Introdução
O período de inserção profissional docente é uma fase da profissão marcada pela busca do processo identitário, da socialização docente e do enculturamento dos objetivos institucionais (Huberman, 1993; Garcia, 1999; 2010; Day, 2001; Imbernón, 2009; Pimenta & Anastasiou, 2014). Mundialmente, a pesquisa e as políticas públicas voltadas para este período ganham força à medida que alguns países - como Chile, México e Peru - encaram problemas associados, por exemplo: ao alto índice de abandono da docência nos primeiros anos de profissão; à carência de novos docentes para contratação em redes escolares; e aos primeiros anos como etapa determinante para o planejamento do desenvolvimento profissional docente (Veenman, 1984; Avalos, 2009; Vaillant, 2009; André, 2012; Tardif, 2013; Narváez, Perlaza, & Tardif, 2014; Garcia & Vaillant, 2017). Para Garcia (2010, p. 18) “[...] a imensa maioria dos docentes abandonam sua profissão no mesmo nível em que começaram, com poucas oportunidades de ascensão a cargos de responsabilidade, ou inclusive de transferência para outros níveis de educação, sem um consequente desenvolvimento profissional”. Por outro lado, a partir do processo de mercadorização da educação (Krawczyk & Vieira, 2010), tais questões da profissionalização docente também ganham interesse por parte de programas de formação docente altamente lucrativos, mas que ferem a autonomia profissional (Imbernón, 2009; Tardif, 2013).
A literatura especializada sobre a temática do período de inserção profissional docente está focada em docentes que iniciam a profissão, bem como nos seus primeiros anos de docência. No entanto, o ingresso na profissão docente na Educação Profissional, Científica e Tecnológica (EPCT) pode caracterizar-se pela presença de profissionais com alguma experiência docente. Nesses casos, trata-se de ingressantes em uma instituição de EPCT e, não raramente, na própria modalidade de ensino. Assim, um novo processo de socialização é desencadeado, implicando necessidades formativas específicas e desenvolvimento profissional docente, o que torna imperativa a reflexão sobre esse período.
Cunha, Braccini e Feldkercher (2015) identificaram temas e tendências relativos às questões de professores1 iniciantes/principiantes com base na análise de três edições do Congreso Internacional sobre Profesorado Principiante e Inserción Profesional a la Docencia. Entre as considerações das autoras acerca de temas e tendências sobre os professores iniciantes/principiantes ficam silenciadas aquelas condizentes à docência na EPCT. De outra parte, como sugerem Cunha et al. (2015), outros olhares se fazem necessários para a produção acadêmica acerca dos professores iniciantes/principiantes - como se podem caracterizar aqueles que ingressam na EPCT -, uma vez que há múltiplas possibilidades de leitura no que concerne à temática em discussão.
De maneira similar, Almeida, Reis, Gomboeff e André (2020) investigaram tendências dos estudos sobre professores iniciantes no contexto da Educação Básica regular publicados entre os anos 2000 e 2019. As autoras identificaram um aumento importante de publicações após 2014 e maior número de publicações destinadas aos anos iniciais desta modalidade. No entanto, “[s]ão raras as pesquisas que apresentam análises e/ou uma discussão mais aprofundada sobre o que é específico do início da docência em determinadas áreas e segmentos de ensino” (Almeida et al., 2020, p. 18). De maneira complementar, Wiebusch (2016), ao analisar teses e dissertações brasileiras publicadas até 2012 sobre o período de inserção profissional docente e professores iniciantes, faz denúncia acerca do silenciamento dessas contribuições acadêmicas no que concerne à temática no contexto da EPCT.
Considerando o exposto e estudos de revisão de literatura que expressam carência de produções acadêmicas sobre o período de inserção profissional, incluindo a docência na EPCT (Mariano, 2006; Papi & Martins, 2010; Davis, 2013; Corrêa & Portella, 2013; Cunha et al., 2015; Wiebusch, 2016; Almeida et al., 2020), este trabalho teve como objetivo caracterizar, a partir de um mapeamento de trabalhos, os resultados e conclusões sobre o ingresso e os primeiros anos de docência na EPCT. Com isso, a partir do contexto da EPCT, pode-se colaborar na reflexão sobre propostas formativas e políticas educacionais voltadas a apoiar e acolher o docente neste período (André, 2012), bem como na elucidação de temáticas e caminhos para incrementar as investigações relativas à inserção profissional nos primeiros anos de docência na EPCT, como defendem igualmente Ferreira e Cruz (2021) e Barreto e Anecleto (2021).
Na presente pesquisa, com base em Cruz, Farias e Hobold (2020), denominam-se os docentes recém-chegados à EPCT ‘ingressantes’, em vez de ‘iniciantes’, como aparece na literatura mais ampla sobre professores iniciantes/principiantes. Faz-se assim visto que este trabalho analisa o ingresso de docentes em uma nova instituição e/ou modalidade de ensino e não obrigatoriamente no início do exercício formal da profissão. O ingresso na qualidade de docente na EPCT pode ocorrer após alguma experiência docente.
Procedimentos metodológicos
As fontes de trabalhos selecionadas foram: os indexadores Directory of Open Access Journals (DOAJ), Dialnet, Red de Revistas Científicas de América Latina y el Caribe, España y Portugal (Redalyc), Scientific Electronic Library Online (Scielo) e Portal de Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES); o Catálogo de Teses e Dissertações da CAPES; e as cinco primeiras edições (2008 até 2016)2 dos anais do Congreso Internacional sobre Profesores Principiantes e Inducción a la Docencia. Os indexadores escolhidos se justificam pela reconhecida qualidade internacional, que confere visibilidade às publicações, sobretudo no contexto ibero-americano. Ademais, todos os indexadores escolhidos possuem sistemas de busca de artigos das revistas indexadas a partir de termos. Já o Congreso Internacional de Profesores Principiantes e Inducción a la Docencia é um evento específico sobre a temática que inclui o objeto de investigação deste artigo. Em relação ao Catálogo de Teses e Dissertações da CAPES, este permite o acesso à produção acadêmica brasileira no âmbito de programas de pós-graduação. Julgou-se relevante considerar esta fonte de trabalhos dada a expansão recente da EPCT no Brasil - país de reconhecida dimensão continental, que teve como possível consequência o aumento na investigação de fenômenos envolvendo a EPCT. No contexto brasileiro, a EPCT passou por mudanças significativas associadas às modificações na Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (RFEPCT) trazidas pela criação, em 2008, dos Institutos Federais, com ofertas de ensino verticalizadas em suas modalidades e níveis de ensino (Silva, 2017). A criação dos IFs acarretou a contratação de milhares de profissionais para assumirem a docência, por vezes, sem formação pedagógica fundamentada teoricamente e/ou sem experiência formal como docentes. De acordo com informações da Sinopse Estatística da Educação Básica do Instituto de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa Educacionais Anísio Teixeira [INEP], 2021) cerca de 35% (mais de 43 mil) dos docentes com formação em cursos de graduação que atuam na Educação Profissional no Brasil não são licenciados. Essa informação quantitativa evidencia o problema da formação de professores para a Educação Profissional (Vieira, Araújo, & Vieira, 2021).
Foram escolhidos 10 termos de busca para o mapeamento da produção acadêmica sobre a temática: ‘profesor* principiante’; ‘professor* iniciante’; ‘professor* principiante’; ‘professor* iniciante’; ‘novice teacher’; ‘inserção profissional docente’; ‘inserção profissional à docência’; ‘inserção profissional de professores’; ‘inserción a la docencia’; ‘inserción profesional a la docencia’; ‘inducción a la docencia’; ‘inducción profesional a la docencia’.3
Os termos de busca foram selecionados de modo a suster a abrangência da temática de pesquisa nos idiomas espanhol, português e inglês. O estudo de revisão foi realizado entre os meses de abril a agosto de 2019 e, posteriormente, em abril de 2020, para os termos relacionados à inserção profissional docente. Para indexadores e catálogo de teses e dissertações, via resultados encontrados no mecanismo de busca, foi realizada a leitura do título, do resumo e das palavras-chave, de modo a selecionar os trabalhos que se dedicam à EPCT. Optou-se por não selecionar termos relacionados à EPCT via mecanismo de busca, visto que se trata de um contexto na temática pesquisada e, por vezes, sua nomenclatura é representada de forma plural. Tal fato poderia acarretar a não identificação de parte das pesquisas.
Para as cinco edições do evento internacional, foram utilizados os seguintes termos de busca: ‘educação profissional e tecnológica’; ‘educação profissional’; ‘educação tecnológica’; ‘ensino profissional e tecnológico’; ‘ensino profissional’; ‘ensino tecnológico’; ‘educação científica e tecnológica’; ‘instituto federal’; ‘institutos federais’. Esta fonte contava com um acervo eletrônico próprio, hospedado pela Universidade de Sevilla, e mecanismo de busca, onde foram inseridos os termos citados neste parágrafo.
Durante o processo de análise dos resultados desses trabalhos acadêmicos, o acervo eletrônico com os trabalhos das edições do Congreso Internacional de Profesores Principiantes e Inducción a la Docencia ficou indisponível4. Convém salientar que o acervo, enquanto estava disponível, não permitia o download desses trabalhos, sendo sempre necessário acessá-lo para as análises. Assim, após outras tentativas para obtenção dos trabalhos, eles foram solicitados, via correio eletrônico, diretamente aos autores, que gentilmente colaboraram com o envio. Apenas três dos nove trabalhos apresentados no evento não puderam ser analisados. Dessa forma, a amostra final contém 13 publicações: três artigos, três dissertações, uma tese e seis trabalhos completos publicados em evento acadêmico. São elas, respectivamente, Mansur, Costa e Mansur (2011), Pryjma, Schotten e Baschta Jr. (2012), Barboza e Trevisan (2014), Bonilaure e Resende (2014), Nunes, Zamberlan, Rocha e Isaia (2014), Pryjma, Cunha, Garcia, Wiebusch e Oliveira (2014), Wiebusch (2016), Silva e Souza (2017), Paiva (2017), Schneiders (2017), Barros (2017), Beatriz (2018), Pena (2018).
A análise desses trabalhos concentrou-se no processo de caracterização dos resultados e conclusões/considerações finais. Para isso, adotou-se a Análise Textual Discursiva (ATD) (Moraes & Galiazzi, 2016), organizada em três etapas: unitarização, categorização e comunicação. Foi realizada a leitura na íntegra dos trabalhos e extraídos os resultados e conclusões (corpus) para submetê-los ao processo de unitarização, no qual, a partir do corpus, são retiradas as unidades de significado, cuja análise se relaciona com o objetivo do trabalho. Após a unitarização, as unidades de significado foram submetidas ao processo de categorização. A categorização na ATD pode ser a priori, emergente ou mista (combinação de categorias a priori e emergentes). Neste trabalho, optou-se por categorias emergentes. Dada a natureza da ATD, as categorias não são excludentes entre si. Ademais, acrescenta-se que na ATD:
As categorias necessitam ter validade teórica, o que tanto pode ser conseguido com sua derivação de teorias a priori, como pode ser construída gradativamente a partir da própria teorização num processo de derivação de categorias emergentes [...]. Em qualquer dos encaminhamentos a questão da validade é central no processo de categorização. Não é garantida desde o início, mas corresponde a um processo de construção ao longo de todo o processo de pesquisa [...] (Moraes & Galiazzi, 2016, p. 83).
Ainda sobre a validação das categorias:
A descrição na análise textual qualitativa concretiza-se a partir das categorias construídas no decorrer da análise. Descrever é apresentar as categorias e subcategorias, fundamentando e validando essas descrições a partir de ‘interlocuções empíricas ou ancoragem dos argumentos em informações retiradas dos textos’ [...]. Essa é uma das formas de sua validação (Moraes & Galiazzi, 2016, p. 35, grifo nosso).
Afirmar que as produções escritas originadas de uma pesquisa precisam ser validadas é advertir que necessitam ter capacidade descritiva, o que é garantido a partir da validade das categorias e dos argumentos construídos. ‘Essa validade diz respeito à pertinência do que se afirma em relação aos fenômenos investigados, e uma das formas de consegui-la é empregando os depoimentos, falas ou expressões escritas dos sujeitos participantes da pesquisa’ (Moraes & Galiazzi, 2016, p. 98-99, grifo nosso).
Com base no exposto, no metatexto construído, são exploradas citações diretas de trabalhos que foram submetidos à ATD. Ademais, a validação das categorias não é dada a priori e nem construída rigidamente em uma única etapa da ATD. A própria etapa de comunicação (terceira etapa) colabora nesta validação. Na comunicação, são elaboradas produções textuais com caráter explicitamente interpretativo a respeito de cada uma das categorias com interlocução empírica, explorando devidamente as citações dos trabalhos.
Dessa forma, a partir da ATD, foram estabelecidas as categorias emergentes ‘Perfil e necessidades formativas de docentes ingressantes na EPCT’ e ‘Natureza de propostas formativas no período de inserção profissional docente na EPCT’. A seguir, são explicitados os resultados e discussões para cada categoria decorrente da análise. Apenas dois trabalhos (Nunes et al., 2014; Beatriz, 2018) analisam instituições de EPCT desvinculadas da rede federal de EPCT brasileira, sendo uma instituição de rede estadual e outra de natureza comunitária. Assim, algumas reflexões aqui destacadas merecem a compreensão do contexto institucional de origem, e essa constatação já indica relativo silenciamento em publicações sobre outras redes de EPCT, sejam brasileiras ou de outros países.
Perfil e necessidades formativas de docentes ingressantes na EPCT
Dada a importância do processo identitário na formação docente (Pimenta, 2000), faz-se mister refletir sobre os motivos de determinados profissionais assumirem a docência na EPCT, sinalizando, de certo modo, um perfil de docentes ingressantes. Esse perfil, por sua vez, associa-se a possíveis necessidades formativas dos docentes, devido à sua experiência profissional prévia ao ingresso, se houver, e experiências pessoais. Em particular, entre os motivos dos professores para escolha da docência, destacam-se as condições da carreira no Ensino Básico, Técnico e Tecnológico (EBTT), no contexto RFEPCT brasileira (Silva & Souza, 2017; Paiva, 2017; Barros, 2017). Seguem as considerações de Paiva (2017):
[...] docentes iniciantes na carreira, mesmo não tendo a docência como primeira escolha profissional, foram influenciados decisivamente por pessoas do ciclo familiar e de amizade a adentrarem na carreira docente no IFRN [Instituto Federal do Rio Grande do Norte]; seja por eles já pertencerem ao quadro de servidores da casa e terem passado referências positivas sobre o trabalho e sobre a carreira de professor naquele ambiente, seja porque no ambiente familiar existem ou existiram boas indicações sobre o ser professor (Paiva, 2017, p. 90).
Resultados semelhantes já foram identificados em docentes da educação superior. Silva e Schnetlzer (2005), por exemplo, destacam que docentes universitários da área de pesquisa de ensino de química constituíram-se como professores também por influência de familiares. Isso pode aproximar, em alguma medida, resultados da pesquisa sobre docência universitária daqueles obtidos pela pesquisa sobre professores da EPCT. O perfil de docentes da educação superior e da EPCT pode ser similar devido a demandas parecidas, caracterizadas por professores que não se formaram na graduação necessariamente para atuar como docentes. São exemplos os engenheiros que passam a atuar como docentes. Ainda no caso da RFEPCT brasileira, por outro lado, também há ingressantes que não assumem obrigatoriamente a profissão por identificação com a docência, como expõe o trabalho de Silva e Souza (2017):
Os engenheiros professores entrevistados tornaram-se professores, sobretudo, por uma combinação de acontecimentos ou eventos que os conduziram a isso: desemprego, busca por estabilidade profissional no serviço público, oportunidade dos concursos nos IFs [Institutos Federais], insatisfações com o trabalho na empresa privada, dentre outros motivos (Silva & Souza, 2017, p. 211).
O ingresso na RFEPCT brasileira vem priorizado pelas condições oferecidas pela carreira de servidor público (estabilidade, salários geralmente mais vantajosos do que o de docentes da educação básica, etc.). Esse fato pode reduzir consideravelmente o abandono da docência na RFEPCT, preocupação muito sinalizada pela literatura especializada sobre de inserção profissional docente e docentes iniciantes, para justificativa de políticas públicas em outras redes de ensino (André, 2012). De forma análoga, é raro o abandono da carreira na docência universitária na rede pública brasileira (Pimenta & Anastasiou, 2014). Com isso, é preciso avançar na reflexão sobre as condições de escolha e a permanência na docência. Nisso se inclui a necessidade de discutir a valorização da profissão, mediante planos de carreiras atrativos e minimização dos fatores associados ao abandono da docência nos anos iniciais de atuação.
Ao se constatar que ingressantes na carreira docente na EPCT são influenciados por familiares e amigos (Paiva, 2017), interpreta-se que pode haver uma valorização social desta carreira mediante aspectos variados e não necessariamente aqueles provenientes do ofício da docência. Nesse sentido, Barros (2017) estimula o debate ao destacar que:
[...] 100% dos candidatos não relacionaram ninguém da família que tivesse realizado propriamente a escolha da carreira, por influência dos parentes. Ou seja, não possuíam familiares relacionados ao mundo acadêmico, ou os que possuíam não fizeram menção a eles como um modelo (Barros, 2017, p. 123).
Entende-se que o ingresso na carreira docente na EPCT apresenta influências plurais. Assim, cabe à pesquisa nesta temática avaliar a relevância destas influências para o ingresso, permanência e desenvolvimento profissional na EPCT.
A contratação de professores com graduação em cursos de bacharelado ou de tecnólogo (mesmo que minguante) pode ser interpretada como um condicionante à EPCT (Machado, 2011; Silva & Constantino, 2021; Barreiro & Campos, 2021), dada a natureza dos cursos (os quais costumam exigir profissionais formados em engenharia) e a carência de discussões sobre ensino e aprendizagem em determinadas áreas. Isso aparece nos resultados de trabalhos analisados:
[...] mesmo não buscando investigar apenas os professores bacharéis iniciantes, a quantidade de professores não licenciados é seis vezes maior que a de licenciados (Paiva, 2017, p. 78).
Constatamos, a partir dos dados, que os professores dos cursos técnicos que lecionam nas 10 instituições de ensino que ofertam o ensino profissionalizante do município de Ponta Grossa - PR são, em sua maioria, bacharéis de formação (Beatriz, 2018, p. 141).
Assim, tínhamos o seguinte cenário, referente à formação inicial: sete Engenheiros (áreas: Computação, Florestal, Agronomia e Ambiental), três Graduados (sic) (áreas: Arquitetura e Urbanismo, Design de Produto, Ciência da Computação), cinco Tecnólogos (áreas: Design de Interiores, Mecânica, Processamento de Dados e Informática (sic) e dois Licenciados (áreas de Física e Língua Portuguesa) (Bonilaure & Resende, 2014, p. 27).
Conforme os trabalhos analisados, há, particularmente em determinados contextos, uma contratação expressiva de bacharéis em detrimento de licenciados e tecnólogos (Barboza & Trevisan, 2014; Bonilaure & Resende, 2014; Silva & Souza, 2017; Paiva, 2017; Barros, 2017; Pena, 2018). No entanto, conforme informações já destacadas, o número de docentes com licenciatura, na Educação Profissional, é maior do que o de não licenciados (Brasil, 2021). De outra parte, Moraes (2016), tendo o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Santa Catarina como cenário de seu estudo, sinaliza que, a partir dos anos 2000, decresce consideravelmente naquela instituição a porcentagem de docentes oriundos de cursos técnicos em determinada área (sem educação superior) e/ou com experiência no mercado profissional.
Outro aspecto a ser destacado relativamente ao perfil de docentes que ingressam na docência na EPCT é que esses professores, quer sejam bacharéis, tecnólogos ou licenciados, frequentemente já têm experiência docente (Bonilaure & Resende, 2014; Schneiders, 2017; Pena, 2018). Portanto, o perfil do docente ingressante na EPCT difere do perfil do docente iniciante ou principiante, no que diz respeito à passagem da vida acadêmica para a profissional. Por sua vez, isso acarretará diferenças na forma como esses profissionais reagem ao desafio de sobreviver à profissão e na maneira como refletem sobre constructos teóricos de sua formação pedagógica e sobre a experiência profissional docente (Veenman, 1984; Huberman, 1993; Garcia, 2010). O trabalho de Pena (2018) aborda essa experiência docente de ingressantes:
[...] 89% dos docentes teve (sic) experiência de trabalho anterior ao seu ingresso como docente na instituição sendo que para 71% desses, essa experiência foi como docente e apenas 19% como profissional de sua área de formação. Dos 71%, 85% teve (sic) experiência como docente no ensino superior e apenas 26% na educação profissional e tecnológica (Pena, 2017, p. 10).
Diante do perfil docente explicitado até aqui, não surpreendem compreensões rasas, explicitadas por alguns ingressantes, sobre a profissão docente na EPCT. São compreensões que podem ser construídas tacitamente com base na herança de costumes, crenças e experiências, a partir de sua vida escolar e profissional, como destacam os trabalhos de Schneiders (2017) e Silva e Souza (2017), Beatriz (2018). Beatriz (2018), particularmente, destaca:
De acordo com os relatos dos pedagogos participantes da pesquisa, o professor iniciante e bacharel entra em sala de aula com a visão de mundo e das experiências que tem dos tempos de escola, de quando era aluno. Reproduz uma aprendizagem por observação, que não é pré-requisito para a docência. Dessa forma, a ação docente ocorre por meio de lembranças, tentativas, acertos e erros (Beatriz, 2018, p. 145).
Parte dos docentes que ingressam na EPCT sem licenciatura têm mestrado e/ou doutorado. Então, é possível que sejam influenciados, no período de inserção profissional na EPCT, pelas experiências de estágio de docência em cursos de pós-graduação stricto sensu. No Brasil, esse estágio é uma exigência de agências de fomento para estudantes de pós-graduação que recebem bolsas (Brasil, 2010b). Assim, docentes ingressantes, além de trazer “a visão de mundo e das experiências dos tempos de estudante na escola”, como propõe Beatriz (2018), podem ser caracterizados pelas experiências do estágio de docência e de costumes oriundos desse período. Essas experiências e costumes, devido ao seu caráter pouco fundamentado teoricamente, podem colaborar para que a inserção profissional na EPCT se aproxime do período de sobrevivência descrito por Huberman (1993), ao se referir à inserção profissional docente daquelas pessoas que passam da vida acadêmica para a profissional. Nesse cenário, o setor das instituições de EPCT responsável pela organização e promoção de processos formativos para docentes ingressantes (denominado frequentemente de coordenação pedagógica), em geral, é desacreditado por parte desses docentes, “[...] pois há uma incredulidade na atividade prestada pelos profissionais da pedagogia” (Barros, 2017, p. 143). Os profissionais da pedagogia a que Barros (2017) se refere são amiúde os servidores responsáveis por organizar os processos formativos das coordenadorias pedagógicas. Sobressai, entre professores da EPCT, a compreensão da aprendizagem da docência pela prática.
Em suma, uma cultura da negação pedagógica na EPCT pode ser compreendida, em parte, pelo considerável número de profissionais que assumem a docência com rasa formação pedagógica fundamentada teoricamente. Tal carência de formação pode favorecer a conduta docente de reproduzir ações advindas das próprias experiências escolares, formação profissional e experiência docente anterior, quando o professor a tem. Isso é o que literatura mais ampla denomina de “[...] prática como imitação de modelos” (Pimenta & Lima, 2004). Porém, simplesmente superar a prática como imitação de modelos é insuficiente para enfrentar o problema em discussão, pois isso pode implicar uma aproximação a outras compreensões danosas, como aquela que concebe a prática como mera instrumentalização técnica. Destaca-se que, com essas considerações, não se tem o intuito de desqualificar qualquer formação ou perfil profissional anterior ao ingresso.
De acordo com os trabalhos identificados (Silva & Souza, 2017; Pena, 2018; Barros, 2017; Beatriz, 2018; Schneiders, 2017; Barboza & Trevisan, 2014; Paiva, 2017; Nunes et al., 2014; Bonilaure & Resende, 2014; Mansur et al., 2011), a carência de formação pedagógica e a e resistência a ela ainda expressam desafios a serem superados e que orientam determinadas necessidades formativas. Seguem as considerações de Barros (2017) e de Nunes et al. (2014):
Chega-se à conclusão que a falta de conhecimento da extensão da docência faz com que o professor iniciante compreenda a formação pedagógica como um curso que apenas deveria aperfeiçoar a sua didática de sala de aula, não compreendendo como um momento potente de formar um profissional para atuar no ensino como um todo, abrangendo não apenas o chão da sala de aula, mas num âmbito maior, pelo desconhecimento das diversas atividades que são provenientes da profissão professor (Barros, 2017, p. 144).
[...] houve (e há) muita resistência dos professores em participar de um programa de formação continuada; em sua maioria, são profissionais oriundos de cursos de bacharelado, cuja escolha inicial não foi à (sic) docência. Assim, ao ingressar nestes espaços, buscaram realizar formação pedagógica mais por uma exigência legal do que pela intenção de construir saberes relacionados ao seu atual exercício profissional docente (Nunes et al., 2014, p. 65).
Do exposto, é possível interpretar que a resistência de parte de professores ingressantes à formação pedagógica está relacionada com o seu próprio perfil, conforme explorado em parágrafos anteriores. Resultados semelhantes são evidenciados de longa data pela pesquisa a respeito da docência universitária (Bazzo, 2007). É possível interpretar que tal similaridade possa estar relacionada justamente ao perfil formativo de professores universitários e dos atuais ingressantes na EPCT, sobretudo no Brasil, conforme destacado por Moraes (2016). A necessidade de um permanente e amplo processo de formação pedagógica também é sinalizada como uma necessidade a ser enfrentada institucionalmente.
Na EPCT brasileira, assumem relevo desafios derivados de: cargos de gestão assumidos no período de ingresso, às vezes condicionados pelo contexto de expansão da RFEPCT, via IFs (Barros, 2017); necessidades formativas quanto à verticalização do ensino, integração curricular, relação escola e mercado de trabalho (Pena, 2018); associações entre currículo, trabalho e EPCT, integração entre cursos e combate à evasão (Bonilaure & Resende, 2014). Essas são considerações de alguns trabalhos:
Mais da metade dos entrevistados, 11 professores já tiveram uma função gratificada em algum momento da sua trajetória no instituto, sendo que destes, 09 já foram ou são coordenadores de curso. [...] Dos 09 professores que já foram ou são coordenadores de curso, apenas 02 têm formação pedagógica no seu currículo. Ou seja, uma quantidade expressiva dos professores iniciantes, no início da sua carreira ou formação como professores (inclusive logo ao adentrarem a carreira), já assumiram cargos de coordenação sem uma formação específica para atuação no âmbito pedagógico (Barros, 2017, p. 128-130).
Para a categoria ‘Aspectos específicos da educação profissional e tecnológica’ foram consideradas prioridades três temáticas, que ficaram empatadas com 18%. Verticalização do ensino; Formação dos alunos para o mundo do trabalho; Organização do ensino e normas acadêmicas do [câmpus do IF]. Como segunda prioridade, 26% dos docentes consideraram a temática: Diversidade no perfil dos alunos das diferentes modalidades de cursos/níveis de ensino (Pena, 2018, p. 12).
No encontro 1 foram discutidas medidas de combate à evasão como: acompanhamento dos alunos com dificuldades, controle dos alunos faltantes e flexibilização de horários para conciliar estudos e trabalho, no caso dos alunos trabalhadores. [...] No encontro 27, os professores apresentaram dificuldades enfrentadas para a implantação de um projeto pedagógico coletivo: falta de tempo, falta de experiência do professor, excesso de aulas, falta de planejamento, dificuldade de mudar paradigmas, imaturidade dos alunos. Como possíveis soluções, formam (sic) citadas: integração entre as disciplinas, reorganização do tempo, replanejamento, adequação da linguagem em sala de aula, saber lidar com a heterogeneidade e ênfase na formação docente (Bonilaure & Resende, 2014, p. 31-35).
Cabe salientar, conforme Pena (2018) e Bonilaure e Resende (2014), a importância da investigação em contexto para o levantamento das dificuldades e necessidades formativas de docentes, visto que são construídas pelo contexto institucional e pela trajetória profissional dos ingressantes, com objetivo de enfrentar os desafios educacionais locais. Tais necessidades surgiram dessa forma e foram trabalhadas de maneira coletiva e investigativa, pelo conjunto de docentes, pedagogos e demais interessados, a partir de programas de inserção profissional via câmpus (Bonilaure & Resende, 2014).
Há trabalhos que ressaltam a hierarquização de conhecimentos para a atividade docente por parte de docentes ingressantes não licenciados. É constatada uma preponderância de conhecimentos da experiência profissional, conhecimentos práticos e o conhecimento específico para matéria de ensino5 (Silva & Souza, 2017; Paiva, 2017; Barros, 2017; Beatriz, 2018). Em última prioridade ficam os conhecimentos pedagógicos relacionados à profissão docente:
Os professores da nossa pesquisa também dão bastante relevância aos saberes práticos, ou seja, valorizam substancialmente os saberes adquiridos em experiências práticas de trabalho na empresa ou mesmo o conhecimento adquirido sobre esse tipo de trabalho que, para eles, constitui-se no possível campo de atuação de seus alunos. Foi quase unânime, na fala dos entrevistados, a valorização de suas experiências práticas no campo das disciplinas em que atuam para o desempenho da docência, a saber: dos 14 sujeitos da nossa pesquisa, apenas 1 não se referiu diretamente a essa tipologia de saberes, e todos os outros, ao aludir esses saberes, deram-lhe grande relevância. Para a maioria desses sujeitos, essa experiência profissional se apresenta como condição sine qua non para serem bons professores da EPT (Paiva, 2017, p. 110).
As dificuldades, tanto dos professores iniciantes como dos pedagogos da modalidade de Educação Profissional, foram levantadas ao ser mencionada a supervalorização dos conhecimentos técnicos em detrimento aos pedagógicos [...] (Beatriz, 2018, p. 145).
Todavia, consideramos que a experiência profissional do engenheiro professor, apesar de trazer ganhos para a instituição, não pode ser vista como condição sine qua non para o bom andamento de uma aula. Existem outras alternativas para se ‘trazer um pouco da indústria’ para dentro da sala de aula, tais como convênios de projetos de pesquisas com empresas regionais e nacionais. Outras opções são metodologias de estudo de caso e abordagem baseada em projetos, por exemplo (Silva & Souza, 2017, p. 2010).
No entanto, algo a ser destacado é certa incorporação, por parte de docentes ingressantes, do saber e experiência da pesquisa acadêmica em nível de pós-graduação como um saber/conhecimento de ordem técnica. Conforme Barros (2017),
[t]al qual no ensino superior e sendo perpetuado como herança principalmente no ensino técnico profissionalizante, pois seus professores foram formados em instituições superiores onde já não se valorizou a formação pedagógica, ‘ainda há uma crença de que o importante é o aprimoramento técnico seja ele’ pela prática no mundo do trabalho (mesmo que muitos professores não o tenham, porém valorizam) ‘seja pela formação em pós-graduação (pesquisa) muito mais reconhecida do que uma formação pedagógica’, vista como um ato menor e apenas de cumprimento pro forma (Barros, 2017, p. 142-143, grifo nosso).
Se antes havia a supervalorização do conteúdo específico e da experiência técnica oriunda do mercado profissional, os resultados de Barros (2017) parecem mostrar outra forma de aderência da cultura da pesquisa acadêmica à EPCT e, em tese, corroboram a mudança de perfil docente da RFEPCT, exposta por Moraes (2016). Logo, a partir desses resultados, é possível refletir sobre certa transformação, do impasse entre conhecimento técnico e conhecimento pedagógico na formação docente dentro da EPCT (Wiebusch, 2016; Nunes et al., 2014). No caso brasileiro, ao qual se referem os trabalhos discutidos aqui majoritariamente, contrataram-se para o processo de expansão da rede, via concurso público, muitos profissionais bacharéis e com experiência em pesquisa em pós-graduação que se afastam da docência (alguns negligenciam) e das particularidades que ela assume na EPCT. Costumes universitários adentram no processo sócio-histórico centenário da EPCT no Brasil e acabam por impactar, a médio e longo prazo, a transformação identitária planejada à RFEPCT, por exemplo (Machado, 2008; Silva, 2009; Pacheco, 2010; Brasil, 2010a; Ramos, 2014). Isso merece ser considerado no planejamento e desenvolvimento de processos formativos de docentes ingressantes na EPCT. De certa forma, a essa problemática se somam outras que a formação do docente em atuação na EPCT enfrenta há tempos: perfil docente que compreende a docência como um fazer limitado à sala de aula, que não inclui ou compreende a pesquisa e extensão como atos educativos e profissionalizantes (Machado, 2008); dicotomia teoria e prática, que parece endurecer-se e não se complexificar (Morin, 2000).
Embora a atuação em diferentes níveis e modalidades de ensino seja uma condição diferencial (não exclusividade) da docência da EPCT, apenas dois estudos se preocuparam, em alguma medida, em investigar a compreensão dos docentes sobre essa condição. Em Schneiders (2017) os docentes sujeitos da pesquisa não percebem tal condição como um problema, mas sim como algo natural e desafiante. Logo, docentes investigados não compartilham da compreensão de que a atuação em diferentes níveis e modalidades de ensino implique necessidades formativas específicas. Mesmo com esta contribuição para a temática, há dúvidas sobre o quanto isso expressa consenso sobre o período de ingresso na EPCT, visto que a maioria dos docentes eram licenciados e metade da amostra tinha experiência no ensino. Outro fator que reforça essa questão como digna de pesquisa é que o perfil dos docentes no estudo (maioria com licenciatura) não representava o perfil docente geral da instituição. Tal constatação também gerou certa estranheza por parte da autora, que esperava “[...] encontrar depoimentos apontando essa particularidade, como um desafio à sua prática, em razão de alguns professores estarem iniciando a carreira docente [...]” (Schneiders, 2017, p. 135).
Pena (2018, p. 12) aponta necessidades formativas de docentes ingressantes relacionadas aos aspectos específicos da EPCT, como a “ [...] diversidade no perfil dos alunos das diferentes modalidades de cursos/níveis de ensino”. Portanto, tendo em vista os resultados desse trabalho, aponta-se esta questão como um caminho promissor para futuras pesquisas sobre as especificidades durante o período de inserção profissional docente na EPCT e condições de desenvolvimento profissional docente.
A supervalorização da experiência docente foi outra característica apontada por trabalhos analisados. Segundo Paiva (2017), os ingressantes consideram que a experiência em sala de aula foi capaz de suprir ‘lacunas’ e obstáculos encontrados. Beatriz (2018, p. 145), alega que “[...] a ação docente ocorre por meio de lembranças, tentativas, acertos e erros”. Já Barros (2017, p. 125) afirma que os docentes consideram que a ação docente fica mais fácil à medida que o tempo passa e “[...] não relacionam a busca de uma técnica ou especificidade ao assunto pedagógico, mas ao convívio ao longo do tempo com alunos e outros professores”. Esses resultados identificados por Barros (2017), Paiva (2017) e Beatriz (2018) aproximam-se daqueles notoriamente socializados pela pesquisa sobre formação de professores, o que, por sua vez, colabora para que os problemas da inserção profissional de docentes da EPCT estejam em consonância com aqueles que extrapolam a EPCT.
Depreende-se, a partir do exposto nesta categoria, que os contributos teóricos na literatura acerca de docentes iniciantes e principiantes podem estar sendo pouco explorados na discussão a respeito de professores ingressantes na EPCT, porque, em geral, ingressantes não são caracterizados por aquilo que a literatura expõe como período de inserção profissional de iniciantes. Talvez colabore para isso o fato de parte dos profissionais terem experiência na qualidade de docentes antes do ingresso na EPCT, não caracterizando esse ingresso uma passagem da vida acadêmica para a profissional, como discute frequentemente a literatura sobre o período de inserção profissional docente.
Natureza de propostas formativas no período de inserção profissional docente na EPCT
De acordo com trabalhos que enfocam propostas formativas associadas ao período de inserção profissional docente na EPCT (Bonilaure & Resende, 2014; Pryjma et al., 2014; Schneiders, 2017; Pena, 2018), essas precisariam considerar o contexto de atuação desses profissionais para poder ter implicações no desenvolvimento institucional e profissional docente. Segue um exemplo de discussão em relação a esse aspecto:
A pesquisa realizada atingiu seu objetivo principal, qual seja, o de construir indicadores e subsídios para a elaboração de um programa de desenvolvimento profissional docente para a instituição [câmpus]. Esses indicadores podem ser vistos como pressupostos que podem orientar os gestores na implementação de tal programa, de forma a viabilizar a reflexão fundamentada e ancorada na prática real e contextualizada nos desafios da instituição: ações de formação continuada que tenham por base o diagnóstico das necessidades formativas apresentadas pelos docentes, sujeitos dessa formação; que viabilizem reflexões sobre situações práticas e reais, de forma a contribuir para o desenvolvimento profissional contínuo dos professores, especificamente no que diz respeito às questões didático-pedagógicas; que considere a realidade da instituição, caracterizada pela verticalização do ensino, que traz consigo desafios relacionados à organização do currículo e ao perfil dos alunos de diferentes níveis de ensino, entre outros aspectos; que tenha caráter institucional e não pontual, para que seja uma ação planejada e executada, a médio e longo prazo, e avaliada conjuntamente com os docentes envolvidos (Pena, 2018, p. 15).
Conforme Pena (2018), um diagnóstico do contexto escolar, juntamente com o perfil docente de ingresso e o estabelecimento de necessidades formativas, são características importantes em propostas de inserção na EPCT. Por sua vez, Schneiders (2017) utiliza o contexto local e as necessidades formativas de ingressantes para propor elementos que auxiliem o setor de apoio pedagógico em propostas de inserção profissional:
[...] retomamos um conjunto de demandas e características relativas à docência, à atuação do SAP [Setor de Apoio Pedagógico], à satisfação pessoal dos professores e dos TAEs [técnico-administrativos em educação], bem como, ‘um conjunto de aspectos característicos do contexto organizacional que integram e condicionam a atividade profissional dos professores iniciantes do’ [câmpus]. A sinalização de tais demandas foi compreendida de forma positiva, visto que, a ‘rotinização do trabalho se fossiliza em formas padronizadas de ação, em comportamentos repetitivos, atitudes formais, gestos mecânicos’ (Tardif & Lessard, 2005, p.168-169), que, se por um lado, permitem uma estabilidade ao trabalho dos professores, por outro, podem ser geradores de tensão (Schneiders, 2017, p. 176, grifo nosso).
Neste tipo de proposição, merece ser objeto de reflexão o lugar do docente na apreensão dos conteúdos/temas do processo formativo, bem como o seu papel ativo na totalidade de tal processo. Do contrário, pode-se ir em direção aos pressupostos da racionalidade técnica. Assim, o contexto docente e suas necessidades formativas não se reduzirão a um slogan para um suposto depósito de conhecimentos em docentes ingressantes na EPCT. Bonilaure e Resende (2014) descrevem a influência do contexto do câmpus e das características docentes ingressantes para a construção de uma proposta formativa vinculada à inserção profissional:
Este início [do câmpus] foi marcado por todos os desafios próprios de uma instituição em fase de implantação. A falta de recursos era um obstáculo para as ações e propostas. Entretanto, as possibilidades estavam na disposição da nova equipe que ia sendo composta (Bonilaure & Resende, 2014, p. 26).
Há, também, diferentes áreas de formação diferentes, histórias de vida a serem consideradas (muitos são de fora da cidade, mudaram de profissão e de residência). A heterogeneidade do grupo é um ponto importante a ser considerado do processo (Bonilaure & Resende, 2014, p. 28).
Portanto, na influência do contexto em propostas de inserção profissional docente, articulam-se as dimensões pessoal, profissional e institucional. É importante tomar as experiências formativas com essas características como objetos de investigação para se compreender as suas contribuições ao desenvolvimento profissional docente.
Já naquelas propostas que envolvem os contextos educacionais de caráter institucional amplo, há resistência dos professores, que não escolheram inicialmente a docência como profissão, participarem de programas de formação continuada (Nunes et al., 2014). Barboza e Trevisan (2014, p. 7) apontam que “[...] questionamentos constantes por conta do corpo docente acerca da necessidade de participação obrigatória nos PPC [Período de Planejamento e Capacitação] levaram ao redimensionamento das atividades”. Tais resistências afetam o desenvolvimento institucional e profissional docente. Somam-se a isso certos dilemas vinculados à conjuntura da instituição (no caso da RFEPCT, o de expansão, por exemplo), que condicionam certos formatos para o desenvolvimento dessas propostas (formato de cursos e dinâmicas reflexivas):
Para os novos docentes, os PPC [Períodos de Planejamento e Capacitação] passam a compreender também dois outros momentos. O primeiro deles, de caráter administrativo, na qual todos os diretores, coordenadores e equipe do DEPED [Departamento de Educação] apresentam-se, destacando qual (sic) as atividades de cada setor, quais os projetos (ensino, pesquisa, extensão) estão em andamento, a apresentação do vídeo institucional e uma retrospectiva do Câmpus e de seu plano de expansão. O segundo momento, tido como de Apoio Pedagógico, é constituído da Oficina do Sistema Acadêmico que compreende a apresentação do programa, os acessos para os planos de ensino, diários de frequência e o preenchimento do Relatório de Atividades Docentes. É esse o momento em que a equipe do DEPED busca aproximar esses docentes principiantes de alguma discussão mais pedagógica (Barboza & Trevisan, 2014, p. 7).
É possível afirmar que essas experiências mais amplas de inserção profissional, são realizadas e organizadas também por profissionais de setores de educação e que geralmente ocupam cargos de gestão (Pryjma et al., 2012; Barboza & Trevisan, 2014). Seguem exemplos dessa discussão na literatura analisada:
As ações do [departamento], nos processos de ambientação com os novos servidores e alunos aproxima (sic) a equipe técnica dos docentes e a partir deste encontro formam-se novos vínculos de pesquisa, onde a pedagoga do [núcleo], numa tentativa de aproximar-se dos grupos de docentes das áreas técnicas, passa a integrar os Grupos de Pesquisa em Formação de professores na Educação Técnica e Tecnológica, em Literatura e História, Ergonomia e suas aplicações no vestuário e Pedagogia do design (Barboza & Trevisan, 2014, p. 9).
Primeiramente os professores formadores tem (sic) uma preocupação constante com a realização de novos projetos e cursos de formação continuada para os profissionais, agora professores, que cursaram o Programa, tendo em vista que estes consideram que somente iniciaram os processos de formação e que se tem (sic) muito que aprender e aperfeiçoar em relação ao trabalho docente. Em segundo lugar, os professores formadores de novos professores, consideram que o fato de formarem profissionais permite que se desenvolvam profissionalmente enquanto professores, criando uma nova cultura profissional. [...] A troca de experiência, neste sentido, passa a ser um processo que visa ao envolvimento e comprometimento dos professores em relação ao Programa, aos alunos e à aprendizagem (Pryjma et al., 2012, p. 7).
O papel dos elaboradores do processo formativo destinado a docentes ingressantes aproxima-se daquele encontrado na literatura acerca de docentes tutores/mentores destinado ao acompanhamento de docentes iniciantes (Roldão & Leite, 2012). De outra parte, interpreta-se que o envolvimento com a pesquisa sobre os desafios encontrados na formação a qual docentes ingressantes são submetidos deve também configurar uma oportunidade de aprendizagem para eles. A pesquisa como um princípio formativo tem sido discutida há muito tempo (Maldaner, 2000; Galiazzi, 2003) e não precisa necessariamente ser um privilégio aos formadores, pelo contrário. A literatura recente traz exemplos (Coelho et al., 2017; Gonçalves, Silveira, & Piaia, 2021) de pesquisa entre formadores e professores (da educação básica ou em formação inicial), sugerindo a possibilidade de um caminho que pode ser construído entre docentes ingressantes na EPCT e os formadores que os orientam processos de inserção profissional. Por outro lado, Schneiders (2017) e Nunes et al. (2014) registram falta de sistematização de políticas institucionais de ingresso na profissão docente e outros problemas que dificultam o desenvolvimento profissional de docentes ingressantes na EPCT.
[...] não há algo sistematizado em prol da acolhida dos professores que iniciam no campus (sic), e que o contato inicial com o SAP [Setor de Apoio Pedagógico] ocorre de diferentes maneiras, o que fez com que alguns professores caracterizassem esse momento de forma positiva e outros, com ressalvas, por meio de relatos informando que não obtiveram nenhuma orientação do Setor (Schneiders, 2017, p. 189).
[...] cada câmpus possui e desenvolve um programa específico de formação, de forma desarticulada com o todo. Constata-se a inexistência de uma estratégia de acolhida e engajamento dos docentes neste [...] ingresso na carreira docente [...] (Nunes et al., 2014, p. 65-66).
Conforme André (2012), a definição de políticas públicas e programas de inserção para o período de inserção profissional é tarefa necessária para a amenização dos desafios encontrados nesta etapa profissional. Propostas de formação para o período de inserção não institucionalizadas, ou não reconhecidas institucionalmente, correm o risco de reproduzir aspectos que, por vezes, podem não representar consenso e, por consequência, podem desorientar o docente no planejamento do seu desenvolvimento profissional. A esse respeito, Barreiro e Campos (2021) constatam a falta de critérios relacionadas à formação pedagógica em processos seletivos de docentes para a RFEPCT brasileira. Segundo as autoras, essa falta de critérios pode ajudar a entender a aleatoriedade de programas de inserção.
Mansur et al. (2011), ao traçar um perfil das necessidades formativas de docentes angolanos em início de carreira, revela como contextos políticos e sociais da guerra civil no país atrasam consideravelmente políticas educacionais, o que resulta na busca de parcerias estrangeiras para formação de docentes de nível superior. De acordo com as autoras,
[...] esses docentes apresentam uma realidade típica de início de carreira, dificuldades e anseios peculiares desse período, o que é intensificado devido ao contexto social no qual estão inseridos, ou seja, um país recém-saído da guerra civil que tanto castigou todas as áreas e setores daquela localidade, especialmente a educação (Mansur et al., 2011).
O estudo representa, além da necessidade de investimentos constantes em pastas educacionais como forma de enfrentar consequência de uma guerra, a experiência de parcerias institucionais internacionais entre redes de EPCT (Brasil e Angola), voltadas ao período de inserção profissional. Tal parceria tinha como objetivo oferecer formação a docentes angolanos para atuação em Centros de Formação Profissional de Angola.
A partir dos resultados da literatura analisada, foi possível apreender que as mediações e propostas de formação coletivas, como forma de acolhimento a docentes ingressantes, fundamentadas pedagogicamente, podem repercutir no desenvolvimento profissional dos próprios formadores. Também propiciam o compartilhamento de gestão entre corpo docente, entre outras experiências promotoras de desenvolvimento profissional docente ancorado nas situações cotidianas de cada câmpus e nos princípios orientadores e normativos da EPCT (Bonilaure & Resende, 2014; Pryjma et al., 2014; Nunes et al., 2014; Barboza & Trevisan, 2014; Pena, 2018; Beatriz, 2018).
Há que se destacar oportunidades formativas para a docência na EPCT que prezem pela reflexão sistemática sobre as demandas que o espaço institucional oferece e pela tomada de decisão. Docentes podem aproveitar esses momentos formativos para discussão de casos de ensino, afastando-se da compreensão do processo formativo como uma tarefa/obrigação descolada de sua realidade (Bonilaure & Resende, 2014; Nunes et al., 2014; Pena, 2018). Nesse cenário, os autores acrescentam:
O exercício da análise das práticas acabou desenvolvendo um espírito de cooperação profissional e integração dentro do grupo[...]. Começaram a surgir propostas de projetos que envolviam professores de diferentes áreas e os limites das disciplinas e da atuação isolada do professor tornaram-se paradigmas a serem questionados (Bonilaure & Resende, 2014, p. 37).
As atividades eram baseadas em situações problema apresentados (sic) ao grupo, quase sempre oriundas de questionamentos do próprio grupo. Exemplos: como tratar a avaliação por critérios de modo que o aluno compreenda e participe? Como fazer com que o aluno seja protagonista do processo educativo? [...] Em torno de questões como estas, o diálogo e a interação foram estabelecidos (Bonilaure & Resende, 2014, p. 37).
O Programa Saberes é um processo formativo permanente, com o fim de subsidiar e contribuir significativamente para o desenvolvimento profissional docente, dos professores recém-contratados [...] é uma política de formação permanente e sistemática, que conta com o envolvimento e apoio dos coordenadores de curso, professores formadores e com uma coordenação geral, que articula todas as atividades formativas presenciais e virtuais (Nunes et al., 2014, p. 64).
[...] foi idealizado e criado o Programa Diálogos: desenvolvimento profissional docente, destinado aos docentes da instituição. Nesse programa são ofertadas palestras, oficinas pedagógicas, mesas de debates, tendo como base as necessidades formativas dos docentes, em um processo dialógico e colaborativo (Pena, 2018, p. 16).
É compreensível a atenção destinada aos docentes ingressantes para que seu desenvolvimento profissional ocorra de forma assistida pela instituição. É justo dizer que a busca por uma interlocução entre as necessidades formativas e as demandas institucionais (de câmpus ou aquelas mais amplas) parece ser uma preocupação dessas propostas sinalizadas na literatura.
Além do exposto, Bonilaure e Resende (2014) defendem a importância de momentos de discussões sobre: currículo; conceito de trabalho e sua relação com a EPCT; propostas de integração entre cursos; medidas de combate à evasão; instrumentos para registro de avaliação contínua dos estudantes; heterogeneidade das turmas e perfil dos (novos) estudantes; dificuldades dos estudantes em sala; percepção docente quanto ao envolvimento dos estudantes nas situações de aprendizagem; opções metodológicas em sala de aula, entre outros assuntos. A experiência socializada no trabalho de Bonilaure e Resende (2014) repercutiu na valorização do espaço escolar, por meio do exercício da prática reflexiva coletiva sobre as situações vivenciadas pelos docentes. Conforme expõem os autores,
[o]s discursos que geralmente tendem a culpar os outros pelo fracasso escolar, foram sendo modificados, tornando possível a autoavaliação e a consequente mudança. [...] É na ação reflexiva que se conquista a identidade e compreensão do significado de ‘ser professor’. Quando fazem isso juntos, entende-se a importância do outro. (Bonilaure & Resende, 2014, p. 36, grifo dos autores).
Dessa forma, Bonilaure e Resende (2014) apontam um modo de se promover processos formativos. Pena (2018) destaca que professores com ou sem formação pedagógica fundamentada teoricamente podem desconhecer as finalidades dos fundamentos pedagógicos relativos à EPCT, o que torna oportuna a participação desses profissionais em processos formativos dessa natureza.
De acordo com o mapeamento de trabalhos desenvolvido no presente estudo, tais experiências indicam aproximação entre o papel de mentor/tutor de docentes iniciantes (Garcia, 2010; Garcia & Vaillant, 2017) e o papel desempenhado por formadores oriundos da coordenação pedagógica de instituições de EPCT. Há, nos trabalhos examinados, casos relativamente exitosos em seus propósitos acerca de propostas de inserção profissional mediada por formadores do setor de coordenação pedagógica de instituições de EPCT, bem como certa descaracterização da relação entre docente experiente e novato no processo de mentoria/tutoria (Cochran-Smith & Lytle, 1999). É a valorização da reflexão coletiva que se sobressai:
Esse cenário vem provocando iniciativas institucionais de educação continuada, através das assessorias pedagógicas que, por sua vez, também estão exigindo formação e apoio para cumprir suas funções. A compreensão de formação nestes espaços vem procurando se aproximar da ideia do desenvolvimento profissional que valoriza os saberes dos sujeitos e aposta na reflexão coletiva para alcançar os objetivos da profissionalidade docente (Pryjma et al., 2014, p. 6).
A natureza social da reflexão necessária à docência tem sido um aspecto destacado na literatura sobre a formação de professores. Por exemplo, Zeichner (2008) extrapola a discussão acerca da dimensão social da reflexão, na qualidade de um processo coletivo e não puramente solitário, ao sinalizar que essa reflexão pode contemplar aspectos sociais e políticos das práticas educativas e não simplesmente aqueles de ordem técnica, que também caracterizam os processos de ensino e aprendizagem.
Em suma, tais experiências formativas destinadas ao período de inserção profissional na EPCT têm fundamentação pedagógica associada ao enfrentamento das problemáticas caracterizadas. As experiências formativas se caracterizaram como aquelas em pequenos grupos e em caráter institucional amplo. Depreende-se do exposto que é necessário refletir não somente sobre a amplitude desses processos, mas também sobre as suas fundamentações teórico-metodológicas e possíveis contribuições decorrentes do seu desenvolvimento. Há ampla literatura sobre formação docente e inserção profissional de professores que pode subsidiar esses processos formativos e colaborar para interpretá-los e transformá-los. Particularmente em relação à literatura sobre inserção profissional de professores, essa ainda parece ter seus contributos, de forma paradoxal, sendo modestamente considerados no planejamento e desenvolvimento de processos formativos destinados a docentes ingressantes na EPCT.
Considerações finais
O silenciamento da temática da inserção profissional docente na EPCT (Cunha et al., 2015; Wiebusch, 2016; Almeida et al., 2020) contrasta com o exposto no presente estudo. O número de trabalhos constituintes do corpus deste trabalho e a natureza dos seus problemas de pesquisa mostram que a temática da inserção de professores na EPCT tem recebido alguma atenção de pesquisadores. Nesse sentido, há contribuição para a temática geral de inserção profissional docente, visto que se aprofundou em discussões mais específicas ao contexto da EPCT.
Os contributos teóricos na literatura acerca de docentes iniciantes e principiantes podem estar sendo pouco explorados na discussão a respeito de professores ingressantes na EPCT, porque, em geral, ingressantes não são caracterizados por aquilo que a literatura expõe como período de inserção profissional e/ou professores iniciantes (Cruz et al., 2020) e as propostas formativas, quando oferecidas, acabam por se distanciar desses referenciais.
No contexto brasileiro, é considerável o percentual de docentes contratados para a EPCT sem licenciatura - como já destacado, são aproximadamente 35% de docentes nessa situação. Também é alto o percentual de docentes não licenciados com formação em pós-graduação stricto sensu - atualmente são cerca de 28% de docentes com mestrado ou doutorado (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa Educacionais Anísio Teixeira [INEP], 2021). Assim, não surpreende certa aproximação entre o perfil de docentes ingressantes na EPCT e na educação superior. Portanto, os resultados discutidos aqui, em parte, assemelham-se com aqueles das referências sobre o desenvolvimento profissional de docentes da educação superior (Pimenta & Anastasiou, 2014). Esta aproximação pode se relacionar com a tese defendida por Moraes (2016) de que parte das instituições da RFEPCT vive no confronto de uma identidade de “escola técnica” com uma vontade de ser universidade.
O presente estudo colabora na reflexão sobre a necessidade de um permanente e amplo processo de formação pedagógica voltada a apoiar e acolher o docente ingressante na EPCT. Há pesquisas que apresentam diagnóstico de necessidades formativas específicas, mas que também corroboram certos desafios já apontados pela literatura sobre formação docente em demais contextos, a exemplo da negligência pedagógica, supervalorização da experiência e do conhecimento técnico. No entanto, chama a atenção a incorporação de saberes e experiências de pesquisa acadêmica como um saber técnico, dado o alto número de bacharéis ingressantes na docência com titulação de mestre e/ou doutor.
A discussão exposta sobre a carência de formação pedagógica e/ou formação para lecionar na EPCT não tem o intuito de desqualificar a forma de contratação de docentes dessas instituições. Tampouco visa desacreditar os cursos de licenciatura, que, em grande parte, não destinam sua atenção para as especificidades de determinado contexto - neste caso a EPCT. Mas colabora para discutir e justificar práticas formativas de inserção desses novos docentes que chegam à instituição, de modo a promover condições de desenvolvimento profissional que estejam pautadas nas particularidades pessoais, profissionais e institucionais, ou seja, que tomem como diretriz as situações de contexto. E é o respeito a este contexto que pode balizar a autonomia da instituição, com foco nos propósitos e finalidades da EPCT. A atenção às necessidades individuais e coletivas de formação dos docentes não exclui ou desmerece propostas formativas institucionais mais amplas no momento do ingresso. Assim, aponta-se a necessidade de implementar políticas institucionais mais definidas de modo a combater os desafios decorrentes desta etapa profissional (André, 2012).
A natureza de propostas formativas apresentadas pela literatura analisada, expressa avanço quanto à prevalência de momentos de discussões coletivas para uma interlocução entre as necessidades formativas e demandas institucionais. É possível perceber semelhanças à figura do mentor (Roldão & Leite, 2012). No entanto, no contexto da EPCT, esse papel vem sendo desempenhado por membros do setor de apoio pedagógico que, de forma coletiva com docentes, parece descaracterizar a relação hierárquica entre o docente que ingressa daquele que está a mais tempo na instituição (Cochran-Smith & Lytle, 1999). Nesse sentido, em parte dessas propostas formativas, é possível expressar certa relação com o que Pimenta e Anastasiou (2014) intitulam de organização institucional e que se encontra ausente no contexto da docência universitária. Embora, cabe destacar, “[a]inda são incipientes as produções que se debruçam sobre as potencialidades de ações de apoio, formação e acompanhamento promovidas por gestores, coordenadores pedagógicos e redes de ensino” (Almeida et al., 2020, p. 14).
Experiências formativas de caráter obrigatório encontram resistência de docentes ingressantes, em especial, daqueles que não possuem formação pedagógica e que podem considerá-las meramente uma ‘tarefa burocrática’. Conforme Pimenta e Anastasiou (2014, p. 110), tais propostas poderiam trabalhar com adesão voluntária, visto que “[...] não se faz mudança por decreto”. Há indicativos, nos resultados expostos, de que, em alguma medida, as experiências formativas que partem das realidades locais e das atividades do cotidiano docente dos ingressantes na profissão podem gerar resultados que contribuem ao desenvolvimento profissional docente.
Essas experiências, que favorecem reflexão coletiva e teoricamente fundamentada sobre a atividade docente (Bonilaure & Resende, 2014; Nunes et al., 2014; Barboza & Trevisan, 2014; Pena, 2018), sugerem a possibilidade um desenvolvimento profissional docente que consiga amenizar os efeitos tanto da carência da formação pedagógica quanto do desconhecimento do contexto da EPCT por parte dos docentes ingressantes, mesmo os licenciados. Em estudo recente, Barreto e Anecleto (2021) destacam a excelência deste tipo de experiência formativa, cuja gênese está nas realidades educacionais locais, para a “[...] ressignificação do trabalho do professor, no sentido de possibilitar uma compreensão colaborativa do seu fazer educacional [...]” (Barreto & Trevisan, 2014, p. 1701).
As discussões realizadas na primeira categoria, acerca da atuação em diferentes níveis e modalidades, sugerem que pode ser promissora a realização de pesquisas que busquem investigar esta questão ainda pouco explorada. Os resultados apresentados por Vieira et al. (2021, p. 1621) corroboram a necessidade de melhor compreensão desta questão especifica da EPCT ao expressarem a “[...] diversidade de cursos e perfil dos alunos, as exigências da formação profissional e as finalidades das disciplinas nos cursos [...]”, como especificidades da docência na EPCT atreladas à verticalização do ensino.
Sobre as “[...] poucas oportunidades de ascensão a cargos de responsabilidade, ou inclusive de transferência para outros níveis de educação [...]” (Garcia, 2010, p. 19) constatadas na literatura mais ampla e que levam ao abandono da docência, sobre tudo nos anos iniciais da profissão, há, no contexto da EPCT situação oposta em que a atuação em diferentes níveis de educação e ocupação de cargos de responsabilidade nos primeiros anos de ingresso não implicam em abandono da docência. Dessa forma, mesmo que a permanência na profissão também esteja relacionada com a carreira do serviço público, torna-se promissor investigar com mais detalhes de que forma essas oportunidades contribuem para o desenvolvimento profissional docente na EPCT.
É digna de considerações a discussão inexpressiva sobre a dimensão sociopolítica da EPCT nos trabalhos analisados, em especial no que diz respeito à RFEPCT no Brasil, que sofreu expansão, com um aumento expressivo de docentes ingressantes na rede, e processo de transformação, inclusive com reformulação de seus documentos orientadores e normativos (Machado, 2008; Silva, 2009; Pacheco, 2010; Brasil, 2010a; Ramos, 2014). Nesse sentido, julgamos oportuna a denúncia de Paiva (2017) quanto à ausência da preocupação com esta dimensão durante a inserção profissional, a partir das narrativas e/ou entrevistas de docentes ingressantes. Mas, ao que tudo indica - constatada a percepção de negligência pedagógica - significativa fração de ingressantes parece não vislumbrar esta importância sociopolítica na formação de estudantes da EPCT e, sobretudo, como fundamento ético e político em que a docência se alicerça. Tal compreensão já foi identificada por Pimenta e Anastasiou (2014) no contexto da docência universitária e torna aparente a adoção da pedagogia por competências em estruturas da EPCT. Conforme as autoras, “[...] competência pode significar ação imediata, refinamento do individual e ausência do político, diferentemente da valorização dos conhecimentos em situação, mediante o qual o professor constrói conhecimento” (Pimenta & Anastasiou, 2014, p. 134).
Esta ausência de dimensão política é referente aos docentes ingressantes sujeitos das pesquisas e não necessariamente aos autores das publicações acadêmicas analisadas. Um fator importante para a falta aprofundamento de questões sociopolíticas relativas à EPCT é a menor presença de discussões sociológicas/filosóficas nos currículos das áreas de formação profissional dos ingressantes do que naqueles de cursos de natureza pedagógica. Vale salientar que a compreensão desta dimensão sociopolítica é condição sine qua non para a percepção da docência enquanto atividade profissional de cunho progressista e democrático, que coaduna com os documentos orientadores das propostas curriculares de parte das instituições de EPCT brasileiras.