em alguma fala, a ocorrência sempre esteve dentro de contextos relacionados à ‘qualidade da educação’, ‘valorização da educação’, ‘desenvolvimento do país’ e/ou ‘valorização profissional’. Isso evidencia que “[...] a profissão docente não é valorizada, tampouco interessante no cenário social e político, sendo que estes cenários se entrelaçam e interferem nas condições de ofertas de todas as atividades educacionais” (Martins Neto & Pereira, 2021, p. 11).
Não foi possível encontrar nas discussões apresentadas pelos documentos, as políticas de formação inicial de professores de iniciativa do Legislativo. De certo modo, isso corrobora com os achados de Oliveira (2016), que ao analisar os referenciais legais de formação de professores no período de 2007-2014 afirma:
Poucas proposições legislativas avançam na concepção de política de formação de professores da Educação Básica, como é o caso da proposta da residência pedagógica e algumas chegam a se distanciar do que é proposto pela academia e pelas associações científicas, a exemplo da proposição que defende a formação inicial na modalidade à distância (Oliveira, 2016, p.115).
Assim, embora um governo de base popular tenha ascendido ao poder, analisando um hiato de 10 anos, pode-se concluir que houve poucos avanços concretos sob o ponto de vista de políticas de Estado sobre formação inicial de professores, e isto se deve, sobretudo, a opção do governo por implementar suas políticas educacionais por meio de programas. Nota-se várias iniciativas dos governos de plantão, operando principalmente via Medida Provisória, Decretos e Portarias, na tentativa de solucionar um grave problema que é a formação docente. Portanto, com esse tipo de manobra, o governo do momento consegue de certo modo ‘tocar’ o problema sem gerar um certo desgaste no Parlamento. Por outro lado, vê-se várias outras iniciativas no sentido de melhorar a formação continuada, também com medidas isoladas e dispersas, o que demonstra a utilização de medidas paliativas para um problema tão complexo e crônico.
Considerações finais
A apresentação dos documentos da Comissão de Educação da Câmara Federal, como mecanismo para análise e compreensão do processo de formulação das políticas públicas educacionais, e nelas, as políticas de formação de professores da Educação Básica no Brasil, indicou as contradições que operam na educação brasileira notadamente aportadas a uma lógica do mercado e da agenda neoliberal.
A partir do levantamento dos dados foi possível compreender como ocorre o processo de formulação e elaboração de políticas públicas no âmbito do Legislativo Brasileiro a partir da Comissão de Educação, suas nuances, discussões e debates. Evidenciou-se a falta de uma discussão mais aprofundada sobre a formação de professores no Brasil, uma discussão que abarcasse entidades, grupos de pesquisa e intelectuais pesquisadores da área e se concretizasse em um projeto construído a partir da pluralidade dos atores.
Observou-se que, nenhuma das reuniões realizada pela Comissão teve como objetivo ‘formular’ políticas de formação de professores, direta ou indiretamente. No máximo têm-se, conforme demonstrado, projetos de leis que, por exemplo, alteram dispositivos da LDB 1996 ou pretendem proporcionar uma atualização da referida lei. Portanto, considera-se urgente reconhecer a necessidade de ações e propostas que busquem consolidar o sistema nacional de formação e valorização dos profissionais da educação básica, através da articulação e fortalecimento das políticas de formação de professores (Oliveira & Leiro, 2019, p. 21).