Introdução
Este artigo resulta de uma dissertação de Mestrado. Objetiva analisar a criação da Escola Normal Secundária ‘Leonel Franca’ de Paranavaí, estado do Paraná e a inserção socioeducacional de mulheres a partir da formação para a docência promovida pela escola.
A educação escolar nem sempre foi o meio pelo qual as pessoas tiveram acesso a conhecimentos sistematizados, antes do surgimento dessas instituições havia processos educativos destinados a poucos e em geral realizados por preceptores, dentro dos lares. A escola moderna, institucionalizada, surge quando os processos anteriores deixam de ser adequados para a sociedade. No Brasil, especificamente, esse processo de escolarização moderno, ganha visibilidade no ano de 1827, quando se inicia no país a criação de escolas de primeiras letras destinadas a instrução pública, por meio da Lei de 15 de outubro de 1827 (Brasil, 1827).
Conforme Martins (2009, p. 64), essas instituições “[...] tiveram uma trajetória incerta e atribulada, submetidas a um processo contínuo de criação e extinção”. Foi a partir do ano de 1870 que o governo passou a ter maior interesse para sua existência (Martins, 2009). Nas palavras de Villela (2020, p. 115), ocorreu nesse momento “[...] uma revalorização das escolas normais [...]”, impulsionada entre outros fatores, pela diminuição do conservadorismo, a crescente urbanização e industrialização.
A criação de escolas estava associada à ideia de progresso, conforme Anjos e Souza (2014). A primeira escola normal que funcionou no Paraná foi instituída em Curitiba pela Lei nº 238 de 19 de Abril de 1870 (Miguel & Martin, 2004). Foi, contudo, por meio da Lei nº 456 em 12 de abril de 1876 (Miguel & Martin, 2004), que o presidente da Província do Paraná, Adolfo Lamenha Lins, reformou o Regulamento da Instrução Pública e criou um Instituto de Preparatórios, junto ao qual seria anexada a Escola Normal de Curitiba.
A escolarização era um desafio a ser alcançado, especialmente vinculado aos ideais liberais e projetos modernizadores que alicerçaram os ideais republicanos, a partir de 1889, com a Proclamação da República. Jane Soares de Almeida (1998, p. 62), destaca que as escolas normais além das contribuições para a formação de professores permitiram ainda “[...] a primeira via de acesso das mulheres à instrução pública escolarizada e que possibilitava o exercício de uma profissão”. Até então as mulheres estavam destinadas, por sua natureza, à esfera privada do lar, cabendo a ela a domesticidade e os cuidados com os filhos, sendo assim, uma profissão fora do lar não assentia aprovação da sociedade (Priore, 2018).
Especialmente em meados do século XX, as escolas normais se multiplicam no interior do Estado do Paraná. Uma dessas instituições foi criada na cidade de Paranavaí: a Escola Normal Secundária de Paranavaí, por meio do Decreto nº 2.136 de 3 de maio de 1956 (Bana, 2013). No ano de 1961, teve seu nome alterado, em função da Lei nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961, que estabeleceu: “Art.34. O ensino médio será ministrado em dois ciclos, o ginasial e o colegial, e abrangerá, entre outros, os cursos secundários, técnicos e de formação de professores para o ensino primário e pré-primário” (Brasil, 1961). Dessa forma, o ensino ministrado na escola normal passou a corresponder ao grau colegial e, a partir de então, a escola foi denominada de Escola Normal Colegial ‘Leonel Franca’. Neste artigo a referenciaremos como Escola Normal ‘Leonel Franca’.
A história do Município de Paranavaí teve início por volta da década de 1920 (Silva, 2015). Na década de 1950 a cultura cafeeira despontava na região, favorecida especialmente pelo solo, condições climáticas e geopolíticas. Por meio da Lei nº 790, de 14 de novembro de 1951 (Paraná, 1951), a qual tratava da divisão administrativa estadual, Paranavaí torna-se município, desmembrado de Mandaguari-PR. O território municipal faz divisa com os estados do Mato Grosso e São Paulo. Os rios foram delimitadores das divisas do município, em particular o rio Ivaí. Conforme Bana (2013, p. 17), “Em 1955, Paranavaí, era vista no cenário paranaense lugar de prosperidade. Para cá fluíam brasileiros de todos os rincões da Pátria, atraídos pelo muito que prometia a terra nova e exuberante.” A autora ainda afirma que, “Em tempos de franco progresso fez se necessário atender aos anseios dessa população que via nesta terra o vigor e o frescor de uma terra jovem, profícua e próspera. Avançar no campo educacional era iminente” (Bana, 2013, p. 17).
Nesse contexto, o surgimento da Escola Normal esteve atrelado ao processo de estruturação do município com a criação de escolas rurais multisseriadas em vilas e sítios, bem como de expansão das escolas normais no estado do Paraná a partir da década de 1950, pois a formação de professores tornava-se necessária.
Dessa forma, para estudarmos e refletirmos essa questão recorreremos à análise de documentos e arquivos históricos da referida escola, às notícias veiculadas no período estudado bem como às representações das alunas transcritas em forma de questionário. Recorremos ainda à livros e artigos que tratam de temáticas relacionadas a este estudo. Sendo assim para este estudo será desenvolvido em três momentos, no primeiro trataremos sobre a educação da mulher, entendida como um processo sócio-histórico. Na sequência abordamos sobre a formação das escolas normais em especial sobre a ‘Escola Normal Secundária Leonel Franca’. No terceiro momento tratamos sobre as representações e experiências socioeducacionais vivenciadas por ex-alunas e ex-professora na referida escola.
Metodologia e fontes
A pesquisa delimita-se entre os anos de 1956 e 1974, por se tratar do período de existência da escola estudada. A metodologia adotada nesta pesquisa funda-se na história cultural, a qual conforme Chartier (1990, p. 16-17), “[...] tem por principal objecto identificar o modo como em diferentes lugares e momentos uma determinada realidade social é construída, pensada, dada a ler [...]” e na história social, uma vez que “[...] em história, todos os níveis de abordagem estão inscritos no social e se interligam” (Castro, 1997, p.78) na abordagem de problemas históricos decorrentes de relações entre diversos sujeitos sociais. A história social envolve a compreensão das ações humanas em nível macro e fundamentalmente as experiências dos sujeitos (Thompson, 1998).
Trabalhamos a partir de fontes bibliográficas, documentais e questionário. De acordo com Gil (2002, p. 44), “A pesquisa bibliográfica é desenvolvida com base em material já elaborado, principalmente de livros e artigos [...]”, bem como impressos diversos. A investigação “[...] documental vale-se de materiais que não recebem ainda um tratamento analítico, ou que ainda podem ser reelaborados de acordo com os objetos da pesquisa” (Gil, 2002, p. 46). Para Karnal e Tatsch (2009, p. 23) “[...] o documento pode trazer um dado que nenhum outro traz e criar uma nova visão”.
Por meio do questionário, foram obtidas informações que revelam representações das participantes do estudo sobre a escola, sua organização e as suas experiências como alunas e professora. Participaram da pesquisa três mulheres que estudaram na escola e uma que lecionou no período delimitado. Todos os questionários foram acompanhados pelo Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Unespar (CEP) no ano de 2020 (parecer 4.310.420), sendo respeitados todos os procedimentos éticos, devido a pandemia do Covid-19. Como parte dos cuidados éticos e de forma a manter o sigilo, as ex-alunas participantes da pesquisa são citadas neste artigo como ‘A1, A2 e A3’. A professora, como ‘P1’.
Ao longo da pesquisa, localizamos várias fotografias e documentos pertencentes a acervos particulares de ex-alunas e da ex-professora. Atas, livro ponto e fotografias foram localizados no acervo que pertenceu à escola, os quais, atualmente, estão no Colégio Estadual Leonel Franca - Ensino Fundamental e Médio, de Paranavaí/PR. Encontramos notícias sobre a Escola Normal “Leonel Franca” em exemplares do periódico Diário do Noroeste do Paraná (1971), disponíveis no acervo da Câmara Municipal de Paranavaí/PR. As fontes foram analisadas entretecidas à bibliografia sobre o assunto, a legislação nacional e estadual, bem como a relatórios de inspetores de ensino, disponíveis no site do Arquivo Público do Paraná.
Esse conjunto de fontes possibilitou analisarmos representações relacionadas à instituição e a educação nela ofertada, as quais ganham relevância quando analisadas à luz da realidade social. Para Chartier (1990, p. 17), representações são como “[...] esquemas intelectuais incorporados que criam as figuras graças as quais o presente pode adquirir sentido, o outro se torna inteligível e o espaço ser decifrado”. Conforme Moscovici (2007, p. 49), representações sociais são “[...] aquilo a que nossos sistemas perceptivos, como cognitivos, estão ajustados”.
As memórias das participantes permitiram estabelecer um elo entre a história, o tempo e a memória, em que “[...] o tempo da memória ultrapassa o tempo da vida individual e encontra-se com o tempo da História, visto que se nutre de lembranças de família, de músicas, e filmes do passado, de tradições, de histórias escutadas e registradas” (Delgado, 2006, p. 17). Ainda, conforme a autora “A memória ativa é um recurso importante para a transmissão de experiências consolidadas ao longo de diferentes temporalidades” (Delgado, 2006, p. 17).
O artigo organiza-se, primeiramente, tratando da educação da mulher e o papel das escolas normais. Em seguida, analisamos o contexto histórico de formação das escolas normais no Paraná e na cidade de Paranavaí/PR. Por fim, dialogamos com as participantes e outras fontes para descrever sobre representações e experiências socioeducacionais na formação da mulher a partir da Escola Normal ‘Leonel Franca’.
A educação feminina como processo sócio-histórico
As escolas normais foram criadas no Brasil, no século XIX no Brasil, ano de 1835, faziam parte de um processo de modernização da educação e necessidade de formação de trabalhadores para a nascente industrialização, associada ao capitalismo. Destinaram-se à formação de professores e professoras para as escolas primárias. Conforme Louro (2018, p. 448), nas últimas décadas do século XIX “Tais instituições foram abertas para ambos os sexos, embora o regulamento estabelecesse que moças e rapazes devessem estudar em classes separadas, preferentemente em turnos ou até escolas diferentes”. No Brasil, os primeiros docentes foram os padres jesuítas “[...] no período compreendido entre 1549 e 1759” (Louro, 2018, p. 448). Após a expulsão desses religiosos, também “[...] foram homens que se ocuparam do magistério com mais frequência, tanto como responsáveis pelas ‘aulas régias’- oficiais - quanto como professores que se estabeleciam por conta própria. [...]” (Louro, 2018, p. 448).
As mulheres dedicavam-se essencialmente aos cuidados familiares e domésticos, como reforça Ribeiro (2020, p. 79) “Durante 322 anos, de 1500 a 1822, período em que o Brasil foi colônia de Portugal, a educação feminina ficou geralmente restrita aos cuidados com a casa, o marido e os filhos [...]”, assim, os conhecimentos requeridos para assumirem seu papel social de donas de casa, não eram adquiridos por meio de instituições educacionais, mas sim pelas práticas cotidianas.
Entretanto, esse cenário da educação começa a sofrer mudanças. Segundo Louro (2018, p. 447) “As últimas décadas do século XIX apontam, pois, para a necessidade de educação para a mulher, vinculando-a à modernização da sociedade, à higienização da família, à construção da família, à construção da cidadania dos jovens”. Ao mesmo tempo em que se desejava uma educação da mulher pretendia-se também uma educação para a sua atuação profissional, o processo foi alvo de críticas, pois uma parcela da sociedade acreditava que as mulheres não possuíam capacidade suficiente para serem responsáveis pela formação das crianças, ou seja, das futuras gerações.
Como afirma Gaspari (2005, p. 28) “Refletir sobre a educação da mulher em qualquer tempo ou espaço, pode conduzir para uma análise de cunho filosófico que nos permita compreender, em parte, o processo de construção de mentalidades que irá cristalizar-se ao longo do tempo”. Conhecimentos calcados na religião foram determinantes para a vida da mulher em sociedade. Talita Leão de Almeida (2009, p. 13), reflete que “[...] o corpo feminino está ancorado em um tecido social que alicerça os modos de viver e perceber o próprio corpo e o corpo alheio [...]”, pois o corpo vincula-se aos pensamentos que estão alicerçados no âmbito social, em particular o seu útero e aos fins a que ele se destinava.
Até o século XVIII, entendia-se que a mulher “[...] não passava de um mecanismo criado por Deus exclusivamente para servir à reprodução” (Priore, 2018, p. 82). Esse pensamento no entender de Gaspari (2005, p. 29), reforça a ideia de que o papel feminino se restringia “[...] a instituição familiar como um ser inferior e com uma prática de subordinação ideológica ao poder masculino”. Sendo assim “[...] as mulheres do século XVIII só existe [sic] para o lar, não participando de atividades políticas, administrativas ou econômicas [...]” (Gaspari, 2005, p. 40). Nesse sentido, restritas ao mundo familiar e tendo como principal função a maternidade, as mulheres permaneceram vinculadas à esfera privada da sociedade.
Freitas, Nélsis e Nunes (2012), salientam que as mudanças que ocorreram no campo do trabalho no decorrer do século XVIII, contribuíram para a consolidação do modo de produção capitalista e o ingresso na mulher no mercado de trabalho. A fixação do capitalismo determina uma divisão acentuada do trabalho entre homens e mulheres.
O aparecimento do capitalismo se dá, pois, em condições extremamente adversas à mulher. No processo de individualização inaugurado pelo modo de produção capitalista, a mulher contaria com uma desvantagem social de dupla dimensão: no nível superestrutural era tradicional uma subvalorização das capacidades femininas traduzidas em termos de mitos justificadores da supremacia masculina e, portanto, da ordem social que a gerara; no plano estrutural, a medida que se desenvolviam as forças produtivas, a mulher vinha sendo progressivamente marginalizada das funções produtivas, ou seja, perifericamente situada no sistema de produção (Saffioti, 1976, p. 20).
A ocupação de espaços fora do lar pelas mulheres não recebia a aprovação da sociedade. Predominavam visões e percepções de uma divisão do trabalho na qual algumas profissões eram consideradas mais adequadas às mulheres e outras aos homens. Desse modo, a representação feminina “[...] talhada especialmente para o privado (e incapaz para o público) é a mesma em quase todos os círculos intelectuais do final do século XVIII” (Hunt, 2009, p. 44).
Para Rousseau (1995, p. 502), uma educação para as mulheres também deveria “[...] ser relativa aos homens. Agradar-lhes, ser útil, fazer-se amar e honrar por eles, educá-los quando jovem, cuidar deles quando grandes, aconselhá-los tornar suas vidas mais agradáveis e doces”. Esse modo de pensar a educação feminina prevaleceu até meados do século XIX. Nesse momento histórico, desenhava-se uma “[...] mudança gradativa das mentalidades femininas. Apesar de ainda considerarem o lar como o real espaço para a mulher e o casamento sua garantia de felicidade” (Almeida, 2007, p. 113).
No Brasil, conforme Jane Soares de Almeida (1998; 2007) e Karawejczyk (2019), as pessoas do sexo feminino conquistam o direito a escolarização pela Lei de 15 de outubro de 1827. No Art. 11 expressava que: “Haverão escolas de meninas nas cidades e villas mais populosas, em que os Presidentes em Conselho, julgarem necessário este estabelecimento” (Brasil,1827). Conforme o Art 12, teriam um currículo diferenciado em relação aos meninos com a “[...] exclusão das noções de geometria e limitando a instrucção da arithmetica só as suas quatro operações, ensinarão também as prendas que servem a economia doméstica [...]”. O Art 12º estabelecia, ainda, que seriam nomeadas para as cadeiras, “[...] pelos Presidentes em Conselho, aquellas mulheres, que sendo brazileiras e de reconhecida honestidade, se mostrarem com mais conhecimentos nos exames feitos na fórma do art. 7º” (Brasil, 1827). O Art. 6º estabeleceu como seria o trabalho dos professores nas escolas:
[...] Os professores ensinarão a ler, escrever, as quatro operações de aritmética, prática de quebrados, decimais e proporções, as noções mais gerais de geometria prática, a gramática de língua nacional, e os princípios de moral cristã e da doutrina da religião católica e apostólica romana, proporcionados à compreensão dos meninos; preferindo para as leituras a Constituição do Império e a História do Brasil (Brasil, 1827).
No ano de 1835, que o Presidente da Província do Rio de Janeiro, Joaquim José Rodrigues Torres, por meio do Decreto nº 10, criou a primeira Escola Normal do Brasil, na cidade de Niterói (Brasil, 1835). A iniciativa pioneira, inspirou a criação dessa escola em outras localidades do Brasil. Em 1845 foi criada uma no Ceará; em 1836 na Bahia, por meio da Lei nº 37 de 14 de Abril; em 1846, São Paulo recebeu uma Escola Normal. Embora tenham ocorrido iniciativas para criar e normatizar esses estabelecimentos, desde sua criação se apresentaram com instabilidade para manterem-se e firmarem-se (Martins, 2009; Villela, 2020).
Delaneze (2007, p. 122) explicita que “No período de 1890 a 1896, o estado de São Paulo buscou atender às aspirações do regime republicano, concentrando esforços para criar uma estrutura de ensino público”. E a Escola Normal “[...] encontraria, ainda no século XIX, o seu modelo mais acabado na Escola Normal de São Paulo, sob a gestão de Caetano de Campos, sobretudo a partir da reforma que realizou em 1890” (Villela, 2020). Conforme Reis Filho (1995), as ações educativas tomadas por Caetano de Campos estiveram revestidas pelas influências do naturalismo, biologismo e cientificismo advindas do pensamento europeu do Século XIX. Contudo o novo regime republicano não trouxe alterações significativas para a instrução dando continuidade aos projetos instituídos no Império (Castanha, 2008).
No estado do Paraná, a Escola Normal passa a integrar o contexto educacional em 1870. “[...] no Paraná como nas demais províncias, a formação de professor surge vinculada ao ensino primário” (Miguel, 2017, p. 155). Essa instituição foi estabelecida em Curitiba por meio da Lei nº 238 de 19 de abril de 1870 (Miguel & Martin, 2004, p. 169-170):
Art.1º - Fica instituída nesta Capital uma Escola Normal para o ensino das pessoas de ambos os sexos que quiserem exercer o professorado da instrução elementar. [...] Art. 2º - O ensino nessa escola formando o curso normal, compreende as seguintes matérias: [...] Caligrafia [...] Gramática filosófica [...] Doutrina da religião cristã [...] Aritmética [...] Sistema métrico [...] Desenho linear [...] Noção de geografia especificamente do Brasil [...] Noções de história do Brasil.
Entretanto, a primeira escola não se efetivou em 1870 (Straube, 1993). Isso só ocorreria por meio da Lei nº 456 em 12 de abril de 1876, assinada por Adolfo Lamenha Lins. No Art. 1º, Inciso 1º criou um Instituto de preparatórios, e no Inciso 3º determinou que “Ao instituto de preparatórios, será anexada uma Escola Normal onde se doutrinem as seguintes disciplinas: Pedagogia e metodologia, gramática nacional, aritmética e geometria, compreendendo desenho linear, geografia e história, principalmente a do Brasil”. (Miguel & Martin, 2004, p. 261). A referida Lei remodelava o Regulamento Orgânico da Instrução Pública da Província do Paraná, dividindo a instrução pública em: primária, normal e secundária, dando outras providências para o funcionamento em cada nível (Miguel & Martin, 2004, p. 265). Contudo, segundo Castanha (2008), havia desafios quanto à instalação e permanência da Escola Normal, devido ao custeio ofertado pela província, bem como, a baixa procura por esta formação. Conforme Miguel,
O baixo índice de matrículas e de freqüência tinha como motivo principal a própria falta de interesse da população pela questão da instrução, que não era vista como necessária. Também agravava o quadro, a pobreza em que vivia a maior parcela dos paranaenses, que não tinha como vestir seus filhos para que freqüentassem a escola, e as dificuldades de locomoção provocada pelas grandes distâncias e falta de estradas (Miguel, 2006, p. 41).
A autora, elenca ainda outros fatores que desestimulavam a baixa frequência nas instituições de ensino normal, como a falta de materiais, baixos salários, a garantia de vitaliciedade para os professores em exercício, baixa frequência de alunos em decorrência da situação de pobreza ou por conta dos castigos corporais. Ademais ficava sob a responsabilidade do professor o pagamento do aluguel do local de ensino, assim como dos móveis. Salienta que até o ano de 1882, não havia prédios escolares na província. Somente na década de 1920, houve a construção de edifícios e inauguração de escolas normais em municípios fora da capital paranaense: uma em Ponta Grossa em 1924 e outra em Paranaguá, em 1927 (Correia, 2013; Miguel, 2017).
A Escola Normal ‘Leonel Franca’ (1956-1974)
Na medida em que a colonização avançava no interior do estado do Paraná, criavam-se demandas para a escolarização de crianças, filhos de colonos, comerciantes ou profissionais liberais que se instalavam nas cidades em desenvolvimento. A história da escola pesquisada efetivou-se em uma realidade específica no tempo histórico, pois embora no contexto temporal a sua institucionalização pareça tardia em relação a outras instituições dessa natureza, ela foi criada poucos anos após a emancipação de Paranavaí-PR que ocorreu em 14 de dezembro de 1952.
De acordo com Bana (2013), em 1955 ganhou vulto entre os políticos locais a ideia de formar os professores para o ensino primário, houve um grupo de pessoas que trabalhou para a estruturação das bases que a sociedade local iria funcionar. Nesse projeto de desenvolvimento incluiu-se uma Escola Normal, pois essas instituições eram muito populares no país e no estado do Paraná. Desde a sua criação no ano de 1956, até o ano de 1974, quando formou a última turma, a escola formou professoras que lecionaram na cidade e em outras localidades.
As fontes da pesquisa trazem indicativos de como essa Escola foi organizada e a presença feminina na direção e quadro docente. A primeira diretora do estabelecimento foi a professora Jeny Miranda Lorenzetti (Bana, 2013). A instituição funcionou inicialmente, junto ao Ginásio Municipal de Paranavaí, onde permaneceu até 1971, quando foi transferida para o prédio sito à Rua Maranhão s/n, atualmente Rua Dr. Sylvio Vidal Coelho Leite Ribeiro, nº 1.680 (Paranavaí, 2008). No mesmo endereço, até os dias atuais, funciona o Colégio Estadual Leonel Franca - Ensino Fundamental e Médio, assim denominado pela Resolução nº 4.202 de 11 de dezembro de 1997 (Paranavaí, 2008).
Naquele período, as escolas normais pautavam a sua organização e os princípios básicos de funcionamento pelo Decreto-Lei nº 8.530, de 02 de janeiro de 1946. A finalidade, de acordo com o Art. 1º era:“1. Promover à formação do pessoal docente necessário às escolas primárias. 2. Habilitar administradores escolares destinados às mesmas escolas. 3. Desenvolver e propagar os conhecimentos e técnicas relativas à educação da infância” (Brasil, 1946). O ingresso para estudar na Escola Normal tinha por base o Art.20, o qual estabelecia:
Para admissão ao curso de qualquer dos ciclos de ensino normal, serão exigidas do candidato as seguintes condições: a) qualidade de brasileiro; b) sanidade física e mental; c) ausência de defeito físico ou distúrbio funcional que contraindique o exercício da função docente; d) bom comportamento social; e) habilitação nos exames de admissão (Brasil, 1946).
As exigências estabelecidas pela legislação colocavam uma série de requisitos a ser cumpridos pelas candidatas e o primeiro exame dessa natureza ocorreu em 20 de maio de 1956, ou seja, menos de um mês após a sua criação. Foram aprovados 24 alunos (Figura 1), de ambos os sexos, sendo 22 moças e 2 rapazes (Bana, 2013).
A presença majoritária das moças na formação da primeira turma de normalistas é marcante, de fato, um espaço privilegiado para elas buscarem a sua formação, ainda conforme Bana (2013), o corpo docente nesse primeiro ano ficou a cargo de cinco professoras, o que indica que a Escola Normal de Paranavaí, também primava para que as alunas fossem educadas por mulheres. Na imagem acima, estão as professoras Dulcina Gripp Novaes, Geni Lorenzetti, Slavomira Cubas, Flauzina Dias Viegas, Dalva de Oliveira de Sordi e o professor Pedro Real, que aparece no canto inferior esquerdo trajando terno branco. Contudo, a descrição que consta no verso da fotografia não permite relacionarmos os nomes das professoras na imagem, observa-se que a alunas estão trajando uniformes e as professoras, vestidos elegantes. Sabe-se que a fotografia foi tirada no ano de 1956, mas não a data exata, ou se foi tirada em uma ocasião especial.
A Escola Normal seguia um currículo específico para a formação de professores, ao todo eram 5 professoras que ministravam as 14 disciplinas naquele primeiro ano do curso, incluindo canto e música na formação das normalistas. Na Tabela 1 abaixo, elaborado com base em Bana (2013), destaca-se nomes das disciplinas e das professoras responsáveis.
Tabela 1 Disciplinas e respectivas professoras em 1956.
Disciplinas | Professoras |
Estudos brasileiros e paranaenses | Jeny Miranda Lorenzetti |
Física | DulcinaGripp Novaes |
Química | DulcinaGripp Novaes |
Anatomia | DulcinaGripp Novaes |
Fisiologia humana | DulcinaGripp Novaes |
Português | Slawomira Cuba |
Prática de Ensino | Slawomira Cuba |
Metodologia | Slawomira Cuba |
Desenho | Slawomira Cuba |
Aritmética | Flauzina Dias Viegas |
Estatística | Flauzina Dias Viegas |
Educação Física | Flauzina Dias Viegas |
Canto | Ruth Hiraki |
Música | Ruth Hiraki |
Fonte: Bana (2013, p. 25).
Na medida em que o tempo passava, a escola crescia. No período da direção da professora Neusa Pereira Braga, em 1959, foi criada uma biblioteca, que recebeu o nome de Dr. José Vaz de Carvalho (Bana, 2013). Aos poucos o acervo dessa biblioteca também se ampliava, uma das estratégias foi a organização de um baile, cujo ingresso era um livro a ser doado para a biblioteca. Localizamos uma imagem do convite para essa festividade, contudo, não foi possível saber quantos livros a biblioteca da escola recebeu com esse baile. Destaca-se a integração entre a escola e a comunidade para a formação do seu acervo bibliográfico.
Outra conquista da Escola Normal foi a criação de uma Escola de Aplicação anexa, criada pelo Decreto nº 14.740 de 14 de fevereiro de 1958 (Bana, 2013), porém não havia “[...] local apropriado para atender as crianças nos primeiros anos de escolaridade [...]” (Bana, 2013, p. 48) e a falta de estrutura física para abrigar a Escola de Aplicação só foi resolvida alguns anos mais tarde, tendo o início de suas atividades em 1963. Essa escola visava o aprofundando o processo formativo das normalistas, conforme o Art. 47 do Decreto-Lei nº 8.530, de 02 de janeiro de 1946. Ou, seja, era o local onde as normalistas desenvolviam os estágios de docência.
Preparação para a vida e o trabalho na escola normal
Para analisarmos as representações construídas sobre a escola e o seu papel na formação das professoras, trabalharemos com respostas de três ex-alunas e uma ex-professora da Escola Normal, as quais responderam ao questionário composto por 14 questões. Como forma de preservar a identidade, as alunas são identificadas como Aluna 1 (A1), Aluna 2 (A2) e Aluna 3 (A3), e a Professora (P1).
A análise embasa-se na compreensão das representações sociais. Para Jodelet (1989, p. 31), as mesmas nos “[...] guiam na maneira de nomear e definir em conjunto os diferentes aspectos de nossa realidade cotidiana, na maneira de interpretá-los, estatui-los e, se for o caso, de tomar uma posição a respeito e defendê-la”. Para Chatier (1990), sob um contexto histórico e cultural as representações se referem ao modo pelo qual determinada realidade ou momento histórico é interpretado por diferentes grupos da sociedade.
Todas as alunas participantes do estudo ingressaram em 1971 e formando-se na Escola Normal ‘Leonel Franca’ em 1973. As alunas iniciaram os estudos na Escola Normal no ano de 1971, ano em que foi composta a última turma do curso normal, pois com a Reforma do Ensino pela Lei nº 5.692, de 11 de agosto de 1971 (Brasil, 1971) o curso normal foi extinto. A professora ingressou na Escola Normal de Ponta Grossa em 1952 e formou-se em 1955.
As alunas nasceram entre 1950 e 1956, com a faixa etária entre 71 e 65 anos de idade. Já a professora nasceu 1934, estando atualmente com 87 anos. Quanto ao nascimento, elas têm raízes em distintas cidades e regiões do País. Uma nasceu em Jardim, no Estado do Ceará (A1), outra em Regente Feijó, no Estado de São Paulo (A2), outra em Paranavaí, no Paraná (A3) e a professora, na cidade de Monte Negro, no Estado do Rio Grande do Sul (P1). Isso demonstra que a cidade de Paranavaí, por diferentes razões, atraía pessoas de outros estados e regiões para nela residir e trabalhar.
Outro fato relevante para o estudo é que duas das alunas estudaram o primário em Paranavaí, o que demonstra que os pais buscaram a localidade para viver com a família. O primário foi cursado nas seguintes instituições: Grupo Escolar São Jorge, na Cidade de São Jorge do Ivaí/PR (A1); Grupo Escolar Dr. Marins Alves de Camargo, na cidade de Paranavaí/PR (A2); Anos iniciais foi cursado no Externato Nísia Floresta e anos finais Grupo Escolar Newton Guimarães, na cidade de Paranavaí/PR (A3); e Grupo Escolar São José- na cidade de Monte Negro/RS (P1). Todas tiveram a sua formação primária em grupos escolares.
As participantes revelaram que quando estudantes buscaram estudar na Escola Normal ‘Leonel Franca’, porque acreditavam que fosse o curso mais indicado para o sexo feminino, por aconselhamento dos pais e por ser um curso gratuito, portanto, correspondente às condições econômicas das famílias, embora as motivações sejam diversificadas, uma delas foi unanimidade: o curso proporcionaria uma profissão. Essas respostas apresentam consonância com Almeida (1998; 2007), uma vez que segundo a autora a docência foi uma profissão socialmente propícia para o sexo feminino, na medida em que as aproximava do papel atribuído como donas de casa, possibilitando a profissionalização das mulheres.
Quanto a fazer parte da escola normal, as participantes destacaram ser interessante, motivo de orgulho e satisfação fazerem parte da escola normal, exemplificaram, em suma, que a escola era confiável e de qualidade, com bons professores, uma escola que condicionava e proporcionava a ampliação dos conhecimentos. Essas são representações construídas pelas participantes, mas que também foram disseminadas por meio da imprensa no período em que estudavam, conforme notícias publicadas no periódico local e que trataremos proximamente.
As participantes carregam consigo lembranças dessa escola, registraram que todas as experiências vivenciadas proporcionaram a elas um crescimento pessoal e profissional, conforme a resposta da participante A3 “A Escola Normal foi muito importante na minha vida, tanto pessoal como profissional. [...] Tive amizades e experiências diversas e enriquecedoras. Foi um período muito intenso, feliz, agradável, de grandes amizades, realizações pessoais e profissionais.” Em consonância a participante A1 menciona que:
As condições de estudo [...] muito contribuíram para meu desenvolvimento intelectual, pessoal e conhecimentos para formação profissional. Além disso, recordações de momentos intensos, nos quais o estudante podia expressar com alegria e espontaneidade as conquistas obtidas por meio dos desafios e estudos conquistados. Nestas lembranças, me vem a mente, momentos inesquecíveis de descobertas de um espaço de relações vividas que proporcionaram crescimento em minha trajetória como aluna, colega e amiga. Como esquecer de professores (as) que proporcionaram suporte na caminhada e na transposição de meus limites (A1).
Por sua vez a participante A2, relatou que as lembranças que mais a marcaram foram a do “ensinar e aprender”. Já a participante P1 enquanto professora do estabelecimento de ensino respondeu que a experiência enquanto professora “[...] foi incrível, maravilhoso, era muito bom lecionar na Escola Normal, promovíamos eventos, festas, era uma coisa linda de ver [...]” (P1). Essas afirmações além de reforçarem a importância que a escola normal ocupou na formação pessoal e profissional de cada uma das participantes reforça ainda o sentido das representações, pois a partir de experiências individuais e coletivas cada aluna construiu as suas próprias percepções da realidade.
Discentes e docente viveram diferentes experiências durante o processo formativo, marcando sua trajetória no estabelecimento. Para A1 foram mais relevantes “[...] os trabalhos desenvolvidos em grupo, os estágios supervisionados em diferentes bairros da cidade, atuação do voluntariado com pesquisa de campo direcionadas por instituições, tais como: Secretaria de Saúde, IBGE e pela própria escola” (A1). Em contrapartida a participante A2, considerou como relevante “A troca de informação entre professor e aluno, e o incentivo ao estudo” (A2). Por sua vez, a participante A3 revelou importante para sua prática discente e posteriormente como docente os “[...] conteúdos, trabalhos, experiências práticas e atividades sociais (visitas a lugares importantes da época aqui e em Maringá), asilos, Casa das Crianças, etc.” (A3). Essas respostas evidenciam que tanto os conteúdos teóricos como as atividades práticas desempenharam significativa importância para a formação dessas professoras. Um exemplo das atividades de visitação pode ser visto logo a seguir, quando no ano de 1971, o periódico Diário do Noroeste (Figura 2) divulga que a escola atuava em parceria com outros órgãos “[...] envolvimento da escola e comunidade”. Em visitas às escolas primárias, em especial as do meio rural, do município de Paranavaí, buscariam se inteirar dos problemas daquelas instituições.

Fonte: O Diário do Noroeste (1971a, p. 8)
Figura 2 Palestra para as normalistas e visita às escolas primárias do Município
A imprensa tinha um papel importante na disseminação de representações sobre a formação de professores, em particular sobre o que era ofertado pela Escola Normal local, promovia, dessa forma, a articulação entre o local de formação de professores e os locais onde as normalistas iriam trabalhar: as escolas primárias rurais. Além de evidenciar as visitações que a escola normal proporcionava a notícia veiculada pelo periódico local nos permite ainda perceber a articulação e inter-relação entre os conhecimentos teóricos e práticos, elemento que todas as participantes revelaram ter sido muito importante e marcante em sua formação pessoal e profissional. As alunas foram levadas a se inteirar dos problemas educacionais existentes. Outro ponto importante evidenciado é a relação e integração entre comunidade e escola, fator esse que trataremos mais adiante por meio de uma questão específica.
Passados muitos anos desde a formatura, as alunas revelam que foram marcadas pelos conteúdos trabalhados em algumas disciplinas mais do que em outras. As respostas denotam que mesmo com o passar do tempo, marcas do processo formativo na vida das normalistas ainda estão muito vivas na memória, mas, por ser uma escola formadora de professores, quais conteúdos que mais atraiam as alunas? Para a participante A1 eram as “Metodologias de ensino, Sociologia, Psicologia, Filosofia, Português e Ciências”. As disciplinas ofereciam
[...] condições reflexivas sobre o conhecimento da existência humana, uso da língua portuguesa com melhor desempenho nas produções escritas. As metodologias me davam uma visão de como fazer abordagem dos conteúdos de maneira sistemática e compreensível no desenvolvimento das aulas, o estudo de Ciências, pois aguçava a minha curiosidade, motivada por leituras, pesquisas e experiências a serem aplicadas em sala de aula (A1).
A aluna A2 destacou: “Psicologia educacional, Metodologias e técnicas de pesquisa e Didática”, (A2) e a aluna A3 afirmou que “Só não gostava de Educação Física” (A3). As respostas evidenciam que as estudantes se identificavam com conteúdos práticos para a docência, mas também os de formação teórica (hoje denominamos de fundamentos da educação) e básica para atuação na alfabetização, como a língua portuguesa, por exemplo. Por meio das representações externadas pelas participantes acerca do curso é possível compreendermos a necessidade de se organizar um currículo com atividades teóricas e práticas afinadas com a proposta formativa, uma vez que as expectativas e características de cada estudante são particulares.
Outro fator essencial na formação das professoras foi a organização da escola a sua relação com a sociedade. Essas questões são evidenciadas por meio das percepções e recordações das alunas. De maneira unânime, as participantes afirmaram que a Escola Normal e a comunidade mantinham uma ótima relação e integração. A escola era muito bem reconhecida e valorizada, cujas atividades para a comunidade eram divulgadas por meio de convites, como foi, por exemplo (Figura 3), para as festividades juninas a serem realizadas no pátio do ginásio de esportes em 15 de junho de 1957, um ano após a institucionalização da Escola Normal ‘Leonel Franca’, na cidade de Paranavaí, estado do Paraná.
Conforme o convite, a festa teve o início de sua programação com um jogo de voleibol entre os alunos do Ginásio e da Escola Normal. A linguagem também revela características peculiares de festas juninas, com alimentos específicos e atividades como ‘casamento da Srta Maria Dilma com o Snr. Delcirio’, cuja saída dos noivos era da estação de rádio local. Uma extensa programação que era anunciada antecipadamente e acompanhada por apresentações diversas.
Nas respostas das alunas, houve referência aos eventos promovidos pela escola, como “[...] as festas juninas, bailes com participação das alunas professores e pais, promoções para angariar fundos para o desenvolvimento de atividades escolares, estágios, seminários entre outras [...]” (A1), a participação em todos os eventos propostos para sua turma “[...] foi de forma dinâmica e com compromisso. As atividades me proporcionavam muita satisfação e envolvimento” (A1). As imagens a seguir (Figuras 4, 5, 6, 7 e 8) ilustram algumas das festividades mencionadas, com destaque para a participação das normalistas.
As festividades juninas, conforme os relatos das participantes ocorriam anualmente e eram prestigiadas pela comunidade em geral, como pode se observar na Figura 4. Eram organizadas pelas alunas e professoras. Comemorações dessa natureza, conforme Barroso (2018) e respeitadas as especificidades da pesquisa, são realizadas desde Idade Antiga. Por influência da Igreja Católica na Idade Média, esses festejos ganham santos padroeiros (Santo Antônio, São José e São Pedro). Essas festas estão presentes em nossa cultura.
Podemos compreender essas permanências até os dias atuais a partir de Le Goff (1990), segundo o autor, há inter-relação entre passado e presente, por meio de rituais periódicos, o que permite a permanência dessas práticas longo das gerações: “[...] a história é duração, o passado é ao mesmo tempo passado e presente.”. (Le Goff, 1990, p. 41). Cruz (2020, p. 55), corrobora afirmando que “[...] as festas trazem em si tentativa de retorno ao passado”. As festas juninas possibilitam a disseminação de uma cultura específica, mostrando a inter-relação entre escola e comunidade como parte da formação das normalistas.
Lima (2020, p. 217) evidencia que “As experiências com festas juninas nas escolas funcionam como um bom momento para oferecer novas aprendizagens aos alunos e trazer a comunidade para os espaços educativos”. Essas festividades fizeram parte do processo de formação de professores. E também estão presentes na memória das participantes, o que denota que essas atividades culturais marcam a vida das pessoas, em diferentes contextos e períodos históricos, tornando-se parte da tradição escolar. Fazem parte da história da humanidade e “[...] se apresentam como um fenômeno socioeducacional, em que se observam simbolizados os costumes, as crenças, o poder, bem como uma forte construção e expressão do imaginário social” (Cruz, 2020, p. 55), marcando, também na escola, “[...] ritos de passagem e renovação” (Souza, 1999, p. 134).
Esses eventos também foram relatados por P1, que mencionou ter muitas lembranças dos momentos festivos que a escola promovia, como por exemplo, as festas juninas, os bailes para arrecadação de fundos financeiros para a escola, desfiles, semanas de exposição de trabalhos e jogos. Dentre as semanas de trabalhos mencionadas por P1 está a realização da semana de artes, promovida pelas alunas junto à comunidade, evidenciando que a instituição tinha prática de valorização dessas atividades, como demonstra a notícia divulgada pelo periódico O Diário do Noroeste, no ano de 1971.
A notícia enfatiza o trabalho desenvolvido pelas normalistas junto às ‘crianças das escolas primárias’ a conhecer artes, durante a denominada Semana de Artes (Figura 5). Constata-se, novamente, a proximidade entre a escola normal e o ensino superior, em particular a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FAFI), criada em Paranavaí no ano de 1965. A nota acima enfatiza que alunos de outras faculdades também visitariam e participariam do referido concurso em Paranavaí, evidenciando a inter-relação entre esses as instituições.
A apresentação de peças teatrais também fazia parte da rotina da escola, como foi constatado por meio de registros fotográficos. Segundo Miranda, Elias, Faria, Silva, & Felício (2009, p. 172) “O teatro é, antes de qualquer coisa, uma arte. Mas é uma arte que se associa à história do homem e à própria história da comunicação humana, vez que se configura uma arte híbrida, envolvendo literatura e encenação [...]”. Nesse sentido, o teatro faz parte do processo formativo de estudantes, pois, de acordo com Gagliardi (1998, p. 68), nessa ação pedagógica se efetiva a “[...] alfabetização em linguagens artísticas e iniciação ao comportamento estético”. O teatro, portanto, é um espaço propício para a formação educativa, tanto de crianças quanto de jovens, sendo valorizado e praticado nesta Escola Normal.
Miranda et al. (2009), afirma que o teatro, além de ser uma forma de lazer desperta
[...] o gosto pela leitura, promovendo a socialização e, principalmente, melhorando a aprendizagem dos conteúdos propostos pela escola. Além disso, sob a perspectiva de obra de arte, o teatro também incomoda, no sentido filosófico, porque faz repensar e querer modificar a realidade instaurada (Miranda et al., 2009, p. 176).
Pelo caráter lúdico, a linguagem teatral desperta os sentidos e amplia os horizontes formativos. Exige que os alunos pesquisem, trabalhem em grupo e compreendam a linguagem. O teatro ocupou e um papel significativo para o processo formativo das normalistas que se formavam na Escola Normal ‘Leonel Franca’ de Paranavaí.
Conforme A3 a escola “[...] participava sempre das atividades promovidas nas datas comemorativas, desfiles, festas [...] Tivemos até colegas vencedoras no curso para Miss Paranavaí e Miss Paraná” (A3). As normalistas gozavam de prestígio e respeito junto à sociedade. Sua formação cultural, abrangente, era valorizada.
A Figura 6, segundo Bana (2013) é de desfile em baile promovido pela Escola Normal ‘Leonel Franca’, visando arrecadação de fundos para a compra de um piano para aulas de canto ofertadas pela escola.
Desfiles cívicos também fazem parte das memórias das participantes. Conforme Oliveira (2020), considerando as especificidades da pesquisa, os desfiles cívicos não se caracterizam como um fenômeno isolado de uma instituição. Essa foi uma prática adotada no sistema educacional que, na perspectiva de Bencostta, caracteriza-se como:
[...] uma construção social que manifesta, em seu espaço, significações e representações que favorecem a composição de certa cultura cívica inerente aos seus atores; nos facilita entender a identidade que é dada pela compreensão que esse grupo possuiu acerca do símbolo que justificou a realização do desfile e que registrou de modo duradouro na memória social um sentimento que se propunha ser coletivo pela união dos anseios de seus atores, delimitada em um tempo e um espaço históricos (Bencostta, 2005, p. 301).
Os desfiles fazem parte da cultura escolar. Segundo Souza (1999, p.134) “As comemorações cívicas receberam especial atenção dos legisladores na prescrição do calendário escolar no início do século XX [...]”, destacando ainda que o calendário segue uma cronologia que delimita o tempo de funcionamento das instituições escolares, bem como dos feriados nacionais e outras das comemorativas, inclusive de caráter religioso. Sendo assim as festas cívicas compõem o meio educacional e formativo.
A Figura 7 é um dos registros da participação das alunas da Escola Normal organizadas em um pelotão, num tradicional desfile em homenagem à independência do Brasil, estavam devidamente uniformizadas, portando a bandeira do Brasil e dos estados. Conforme P1, nessas ocasiões todas as escolas do município eram convidadas a participar do desfile cívico. Observa-se a manutenção da ordem em fila, entre carros estacionados na rua, o que reforça as afirmações Oliveira (2020), de que os desfiles visavam normatizar o corpo estudantil. Além das alunas, também os familiares compareciam para prestigiar.
A Figura 8 é um registro de comemoração em homenagem ao aniversário da escola, no ano de 1966, possivelmente ela tenha sido realizada no pátio da escola, pelas características do local em que as alunas estão e a presença de pessoas sentadas sobre uma mureta. Chama atenção nesta apresentação que as moças usavam saias bem curtinhas, com pregas, blusas brancas, que possivelmente faziam parte de um uniforme especial para essas datas, todas estão com meias e tênis branco, segurando uma bola, possivelmente se trata de uma atividade envolvendo ginástica rítmica com bola. A fotografia ilustra os depoimentos das participantes que responderam ter lembranças de atividades dessa natureza.
As participantes também foram questionadas sobre a preparação para uma profissão, bem como para a vida, a partir da formação na Escola Normal. Houve unanimidade em relação às respostas das mesmas: sim, a escola preparava para a vida e para uma profissão. A análise as respostas estão perpassadas também pelo conceito de representação, na medida em que, cada aluna viveu experiências únicas naquele ambiente formativo.
De acordo com A1 “[...] a Escola Normal situada em um contexto histórico e de espaço, desenvolveu o papel por ela esperado, na formação profissional de suas alunas, como também, contribuiu para situá-las no contexto social e profissional [...]” (A1). A1 argumenta sobre o papel mediador/formativo que a escola exerceu, na medida em que “[...] possibilitou a formação profissional [...]” que foi praticada no contexto da sala de aula, particularmente nas séries iniciais. Explicita, assim, a inter-relação entre os conteúdos formativos da escola e o cotidiano de sua profissão.
A participante A2 explicitou que “[...] ao mesmo tempo em que tínhamos a teoria, tínhamos a prática, com muitas reflexões” (A2). Segundo A3 “Eu não só considero como tenho certeza de que a Escola Normal nos preparava para a vida e para o trabalho. Tínhamos um excelente preparo para atuarmos em sala de aula” (A3). Registrou, ainda, que os estágios eram desenvolvidos desde o primeiro ano de estudo fortalecendo a preparação. Para P1 “Sem a menor sombra de dúvidas, a Escola Normal preparava muitíssimo para a vida e principalmente para uma profissão, veja bem as alunas já saiam dali e viravam professoras, algumas já pegavam turmas mesmo ainda sendo alunas [...]” (P1). Com base nas assertivas é possível evidenciarmos que a Escola Normal ‘Leonel Franca’ atuou para a formação das alunas.
Uma instituição precisa estar aparelhada para ofertar aos estudantes uma formação compatível com as necessidades de seu tempo. As participantes da pesquisa foram questionadas sobre os métodos utilizados para o ensino e aprendizagem, sua diversificação e, se algum em especial havia marcado a sua formação.
A participante A1 relatou que durante sua permanência na escola normal teve
[...] contato com algumas inovações metodológicas e de aprendizagem, recursos, tecnológicas compatíveis com a época. Os estudos eram realizados em forma de seminários, pesquisas, elaboração e aplicação de aulas em escolas primárias. O que mais marcou foram as pesquisas e os seminários, pois contribuíram para um aprendizado mais expressivo, nos dando uma certa segurança em nossas práticas futuras em sala de aula (A1).
Embora, essa participante tenha destacado que inovações compatíveis com a época tenham ocorrido tanto no campo dos recursos quanto no campo tecnológico, ela não mencionou quais foram essas inovações, destacando apenas quais foram as práticas que mais a marcaram.
A formação da aluna A2 foi marcada pela utilização de vários métodos, entre eles o de “[...] Piaget, Montessori, Paulo Freire, porque existiam escolas que trabalhavam com seus métodos, e nós fazíamos as devidas observações; mas o que mais chamava atenção era a experiências das professoras veteranas, pelo acúmulo de conhecimento [...]”. Esse registro denota a diversidade metodológica presente no processo formativo das normalistas, bem como a importância da aprendizagem por observação no contexto de ensino e aprendizagem, uma vez que a prática das professoras veteranas era referência e permanece na memória desta participante.
A participante A3 registrou que “Nessa época o método mais comum utilizado nas Escolas era o ‘silábico’ e a famosa Cartilha ‘Caminho Suave. Não tenho lembranças de outros métodos”. De acordo com Araújo e Santos (2008) a cartilha Caminho Suave, foi desenvolvida por Branca Alves de Lima, e apresentava um método de alfabetização por meio de imagens. Ainda conforme os autores, esse método foi introduzido na década de 1930, quando os livros didáticos ganharam grande destaque durante o governo de Getúlio Vargas. Contudo conforme Araújo e Santos (2008) as cartilhas foram ainda mais difundidas após o ano de 1964, quando durante a ditadura militar os interesses pelos livros didáticos aumentaram.
Entre as participantes, a professora P1 assim como as Alunas A1 e A2, iniciaram o trabalho como docentes somente após a formação na escola normal. A participante P1 começou a trabalhar logo após a formação. Naquele momento histórico faltavam professores formados.
Eu cheguei aqui vinda de Ponta Grossa em 1956, com um tumulto de gente querendo ensinar os filhos, e não tinha quem ensinasse, não tinha escola e eu recém-formada dava aula em casa com minha mãe, porque eles pediram para nós ajudarmos. Logo fui nomeada pelos políticos da época, foi rápida minha nomeação como professora da Escola Normal. No ano de 1961 fui nomeada diretora da Escola Normal [...] (P1).
Permaneceu como diretora até o ano de 1968 e elencou algumas medidas por ela tomadas, a fim de melhor qualificar as normalistas:
[...] Naquela época em que fui diretora, chegava muita gente de fora [...] era a escola que tinha o melhor corpo docente, cada uma que chegava de fora, formada eu já colocava na hora como professora, para melhorar a qualidade do ensino na escola. Elas vinham de fora com tanto conhecimento diferente! (P1).
A capacidade de crescimento e desenvolvimento de uma sociedade está diretamente vinculada ao potencial de aproveitamento da intelectualidade nas atividades educacionais. A participante da pesquisa P1, afirma que enquanto foi diretora da escola acolhia como professoras pessoas formadas e que traziam consigo conhecimentos diferentes. Quem passou pela Escola Normal como aluna ou estudante, carrega representações acerca dessa experiência, as quais, segundo Moscovici (2007, p. 33), estão em nosso cotidiano como “[...]um elemento de uma cadeia de reação de percepções, opiniões, noções e mesmo vidas [...]”. Elas variam de acordo com o tempo histórico, com as culturas e localidades. Os depoimentos das participantes da pesquisa, atrelados a fotografias, reportagens e publicações, que a Escola Normal ‘Leonel Franca’ ao longo de sua existência influenciou a sociedade, a vida das alunas e das professoras.
Considerações finais
Neste artigo analisamos a inserção socioeducacional de mulheres a partir da formação para a docência promovida pela na Escola Normal ‘Leonel Franca’ de Paranavaí, estado do Paraná. Foi possível ampliar o entendimento sobre a complexidade das conquistas femininas por direitos, entre eles o acesso à escolarização e profissionalização docente, como parte de uma construção histórica. Por um longo período a participação das mulheres no meio social foi secundarizada, sua vida esteve estritamente vinculada ao lar, sendo privado o direito de ter educação letrada e desempenhar atividades públicas.
Na medida em que mudanças sociais foram ocorrendo, particularmente as relacionadas a industrialização, as mulheres passaram a lutar por direitos de participação junto ao meio social, político e educacional. Se, num primeiro momento a formação e atuação docente para a mulher tenha sido justificada pela proximidade coma função materna, a inserção delas no magistério possibilitou uma profissão e a possibilidade de trilhar novos caminhos, essa profissão, com o passar dos anos, tornou-se majoritariamente feminina.
Na década de 1950, a colonização do interior do estado do Paraná gerou demandas para a escolarização primária e a formação de professores. A pesquisa evidenciou que a Escola Normal ‘Leonel Franca’, impactou por meio de diversas atividades a vida da sociedade local e regional. Foi um espaço educacional, de cultura, visibilidade e profissionalização para mulheres, em um momento em que havia grande carência de professores formados, as normalistas e professoras da escola eram referência para a educação na cidade. A imprensa local atuou como grande difusora das ações e resultados dessa escola, e, certamente, o papel da imprensa foi decisivo para que pais concordassem que suas filhas fossem estudar na Escola Normal.
A instituição transformou vidas de mulheres que nela estudaram, nesse sentido, reafirmamos a importância de pesquisas que tenham como foco a história da educação, das mulheres e das representações sociais. As análises realizadas nesta investigação se inserem num determinado recorte histórico temporal. As participantes, cada qual à sua maneira, guardam lembranças materiais e na memória. O diploma é o grande trunfo dessas mulheres que foram referenciais para tantas outras em seu tempo e ainda hoje continuam nos inspirando enquanto docentes, por suas práticas e relatos de um passado que precisamos revisitar.
Esta pesquisa possibilitou ampliar o entendimento sobre a complexidade que envolve a história da educação e as relações humanas estabelecidas a partir da mesma. A pesquisa foi realizada durante o período da pandemia da Covid-19, devido a isso, foram enfrentadas algumas dificuldades em relação ao projeto inicial, particularmente quanto à consulta por meio de questionário, contudo, de forma remota e respeitando as particularidades éticas da pesquisa, conseguimos acesso às fontes documentais e as respostas aos questionários por ex-alunas e ex-professora. Não há como desvincular o trabalho docente de condições sociais e de saúde amplas. A pesquisa foi uma atividade de importância inegável para o conhecimento da transformação do meio social, bem como do político, econômico, histórico e cultural em que se inseriu a mulher e à docência.
A história da educação e a formação de professoras constituem um vasto campo de estudo que possibilita diferentes leituras e construções de conhecimento, nosso presente se entretece ao passado, conhecer e valorizar as iniciativas educacionais de outros momentos históricos é fundamental para podermos pensar a educação no futuro da sociedade.