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História da Educação

versión impresa ISSN 1414-3518versión On-line ISSN 2236-3459

Hist. Educ. vol.22 no.56 Santa Maria set./dic 2018  Epub 01-Sep-2018

https://doi.org/10.1590/2236-3459/76546 

Sessão Especial

PENSAR O SUJEITO MODERNO ATRAVÉS DA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO: ENTREVISTA COM CARLOTA BOTO

PENSAR EL SUJETO MODERNO A TRAVÉS DE LA HISTORIA DE LA EDUCACIÓN: ENTREVISTA CON CARLOTA BOTO

THINKING THE MODERN SUBJECT THROUGH THE HISTORY OF EDUCATION: INTERVIEW WITH CARLOTA BOTO

PENSER AU SUJET MODERNE À TRAVERS L'HISTOIRE DE L'ÉDUCATION: ENTRETIEN AVEC CARLOTA BOTO

Fernando Cezar RipeI 

Giana Lange do AmaralII 

IUniversidade Federal de Pelotas (UFPel), Pelotas/RS, Brasil

IIUniversidade Federal de Pelotas (UFPel), Pelotas/RS, Brasil


O processo de escolarização no Ocidente moderno certamente é uma das temáticas mais latentes na trajetória de pesquisa da historiadora em Educação Carlota Boto. Suas escolhas e demarcações teóricas e metodológicas vêm problematizando o papel que o sujeito desempenhou no processo de governamento do Estado moderno, principalmente ao colocar em xeque a efetivação de uma infância moderna projetada pela instituição escolar. Nesta entrevista apresentamos o percurso acadêmico e profissional da professora e pesquisadora Carlota Boto (USP), evidenciando que sua sólida formação poderá servir de incentivo aos jovens pesquisadores que se aproximam do campo da História da Educação.

Carlota Boto é natural de São Paulo-SP. Professora titular da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (Feusp), onde leciona Filosofia da Educação em cursos de graduação e História das Ideias Pedagógicas e Escolarização Moderna no Programa de Pós-Graduação da mesma universidade. Publicou quatro livros, A escola do homem novo: entre o Iluminismo e a Revolução Francesa (1996), A escola primária como rito de passagem: ler, escrever, contar e se comportar (2012) impresso em Portugal e as recentes obras, A instrução pública como projeto civilizador (2017) e A liturgia escolar na Idade Moderna (2017). É autora de capítulos de livros e artigos publicados em periódicos nacionais e internacionais. É pesquisadora produtividade do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Livre-docente da Feusp desde 2011 quando apresentou a reflexão Instrução Pública e Projeto Civilizador: o Século XVIII como Intérprete da Ciência, da Infância e da Escola. Possui dois cursos de graduação, em Pedagogia (1983) e História (1988). Mestra em História e Filosofia da Educação (1990) pela Feusp, doutora em História Social pela FFLCH/USP (1997) com estágio intercalar (sanduíche) pela Universidade de Coimbra, e livre-docente em Filosofia da Educação pela Feusp (2001). Seu percurso profissional é extremamente representativo, na medida em que, no início de sua carreira atuou como regente de classe no magistério primário e lecionou para o curso de Magistério em nível do então 2º Grau. Sua inserção na docência do Ensino Superior iniciou ainda na década de 1980.

Através dos questionamentos que levantamos, Carlota Boto nos mostra seus caminhos, deslocamentos e desdobramentos investigativos que permitiram emergir sua “preferência pelo campo da História”. A influência da historiografia francesa da Escola dos Annales e o intercâmbio com os Arquivos portugueses são aqui destacados. Uma questão pertinente, diante do grave quadro no cenário político brasileiro, que se ocupou em dialogar, se refere aos desafios de se pesquisar História da Educação, apontando, inclusive, perspectivas de pesquisas para a historiografia da educação brasileira. Por fim, na entrevista aqui apresentada, Carlota Boto nos convida a conhecer sua última obra recentemente lançada. Trata-se do livro A Liturgia Escolar na Idade Moderna (2017), cuja leitura, consideramos ser um movimento de recuo ao passado fundamental para interpretar o entendimento de práticas sociais, políticas, econômicas e culturais que ocorreram, na Europa moderna, no âmbito da Educação. Revisitando algumas de suas publicações, acreditamos que a escrita historiográfica de Carlota Boto é uma constante crítica aos pressupostos que embasam o campo educacional, na medida em que a constrói dada interpretação sobre a dinâmica de como se produziu certo aparato conceitual sobre a escolarização, problematizando categorias e se subsidiando de conceitos filosóficos e sociológicos. Assim, Carlota Boto acaba por contribuir, significativamente, para que se entendam determinados pensamentos e práticas dos sujeitos modernos vinculados à Educação.

Com uma narrativa e estilo próprio, a professora Carlota escreve seus textos de modo objetivo, com uma redação lúcida e rigorosamente acadêmica. Um bom exemplo é o artigo que seguirá a esta entrevista, neste volume de História da Educação, no qual a pesquisadora assina o texto Entre idas e vindas: vicissitudes do método Castilho no Brasil do século 19, com sua orientanda de doutoramento, Suzana Lopes de Albuquerque.1 Nele, as autoras discutem como ideias pedagógicas da Modernidade ganharam escopo nas escolas de primeiras letras nas distintas províncias do território português na América, a partir da influência de métodos estrangeiros e da vinda ao território luso-brasileiro, onde estava instalada a Corte, do educador português António Feliciano de Castilho.

1. Recentemente, foi-lhe conferido o provimento como Professora Titular da Universidade de São Paulo (USP) após uma trajetória de destacada produção intelectual que tem estimulado novas reflexões sobre as ideias pedagógicas e o processo de escolarização no período moderno ocidental. Nesse sentido, gostaríamos de conhecer suas motivações de estudo e os primeiros contatos com o campo da História da Educação e sobre as temáticas que, inicialmente, despertaram seu interesse de pesquisa acerca da produção de um sujeito moderno.

Antes de tudo, eu agradeço pelas generosas palavras sobre minha trajetória. Bem, eu me interessei pela História da Educação ainda muito jovem. Na verdade, desde que fiz o curso de Magistério; e nós tínhamos uma matéria chamada História e Filosofia da Educação, que já era minha disciplina preferida. Durante o curso de Pedagogia, percebi, entretanto, que minha preferência pelo campo da História não era suficiente para suprir defasagens que eu tinha quanto ao próprio conhecimento histórico. Percebi que eu não conseguiria pesquisar bem na área de História sem aprofundar meu conhecimento sobre o campo da História. Aí, no final do curso de Pedagogia, me inscrevi em novo vestibular e me tornei novamente estudante, agora do curso de História. Ao mesmo tempo em que cursei a graduação no Departamento de História da FFLCH/USP, fiz meu mestrado em História e Filosofia da Educação na Faculdade de Educação da USP. Assim era chamada a área naquela ocasião. Meu mestrado desenvolveu-se a partir de um estudo no qual eu procurei entrelaçar três cenários, tendo em vista a compreensão de como se deu o fenômeno da democratização do ensino no Brasil. Eu estudei, para tanto, os Pareceres sobre o ensino primário de Rui Barbosa de 1882, as iniciativas de extensão da escolarização da Liga Nacionalista de São Paulo a partir de 1917 e a Assembleia Constituinte de 1933 e 1934, nos debates que esta produziu sobre o tema da educação. Eu, na verdade, queria compreender como se deu no Brasil a ideia de uma escola para todos. Esse meu trabalho de mestrado é muito pouco conhecido, mas foi a primeira pesquisa que eu realizei. Depois, após o término de meu mestrado, e, ainda, antes do doutorado, debrucei-me sobre o estudo da Revolução Francesa, particularmente no debate sobre a extensão da escolarização para toda a população. Dessa pesquisa, resultou o livro, publicado pela Editora Unesp, que, de toda minha produção, é o mais citado, com o título A escola do homem novo: entre o Iluminismo e a Revolução Francesa. Em seguida, eu desenvolvi minha tese de doutorado, que foi publicada, pela Imprensa da Universidade de Coimbra, sob o título A escola primária como rito de passagem: ler, escrever, contar e se comportar. Para isso, eu consultei arquivos e acervos portugueses, com o objetivo de compreender como se deu em Portugal a expansão da escolarização. Naquela oportunidade, eu me detive mais atentamente às práticas internas da sala de aula, vistoriando, não apenas o discurso sobre a escola, como eu havia feito até então, mas a própria cultura que a escola produz em seu interior. Essa vistoria das práticas da sala de aula confrontada com o discurso sobre as mesmas práticas deu lugar a meu trabalho de doutorado. Na minha pesquisa de livre-docência, eu recuei novamente para o século XVIII para verificar como se deu o tema da escola e da universidade para o pombalismo português. Além disso, desenvolvi - na mesma tese de livre-docência - dois outros ensaios, um sobre Rousseau e o outro sobre Condorcet, buscando compreender a ideia de infância e de escola que eles respectivamente traçaram.

2. Nas suas pesquisas, percebe-se um forte diálogo com a historiografia francesa e portuguesa, em especial, importantes pensadores que contribuíram com o campo historiográfico no século XX, como os da Escola dos Annales. Entretanto, a historiografia mais recente, das práticas de escrita e leitura, também aparece como âmbito de interlocução relevante em sua obra. Quais os pensadores, historiadores, pedagogos, filósofos e sociólogos, que foram determinantes em sua formação e quais deles ainda considera imprescindíveis nas suas reflexões teóricas atuais sobre a História da Educação?

Eu iniciei meus estudos muito influenciada pelo pensamento de Jorge Nagle e de José Mário Pires Azanha. Eu queria compreender o discurso sobre a escola que o Jorge Nagle nomeava de “entusiasmo pela educação”. Conforme fui avançando no curso de História, eu realmente me encantei com a história das mentalidades, ainda que não fosse aplicá-la diretamente aos meus estudos. Cito, nesse sentido, as três gerações da Escola dos Annales - Lucien Febvre, Fernand Braudel e Jacques Le Goff. Embora não sejam referências diretas, meu mestrado bebeu muito nessas fontes. Ao estudar a Revolução Francesa, eu fiquei muito marcada pela interpretação de duas autoras, uma brasileira e uma francesa: Eliane Marta Teixeira Lopes e Mona Ozouf. Mas foi a partir do meu doutorado que tomei contato com dois autores que praticamente passaram a acompanhar minha produção, como referenciais teóricos: Norbert Elias e Roger Chartier. A ideia de habitus do Norbert Elias, bem como as concepções de Chartier de ‘práticas’ e de ‘representações’, foram fundamentais para dialogar com a produção historiográfica brasileira no campo da história da educação. Sobre a história da educação portuguesa, eu diria que minhas principais referências são os trabalhos de António Nóvoa para a história da educação e os trabalhos de Fernando Catroga para a história social.

3. Sua produção historiográfica, em grande medida, está associada a pesquisas produzidas em arquivos portugueses, como, por exemplo, em Coimbra a Biblioteca Joanina e a Biblioteca Municipal, e, na cidade de Lisboa, o Arquivo Nacional da Torre do Tombo e a Biblioteca Nacional de Portugal. Qual a importância destes arquivos para suas pesquisas? Quais contribuições estes arquivos podem trazer para as pesquisas historiográficas da Educação no Brasil?

Para minha pesquisa de doutorado eu pesquisei na Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, na Biblioteca Municipal de Coimbra, na Biblioteca Nacional de Lisboa e no Arquivo Nacional da Torre do Tombo. Esses acervos foram fundamentais para eu encontrar as fontes de minha pesquisa de doutorado; e acabaram sendo essenciais para pesquisas posteriores também. Penso que a importância de tais arquivos para minha pesquisa foi basicamente a de permitir a multiplicidade das fontes documentais e a possibilidade de entrecruzar a documentação, de maneira a obter maiores vestígios, melhores rastros desse passado. Por outro lado, esses arquivos têm também muito a dizer sobre a história da educação brasileira. Eles contêm documentos como jornais, revistas pedagógicas, livros didáticos, etc. que podem iluminar, não apenas o modo como se processou a história da educação em Portugal, mas também a maneira como houve o entrelaçamento das histórias da educação em Portugal e no Brasil, especialmente para o caso do século XIX, a despeito da Independência do Brasil ter se processado ainda no início do XIX. As marcas ficaram. Há material didático produzido em Portugal que teve impacto e que foi utilizado no Brasil, ao longo de todo o século XIX. Há representações comuns sobre a ideia da escola. Há debates que são próximos. Enfim, há diálogo entre as duas histórias, de Portugal e do Brasil, no campo da educação.

4. No Brasil, atualmente, enfrentamos um contexto de graves crises políticas que afetam diretamente a pesquisa. Seria possível discorrer sobre os desafios de se pesquisar História da Educação na atual conjuntura?

No Brasil, os desafios de se pesquisar a História da Educação são os desafios do trabalho do historiador. Em primeiro lugar, nossas bibliotecas e arquivos têm recursos limitados. Além disso, há pouco apreço à preservação da memória em nosso país, embora isso venha lentamente se modificando. Há dificuldades de verba para o pesquisador. Nesse sentido, as limitações são orçamentárias. No que diz respeito à pesquisa, cada vez mais é importante se dar conta da fertilidade das buscas de internacionalização dos movimentos de investigação. Há esforços no sentido de criação de grupos internacionais de pesquisa, que podem iluminar uma história comparada sobre a maneira pela qual se constituíram os sistemas nacionais de ensino e sobre as práticas que são engendradas na vida cotidiana das instituições educativas. Mas o desafio da história comparada não é apenas entre países; é entre os vários estados do Brasil. E isso vem sendo feito, assim como as tentativas de internacionalização da pesquisa. Acima de tudo, o estudo da história da educação parece-me fundamental para iluminar a trajetória de longa duração da escola brasileira; verificar quais são os movimentos que são engendrados no dia-a-dia das instituições, quais são as permanências e quais as rupturas no campo educativo. Compreender a escola de hoje requer a vistoria da escola que passou. Daí a atualidade dos estudos da História da Educação: são trabalhos que têm um significado que está inscrito no tempo para o qual estão voltados e têm uma atualidade para pensar o tempo do investigador que sobre essa outra época se debruça. Afinal, há o tempo do documento e há o tempo de nossa contemporaneidade. A História ilumina as duas coisas.

5. Diante da presença de uma abundante produção de pesquisas no campo da História da Educação no Brasil, quais questões permanecem em aberto neste domínio? Quais seriam as possíveis perspectivas de pesquisas na historiografia da educação brasileira?

Até os anos 80, a marca da história da educação brasileira era primordialmente a história das ideias e ideais pedagógicos. Nesse sentido, estudava-se muito o discurso sobre a educação nos diferentes períodos de nossa história do Brasil. Além disso, havia uma marca no sentido de se compreender que a história que se fazia era a história da educação do Brasil. Havia também alguns estudos tópicos sobre esta ou aquela instituição, mas não era essa a tônica da pesquisa. A partir dos anos 90, passa-se a valorizar o campo do que vem sendo nomeado pelos autores de cultura escolar. Eu diria que uma das autoras que mais diretamente contribuiu para essa virada foi a professora Marta Maria Chagas de Carvalho, tanto pela tese que ela defendeu em 1986 (se bem me lembro) quanto pelos cursos de pós-graduação que ela ministrou sobre a nova história cultural e sua interface com os estudos de história da educação. Esse curso debruçava-se especificamente sobre o pensamento de Roger Chartier, mas trabalhava também Hébrard, Peter Burke e outros. Marta ainda se destacou por ter orientado teses que se tornaram referências para a geração posterior, como é o caso dos trabalhos de Maria Helena Camara Bastos, Luciano Mendes Faria Filho, Diana Vidal e José Gonçalves Gondra. Mas é preciso lembrar que, além da Marta, havia todo um vasto conjunto de pesquisadores que, entre os anos 80 e 90, davam um novo rosto à História da Educação no Brasil. Só para citar pesquisadores de São Paulo, cuja produção eu conheço melhor, eu lembraria as teses de autores como Denice Catani, Carmen Sylvia Vidigal Moraes e Moyses Kuhlmann Jr. Há inúmeros outros pesquisadores que eu aqui não teria como citar. E não há apenas a produção paulista. É preciso mencionar os trabalhos de Guacira Lopes Louro, Clarice Nunes, Ana Waleska Pollo Mendonça, Eliane Marta Teixeira Lopes dentre inúmeros outros. A ideia norteadora da maior parte dos pesquisadores que abraçaram a História da Educação a partir dos anos 90 foi, em linhas gerais, a busca de articular o campo do discurso pedagógico com a história dos usos e costumes das instituições educativas, com o fito de verificar nesse universo o modo como se compreendem as práticas que se inscrevem nas ações pedagógicas, em cada caso concreto. Além disso, passou-se a ter mais cuidado com o campo. As pesquisas sobre São Paulo tornaram-se caracterizadas como história da educação paulista. Não se fala mais genericamente de história da educação brasileira, a não ser quando se cruzam as pesquisas dos diferentes estados do país. Esse é um desafio importante: quanto mais coletivas forem as propostas de pesquisa, quanto mais diversificadas forem as instituições que componham verdadeiros grupos de pesquisa, maior será a possibilidade de voltarmos a falar de uma história da educação brasileira, consideradas as especificidades regionais. Além disso, penso que há fertilidade na aliança entre a investigação que se debruça sobre as questões relativas à cultura escolar, compreendendo esta como a cultura que se processa no interior da escola, e as questões oriundas do campo do que poderíamos chamar como pensamento pedagógico. Como a história da escola reflete as maneiras pelas quais foi pensada essa escola? E como era essa escola na sua vida cotidiana? Entrecruzar essas duas questões para mim é um desafio. Outra matéria importante a ser descortinada são os modos pelos quais se processou a formação de professores no Brasil. Isso requer uma história das escolas normais, mas também uma história das universidades. Finalmente, eu apontaria a importância de pensarmos em espaços não escolares de formação: como se dá a educação familiar, por exemplo? O que significa pensar a família ou os modelos de família que se inscrevem na trajetória da sociedade brasileira? Há pesquisas envolvendo cada um desses domínios, mas penso que poderia haver um investimento maior dos pesquisadores nessas direções aqui apontadas.

6. No IX Congresso Brasileiro de História da Educação, ocorrido em João Pessoa-PB, tivemos a oportunidade de conhecer seu mais recente livro “A liturgia escolar na Idade Moderna” (2017), onde é proposto pensar a constituição do sujeito moderno tendo como chave de leitura a ritualização da escola. Nesse sentido, considerando que a escola moderna é um tema recorrente nos seus trabalhos, que lugar simbólico o pensamento moderno ocupou na dinâmica da escolarização ocidental?

Esse livro - A liturgia escolar na Idade Moderna - publicado neste ano de 2017 pela Editora Papirus contempla um pouco de meu trabalho como professora. Ele traz elementos daquilo que têm sido as disciplinas que eu dei, tanto no campo da História da Educação quanto, mais recentemente, na Filosofia da Educação. Ele procura, nesse sentido, entretecer o território da História com o terreno do que pode ser compreendido como Filosofia da Educação. Sendo assim, esse livro tem uma intenção didática. A proposta é a de que ele venha a ser material de apoio de docentes de cursos de formação de professores. Esse foi, pelo menos, o objetivo. Ali, eu traço, sim, um movimento que eu entendo ser constitutivo do que chamamos hoje de escola moderna. O quanto esse modelo de escolarização deve a uma cultura do impresso que impactou o período do Renascimento, o quanto esse movimento deve à Reforma protestante, como foram engendradas as representações sobre as escolas nos séculos XVI e XVII e como foram sendo gestados os projetos de uma escola seriada, ainda nesse período. Eu diria que o pensamento moderno ocupa, sim, um lugar simbólico na dinâmica da escolarização ocidental; mas que, por outro lado, é também a escolarização ocidental quem forja esse sujeito moderno. Como a modernidade, que se caracteriza pelos atributos da racionalidade, da civilização, da institucionalização dos costumes, também tem na escola uma artífice de suas construções? Até que ponto a escola é filha da modernidade; até que ponto ela engendra essa modernidade? Como, por outro lado, compreender como modernas as formas de ensino que estruturam o que hoje caracterizamos como modelo tradicional de ensino? Esse é um desafio. A ideia da modernidade efetivou tradições; e é preciso entender isso, para que possamos inclusive acertar nossas contas com essa mesma modernidade.

Referências

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1Suzana Lopes de Albuquerque é, atualmente, doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade de São Paulo (USP), na linha de pesquisa História da Educação e Historiografia. Atua como docente do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás (IFG), no qual faz parte do Grupo de Estudos e Pesquisas Panecástica - Homem, Trabalho e Educação Profissional Tecnológica. Sua tese de doutoramento versa sobre a produção e circulação de impressos pedagógicos durante o período imperial brasileiro, destacando o contexto de internacionalização de ideias educativas e suas respectivas concepções acerca dos processos de alfabetização.

Recebido: 17 de Setembro de 2017; Aceito: 06 de Outubro de 2017

Endereço: Rua Dom Guilherme Litran, 2899, 96087-060, Pelotas/RS, Brasil. E-mail: fernandoripe@yahoo.com.br

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FERNANDO CEZAR RIPE

é doutorando no Programa de Pós-Graduação em Educação pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Membro do Centro de Estudos e Investigações em História da Educação (Ceihe/UFPel) e do Cultura e Educação nos Impérios Ibéricos (CEIbero/UFMG).

GIANA LANGE DO AMARAL

possui Graduação em História (1986) e Mestrado em Educação (1998) pela Universidade Federal de Pelotas, Doutorado em Educação (2003) pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Pós-doutorado em Educação (2014) pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Pós-doutorado em Educação (2015) pela Universidade de Lisboa. Atua na Faculdade de Educação no âmbito da Graduação e da Pós-Graduação na linha Filosofia e História da Educação. É coordenadora do Centro de Estudos e Investigações em História da Educação (Ceihe) e líder do grupo Ceihe/CNPq/UFPel. É bolsista Produtividade CNPq/PQ2.

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