Introdução
Este artigo aborda a relação da escolaridade com planejamento familiar, principalmente no momento da gravidez do primeiro filho. Sendo o resultado de pesquisa bibliográfica e pesquisa de campo. Elaborado a partir da problemática e da hipótese de que a escolaridade desempenha forte influência no planejamento familiar. E por este motivo, busca indagar se entre as pessoas com maior grau de escolaridade existe melhor planejamento da gravidez. Para situar a influência da escolaridade no planejamento familiar a pesquisa analisa também outras variáveis que podem estar ligadas com a questão estudada como a relação entre escolaridade e a idade da primeira gravidez, cruzando os dados também com a questão etária.
O planejamento familiar abarca uma ampla discussão e envolve diversas áreas e níveis de atenção, incluí a participação comunitária. Sendo um dos fatores que possibilitam identificar e atender as necessidades das pessoas. O planejamento familiar é direito preconizado e amparado pela Constituição Federal, em seu artigo 226, parágrafo 7º, e pela Lei 9.263, de 1996, que o regulamenta (Pierre & Clapis, 2010). No Brasil o planejamento familiar está ligado ao Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher (PAISM), que foi criado em 1984 e teve grande importância na política pública em área da saúde. O programa incluí a integralidade e a equidade na assistência à mulher, com vistas a abordar a saúde de maneira global, e em todas as fases do ciclo vital (Mozzaquatro & Arpini, 2017).
Nos dias atuais as discussões sobre planejamento familiar romperam as fronteiras religiosas e passam a fazer parte das agendas de várias outras instituições, escola e serviços de saúde. À parte as questões demográficas que atenta para as indagações éticas, envolvidas em uma gravidez não planejada e as possíveis consequências para a mãe e a criança.
Evidências apontam que houve alteração significativa no Planejamento Familiar nas últimas décadas. De acordo com dados do UNICEF (O direito de ser adolescente, 2011) o aumento demográfico do início da década 1970 até hoje, caiu de 2,1% para 1,6% ao ano. Isto se deve a muitos fatores, como o uso do método anticoncepcional que passou a fazer parte da rotina de 50% das mulheres em idade fértil, a urbanização da sociedade, maior acesso à educação formal e outros. Dessa forma, o número médio de filhos por mulher em países em desenvolvimento caiu de 6 para 4.
A educação formal pode influenciar o cenário e mais especificamente, a educação sexual. No Brasil, a exemplo do que ocorreu na Europa, a medicina higienista se encarregou das questões que envolviam a sexualidade, e passou a associar determinadas práticas sexuais às doenças, e a interferir na educação escolar. Na época o colégio interno se tornou o modelo ideal para se educar os jovens e impedir que sofressem influências sexuais indesejáveis (Ribeiro, 2004). A relação da medicina com a educação sexual no Brasil, foi se aprofundando ao longo do século XIX até metade do século XX. A partir da década de 1920 foram publicados dezenas de livros de educação e orientação sexual. Os livros eram de autorias de médicos, professores e sacerdotes, fundamentados por dados científicos da época, visavam orientar a prática sexual dos indivíduos (Ribeiro, 2004).
Somente na década de 1960 a educação sexual entra em algumas escolas brasileiras, e passa a fazer parte dos currículos escolares em São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte. De 1964 a 1978 houve várias tentativas de tornar a educação sexual realmente efetiva nas escolas. Entretanto, todas as iniciativas foram barradas pelo Regime Militar, cujo governo reprimia não só as manifestações políticas, mas também censurava as expressões de sexualidade, e as implicações nos padrões de comportamento delas decorrentes. Durante a década de 1980 e nas seguintes, com a abertura política, foram retomadas as iniciativas e projetos de educação sexual nas escolas, mas usualmente tornavam-se projetos sem continuidade.
A questão da educação sexual no Brasil, só se tornou política de governo com a criação dos Parâmetros Curriculares Nacional e somente em 1997 o tema orientação sexual passou a fazer parte dos PCNS, como tema transversal. Nesse momento o Estado demonstra seu interesse, motivado pelo avanço da aids, outras doenças sexualmente transmissíveis e gravidez na adolescência. A partir desse momento a escola passa a ser o lugar onde ocorre o desenvolvido da criança, dos adolescentes e dos jovens. A partir de uma ação educativa, que permita a eles capacidades de discernir sobre a própria saúde, em relação à sexualidade (Parâmetros Curriculares Nacionais, 2000).
A educação formal objetiva a transmissão da educação sexual aos jovens e adolescentes. É conveniente lembrar que os jovens do século XXI se comunicam e interagem com os adultos e com a sociedade de maneira tecnológica. As novas tecnologias da informação facilitaram a comunicação, e os jovens demonstram agilidade, habilidade de acesso às informações. As mudanças tecnológicas ocorridas na sociedade moderna provocaram um distanciamento no diálogo entre as gerações. Ainda, Carrier (1994) salienta que hoje estamos diante das primeiras gerações tecnológicas. O contato diário com as redes sociais é considerado por muitos educadores, excessivo. As informações têm modificado a forma dos relacionamentos entre os jovens, as famílias e os educadores. As dificuldades de comunicação e de relacionamento com o mundo dos jovens ocorrem em decorrência do desconhecimento e da resistência em relação ao próprio mundo.
Para Carrier (1994) o papel do educador na sociedade está baseado na redefinição de finalidades destinada à educação. Sendo assim, cabe a ele educar para a liberdade, formação humana integral desenvolvendo a inteligência, discernimento e responsabilidade ética. A educação sexual e a educação de um modo geral oferecida aos jovens, adolescentes, tem a pretensão de moldar comportamentos, seja nas escolas ou dentro do contexto familiar. Contudo, os aspectos da sexualidade ainda passam pela estabilização institucional, constituição familiar, procriação (Louro, 1997; Bernardi, 1985).
Entre 1997/99 o governo federal brasileiro tomou a iniciativa de incluir a sexualidade na perspectiva do gênero como temática de discussão nas escolas. A proposta desde então visa debater em sala de aula, temas relevantes para a sociedade, através de conteúdos escolares. Entre os temas estão inclusos a ética, a pluralidade cultural, o meio ambiente, a saúde, o trabalho, o consumo, e a educação para a sexualidade. A proposta está voltada para a prevenção de doenças, mas com abertura para discutir a sexualidade em uma perspectiva de gênero. Os temas são incorporados de forma transversal nos currículos. Esta transversalidade pode ocorrer mediante a programação dos conteúdos ou diante de questões relacionadas a temática. Os conteúdos estão organizados em três blocos: Corpo e matriz da sexualidade; Relações de gênero; Prevenção das doenças ISTS/HIV/AIDS (Parâmetros Curriculares Nacionais, 2000).
De acordo com as orientações dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNS), não se deve criar novas disciplinas para discutir as temáticas previstas como temas transversais, mas incorporá-las nas discussões em todos os campos do conhecimento. Altmann (2001) aponta os PCNS em relação as orientações sexuais, os conteúdos trabalhados na escola devem favorecer a compreensão do ato sexual e da intimidade e questões similares, pertinentes à sexualidade de jovens e adultos. Outro fato a considerar é que a experimentação erótica, a curiosidade e o desejo é visto como comum quando ocorrer a dois. Deste modo, a masturbação e as outras formas de manifestação da sexualidade, até mesmo no âmbito individual não estão contempladas de maneira clara. Sendo que o diálogo entre as diversas disciplinas propõe promover a transdisciplinaridade (Altmann, 2001).
Os motivos que levaram o governo a pensar na educação sexual em sala de aula são diversos. Entre eles estão, a diminuição da gravidez precoce que continua sendo um dos fatores que afastam as jovens da escola. As PCNS visavam estimular o debate sobre a gravidez na adolescência e os altos índices de HIV/AIDS, ocorridos na década de 1980. Os objetivos eram:
Promover reflexões e discussões técnicas com professores, equipes pedagógicas, pais e responsáveis, com a finalidade de sistematizar a ação pedagógica para o desenvolvimento humano, levando em conta os princípios morais de cada um dos envolvidos e respeitando os Direitos Humanos (Brasil, 1997, p. 287).
A educação sexual nas escolas preconiza o aspecto biológico e informativo. A retomada do discurso acerca da sexualidade, ainda apresenta um viés higienista e indica censuras advindas da sociedade. A saúde passa a ser entendida como um direito inerente ao exercício da cidadania. Historicamente no Brasil, o conceito de saúde foi inserido nas escolas com o objetivo de capacitar estudantes para as tomadas de decisões e respostas de controle social (Maia, 2004).
Ainda que os PCNS apresentem propostas educativas e reflexivas, a intenção da orientação destinada aos jovens e adolescentes são destinadas à alertas de ‘malefícios da prática sexual’. A proposta da educação sexual nas escolas enfatizam os aspectos genital da sexualidade, assim repetem a mesma educação do século XIX e anteriores. Ao invés de promover uma educação sexual em âmbito amplo que considere os aspectos culturais, sociais e as particularidades individuais dentro de um contexto coletivo. Para que proporcione troca de informações e propicie várias discussões a respeito das dimensões da sexualidade. Considerando os valores, atitudes, que ofereçam respeito à vida, a responsabilidade, a justiça, a solidariedade e a equidade (Maia, 2004; Melo, 2004).
Em relação a gravidez das jovens, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNS) ainda apontam a necessidade de ampliação dos objetivos voltados aos educadores. Ainda o número de jovens estudantes gravidas, o abandono as salas de aula decorrentes da gravidez e também após a gestação. O Ministério da Educação, afirma que não têm programas específicos para este público (mães e gestantes em idade escolar que desistem dos estudos). Mas existe em desenvolvimento dois programas de prevenção a gravidez na adolescência e oferta de creches (Moreno & Gonçalves, 2015). Outra iniciativa do Ministério da Educação é o projeto: Saúde e Prevenção nas Escolas (SPE) (Decreto nº 6.286/2007; Portaria nº 1.861/2008) lançado em Curitiba em 2003. O projeto visa à construção de políticas públicas integradas, conduzido pelos Ministérios da Saúde, Educação, Unesco e Unicef, desenvolvido em todos os Estados da federação, com o objetivo de promover ações de prevenção e atenção à saúde.
De abordagem que prioriza a prevenção de ISTS/HIV/ AIDS, a gravidez na adolescência e o uso de drogas. E também no espaço escolar ocupa-se das relações de gênero e diversidade sexual. A ação está apoiada na formação continuada de profissionais e na produção de materiais didáticos, disponibilização de preservativos nas escolas. O foco principal é a redução da vulnerabilidade de adolescentes e jovens, e as doenças sexualmente transmissíveis e ao HIV/AIDS (Direitos Sexuais, Direitos Reprodutivos e Métodos Anticoncepcionais, 2006).
No âmbito do Ministério da Saúde, o projeto Rede Cegonha, presente em 85% dos munícipios do país, cujo, objetivo é criar uma rede de cuidados para assegurar o direito das mulheres ao planejamento reprodutivo e a atenção humanizada durante a gravidez, o parto e o puerpério. Com o intuito de reduzir a mortalidade infantil e materna. Seguindo a mesma linha de orientação dos PCNS. A UNESCO no Brasil elaborou um documento com orientações técnicas de educação em sexualidade, voltadas ao cenário brasileiro. A proposta apresenta algumas abordagens e princípios no processo de aprendizagem acerca da dinâmica da sexualidade. A intenção do documento é orientar o desenvolvimento de currículos, que devem ser adaptados de acordo com a realidade local. Pretendendo-se:
Disponibilizar informações precisas que, despertem a curiosidade de crianças, adolescentes e jovens, envolvendo o crescimento e desenvolvimento, anatomia e fisiologia sexual, reprodução, gravidez e parto, HIV/AIDS/DSTs, vida familiar e relações interpessoais, cultura e sexualidade, comportamento sexual, diversidade sexual, abuso, violência baseada em gênero e práticas de risco e dano.
Oferecer as crianças, os adolescentes e os jovens a oportunidade de explorar valores, atitudes e normas referentes à vivência da sexualidade (indivíduo, família, interpares e comunidade) ao comportamento sexual, à saúde, riscos e tomada de decisões, princípios de respeito, igualdade de gênero, direitos humanos.
Facilitar a aquisição de habilidades importantes ao comportamento sexual para a tomada de decisões, autoconfiança, comunicação, negociação e capacidade de recusa da violência sexual.
Estimular crianças, adolescentes e jovens a assumir responsabilidades pelos próprios comportamentos e respeitar o direito dos outros, assim como estimular a aceitação, empatia, independente do estado de saúde ou orientação sexual (Orientações técnicas de educação em sexualidade para o cenário brasileiro, 2014).
Além disso, a UNESCO atua junto a entidades e movimentos sociais para que a educação da sexualidade seja reconhecida como parte dos direitos humanos, direitos sexuais e reprodutivos. Envolvendo a ética, a liberdade, a autonomia e a qualidade de vida. Assim, Cerqueira, Miguez, Meroni e Verreschi (2011) enfoca que um dos problemas da educação sexual, está em fortalecer e capacitar os jovens e adolescentes para o enfrentamento dos desafios. Confirmando a necessidade de argumentar com os profissionais, responsáveis envolvidos na qualidade das informações transmitidas aos jovens e adolescentes no âmbito da temática sexualidade.
Como consequência da herança histórica, quase todas as informações sobre gravidez estão voltadas ao sexo feminino. Quando se fala em sexualidade, planejamento familiar e parentalidade. As pesquisas demonstram o impacto da gravidez na vida das adolescentes e jovens. Mas poucas tratam a gravidez na perspectiva do homem jovem e adolescente. Incorre no tema do aborto, ou mesmo mães solteiras adultas. Estudos epidemiológicos são fundamentais para esclarecer muitas questões sobre a paternidade na adolescência. Sendo fundamental a compreensão dos fenômenos para implementar políticas de saúde pública e prevenção, destinadas ao atendimento de adolescentes. (Levandowski & Piccinini, 2004).
A gravidez na adolescência além de ocorrer muito cedo na vida da mulher, muitas vezes traz consigo o não reconhecimento da paternidade. Podendo incorrer em vários problemas na vida da jovem mãe e do filho. O cuidado com o filho, fica muitas vezes subordinado à responsabilidade da mãe e também envolve as famílias maternas, ou seja, a manutenção das despesas com a educação e a sobrevivência de ambos. Alguns autores afirmam que, o enfoque sobre gravidez e paternidade são direcionados para ocorrências na fase adulta. Quando envolve gravidez na adolescência a abordagem prevalece sobre a ótica da parte materna. Para as jovens e adolescentes a gravidez pode trazer uma série de mudanças físicas, psicológicas, sociais e econômicas (Paulino, Patias, & Dias, 2013).
A paternidade na adolescência de acordo com Lyra da Fonseca (1997) tem cobertura no silêncio e timidamente mostra uma relação nem sempre honesta da sociedade adulta para com o jovem, anulando a paternidade. E com isso, pode incentivar socialmente o jovem adolescente menino, a não prevenção. A mudança de mentalidade sobre a paternidade inclui a participação masculina. Por isso é necessário romper barreiras culturais e ideológicas, que são alimentadas pela sociedade. Historicamente os cuidados dispensados as crianças é obrigação da mulher e o homem é considerado inábil para lidar com elas. Para o Lyra da Fonseca (1997) uma possibilidade está em intervenções intensivas realizadas aos jovens, adolescentes masculinos com informações específicas destinadas ao auxílio de responsabilidades decorrentes da paternidade.
A escola mesmo sendo considerada um ambiente hostil à sexualidade, constitui um importante agente de vivência da sexualidade. Isto, pode ser observado no próprio convívio escolar. O trabalho de educação sexual realizado nas escolas ainda necessita de abordagem diferenciada daquela realizada no âmbito familiar. Os pais exercem de forma legítima seu papel transmitindo valores aos filhos. Cabe a escola ampliar o conhecimento, proporcionando condições favoráveis para que os jovens e adolescentes possam refletir e opinar (Sayão, 1997).
Determinados seguimentos da sociedade acreditam que as arguições sobre a sexualidade e o sexo com os jovens e adolescentes, induziriam eles, à prática do sexo. A desinformação e a fragilidade da educação sexual é uma questão que ainda precisa de melhor elaboração. Os professores estão preocupados em ministrar os conteúdos das matérias básicas do currículo escolar. Sendo assim, a educação sexual fica muitas vezes restrita a projetos individuais. A aprendizagem, a reflexão sobre a sexualidade também são necessárias aos profissionais de saúde, mesmo que eles não estão diretamente ligados a educação dos jovens. Pois, os jovens e adolescentes podem muitas vezes procurar os profissionais de saúde em determinados momentos para solicitar noções de cuidados à saúde sexual.
O programa educacional adotado em vinte escolas no Estado de Minas Gerais, indica que quando a educação sexual é uma proposta continuada e com a participação ativa dos alunos, ela consegue modificar os comportamentos sexuais de jovens e adolescentes. O Programa de Educação Afetivo-Sexual, propôs atividade para 4.795 alunos, com debates de temas relacionados ao comportamento sexual responsável e com duração de um ano letivo. Os pesquisadores apontam que o programa gerou mudanças significativas no comportamento sexual dos alunos. Ainda observaram que as arguições periódicas dos jovens e adolescentes sobre sexualidade e sexo, não estimulou e nem retardou o início da primeira relação sexual (Hugo et al., 2011).
Os professores consideram que o ambiente escolar é o local ideal para discutir assuntos relacionados à sexualidade. Porém admitem a falta de planejamento pedagógico em sala de aula e a continuidade de discussões que ampliem possíveis abordagens em relação ao tema da sexualidade. Muitas vezes o tema é tratado por meio de palestras, ou por iniciativas pessoais de alguns professores (Quirino, 2014).
A escola ainda mantém a ordem social vigente preconizada pela instituição familiar composta de pai, mãe e filho. Como consequência, aponta Bernardi (1985) a escola limita todo gesto sexual que não esteja orientado à fundação da família. Por isso, quando o assunto é decorrente da temática da sexualidade e ultrapassam as cercanias das instituições familiares vigente são proibidas e desqualificadas pela escola.
Evidentemente que a sexualidade extrapola a questão reprodutiva, contudo evitar gravidez indesejada é uma das metas da educação sexual. Neste contexto e no âmbito das instituições escolares, de igrejas e de ambientes sociais, que se torna relevante valorizar, investigar a relação direta da educação formal, da escolaridade, com o planejamento familiar no momento de gravidez do primeiro filho. Deste modo em específico, a pesquisa busca apresentar às evidências dos dados levantados nas instituições.
Metodologia
Trata-se de pesquisa exploratório-descritiva com abordagem quantitativa, desenvolvida pelo método de pesquisa transversal, cuja pesquisa de campo foi efetivada a partir da aplicação do instrumento de pesquisa Planejamento da Parentalidade no Contexto da Bioética (Sanches, Krum, Rigoni, Sato, & Santos, 2015). O instrumento de pesquisa consta de 56 questões relacionadas ao planejamento familiar. O referido instrumento viabiliza identificar, entre outros elementos, a influência da escolaridade no planejamento familiar. Neste artigo foram analisadas as questões relacionadas com a escolaridade e a idade do (ou da) participante no momento da gravidez do primeiro filho, bem como se esta gravidez fora planejada ou não.
Deste modo esta pesquisa é parte de um projeto aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da PUCPR com parecer: 770.977, de 27/08/2014. Os questionários foram aplicados em várias localidades do Estado do Paraná situadas em Apucarana, Campo Mourão, Curitiba, Jacarezinho, Londrina, São José dos Pinhas e Toledo. A pesquisa fora realizada em encontros organizados por instituições religiosas, educacionais e sociais entre 2014 e 2019 sendo 45% em encontros no âmbito religioso, 35% em encontros com pais de alunos em escolas e 20% em espaços sociais, como clubes de mães e associações de moradores. Trata-se de um trabalho conjunto de vários membros do Grupo de Estudos Parentalidade, composto por alunos de iniciação científica, de mestrandos e doutorandos. No total foram respondidos 1608 questionários válidos relacionados à gravidez do primeiro filho.
Atenta-se para o perfil dos participantes da pesquisa, visto que o grupo pesquisado se difere da população em geral no tocante à escolaridade, relevante para este artigo. O Censo Demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2010) no Estado do Paraná aponta que a percentagem de “[...] mulheres de 10 anos ou mais de idade que tiveram filhos sem instrução e fundamental incompleto [...]” é de 51,63%, enquanto na amostra de pesquisa esta percentagem é de 17,9%. Nossa pesquisa aponta que no momento da gravidez do primeiro filho 48,9% da amostra se enquadra na categoria de ‘sem instrução e fundamental incompleto’. Deste modo a amostra da pesquisa tem um perfil atual de maior escolaridade do que a população do Paraná.
Dentre os participantes da pesquisa 74,5% indicam idade acima de 36 anos e isto precisa também estar presente na interpretação dos dados, pois para a maioria dos entrevistados a gravidez do primeiro filho pode ter ocorrido há mais de vinte anos, isto indica que a pesquisa não reflete apenas a realidade atual, mas permite também um olhar retrospectivo. O número significativo de entrevistados, por outro lado, permite identificar tendências que podem estar presente em outras amostras da população como um todo. De qualquer modo, a análise dos dados precisa levar em consideração o perfil dos entrevistados apresentados na Tabela 1.
Tabela 1 Perfil geral dos entrevistados: por gênero, idade atual e escolaridade atual.
Gênero | Percentagem | Nº de Entrevistados |
Masculino | 24,9 | 401 |
Feminino | 73,9 | 1189 |
Outro | ,4 | 6 |
NR | ,7 | 12 |
Idade atual | Percentagem | Nº de entrevistados |
Entre 18 e 25 anos | 3,9 | 62 |
Entre 26 e 35 anos | 18,7 | 301 |
Entre 36 e 45 anos | 31,9 | 513 |
Entre 46 e 60 anos | 32,5 | 523 |
Acima de 60 anos | 10,1 | 162 |
NR | 2,9 | 47 |
Escolaridade atual | Percentagem | Nº de entrevistados |
Não conclui o ensino fundamental | 17,9 | 288 |
Conclui Ensino fundamental | 32,0 | 514 |
Conclui Ensino médio | 31,7 | 510 |
Conclui Curso superior | 16,0 | 258 |
NR | 2,4 | 38 |
Escolaridade na gravidez do primeiro filho | Percentagem | Nº de entrevistados |
Não havia estudado | 10,1 | 163 |
Estava nas séries iniciais | 10,3 | 165 |
Havia concluído a 4ª. Série | 15,1 | 243 |
Estava entre a 5a e 8a. série | 13,4 | 216 |
Estava no Ensino Médio | 15,2 | 244 |
Havia concluído o EM. | 14,5 | 233 |
Estava na Faculdade | 6,5 | 105 |
Já havia concluído a Faculdade | 13,8 | 222 |
NR | 1,1 | 17 |
Total | 100 | 1608 |
Fonte: Os autores (2021).
Resultados da pesquisa
Os resultados da pesquisa são apresentados em mais 3 tabelas, as quais fazem cruzamentos de dados entre a escolaridade do grupo pesquisado no momento da gravidez do primeiro filho com outras variáveis, tais como a percepção de planejamento da gravidez do primeiro filho, idade desta gravidez e idade atual dos entrevistados.
Quando os dados foram cruzados, conforme a Tabela 2, entre a escolaridade no momento da gravidez do primeiro filho e o fato de tê-la planejado ou não, nota-se que os que haviam concluído faculdade apresentam a maior percentagem de planejamento da gravidez do primeiro filho (63,5%), mas ao mesmo também não há um crescimento homogêneo que permita afirmar que na medida que se aumenta a escolaridade se tenha um maior índice de planejamento da gravidez do primeiro filho. O que se percebe, e retomaremos a este ponto na análise dos dados, é que os índices de planejamento familiar são superiores no momento em que as pessoas haviam concluído um ciclo de estudo - 4ª. Série, ensino médio, faculdade - em relação às gravidezes ocorridas durante estes períodos escolares.
Tabela 2 Cruzamentos de dados entre ‘Escolaridade na gravidez do primeiro filho’ com ‘Planejou a gravidez do seu primeiro filho’.
Escolaridade na gravidez do primeiro filho | Planejou a gravidez do seu primeiro filho | Total | ||||||
zero | 1 | 2 | 3 | 4 | NR | |||
Não havia estudado | N. | 86 | 16 | 9 | 8 | 41 | 3 | 163 |
% | 52,8% | 9,8% | 5,5% | 4,9% | 25,2% | 1,8% | 100,0% | |
Estava nas séries iniciais | N. | 70 | 28 | 23 | 9 | 31 | 4 | 165 |
% | 42,4% | 17,0% | 13,9% | 5,5% | 18,8% | 2,4% | 100,0% | |
Havia concluído a 4ª. Série | N. | 95 | 16 | 20 | 19 | 87 | 6 | 243 |
% | 39,1% | 6,6% | 8,2% | 7,8% | 35,8% | 2,5% | 100,0% | |
Estava entre a 5a e 8a. série | N. | 96 | 17 | 17 | 21 | 64 | 1 | 216 |
% | 44,4% | 7,9% | 7,9% | 9,7% | 29,6% | 0,5% | 100,0% | |
Estava no Ensino Médio | N. | 107 | 18 | 17 | 19 | 79 | 4 | 244 |
% | 43,9% | 7,4% | 7,0% | 7,8% | 32,4% | 1,6% | 100,0% | |
Havia concluído o EM. | N. | 78 | 12 | 8 | 19 | 114 | 2 | 233 |
% | 33,5% | 5,2% | 3,4% | 8,2% | 48,9% | 0,9% | 100,0% | |
Estava na Faculdade | N. | 46 | 8 | 5 | 8 | 38 | 0 | 105 |
% | 43,8% | 7,6% | 4,8% | 7,6% | 36,2% | 0,0% | 100,0% | |
Havia concluído a Faculdade | N. | 46 | 8 | 13 | 12 | 141 | 2 | 222 |
% | 20,7% | 3,6% | 5,9% | 5,4% | 63,5% | 0,9% | 100,0% | |
NR | N. | 8 | 1 | 0 | 1 | 6 | 1 | 17 |
% | 47,1% | 5,9% | 0,0% | 5,9% | 35,3% | 5,9% | 100,0% | |
Total | N. | 632 | 124 | 112 | 116 | 601 | 23 | 1608 |
% | 39,3% | 7,7% | 7,0% | 7,2% | 37,4% | 1,4% | 100,0% |
Fonte: Os autores (2021).
Cientes de que há outros fatores que podem influenciar no planejamento familiar, apresenta-se na Tabela 3 a questão da idade na gravidez do primeiro filho. Esta variável revela índices mais constantes apontando que quanto mais tarde ocorreu a gravidez do primeiro filho maior foi o planejamento familiar, com grande diferença, por exemplo: dentre as pessoas que engravidaram com menos de 15 anos apenas 13,0% atribuiu nota máxima para o planejamento da gravidez do primeiro filho, enquanto tal índice chega a 71,4% para as pessoas que engravidaram acima dos 31 anos.
O perfil da amostra estudada, com grande variedade etária, possibilita levantar dados que possam revelar se houve mudança referente à idade da gravidez do primeiro filho nas últimas décadas. Podemos propor um quadro que relaciona a idade atual do entrevistado com o período aproximado em que ocorreu a gravidez, tendo em vista que a grande maioria engravidou entre 20 e 30 anos. Deste modo a faixa etária entre 18 e 25 anos pode ter tido a gravidez do primeiro filho na década atual, a faixa etária entre 26 e 35 em sua maioria teve a gravidez do primeiro filho na primeira década do século XXI, a faixa etária entre 36 e 45 anos viveu esta situação na década de 1990, a faixa etária entre 46 e 60 na década de 1980 e a maioria dos que estão acima de 60 teria vivenciada a gravidez do primeiro filho antes de 1980. Assim sendo a tabela 4 indica que dentre as pessoas situadas na faixa etária com a gravidez do primeiro filho na década passada mais de 31,9% o fizeram com idade inferior a 18 anos, contra 13,9% para os que engravidaram na década de 1980.
Tabela 3 Cruzamentos de dados entre ‘Idade da gravidez do primeiro filho’ com ‘Planejou a gravidez do seu primeiro filho.
Idade da gravidez do primeiro filho | Planejou a gravidez do seu primeiro filho | Total | ||||||
zero | 1 | 2 | 3 | 4 | NR | |||
Menos de 15 Anos | N. | 27 | 5 | 10 | 2 | 7 | 3 | 54 |
% | 50,0% | 9,3% | 18,5% | 3,7% | 13,0% | 5,6% | 100,0% | |
Entre 16 e 18 anos | N. | 155 | 27 | 18 | 20 | 50 | 4 | 274 |
% | 56,6% | 9,9% | 6,6% | 7,3% | 18,2% | 1,5% | 100,0% | |
Entre 19 e 21 anos | N. | 207 | 33 | 26 | 26 | 106 | 4 | 402 |
% | 51,5% | 8,2% | 6,5% | 6,5% | 26,4% | 1,0% | 100,0% | |
Entre 22 e 30 anos | N. | 196 | 51 | 53 | 59 | 339 | 9 | 707 |
% | 27,7% | 7,2% | 7,5% | 8,3% | 47,9% | 1,3% | 100,0% | |
Acima de 31 anos | N. | 18 | 6 | 3 | 6 | 85 | 1 | 119 |
% | 15,1% | 5,0% | 2,5% | 5,0% | 71,4% | 0,8% | 100,0% | |
NR | N. | 29 | 2 | 2 | 3 | 14 | 2 | 52 |
% | 55,8% | 3,8% | 3,8% | 5,8% | 26,9% | 3,8% | 100,0% | |
Total | N. | 632 | 124 | 112 | 116 | 601 | 23 | 1608 |
% | 39,3% | 7,7% | 7,0% | 7,2% | 37,4% | 1,4% | 100,0% |
Fonte: Os autores (2021).
Tabela 4 Cruzamentos de dados entre ‘Idade atual do entrevistado’ com ‘Idade da gravidez do primeiro filho’.
Idade atual do entrevistado | Idade da primeira gravidez / ou engravidou alguém pela primeira vez | Total | ||||||
Menos de 15 anos | Entre 16 e 18 anos | Entre 19 e 21 anos | Entre 22 e 30 anos | Acima de 31 anos | NR | |||
Entre 18 e 25 | N. | 4 | 30 | 17 | 8 | 2 | 1 | 62 |
% | 6,5% | 48,4% | 27,4% | 12,9% | 3,2% | 1,6% | 100,0% | |
Entre 26 e 35 | N. | 24 | 72 | 75 | 111 | 12 | 7 | 301 |
% | 8,0% | 23,9% | 24,9% | 36,9% | 4,0% | 2,3% | 100,0% | |
Entre 36 e 45 | N. | 12 | 77 | 146 | 231 | 39 | 8 | 513 |
% | 2,3% | 15,0% | 28,5% | 45,0% | 7,6% | 1,6% | 100,0% | |
Entre 46 e 60 | N. | 10 | 63 | 121 | 265 | 51 | 13 | 523 |
% | 1,9% | 12,0% | 23,1% | 50,7% | 9,8% | 2,5% | 100,0% | |
Acima de 60 | N. | 4 | 24 | 33 | 72 | 11 | 18 | 162 |
% | 2,5% | 14,8% | 20,4% | 44,4% | 6,8% | 11,1% | 100,0% | |
NR | N. | 0 | 8 | 10 | 20 | 4 | 5 | 47 |
% | 0,0% | 17,0% | 21,3% | 42,6% | 8,5% | 10,6% | 100,0% | |
Total | N. | 54 | 274 | 402 | 707 | 119 | 52 | 1608 |
% | 3,4% | 17,0% | 25,0% | 44,0% | 7,4% | 3,2% | 100,0% |
Fonte: Os autores (2021).
Análise dos dados: escolaridade e planejamento familiar
A hipótese deste artigo que previa um melhor planejamento quanto maior a escolaridade precisa ser problematizada, pois os dados confirmam a hipótese em aspectos relevantes, mas não de forma linear. Os dados analisados podem estar apontando que a escolaridade, ou educação formal, não é um fator que possa ser compreendido de modo homogêneo, ou seja, precisaria ser analisada de modo mais integrado com outros fatores, como a idade das pessoas.
A complexidade e riqueza da amostra estudada em diversos locais, regiões com diversidade de urbanização e além disso, representando uma população de grande diversidade etária, pode estar apontando também para uma grande heterogeneidade de processos e projetos educativos, mesmo assim a hipótese em geral se confirma, pois os que tiveram a gravidez do primeiro filho após concluir curso superior apresentam um alto índice (63,5%) de planejamento familiar enquanto os que não haviam estudado no momento da gravidez do primeiro filho apresentam uma menor percentagem (25,2%).
Todavia o aspecto mais importante que esta pesquisa revela, que de certo modo difere da hipótese presentada, é que a gravidez que ocorre no momento em que a pessoa está estudando tem um índice de planejamento inferior à gravidez que ocorre quando a pessoa concluiu o ciclo de estudo correspondente. Ou seja, a gravidez que ocorre durante um período escolar apresenta um índice de planejamento familiar inferior às gravidezes após a conclusão dos estudos. Isto se nota com uma leitura atenta da Tabela 2 a qual aponta que há um salto significativo entre: a) o planejamento da gravidez do primeiro filho ocorrida quando havia concluído a 4ª série (35,8%) em relação à gravidez ocorrida durante as séries iniciais (18,8%); b) o planejamento da gravidez ocorrido quando se havia concluído o ensino médio (48,9%) em relação à gravidez ocorrida enquanto se estudava no ensino médio (32,4%); c) o planejamento da gravidez ocorrido quando se havia concluído a faculdade (63,5%) em relação à gravidez enquanto se fazia uma faculdade (36,2%).
Estes dados demonstram um melhor planejamento familiar crescente conforme há a conclusão de um novo ciclo de estudos e aponta também um menor planejamento para as gravidezes que ocorrem durante os ciclos de estudos. Isto reforça a tese da importância da educação sexual nos currículos escolares e aponta também a problemática da gravidez escolar, aspectos que iremos retomar brevemente.
É importante destacar também que a escolaridade não é o único fator de amadurecimento de projetos parentais, pois, como a tabela 3 indica, a idade se revela como uma fator constante neste amadurecimento, de modo que as gravidezes ocorridas em idades mais elevadas tendem a ser acompanhada também de maior planejamento familiar.
Educação sexual e reprodutiva nas escolas
Entre 1997/99 o governo federal brasileiro tomou a iniciativa de incluir a sexualidade na perspectiva do gênero como tema a ser discutido nas escolas. A proposta é de discutir em sala de aula temas considerados relevantes para a sociedade como conteúdos escolares. Entre os temas sugeridos constam: ética, pluralidade cultural, meio ambiente, saúde, trabalho, consumo, e educação em sexualidade. O discurso adotado na proposta está voltado para a prevenção de doenças, mas abre também para a discussão da sexualidade numa perspectiva de gênero, no âmbito escolar. Os temas devem ser incorporados de forma transversal nos currículos. Esta transversalidade sugerida pode acontecer mediante programação dos conteúdos, ou sempre que forem sugeridas questões relacionadas ao tema. Os conteúdos foram organizados em três blocos: Corpo e matriz da sexualidade; Relações de gênero; Prevenção das doenças Ists/Hiv/Aids (Parâmetros Curriculares Nacionais, 2000).
O texto possui falhas em suas orientações, de acordo com a interpretação de Altmann (2007, p. 580) que sugere que os conteúdos trabalhados com os alunos devem “[...] favorecer a compreensão de que o ato sexual e intimidades similares são manifestações pertinentes à sexualidade de jovens e adultos e não de crianças”. Para a autora, o texto na forma como foi proposto possui uma tendência normativa da sexualidade.
A abordagem da educação sexual, conforme orientação dos PCNS deve ser feita por meio do diálogo entre as diversas disciplinas, promovendo assim a transdisciplinaridade. No entanto, por diversos fatores, entre eles, a fragmentação da formação dos professores, isso não ocorre, o que impede que esse trabalho se realize de forma proveitosa. Conforme Quirino (2014, p. 31) “[...] o trabalho de educação sexual implementado pelos professores no espaço escolar ainda é pontual e não se efetivou de forma transversal”.
Devido às dificuldades de maior integração, apontadas acima, talvez os motivos que levaram o governo a pensar e levar a educação sexual para sala de aula, ainda não surtiram os efeitos desejados, entre eles a diminuição da gravidez precoce e não planejada, que continua sendo um dos fatores que afastam as jovens da escola, identificada também nesta pesquisa, Tabela 4, como um problema atual.
Quanto à abordagem sobre Hiv/Aids/Ists nas escolas, na maioria das vezes só se ressalta o seu aspecto negativo. E assim, para chamar a atenção dos alunos para a preservação de sua saúde individual e coletiva, a escola retomou o discurso da sexualidade, só que, ainda com viés higienista. Sabe-se, no entanto, que falar de sexo e sexualidade sob esse viés, empobrece a rica dimensão do ser humano, que só é possível de ser trabalhada na perspectiva da transdisciplinaridade. Ainda que os PCNS apresentem propostas educativas e reflexivas, a intenção desta orientação está em alertar os jovens e adolescentes, para os “[...] malefícios da prática sexual” (Maia, 2004, p. 166). Ressaltar que o sexo irresponsável pode trazer danos à saúde, e também resultar em uma gravidez não planejada, seria salutar, se esta orientação fizesse parte de uma ampla discussão sobre sexualidade. Quando se desconsidera a individualidade de cada pessoa, seus aspectos culturais e sociais, a discussão sobre sexualidade se torna mero aconselhamento e uma efetiva educação para a responsabilidade parental não ocorre.
Uma educação sexual voltada também para a responsabilidade parental precisa superar a herança de muitos séculos em que a gravidez era vista como sendo responsabilidade apenas da mulher. Como consequência dessa herança quase todas as informações sobre gravidez é voltada para o sexo feminino. Quando se fala em sexualidade, planejamento familiar e parentalidade, a responsabilidade de um personagem é ocultado na maioria dos estudos. As pesquisas demonstram o impacto da gravidez na vida das adolescentes e jovens. Mas poucas tratam da gravidez na perspectiva do homem jovem e adolescente. Repete-se neste caso o que ocorre quando o tema é aborto, ou mesmo mães solteiras adultas. A figura do pai quase sempre não aparece nas pesquisas (Levandowski & Piccinini, 2004).
Tendo em vista que a gravidez na adolescência além de ocorrer muito cedo na vida da mulher, traz consigo o embaraço para a jovem de não ter seu filho reconhecido pelo pai. Este fato acarreta vários problemas na vida da jovem mãe e do filho. Ela terá que arcar com os cuidados, as despesas com a educação e a sobrevivência de ambos. Ainda existe por parte da sociedade uma certa recusa “[...] em responsabilizar o homem pela gravidez. Isto pode ser percebido quando se verifica que os dados disponíveis sobre gravidez abordem sempre a maternidade” (Luz & Berni, 2010, p. 43). Outros autores afirmam que o enfoque sobre gravidez e paternidade são direcionados para os casos ocorridos com adultos.
Quando envolve gravidez de adolescente a abordagem é sempre sobre a ótica feminina (Paulino et al., 2013). A paternidade adolescente “[...] tem sido coberta pelo silêncio, que, timidamente, transforma-se em sussurro” (Paulino et al., 2013, p. 66). Este silêncio mostra sua relação nem sempre honesta da sociedade adulta para com o jovem, pois anula socialmente a paternidade. E com isso, a ausência paterna incentivada socialmente, estimula a falta de prevenção por parte dos meninos adolescentes. O silêncio faz com que o bebê, seja visto como sendo somente da mãe.
Gravidez no período escolar
A pesquisa realizada, Tabela 2, indica que as gravidezes ocorridas em período escolar são menos planejadas do que as ocorridas quando as pessoas já concluíram os estudos e, como indicada na tabela 4, a gravidez na adolescência continua sendo uma realidade atual. No entanto, uma leitura crítica dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNS), nos seus objetivos e justificativas, percebe-se que faltam orientações aos educadores sobre como agir depois que uma adolescente ou jovem apresenta a gravidez. Quando a pessoa apresenta sinais de estar doente, ou de algum tipo de abuso a escola encaminha para unidade de saúde, ou ao Conselho Tutelar, mas a jovem grávida não recebe das escolas nenhum tipo de atendimento diferenciado, para que ela não abandone a escola. A direção das escolas não precisa informar a Secretaria de Educação sobre os casos de gravidez das alunas. Da mesma forma, as secretarias municipais usualmente não possuem informação sobre o número de jovens estudantes gravidas, e se o abandono das salas de aula por meninas se deve à gravidez, e também se elas voltam a escola depois de terem seus filhos.
A gravidez em período escolar não se reduz às situações de gravidezes que ocorrem na adolescência, mas certamente é neste período que a gravidez não planejada impacta mais na vida das mulheres, do ponto de vista físico, emocional e social. Segundo dados do Marco Teórico e Referencial 2006, houve um crescimento no número de atendimentos em obstetrícia, através do Sistema Único de Saúde (SUS), nas faixas etárias de 10 a 14 anos, 15 a 19 anos e 20 a 24 anos (Direitos Sexuais, Direitos Reprodutivos e Métodos Anticoncepcionais, 2006). Segundo o IBGE, por meio de dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), em 2009, o Brasil contava com quase 80 milhões de crianças, adolescentes e jovens até 24 anos (Síntese de Indicadores Sociais, 2010). No Brasil, cerca de um milhão de adolescentes dão à luz a cada ano (Silva & Tonete, 2006). Para Belo e Silva (2004), a gravidez na adolescência pode estar associada a diversos fatores, entre eles a violência doméstica, baixos níveis socioeconômicos e de escolaridade, assim como falta de perspectivas pessoais de vida.
O quadro das gestantes adolescentes é considerado, de alto risco, do ponto de vista clínico, biológico e comportamental. A literatura afirma que este grupo está sujeito a complicações como eclampsia, anemia, parto prematuro e nascimento de bebês com baixo peso15. Além disso, pesquisas inerentes ao concepto dessas mães jovens sugerem que eles podem apresentar maiores riscos de morbidade e mortalidade infantil, bem como atraso no seu desenvolvimento e problemas psicológicos (Belo & Silva, 2004). Para as adolescentes, a gravidez não planejada pode resultar, além das consequências obstétricas e para o concepto, em sobrecarga emocional, psíquica e social, repercutindo no desenvolvimento e no projeto de vida futura (Manfré, Queiróz, & Matthes, 2010) e a maioria delas não está preparada para assumir esse desafio (Moreira, Viana, Queiroz, & Jorge, 2008).
Considerações finais
Os dados da pesquisa sugerem que a educação formal impacta de forma significativa no planejamento da parentalidade e mais especificamente a pesquisa identificou um dado novo: as gravidezes que ocorreram durante os períodos de estudos - ensino fundamental, médio ou superior - têm menores índices de planejamento familiar do que as gravidezes que ocorreram quando as pessoas não estavam estudando. Deste modo a pesquisa aponta para a problemática da gravidez escolar, abordada em muitas outras pesquisas.
A idade aparece na pesquisa como outro fator que exerce influência para um melhor planejamento da gravidez. Evitar gravidezes precoces poderia ser o foco de programas que incentivem uma parentalidade responsável no Brasil. Evidentemente que adiar excessivamente a gravidez pode não ser também a melhor medida, para isto lembramos o alerta de pesquisadores vinculados à OMS: “É tido como certo que a saúde materna e infantil é afetada adversamente quando as gravidezes são ‘muito cedo, muito tarde, muitas e muito perto uma da outra’ (too early, too late, too many and too close)” (Marston & Cleland, 2004, p. 5).
A dificuldade dos pais e educadores em manter um diálogo sobre sexualidade com os jovens e adolescentes e de transmitir informações relevantes sobre sexualidade para eles, pode ser constatados pelos altos índice de gravidez de adolescentes no Brasil. Por isso, a gravidez adolescente pode ser encontrada em todos as camadas sociais. Existe a necessidade de se ampliar o debate com a sociedade sobre a educação sexual que se pretende oferecer nas escolas.
As normas para o exercício da vida sexual passaram por mudanças, a sociedade contemporânea desenvolveu métodos de controle da fecundidade, e com isto proporcionou maior liberdade para as mulheres. Agora é necessário que a educação para a responsabilidade parental seja parte dos currículos escolares uma vez que é no período escolar que ocorre gravidezes com menores índices de planejamento, como demonstra a pesquisa.