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Acta Scientiarum. Education

versão impressa ISSN 2178-5198versão On-line ISSN 2178-5201

Acta Educ. vol.46 no.1 Maringá  2024  Epub 01-Jul-2024

https://doi.org/10.4025/actascieduc.v46i1.61308 

HISTÓRIA E FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO

A correspondência entre a pedagogia histórico-crítica e a Primavera Secundarista no Paraná

La correspondencia entre la pedagogía histórico-crítica y la primavera secundarista en el Paraná

1Universidade Estadual de Campinas, Campinas, São Paulo, Brasil.

2 Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Rua Maringá, 1200, 85605-010, Francisco Beltrão, Paraná, Brasil.


RESUMO.

O presente texto analisa as relações entre a Pedagogia Histórico-Crítica (PHC) e a Primavera Secundarista no Paraná (PSP), a partir dos conceitos de correspondência, e defende a tese de que há correspondência entre a PHC e a PSP. Como caminho metodológico elegemos o Materialismo Histórico e Dialético. Como base documental, utilizamos três cartas originais: uma ‘carta-música’ de Hermógenes Saviani de 1964 e as cartas trocadas entre a estudante Ana Júlia Ribeiro e o professor Dermeval Saviani, um diálogo intergeracional. Concluímos, pela análise e pela síntese, com argumentos, fatos e eventos que há comunicação entre PHC e PSP, houve cartas entre seus principais representantes, permanecem similitudes entre os dois movimentos, portanto, atestamos a correspondência entre a PHC e a PSP.

Palavras-chave: formação política; movimento estudantil; prática pedagógica; ensino médio

RESUMEN.

Este texto analiza la relación entre la Pedagogía Histórico-Crítica (PHC) y la Primavera Secundarista en Paraná (PSP), basándose en los conceptos de correspondencia, y defiende la tesis de que existe correspondencia entre la PHC y la PSP. Como camino metodológico, elegimos el materialismo histórico y dialéctico. Como base documental, utilizamos tres cartas originales: una ‘carta musical’ de Hermógenes Saviani de 1964 y las cartas intercambiadas entre la estudiante, Ana Júlia Ribeiro y el profesor Dermeval Saviani, un diálogo intergeneracional. Concluimos, a través del análisis y la síntesis, con argumentos, hechos y eventos que hay comunicación entre PHC y PSP, había cartas entre sus representantes principales, las similitudes entre los dos movimientos permanecen, por lo tanto, damos fe de la correspondencia entre PHC y PSP.

Palabras clave: formación política; movimiento estudiantil; práctica pedagógica; escuela secundaria

ABSTRACT.

This article analyzes the relationship between Historical-Critical Pedagogy and the Secondary School Spring in Paraná, based on the concepts of correspondence, and defends the thesis that there is a correspondence between Historical-Critical Pedagogy and Secondary School Spring in Paraná. We chose Historical and Dialectical Materialism as our methodological approach. As a documentary basis, we used three original letters: a 'letter-music' by Hermógenes Saviani from 1964 and the letters exchanged between student Ana Júlia Ribeiro and professor Dermeval Saviani, an intergenerational dialog. We conclude, through analysis and synthesis, with arguments, facts and events that there is communication between Historical-Critical Pedagogy and Secondary School Spring in Paraná, there were letters between their main representatives, there are similarities between the two movements, therefore, we attest to the correspondence between Historical-Critical Pedagogy and Secondary School Spring in Paraná.

Keywords: political education; student movement; pedagogical practice; secondary education

Introdução

Há distintas acepções para a palavra correspondência: (a) ato, processo ou efeito de corresponder-se, de apresentar ou estabelecer reciprocidade; (b) intercâmbio de mensagens ou cartas; (c) por extensão, um conjunto de cartas, telegramas etc.; (d) similitude, analogia entre pessoas, coisas e ideias; (e) relação perfeita e harmônica; (f) artigo de jornal publicado em forma de carta; (g) regra por meio da qual cada elemento de um conjunto é associado a um ou mais elementos do mesmo ou de outro conjunto (Dicio. Dicionário On-line, 2020). Em nosso artigo, em especial, tratamos correspondência como: comunicação, instrumental (carta) e similitudes.

Correspondência, em um dos sentidos, é uma carta entre um emissor e o destinatário e vice-versa. Ou seja, uma mensagem só tem sentido quando o autor recebe algum retorno. Nossa tradição escolar considera as cartas como documentos importantes. Isso vale no campo da história, da política e da educação. Podemos, assim, destacar a Carta de Pero Vaz de Caminha, ainda estudada em nossas escolas, as cartas da Família Marx, as Cartas ‘escritas com sangue’, por Gramsci, no cárcere, a carta-testamento de Getúlio Vargas, a carta de Michel Temer, queixando-se a então presidente Dilma Rousseff, as cartas redigidas por Lula na prisão e as cartas das pessoas mais simples que escrevem ou ditam para alguém escrever. Temos, ainda, as partituras musicais e históricas, ‘cartas’ que são ‘a voz’ do passado. Não podemos esquecer, também, as atuais cartas dos confinados em tempos de pandemia.

Por analogia, nosso ofício vai além do trabalho dos carteiros do Sistema Nacional de Correios, isto é, não apenas entregamos as cartas. Com a permissão dos autores, vamos abri-las e comentá-las, afinal, nelas podemos ter a materialidade de uma prova. Houve uma carta guardada por décadas, desde 1964, a partitura de uma música de Hermógenes que chegou a nossas mãos. Além disso, temos uma troca de correspondências, um diálogo intergeracional, entre a estudante Ana Júlia Ribeiro e o professor emérito da Unicamp, Dermeval Saviani. Da ‘turma de Ana Júlia’, temos ainda as cartas dos secundaristas Igor Mignoni e Paula Eduarda da Silva Gonçalves. Convidamos o leitor a nos ajudar nessa interpretação, validar, questionar ou concordar com nossas interlocuções e, ainda reinventar o que não foi dito.

Dostoiévski (2009), em Gente Pobre, publicado em 1846 criou dois personagens que trocavam cartas entre si. Mas, para, além disso, trouxe o cotidiano da gente simples, dos habitantes da cidade russa de São Petersburgo, as posições dos personagens e do próprio autor sobre a sociedade em que viviam e o conjunto das relações humanas. ‘Gente pobre é caprichosa’, disse o autor. Gente pobre escreve cartas, diremos nós.

Nosso artigo também é uma carta, pois, ao mesmo tempo em que analisamos e sintetizamos aquilo que outros produziram, temos o desafio de apresentar as múltiplas determinações, defendendo uma tese: houve correspondência, em duplo sentido entre a Pedagogia Histórico-Crítica (PHC), e a Primavera Secundarista no Paraná (PSP). Mas qual o caminho para chegarmos a um conjunto de provas?

Metodologia

O método mais coerente, nessa empreitada, em nosso entendimento, é o Materialismo Histórico e Dialético. Vamos decompor estas três palavras e depois compô-las novamente com outras determinações. A falta de condições materiais de sobrevivência movimenta homens e mulheres para luta. Assim, eles trabalham, pelejam, fazem história e comunicam suas façanhas, não como narrativas, mas como pessoas de carne e ossos.

O Materialismo Histórico é uma análise concreta de uma situação concreta. Há sempre um desafio, mais geral, ou seja, desvendar como uma classe social sobrevive do suor alheio, e como isso impacta na educação. Como elucidativo, por metáfora, é ‘pano de fundo’, ou seja, temos sempre um olhar mais amplo da sociedade. A citação de Engels, no funeral de Marx é muito esclarecedora e a utilizamos com muita firmeza.

Assim como Darwin descobriu a lei do desenvolvimento da natureza orgânica, Marx descobriu a lei do desenvolvimento da história humana: o fato tão simples, mas que até ele se mantinha oculto pelo ervaçal ideológico, de que o homem precisa, em primeiro lugar, comer, beber, ter um teto e vestir-se antes de poder fazer política, ciência, arte, religião etc.; que, portanto, a produção dos meios de subsistência imediatos, materiais e, por conseguinte, a correspondente fase econômica de desenvolvimento de um povo ou de uma época é a base a partir da qual se desenvolveram as instituições políticas, as concepções jurídicas, as ideias artísticas e inclusive as ideias religiosas dos homens e de acordo com a qual devem, portanto, explicar-se; e não ao contrário, como se vinha fazendo até então. Mas, não é só isto. Marx descobriu também a lei específica que move o atual modo de produção capitalista e a sociedade burguesa criada por ele. A descoberta da mais-valia, iluminou de súbito esses problemas, enquanto que todas as pesquisas anteriores, tanto as dos economistas burgueses como as dos críticos socialistas, haviam vagado nas trevas (Engels, 1976, p. 213).

Utilizamos a citação, pois faz sentido, como um belo texto, tanto na lápide de um trabalhador, quanto numa possível leitura ao clarear o dia, quando um catador de lixo madruga em “dia estrelado” para reciclar, vender seu produto e sobreviver. Mas, e a dialética? Bom, primeiro, há uma diferença entre a essência e a aparência. Aparentemente os homens nascem livres no capitalismo, mas logo encontramos pelo menos duas contradições: a propriedade privada e as relações de trabalho dos que têm os meios de produção e os desprovidos, que vendem sua força de trabalho, aprisionados, muitas vezes em trabalhos degradantes.

Precisamos de uma lógica dialética para interpretar e transformar o mundo. No socialismo, seria necessária uma nova lógica, proletária e socialista, em uma só palavra, dialética. Lógica formal ou lógica dialética? A lógica formal ou aristotélica está atrelada a um tipo específico de sociedade (capitalista) e a lógica dialética a outro tipo de sociedade (socialista). “Não há produção sem contradição, sem conflito, começando pela relação do homem com a natureza e com o trabalho. Quer conhecer o concreto, descubra as contradições, as mediações e a totalidade” (Lefebvre, 1970, p. 3). Assim, a lógica dialética incorpora a lógica formal por superação. Pensando por analogia, em nosso artigo, não podemos dizer apenas se houve ou não houve correspondência entre PHC e PSP, há outras determinações, ou seja, em que sentido é sim, e, em que sentido é não.

As cartas têm esse sentido dialético, há um autor que escreve para um destinatário e espera que ele entenda, concorde ou discorde. Isso ocorre no simultâneo, mesmo sendo um diálogo entre o autor de Escola e Democracia e uma estudante, ou uma carta do passado, de uma artista, que chega às nossas mãos. No segundo caso, o desafio de interpretá-la é maior, pois o dialético é o movimento, uma relação do passado com o presente. Em ambos os casos, a carta é material, pois é um instrumento; é histórica, porque é datada, e é dialética, pois há contradições a se averiguar. Uma troca de cartas é um bom indício de correspondência, e, por isso, vamos analisá-las para comprovar similitudes entre PHC e PSP; mas qual o significado desses dois últimos conceitos?

A PHC e a PSP: A ‘Síndrome de Progeria’ e a Utilização das Cartas

Na etimologia, geras quer dizer velhice. Na mesma linha de pensamento, a Síndrome de Progeria caracteriza-se por envelhecimento precoce, apresentando ritmo vital superior a sete vezes em relação à normalidade, causando alterações em vários órgãos e sistemas, como pele, tecido celular subcutâneo, pelos, sistema cardiovascular e esquelético e morte prematura (Lima, Ribas, Pereira, Schettini, & Eiras, 2011). Há pelo menos duas maneiras de descrever a realidade: diagnóstico verdadeiro ou diagnóstico falso. No entanto, só o primeiro faz sentido para a ciência. Isso vale na medicina e, também, no sentido figurado, que nos interessa nesse momento. Em se tratando de uma teoria pedagógica, o diagnóstico apresentado pelos hegemônicos e inquilinos do Governo de uma ‘Síndrome de Progeria da PHC’ está equivocado. As afirmações sobre ‘a enfermidade da PHC’ são manifestamente exageradas. Por que isso é falso? Porque um conjunto significativo de professores do Paraná, tanto da rede municipal, quanto da rede estadual utilizam a PHC como referencial teórico. Da mesma forma, professores progressistas das universidades colocam nas ementas o livro Escola e Democracia, os sindicatos de trabalhadores têm na PHC um instrumental na defesa da escola pública e da democracia.

Um modelo explicativo que nos ocorre para explicar a PHC no Paraná é uma cossenóide (Figura 1).

Fonte: Construção dos autores

Figura 1 A História da PHC no Paraná representada pela função cossenóide. 

São mais de 30 anos de história da PHC no Paraná, desde Richa Pai (referência ao ex-governador José Richa) até Richa Filho (uma referência ao governador do Paraná, entre 2011 e 2018, Carlos Alberto Richa). Entre 1983 e 1994, período de implantação da PHC no Paraná, o estado foi governado pelo Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), representado, respectivamente, pelos governadores José Richa, Álvaro Dias e Roberto Requião. De 1995 até 2002, a PHC sofreu um impacto negativo, dado o direcionamento político do Governo de Jaime Lerner, o qual priorizou políticas neoliberais, com práticas de terceirização e privatização. No ‘chão da escola’ circulou a pedagogia das competências. No período de 2003 até 2010, a PHC teve novo impulso no governo de dois mandatos de Roberto Requião (Mirandola, 2014). Depois, de 2011 até 2018, vivemos sob a gerência de um governo do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), que apesar de muitas investidas contra conquistas dos professores, ainda manteve, no programa oficial, a PHC. Destacamos que isso teve/tem a ver também com a resistência dos professores em mudar de rumo, ou seja, preferem uma proposta progressista das Diretrizes Estaduais da Educação do Paraná.

Podemos destacar algumas conquistas no ápice das duas ondas da PHC. Em 1990, o Paraná implantou o Currículo Básico, houve iniciativas de estabelecer diálogo entre professores e Secretaria da Educação e a difusão da proposta aos municípios. Entre 2003 e 2010, podemos destacar alguns avanços gerais na educação pública do Paraná: (a) articulação com políticas educacionais; (b) melhoria nos índices da avaliação nacional; (c) concursos, formação inicial e continuada; (d) organização escolar, porte de escola, portal da educação, merenda, transporte, infraestrutura e tecnologia educacional; (e) práticas pedagógicas com a produção dos professores, inclusive de Livro Didático Público e os cadernos pedagógicos; (f) simpósios e seminários de socialização do conhecimento por níveis e modalidades da educação básica; (g) a formação de professores no Plano de Desenvolvimento da Educação, articulado ao plano de carreira do magistério (Arco-Verde, 2020). É importante ressaltar que a PHC exige de quem a ela se alinhe uma posição, para além das questões didáticas e pedagógicas, ou seja, uma política de investimento público em toda estrutura escolar, obviamente as condições materiais.

Entre 2006 e 2010 houve conquistas no campo popular, ou seja, na escola pública do Paraná: (a) hegemonia da PHC, proposta aprovada no Conselho Estadual de Educação CEE-PR; (b) fortalecimento dos professores e demais profissionais em seus salários; (c) abertura para uma nova organização de problemas históricos das disciplinas curriculares e dos conteúdos, em especial literatura, música, educação física e artes; (d) credibilidade nacional no IDEB; (e) sistematização de dissertações e teses sobre as Diretrizes Curriculares do Estado do Paraná pelos próprios professores da rede estadual; (f) prêmios recebidos do Ministério da Educação, Conselho Nacional de Secretários de Educação (CONSED), da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), além dos prêmios docentes (Arco-Verde, 2020).

Quando olhamos a cossenóide (Figura 1) ilustrando a intensidade da PHC no Paraná, percebemos uma queda na curva a partir de 2010. Podemos destacar três eventos para confirmação. Os dois mandatos de Beto Richa (2011 até 2018) e de seu sucessor, Ratinho Júnior. Houve diminuição da hora-atividade que dificulta a preparação e o estudo do professor, o massacre dos professores no Centro Cívico de Curitiba em 29 de abril de 2015, contabilizando 213 pessoas gravemente feridas, e as tentativas frustradas de implementação das Pedagogias Ativas. Cabe destacar que, além da ‘resistência com sangue’ dos professores, houve uma luta na defesa da escola pública e da democracia nas salas de aula. A PHC manteve-se como principal teoria pedagógica contra-hegemônica.

No momento em que a PHC sofria um ataque no Paraná, ‘vertia’, dialeticamente a PSP, o maior movimento secundarista da história de nosso estado. Desde 2015, os estudantes paranaenses já acompanhavam as discussões e embates sobre escola e democracia. Há cinco anos, Ana Júlia Ribeiro tinha 15 anos.

Olhar a trajetória da secundarista e suas façanhas ajuda no entendimento da PSP e da relação com a PHC. Ana Júlia e ‘sua turma’ estão para a PSP, assim como Greta Thunberg está para o movimento Fridays For Future. Ana Júlia protagonizou um debate com as maiores autoridades do Paraná, em especial com o Presidente da Assembleia Legislativa, Ademar Traiano, em 26 de outubro de 2016. O discurso épico de Ana Júlia tem dois pontos fortes: (a) uma crítica às contrarreformas do Ensino Médio (Medida Provisória n° 746, 2016) e a contrarreforma do congelamento dos gastos e investimentos públicos corrigidos apenas pela inflação (PEC..., 2016); e (b) a denúncia de um Estado opressor, representado pelo Movimento Escola Sem Partido, e o fato concreto da morte de um colega vítima da violência.

Minha pergunta inicial é: de quem é a escola? A quem a escola pertence? [...]. É um insulto a nós que estamos lá nos dedicando, procurando motivação todos os dias, a sermos chamados de doutrinados. É um insulto aos estudantes, é um insulto aos professores [...]. A reforma na educação é prioritária, mas precisa ser debatida, conversada [...]. Ontem eu estava no velório do Lucas e eu não me recordo de ter visto nenhum desses rostos aqui lá. O sangue do Lucas está na mão de vocês [...] O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) nos diz que a responsabilidade pelos nossos adolescentes, pelos nossos estudantes é da sociedade, da família e do Estado (Ribeiro, 2016).

Em 2020, Ana Júlia era acadêmica dos cursos de Filosofia da Universidade Federal do Paraná e do de Direito na Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Mantinha uma militância nas redes sociais e foi eleita como suplente ao cargo de vereadora, pelo Partido dos Trabalhadores (PT), em Curitiba, Paraná.

A PHC ‘testou negativo’ para ‘Síndrome de Progeria’, não é uma mercadoria que sofre com a obsolescência programada, feita para durar pouco tempo. De igual forma o método do Materialismo Histórico Dialético circula entre nós, e as cartas são documentos importantes, têm materialidade, são provas colocadas para ‘julgamento’ do leitor e de nossos pares, para um possível falseamento. Constatamos de imediato um diálogo intergeracional, que mostraremos a seguir.

O que dizem as cartas? Quais os argumentos da aproximação entre PHC e PSP?

Grandes homens e grandes mulheres escreveram cartas em tempos difíceis. Qual a mensagem? Que argumentos podem ser extraídos dessas mensagens para nos ajudar entender a PHC e a PSP?

Argumento 01: As condições de miséria não excluem a importância de dominar a cultura clássica.

Na casa da Família Marx, em Londres, em 1853, as coisas estavam de ‘perna para o ar’, faltava quase tudo, menos amorosidade de Marx com os filhos e o incentivo, desde cedo, aos estudos, ao amor pelas línguas e pela literatura. O lar dos Marx era rico em termos intelectuais, o que provavelmente tornava suportável, em partes, a falta de conforto material. Como os pais, a vida social das crianças girava em torno de outros refugiados alemães, possibilitando o aprendizado de costumes em comum. Mas nem tudo são “[...] maravilhas [...]” ou “[...] contos de fada]...]”, Marx e sua família pagaram um “[...] alto preço [...]” pelas críticas ao sistema capitalista, e, nesse sentido, o legado e a mensagem que nos deixaram foi: as coisas não são fáceis para os trabalhadores, mas o cenário fica ainda pior quando não se domina a cultura letrada, a matemática e a literatura (Gabriel, 2013, p. 316-317).

Em oito anos de detenção (1926-1934), Antonio Gramsci (2005) produziu as Cartas do Cárcere, um documento vivo endereçado à família e aos amigos com a descrição dos infortúnios da prisão, a tristeza e a solidão, sem deixar de mostrar força e resistência ao Fascismo. Não se vergou aos opressores e, apesar da insônia e da profunda escoliose, nunca se ajoelhou no sentido literal e, tampouco no sentido figurado, frente a seus algozes. Morto em 27 de abril de 1937, cativo e julgado em um tribunal de exceção, sob vigilância das mais altas autoridades, inclusive Mussolini, Gramsci nos fez/faz refletir sobre as condições em que os encarcerados estavam e como conseguiu escrever uma relevante mensagem acerca da importância da escola.

Para falar do lar da Família Saviani, o ambiente em que Hermógenes Saviani compôs sua música, em 1964, no Brasil, precisamos falar da ditadura militar brasileira. Estudei ‘as noites escuras’ e os porões das torturas, nas ditaduras militares argentinas (Rech, 2018), para entender as similaridades com nossa frágil democracia. Uma frase atribuída ao general argentino, Ibérico Saint Jean, em 1977, dita aos seus oficiais, de forma resumida, ajuda-nos na compreensão da conjuntura dos anos 1960 e 1970, em ambos os países. “Primeiro mataremos a todos os subversivos, logo mataremos a seus colaboradores, depois a seus simpatizantes, em seguida aqueles que permanecem indiferentes, e, finalmente, mataremos os tímidos” (Murió Saint Jean, 2012). Não vamos aprofundar a discussão do que foi a ditadura militar brasileira, apenas mostrar o cenário de terrorismo de estado.

Em 1964, Hermógenes Saviani, irmão de Dermeval Saviani, compôs Marcha da Liberdade (Brasil com ‘s’). Gravou em 1966, no mesmo ano a música foi censurada. Entendemos que essa música é ‘uma carta’ da Família Saviani, uma ‘voz’ do passado.

Apresentamos ao leitor a quarta e a quinta estrofes.

Irmãos brasileiros marchemos

Com coragem e habilidade.

Só lutando nós conseguiremos

Conquistar novamente a liberdade.

Camponeses, operários e estudantes

Nós lutamos por um mesmo ideal.

Nós queremos ver um Brasil com “s”

E muito mais nacional.

Letra e Música de Hermógenes Saviani: composta em 1964 e gravada em 1966 (Saviani, Autobiografia).

Fomos provocados pelo nosso mestre Dermeval Saviani, a partir de uma partitura que arquivara, a tornarmos viva a canção que completa 56 anos, em 2020. Nosso texto criou movimento a partir da provocação. A Professora Fabiana Florkovski de Morais, da rede Municipal de Francisco Beltrão-PR, interpretou e instrumentalizou a música ‘Marcha da Liberdade (Brasil com ‘s’)’ (Marcha da Liberdade, 2020).

Mas quem foi Hermógenes Saviani? Quando enviamos, via e-mail, a interpretação da Prof. Fabiana, numa sexta-feira, dia 22 de maio, às 19h44min, ao Professor Dermeval Saviani, fomos brindados com a explicação de quem é Hermógenes Saviani.

Ele fez 83 anos no último dia 5 de maio (nasceu no mesmo dia de Marx). Ele vai ficar muito contente. Quando viemos das fazendas de café para São Paulo, em 1948, ele tinha onze anos e havia feito o primário somente até o terceiro ano, pois naquela época no interior o curso primário tinha apenas três anos. Aqui na capital ele foi trabalhar como operário em fábrica como plainador; da plaina passou para o torno tendo trabalhado a vida inteira como torneiro mecânico; ainda agora, mesmo aposentado, uma fábrica em Atibaia não dispensa o serviço dele, interrompido apenas nesse período da quarentena. Assim, quando compôs essa música, entre muitas outras de suas composições, estávamos na ditadura e ele, assim como meu pai, minha irmã mais velha e meus outros dois irmãos mais velhos e também minha irmã mais nova que eu, eram operários em fábricas da cidade de São Paulo, enquanto eu era bancário e cursava a faculdade tendo concluído, em 1966, a licenciatura em filosofia, mesmo ano em que a outra irmã mais nova, a Nereide, havia concluído o Curso Normal; e o caçula, que havia nascido já em São Paulo, trabalhava em escritório. Grande abraço, Dermeval (D. Saviani, 2020)1.

Nereide Saviani nos ajudou a esclarecer o evento da produção musical de Hermógenes Saviani.

Puxa, que feliz surpresa!

Muita emoção ouvir essa música do mano Hermógenes, composta no período funesto da ditadura militar deflagrada com o golpe de 1964! Lembro-me que ela foi inscrita e selecionada no festival de música popular brasileira da Rádio Marconi, em São Paulo. No dia da apresentação, um sábado pela manhã, a família toda com o ouvido no rádio e em radinhos de pilha, para ouvir Hermógenes cantando e acompanhado ao violão pelo mano Adivaldo. Decepção! O locutor anuncia: a próxima música selecionada, de autoria de Hermógenes Saviani, não será apresentada por ter sido considerada "altamente subversiva"! Tristeza geral. Raiva. Indignação. Choro. Xingos. Era a censura que grassava solta naqueles anos de chumbo! Parece que estou revivendo aquele momento. Ouçamos, então, essa música que vem bem a calhar nos dias atuais, com o bolsonarismo louvando a ditadura e seus atos perversos! Resistir é preciso! Nereide (N. Saviani, 2020)2.

O que podemos aprender a partir das cartas da Família Saviani? Em primeiro lugar, validar o argumento 01, ou seja, mesmo em condições desfavoráveis é possível lutar com ‘as armas’ que se têm. A instrução de qualidade é um elemento importante, mas, além disso, é preciso fazer arte para transformar. Na música de Hermógenes Saviani, percebemos o apego pela liberdade e a necessidade de união entre camponeses, operários e estudantes. Trouxe em sua melodia um elemento novo, ou seja, a instrução escolar, ‘a caneta’ como um movimento importante para além da ‘foice e do martelo’. Mesmo um homem simples pode interpretar e transformar o mundo, pois todos somos filósofos, ainda que de modo singular.

É preciso mais que nostalgia. Nereide nos diz que é necessário olhar para o passado, e fazer uma relação com a perversidade que encontramos atualmente. Assim, ‘resistir é preciso’ viver não é preciso, pois há sempre, na vida, novas determinações, ou seja, imprecisões, não deterministas para cada brasileiro ou brasileira.

Argumento 02: De posse do conhecimento, mesmo em condições de miséria, é viável transformar o mundo.

Ana Júlia Ribeiro, digna representante da PSP, é filha de gente simples, mas com apego aos estudos. O pai é advogado e graduado em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná, em 2002. Faz atendimentos individualizados que envolvem questões sociais oriundas do conflito capital e trabalho, interlocução com entidades do terceiro setor e programa de aprendizagem para inclusão no mercado de trabalho de jovens em cumprimento de medidas socioeducativas (Ribeiro, 2020).

A mãe de Ana Júlia Ribeiro, Maria Aparecida da Silva Ribeiro, é professora da Rede Municipal de Curitiba. Os pais são solidários com a filha nas lutas pela escola pública. A Família Silva-Ribeiro, sabe da importância dos estudos. O pai disse que “[...] a luta não é apenas dos secundaristas, é uma luta de todos nós, que queremos uma melhor educação”. E acrescentou: “É uma luta difícil, mas necessária. Nós concordamos com o movimento deles. É inaceitável o que está acontecendo [...]”, complementa a mãe (Martins, 2016).

Na adolescência, a sustentação psicológica e afetiva é muito importante, bem como a ideologia do grupo familiar, mas no determinismo não há um determinismo, ou seja, o ambiente é um facilitador, uma condição necessária, mas não suficiente. Há subversivos em lugares insalubres e sem condições de sobrevivência; tanto física como mental. Mesmo os tímidos podem transformar o mundo. Vejamos as duas cartas dos secundaristas do Colégio Léo Flach em Francisco Beltrão, onde a PSP surgiu no Sudoeste do Paraná.

A Família de Igor Mignoni vive em uma ocupação, como diriam os burgueses, uma invasão onde mais de mil famílias ainda não têm o título definitivo do terreno. A mãe apoia os estudos, mas Igor acorda cedo e pega a marmita para o trabalho no caminhão de recicláveis. À noite estuda, mas em casa não tem muito apoio. Como ele diz, ao falar da coleta de lixo, orgulhoso em ascender de posição no trabalho: “[...] a rota é grande, nós terminamos 17h30min, aí tenho que tomar um banho, é óbvio, até que dá tempo, mas às vezes atraso, eu me viro para terminar os estudos” (Mignoni, 2020). Em 2020, Igor fez parte dos alunos não concluintes do Ensino Médio. Nesse caso, o apoio vem mais da escola do que do ambiente familiar, e Igor sabe muito bem o que é uma ocupação em um bairro onde a vivência de disputa por um pedaço de chão é razoavelmente comum.

Assim também era a vida de Paula Eduarda. Negra, pertencente aos grupos minoritários em relação ao gênero, nossa querida Paula, aluna brilhante, não conseguiu chegar à Universidade. Há pouco a se esperar da avó com quem convive atualmente. As condições de miséria e apoio do Estado ainda foram insuficientes em sua luta diária, não é só uma questão do que ela quer fazer, mas sim do que pode fazer. No entanto, interpreta o mundo como poucos, tem dificuldades em modificá-lo e transformá-lo, mas sabe como ninguém o que são as mazelas do capitalismo.

O Bairro Padre Ulrico sofreu um processo de segregação socioespacial e falta de direito à cidade. A raiz do problema foi/é o modo de apropriação do espaço urbano, típicas do capitalismo e que influenciam nas condições de vida da população. O bairro Padre Ulrico possui uma extensão territorial de 2,4 km² e está localizado na porção Nordeste da cidade de Francisco Beltrão, e com uma distância em relação ao centro da cidade de 4,8 km em linha reta, e com uma população estimada pelo IBGE, para 2018, de aproximadamente 10.000 habitantes (Pagnan, 2019).

No Bairro Padre Ulrico a cidade privatiza o lucro dos trabalhadores e socializa o lixo. O bairro é um depósito. Assim como a Europa e os EUA mandam para a África toneladas de lixo, em Francisco Beltrão, o lixo ‘atravessa a trincheira’, um monumento, uma obra física que separa a cidade do Bairro Padre Ulrico. Representamos os pontos 28 e 29, da Figura 2, onde estão o lixão da cidade e uma cooperativa de catadores de papel, respectivamente.

Fonte: Construção dos autores

Figura 2 A segregação socioespacial do Bairro Padre Ulrico em Francisco Beltrão - PR, onde moram Igor e Paula Eduarda. 

Por analogia, os grandes capitalistas não têm interesse que alunos das escolas públicas de periferia dominem o conhecimento clássico. Quando o Estado é um aliado da burguesia, oferta ‘um lixo pedagógico’ à gente pobre, insiste em manter a mentira camuflada no lixo da história, esconde a verdade, utiliza propostas pedagógicas sem sentido e que não têm resultado comprovado pela ciência. Balbucia a Pedagogia Ativa como ‘remédio’ para todos os males da educação, mesmo sem correspondência com a realidade.

Por outro lado, a PHC e a PSP estão em acordo da importância da instrução de qualidade e da escola pública. As condições de miséria não excluem a importância de dominar a cultura clássica, essa não é uma afirmação idealista, é uma luta constante, de sucessos e de fracassos, de vitórias e derrotas e vitórias quando empatamos e permanecemos vivos, quando alguns dos nossos secundaristas não estão mais entre nós. Vencemos com Ana Júlia, empatamos com Igor e Paula Eduarda e perdemos com a morte de Lucas Eduardo Araújo Mota. É por esses secundaristas, como Ana Júlia, Igor Mignoni, Paula Eduarda, pela honra de Lucas Eduardo, e por todos nós que em condições precárias lutamos por uma vida melhor, que permanecemos incomodados. Negamos a ideia da burguesia, nos regimes autoritários, ou seja, em outras palavras: ‘os incomodados que se mudem’. Pelo contrário, os indignados com a injustiça devem transformar o mundo.

Argumento 03: A PHC e a PSP estabeleceram um diálogo intergeracional, pautado na transformação do mundo através da instrução pública.

Quem tem netos, filhos ou alunos adolescentes, sabe o quanto é difícil estabelecer um diálogo intergeracional. Isso vale na família, no partido político, na igreja e na escola. É preciso grandeza para conversar com os mais jovens, ainda mais quando ‘temos patente alta’, como diz Igor Mignoni, referindo-se aos professores mais conceituados. É difícil, mas não impossível conversar com Greta Thunberg ou com Ana Júlia, basta humildade, simplicidade e bom senso.

A indignação ainda move e motiva Dermeval Saviani. Nascido em 25 de dezembro de 1943, portanto, está chegando aos 80 anos, mas permanece atuante, não deixa de responder as provocações e ainda estorva os capitalistas que se intrometem com ‘suas garras’ na escola pública. Assim surgiu a troca de cartas entre Ana Júlia e Dermeval Saviani, por ocasião de nosso relatório de pós-doutorado. Na condição de ‘carteiros’ pedimos a Ana Júlia que escrevesse uma carta a Dermeval Saviani. Ela prontamente aceitou, com uma condição: que enviássemos dois livros para ter uma ideia do autor, assim lhe enviamos Escola e Democracia e Dermeval Saviani: uma trajetória cinquentenária (Marsiglia & Cury, 2017). Transcrevemos na íntegra a troca de cartas entre Dermeval Saviani e Ana Júlia.

Curitiba, 13 de março de 2019

De Ana Julia

Para Dermeval Saviani

Querido Saviani, infelizmente não nos conhecemos presencialmente, mas tive o prazer, mesmo que brevemente, de ler um pouco de seus estudos sobre educação. Creio que temos algumas coisas em comum, atualmente sou estudante de Filosofia e você é um filósofo. Por outro lado, você acredita em uma educação crítica, popular, que seja de base histórica, não reprodutivista, e que exerça a compreensão do indivíduo sobre o seu espaço social. Eu, no entanto, pude viver e construir uma fração da experiência de uma educação democrática e emancipadora, na época eu não imaginava, mas hoje, após conhecer o seu trabalho, ouso dizer que pude viver um rascunho da pedagogia histórico-crítica, sua teoria.

Saviani, em 2016, participei do movimento de ocupações de escolas contra a Reforma do Ensino Médio e a Emenda Constitucional do teto de gastos. O que inicialmente posso dizer é que a minha percepção sobre educação escolar mudou. Sempre estudei em escola pública, não passei pela creche ou maternal, comecei na pré-escola aos 5 anos, junto com meu irmão estudei em período integral até o fim do Ensino Fundamental I. Confesso que gostava, era uma boa escola municipal, lembro da maioria das minhas professoras e colegas dessa época. A escola tinha um bom programa de incentivo ao esporte e por isso participei de inúmeras competições de atletismo e “Desafio Xeque Mate”, torneio de xadrez que a Cidade de Curitiba promove. A partir da 5º Série, eu sou da última turma com a nomenclatura série, eu estudei meio período. Sempre gostei da escola, mas algumas coisas me incomodavam, prova disto era minhas eventuais desavenças com professores e direção ou a promoção de abaixo assinado e reuniões de turmas que articulava. Durante o meu primeiro ano do ensino médio tive a certeza que ele seria exatamente como tudo que já havia vivido até então: pacato, pouco criativo, conteudista e carregado de decorar isso e aquilo. Aí é que me enganei, no segundo ano ocupei a escola e tudo mudou, minha compreensão de mundo deu uma sacudida, infelizmente e contra minha vontade no terceiro ano as coisas voltaram a ser como eram.

A questão é que enxergava e ainda vejo como o que é real, com cada vez mais chances de piorar, que a escolarização apesar de importante, qualquer educação é mais importante do que nenhuma, pouco formava e muito alienava no sentindo de não nos fazer compreender a amplitude do conhecimento geral e externo quanto do autoconhecimento, não somos educados para compreender o nosso papel e espaço coletivo dentro da sociedade, ao contrário, adotamos uma perspectiva totalmente individual. Minhas inquietações com a filosofia da educação sempre foram maiores do que os incômodos referentes à infraestrutura, por mais que esses também sejam fortes.

Contudo, todas as minhas críticas e frustações foram acompanhadas da defesa da escola pública e da clareza de que se existe um objeto de transformação do meio é a escola pública e seus estudantes. Quando dizemos isso, geralmente, as pessoas nos olham meio torto e logo lembram de todos os problemas. Mas existem dois fatos que tornam imprescindível a educação pública, o primeiro é a garantia da universalidade da educação, o segundo é o objetivo das escolas e universidades públicas, partindo dos princípios mínimos de uma democracia, a educação pública concentra em si as essências do que é popular, ela busca os oprimidos e os emancipa e anseia proporcionar uma formação humana cidadã e solidária. A escola pública é o bem mais rico que um país pode ter.

O valor da Educação pública é tão peculiar que tenho dificuldade com o que comparar, pois obviamente o dinheiro não é digno do ranking. Mas é o valor imensurável, que envolve as esperanças e as crenças, os sonhos e os sentimentos de um imaginário de que outro mundo é alcançável que provoca a coragem para depositar nossas fichas nas lutas em defesa da educação pública. O sentimento é ardente e por isso não medimos muito os riscos ou perdemos tempo preocupados com reconhecimentos ou glórias materiais que ganharemos com tal luta (Rech, 2020, p. 313. Anexo 2)

Vamos à resposta do Saviani.

São Paulo, 3 de abril de 2020.

Querida Ana Julia:

Determinaram as circunstâncias que somente agora, mais de um ano depois, tenha eu podido ver - e responder - à carta que você me endereçou em 13 de março de 2019.

Agradecendo sua gentileza ao tomar a iniciativa de me escrever, constato que você começa observando que "infelizmente não nos conhecemos pessoalmente", mas você já leu alguns de meus estudos sobre educação. De fato, infelizmente ainda não tive oportunidade de conhecê-la pessoalmente, mas acompanhei, embora à distância, seu importante protagonismo no movimento das ocupações das escolas no Paraná. Assim, além de manifestar explicitamente meu apoio em alguns momentos, cheguei a citá-la quando proferi minha alocução na cerimônia em que fui agraciado com o título de "Doutor Honoris Causa" pela Universidade Federal da Paraíba no dia 7 de novembro de 2017. Naquele momento, já que estava recebendo uma das mais altas honrarias da instituição universitária, prestei minha homenagem ao Reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, vítima fatal do golpe jurídico-midiático-parlamentar que destituiu Dilma Rousseff da presidência da República. Registrei, então, que o reitor foi "levado ao suicídio por uma prisão injusta, sem provas, diante de uma acusação sobre fato que sequer ocorreu em sua gestão". E segui com as seguintes observações:

Conduzido à Polícia Federal ele foi despido, submetido à revista com suas partes íntimas inspecionadas como se estivesse escondendo algo ali, vestido com roupa de presidiário, acorrentado e jogado numa prisão de segurança máxima, conforme entrevista do Desembargador Lédio Rosa de Andrade à TV Floripa. Libertado no dia seguinte, foi afastado de sua função de reitor e proibido de entrar na universidade. Diante dessa humilhação e convencido de que, com a sanha fascista que vem tomando conta do país não teria como se defender concluiu, como leitor assíduo de Shakespeare, que o único recurso de que dispunha para se contrapor à ignomínia e alertar a população, era a tragédia. Não tendo medo da morte, o que demonstrou em sua luta tenaz contra a ditadura, optou pelo suicídio. Por meio desse ato o Reitor, Prof. Luiz Carlos Cancellier de Olivo, nos deu, com a tragédia da própria morte, sua última lição: a dignidade humana não tem preço, devendo ser defendida até mesmo com o sacrifício da própria vida.

Vê-se, então, que a causa de seu suicídio vai além de questões psicológicas ou dramas pessoais, residindo no terrorismo de Estado uma vez que, em consequência do golpe político, perdeu vigência o Estado Democrático de Direito. Todas essas arbitrariedades vêm sendo acobertadas por versões divulgadas pelas autoridades com a cumplicidade da grande mídia que não apenas transmite como verdadeiras as versões falsas, mas esconde os fatos reais. A esse respeito é eloquente o suicídio do reitor, encoberto pela mídia com o manto de um silêncio acumpliciado. E, quando não prevalece o silêncio absoluto, a notícia é dada com distorção induzida, como se pode ver pela forma como o G1 de Santa Catarina, o órgão eletrônico de informações da Rede Globo, deu a notícia registrando em letras garrafais: “Você viu? Morte do reitor da UFSC, suspeito de agredir mãe idosa e as mais lidas do G1 - SC”.

E só depois de estampar em tamanho grande a foto do reitor, deixando um bom espaço entre a manchete principal e a secundária, traz, em letras menores, a informação: “Luiz Carlos Cancellier foi encontrado em um shopping da capital. Em Lages, Homem foi preso suspeito de agredir idosa de 84 anos.

Fica clara, aí, a manipulação da notícia com a indução dos leitores, em especial aqueles que consultam a internet limitando-se às manchetes principais, à conclusão de que o motivo da prisão e consequente suicídio do reitor tenha sido a agressão à própria mãe, além de tudo, idosa.

Tendo, assim, evidenciado o papel da mídia, fiz a referência à sua atuação na ocupação escolar em Curitiba nos seguintes termos:

Para esse caso vem a propósito a ‘manifestação da estudante Ana Júlia’ que, diante da morte de um aluno numa das escolas ocupadas em Curitiba, lançou aos deputados na Assembleia Legislativa o libelo: ‘suas mãos estão sujas de sangue’. Sim, dentre as várias mãos que empurraram o reitor para a morte encontram-se, além daquelas de parte dos representantes do judiciário e da polícia, as mãos da grande mídia. E a população, de modo geral, fica alienada diante da grave situação que estamos vivendo. Por esse caminho vai se escancarando o estado de ditadura e, o que é pior, uma ditadura com a participação do próprio judiciário, o que significa que os atingidos não terão a quem recorrer.

Eis aí como, inspirando-me em sua manifestação, considerei que as mãos dos que provocaram o suicídio se mancharam do sangue derramado com a morte violenta do reitor da Universidade Federal de Santa Catarina.

Mas você também lembrou uma de nossas afinidades no campo da filosofia, pois você está atualmente cursando Filosofia e eu também fiz o Curso de Filosofia na PUC de São Paulo. Sei, porém, que além do Curso de Filosofia você está matriculada também no Curso de Direito da PUC do Paraná. Eu não fiz o curso formal de Direito, mas tenho estudado sistematicamente a legislação educacional, o que se iniciou já com minha tese de doutorado, O conceito de sistema na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 4.024, de 20 de dezembro de 1961), defendida em 18 de novembro de 1971. Depois, em 1976, publiquei o capítulo de livro Análise crítica da organização escolar brasileira através das leis 5.540/68 e 5.692/71. Em 1986 defendi a tese de livre-docência versando sobre O significado político da ação do Congresso Nacional na Legislação do Ensino. Em 1988 publiquei o artigo "Contribuição à elaboração da nova LDB: um início de conversa" tendo formulado, em anexo, um projeto de LDB que deu entrada em dezembro na Câmara dos Deputados, dando início à tramitação da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Acompanhei todo esse processo, o que me permitiu publicar, em 1997, portanto, logo após sua promulgação em 20 de dezembro de 1996, o livro A nova lei da educação (LDB): trajetória, limites e perspectivas, cuja 13ª edição foi publicada em 2016, ao ensejo da comemoração dos 20 anos da atual LDB, acrescida de um capítulo comentando as 39 leis que alteraram a LDB entre 1997 e 2015. Segui acompanhando a tramitação do projeto do Plano Nacional de Educação tendo publicado, em 1998 o livro Da nova LDB ao novo Plano Nacional de Educação que, em 2007, foi incorporado de forma modificada e ampliada ao novo livro Da nova LDB ao FUNDEB que por sua vez, em 2016 teve lançada sua 5ª edição revista, atualizada e ampliada passando a se chamar Da LDB (1996) ao novo PNE (2014-2024): por uma outra política educacional. E em 2017 publiquei a 2ª edição, revista e ampliada do livro Sistema Nacional de Educação e Plano Nacional de Educação: significado, controvérsias e perspectivas, cuja primeira edição havia sido lançada, em formato de bolso, em 2014. Na nova edição o livro traz, em anexo, o texto integral do PNE 2014-2024 conforme edição extra do Diário Oficial da União de 26/06/2014.

Enfim, temos, de fato, várias afinidades [...], você e eu estamos do mesmo lado da trincheira na luta de classes que se trava na sociedade em que vivemos, a sociedade capitalista: defendemos a escola pública como um instrumento importante para assegurar às crianças e jovens da classe trabalhadora uma educação de alta qualidade que lhes possibilite desenvolver uma aguda consciência da realidade em que vivem, com uma sólida fundamentação teórica que lhes permita agir de forma coerente e com uma instrumentação técnica que lhes possibilite atuar de forma eficaz sobre a realidade que buscam transformar.

Com um abraço afetuoso, transmito meus votos de pleno êxito em seus estudos e toda a minha solidariedade ao seu engajamento na nossa luta comum por uma educação que corresponda cada vez mais aos interesses e necessidades da população de nosso país.

Dermeval Saviani (Rech, 2020, p. 315. Anexo 2).

A troca de cartas entre Ana Júlia Ribeiro e Dermeval Saviani foi a culminância de nossa tese. Ora, se há uma correspondência entre os legítimos representantes de ambos os movimentos, PHC e PSP, há que se ter uma prova material, no caso, as cartas. Antes de Dermeval ‘registrar’ a PHC, ou seja, cunhar o seu conceito, a Família Saviani já sabia o que era a falta de democracia. Evidentemente, depois vieram múltiplas determinações, mas em 1964, formaram-se os ‘brotos’ de uma nova teoria pedagógica, diante de um contexto do geral ao particular e vice-versa. De forma parecida, na Família Pires-Ribeiro houve Ana Júlia, ‘uma pequena semente’ que foi ‘regada’, culminando em um discurso épico da Assembleia Legislativa do Paraná, em 2016. Mas temos mais fatos, para comprovar correspondência entre PHC e PSP.

Sua excelência o fato: as similitudes entre PHC e PSP

“Ulysses Guimarães dizia que De Gaulle chamava o Fato de Sua Excelência. Assim, com maiúscula, capaz de sobrepor-se a tudo, hechos son los hechos, como afirmam os espanhóis” (Figueiredo, 2017). Quais os fatos que confirmam a correspondência, em sentido duplo, entre PHC e PSP?

Fato 01: Dermeval Saviani e Ana Júlia trocaram cartas. Além disso, temos uma imagem esclarecedora.

A Figura 3 permite identificar a similitude entre PHC e PSP. Nela podemos ler um pequeno texto: ‘eu apoio a ocupação das escolas do Paraná’. Na parte inicial do cartaz podemos ver a figura da página do ‘Ocupa Paraná’. Em vários momentos, Dermeval Saviani citou a Primavera Secundarista como um movimento legítimo, já em 2015, quando a primeira onda ocorreu em São Paulo, o autor de Escola e Democracia esteve presente.

Fonte: Rech (2020, p. 174)

Figura 3 Apoio da PHC à Primavera Secundarista 

Fato 02: A troca de cartas esclarece: guardadas as particularidades, ambos são filósofos por ofício e gostam do campo do direito. Ana Júlia faz um curso de Filosofia, enquanto Saviani é um conceituado filósofo. Saviani especializou-se em legislação educacional, enquanto Ana Júlia faz o Curso de Direito. Ambos por “homologia” têm relação de formação e trabalho com a Pontifícia Universidade Católica (PUC) e com a universidade pública: Saviani na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e Ana Júlia na Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Esse pertencimento ao campo da Filosofia e ao campo do Direito faz com que, mesmo diante das particularidades de um Professor Livre Docente e de uma jovem estudante, permaneçam próximos, no debate conceitual sobre escola pública e legislação educacional. Temos ainda, como grande tema, abordados por ambos: escola e democracia.

Fato 03: A troca de cartas permite dizer que tanto Dermeval Saviani quanto Ana Júlia fazem uma crítica à mídia tradicional. Evidentemente que Saviani com livros e artigos mais elaborados e Ana Júlia com textos mais curtos, mas a mensagem é parecida. Dermeval Saviani denunciou o caso do afastamento do Reitor da UFSC, o Professor Luiz Carlos Cancellier de Olivo, que nos deu, com a tragédia da própria morte, sua última lição: a dignidade humana não tem preço, devendo ser defendida até mesmo com o sacrifício da própria vida.

Ana Júlia, em sua tenra idade, no ano de 2016, enfrentou seu maior desafio. O assassinato de Lucas Eduardo Araújo Mota, da escola Estadual Santa Felicidade, em Curitiba, que deu apoio para a milícia e para o MBL fazer seu discurso contra as ocupações. Mesmo que a violência esteja presente nas escolas paranaenses, não foi difícil ao Movimento Brasil Livre associar as ocupações escolares com essa tragédia. Mas, Ana Júlia, mesmo desgastada psicologicamente, não fugiu do embate na Assembleia Legislativa e disse que o “Estado tinha sangue nas mãos” (Ribeiro, 2018).

Não faltou quem desvirtuasse o fato. O Governo Beto Richa associou rapidamente a morte do aluno Lucas às ocupações. Rapidamente a imprensa, através do órgão eletrônico de informações da Rede Globo, em 24 de outubro de 2016, registrou que o secundarista foi morto por um colega após uso de drogas (Rossi, 2016). No entanto, o mesmo portal da Rede Globo (G1-PR), em 10 de dezembro de 2016, às 11h26min desmentiu o que havia divulgado em outubro de 2016. “Laudo da polícia aponta que garoto morto em ocupação não usou ecstasy. Adolescente de 16 anos também não usou cocaína, nem ingeriu álcool. Estudante foi morto a facadas por colega em escola ocupada em Curitiba” (Cruz & Kaniak, 2016). Durante esse período a imprensa, com informações imprecisas, havia associado: a ocupação escolar, morte e uso de drogas. Ninguém do portal da Globo esteve no velório do menino, e não encontramos até agora um pedido formal de desculpas, em um estado, imiscuído com a imprensa, disseminando notícias sem provas factuais.

Fato 04: A PHC e a PSP defendem uma educação crítica, valorizando a escola pública, sem queimar ‘as cartas’, sem agredir ‘os carteiros’. Instrução de qualidade ao povo simples, que não apenas questione as mazelas do capitalismo, mas aponte um inédito viável, ou seja, o domínio do conhecimento elaborado historicamente e acumulado por toda a sociedade. Se Ana Júlia diz ter vivido ‘um rascunho’ da PHC, que esse ‘rudimento’ seja considerado como relevante, e que a PSP continue a ‘dar flores’ e ‘frutos’. Se ‘a carta’ de Hermógenes Saviani sugere a união de camponeses, operários e estudantes, então vamos dar sentido a essa composição cinquentenária.

Fato 05: Dermeval Saviani e Ana Júlia estão do “mesmo lado da trincheira”. Fazem duras críticas ao capitalismo, no geral, e à falta de recursos para escola pública no particular. Não querem que as coisas fiquem do jeito que estão, em que os secundaristas da periferia arrumam as goteiras da casa para não molhar os livros didáticos e aglomeram-se em locais com algum sinal de Internet, em tempos de pandemia, para assistir a alguma coisa a que o Governo do Paraná chama de aula. Dermeval segue firme, comprometido com as causas da democracia. Ana Júlia faz campanha política em Curitiba, pleiteando um cargo de vereadora. E nós, em tempos de pandemia, defendemos o direito à instrução dos secundaristas da periferia e a vida de todos, em tempos sombrios, onde a ‘sugestão’ é por uma espécie de Síndrome de Progeria, no sentido literal, ou seja, a morte prematura parece ser normal.

Fato 06: A Primavera Secundarista não ocorreu nas escolas particulares, tampouco nas faculdades e universidades privadas. Portanto, corresponde à PHC, pois, desde o ponto de vista teórico e prático, estamos no mesmo ‘lado da trincheira’. Descartamos a ideia de que a Primavera Secundarista é apenas uma atividade de protagonismo juvenil, própria da juventude. Se essa hipótese fosse verdadeira, a Primavera Secundarista ou outro movimento similar teria ocorrido, também, nas instituições particulares do Paraná.

A Primavera Secundarista foi um movimento das escolas públicas. No caso do Paraná, começou na periferia, onde efetivamente estão os trabalhadores mais pobres, com os filhos na escola pública. Assim, foi nos núcleos educacionais de Curitiba, Cascavel, Foz do Iguaçu, Dois Vizinhos e Francisco Beltrão. Em alguns casos, as primeiras ocupações escolares foram em escolas rurais.

Fato 07: Em 2020, a prova prática mostra que PHC e PSP estavam corretas em relação à inviabilidade técnica da Medida Provisória 746, a origem da contenda dos secundaristas. Na prática, olhando para o desenrolar desse processo nos últimos quatro anos, constatamos o óbvio: a proposta dos itinerários não deu certo. O fato é que, além de camuflada, a proposta dos itinerários mostrou-se sem viabilidade prática, pois a maioria dos municípios têm em média dois colégios, não sendo possível abrigar cinco itinerários formativos diferentes, uma ‘conta que não fecha na prova real’.

Conclusão

Diante dos argumentos e dos fatos, podemos afirmar que só poderia ter dado nisso, ou seja, a PSP não foi um movimento natural, mas sim fruto de múltiplas determinações, sendo uma delas a estreita similitude e concordância com a PHC, uma mútua interferência. De um lado, o domínio técnico dos secundaristas e de outro as ‘provocações’ que fizeram ao estado e a nós professores progressistas.

Nesse sentido, os argumentos e os fatos consubstanciam-se em dois eventos. Evento é um acontecimento observável, dá para ver, perceber, sentir e racionalizar, ou seja, entendê-lo como uma prova. Evento também é uma solenidade, que pode ser uma festa ou um velório, organizado por peritos no assunto, com objetivos comunitários ou promocionais. Os eventos têm aparência espontânea, mas, pelo contrário, trazem em si uma organização e uma problematização não evidentes, como a PSP, por exemplo.

O primeiro evento é singular. Não foi por acaso que a PSP, no Sudoeste do Paraná, começou no Bairro Padre Ulrico. Há uma segregação socioespacial e histórica. A história do Bairro Padre Ulrico é a história da marginalidade em dois sentidos. O primeiro é do gueto, lugar de gente simples e pobre, margeados pelas rodovias e pelo Rio Marrecas. O segundo é a marginalidade ao acesso das mercadorias, ao esquecimento do Estado. É uma história de ocupações, desde os terrenos para quem não tem onde morar, até a ocupação pelos secundaristas do Colégio Léo Flach, ou seja, a PSP. Não foi obra do acaso que começamos neste espaço a luta contra a destruição da escola pública em Francisco Beltrão e em defesa da democracia na escola.

Estamos então, fazendo o caminho de volta, defendemos que, no Bairro Padre Ulrico, dados os ultrajantes ataques à democracia, o histórico de marginalidade e as ameaças à escola, só poderia dar nisso, ou seja, a ocupação das escolas em 2016 e o fortalecimento da PSP.

Do particular ao geral, percebemos que a PSP foi o grande evento estudantil-político, no Paraná, no Século XXI, até o momento. Proporcionalmente, nosso estado teve o maior número de escolas ocupadas em 2016. Daqui surgiu Ana Júlia, Paula Eduarda e Igor Mignoni. Encontramos em nosso estado as contradições do capitalismo e as contradições da nossa frágil democracia. Aqui é ‘a terra’ da Operação Lava jato, é ‘a terra’ que prendeu Lula, ‘a terra’ de Fachin, mas também, por contradição, é ‘a terra’ de Ana Júlia. O caótico tornou-se cristalino ao final de nosso artigo; para que se diga a verdade, aqui houve resistência.

No Paraná, houve o maior massacre de professores brasileiros, em 29 de abril de 2015, evento que envergonha a história de nosso estado, mas também é ‘a terra’ da PHC, assumida pelos professores, há mais de trinta anos. Somos ‘a terra’ da APP-Sindicato, das universidades públicas estaduais e federais criadas nos governos petistas e somos a resistência política, didática e pedagógica. Somos do outro lado da trincheira, estorvamos o grande capital.

Por fim, somos ‘a terra’ da PHC que tem correspondência com a PSP.

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1Comunicação pessoal.

2Comunicação pessoal.

7Nota: Os autores Rogério Rech e André Paulo Castanha foram responsáveis pela concepção, análise e interpretação dos dados, redação e revisão crítica do conteúdo do manuscrito e aprovaram a versão final a ser publicada.

Recebido: 25 de Outubro de 2021; Aceito: 21 de Janeiro de 2022

*Autor para correspondência. E-mail: andrecastanha66@gmail.com

INFORMAÇÕES SOBRE OS AUTORES Rogério Rech: Pós-Doutor na área de Filosofia e História da Educação Pela Faculdade de Educação da UNICAMP, Doutor em Educação Pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC -PR); Professor da SEED-PR e da Faculdade de Ampere (FAMPER); Membro do Grupo de Pesquisa: História, Sociedade e Educação no Brasil - HISTEDOPR - GT local do HISTEDBR ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5329-7563 E-mail: rechrogerio@gmail.com

André Paulo Castanha: Pós-doutor na área de Filosofia e História da Educação pela Faculdade de Educação da UNICAMP; Doutor em Educação pela UFSCar; Professor do Colegiado de Pedagogia e do Mestrado em Educação da UNIOESTE - Campus de Francisco Beltrão - PR. Membro do Grupo de Pesquisa: História, Sociedade e Educação no Brasil - HISTEDOPR - GT local do HISTEDBR. ORCID: http://orcid.org/0000-0003-0571-0960 E-mail: andrecastanha66@gmail.com

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