INTRODUÇÃO
O livro Pedagogia do Oprimido, de autoria de Paulo Freire, é uma referência mundial, sendo a terceira publicação mais citada em trabalhos da área de humanas (GREEN, 2016), com sua primeira versão concluída em 1968 (FREIRE, 1968), e é um texto sequencial na sua obra, a estar após as publicações como Educação e Atualidade Brasileira (FREIRE, 1959) e Educação como prática da liberdade (FREIRE, 1967). Algumas de suas bases conceituais foram rediscutidas e reconstruídas no livro Pedagogia da Esperança (FREIRE, 1992), a mostrar que o saber é inacabado em sua obra, tratado no livro Pedagogia da Autonomia (FREIRE, 1996a).
O contexto mundial da publicação do livro foi um momento de culminações de eventos e tensões sociais frente ao estamento burocrático ditatorial dos países polarizados politicamente e economicamente entre a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, socialista, e os Estados Unidos, capitalista. Vários movimentos universitários, de diversos países, sofreram represálias militares e foram massacrados em defesa das democracias e contra a Guerra do Vietnã (Espanha, Alemanha, Itália, Paris México, Estados Unidos e outros), com eventos de natureza crítica importantes, como o “maio de 68” (Paris) e a ‘Primavera de Praga’ (Tchecoslováquia) (VENTURA, 2013).
Na América Latina, não foi diferente, com os países sob regime ditatorial civil militar, vários estudantes, docentes e sociedade não universitária foram reprimidos e suprimidos socialmente, por exemplo, no Brasil, foi instalada a censura a manifestações contra o regime (o Presidente Costa e Silva decreta o AI-5 - Ato Institucional número 5) e vários episódios de repressão e massacre foram registrados (invasão do Teatro Galpão, ‘Batalha da Maria Antônia’ e prisão de líderes estudantis no 30º Congresso da UNE, em São Paulo; ‘Sexta Feira Sangrenta’ e morte do estudante Edson Luís no Restaurante Calabouço, no Rio de Janeiro, e outros) (SCOCUGLIA, 2015).
Nesse cenário, Paulo Freire estava em exílio, a trabalho do Instituto de Capacitação e Pesquisa da Reforma Agrária e do Escritório Governamental Especial de Educação, no Chile, exílio fruto da perseguição após o golpe de 1964, por interpretar o momento histórico, por indagar os problemas superestruturais, e por aplicar a inseparabilidade da educação, cultura e política em suas práticas educativas, desde a sua inserção na Políticas de Alfabetização de Juscelino Kubitschek (década de 50) e de sua atuação no Movimento de Cultura Popular (década de 60) (FREIRE, 1974; FREIRE, 1996b; RODRIGUEZ, 2015). Nesse período também, há o surgimento de um novo contexto universitário (reforma de base) e de universidades (e.g. Universidade de Brasília).
Paulo Freire flertou intelectualmente com a Revolução Cubana, com a Teologia da Libertação e com as bases concretas de Hegel, Marx, Hobsbawn, Goldman, Lukács, Gramsci e Sartre (da dialética e da hegemonia a consciência para o outro), que vinham com um sentimento de transformação do sujeito e da sociedade pela práxis (revolução), e que necessitavam conscientizar indivíduos carentes de uma libertação e emancipação política, social, educacional e cultural (consciência de classe), mergulhados em uma ‘cultura do silêncio’: oprimidos, excluídos e esfarrapados pelo mundo (GADOTTI; ROMÃO, 2012; SCOCUGLIA, 2015).
A importância desse livro é pela sua expressão pedagógica em um projeto humanizador (educação e mudança), pela conscientização do explorado frente ao sistema (pedagogia de resistência), pela reinvindicação de direitos e redução das desigualdades por parte dos excluídos (oprimidos desvelando o mundo da opressão), pela negação da hospedagem do opressor em si, pela superação da contradição e dependência do opressor-oprimido (libertação), por uma educação problematizadora e não reprodutora (educação bancária), pela dialogicidade e busca da síntese, e, pelo estímulo a criação, a construção, a autenticidade, a serem autores históricos (pedagogia dos homens pela práxis em um processo de constante luta pela libertação individual e coletiva). Isso não só relatado por seus primeiros introdutores/prefaciadores R. Shaull (Edição em inglês, Herder and Herder: New York, 1970) e E. M. Fiori (Edição em português: Paz e Terra: São Paulo, 1974), como também por muitos pesquisadores (GIROUX, 1983; GIROUX; MCLAREN, 1989; SCOCUGLIA, 1999 e 2015; SAUL, 2008; STRECK, 2009; WILSON; PARK; COLÓN-MUNIZ, 2010; KINCHELOE; MCLAREN; STEINBERG, 2011; GADOTTI, 2012; GHIRARDELLI Jr, 2012; ROMÃO, 2013; WOHLFART, 2013; ANTUNES, 2014; RODRIGUEZ, 2015; GADOTTI, 2016; MACEDO, 2016; SANTIAGO; BATISTA NETO, 2016).
Essa evocação pela mudança em prol da sociedade causou o ‘banimento’ do livro em matrizes curriculares e de livre circulação mundial nas décadas de 70 e 80, e causa, por exemplo, a tentativa de revogação da lei 12.612/ 2012 (que declara o educador Paulo Freire Patrono da Educação Brasileira), por uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC), em uma recorrente tentativa de apagar os textos de Paulo Freire da história educacional, principalmente o livro Pedagogia do Oprimido, por parte dos exploradores, excludentes, escravizadores e patrimonialistas (MACEDO, 2017).
Após cinquenta anos de sua publicação (1968-2017), surge a demanda em refazer os caminhos de sua apropriação como referência (citação e leitura), para se analisar até que ponto a tentativa de esconder o livro Pedagogia do Oprimido, e por consequência, seu autor, deu certo (Hipótese 1). Outro tópico que foi verificado foi se os pesquisadores que mais referenciaram o livro, são daqueles países ditos colonizados-dependentes (SANTOS, 1970) (Hipótese 2), países que praticam o obscurantismo literário, a cultura do silêncio e a prática antidemocrática (BRANDÃO, 1986). E, se o perfil dos leitores do livro foram os que teoricamente estavam sob opressão superestrutural (Hipótese 3), ou seja, aqueles condicionados a aceitarem seu status quo por desinformação, manipulação e alienação (LUKÁCS, 1972). Suspeitosamente, o ‘opressor’ baniu o livro por tê-lo compreendido e pela certeza deste ser uma ameaça a seu poder explorador (RUBIO, 1997).
A intenção desse texto não foi fazer uma discussão ou interpretação contextual, epistemológica e ontológica do conteúdo do livro, que já foram feitas com propriedade por vários autores (GIROUX, 1983; GIROUX; MCLAREN, 1989; BRANDÃO, 1992; SCOCUGLIA, 1999 e 2015; RUBIO, 1997; SAUL, 2008; STRECK, 2009; WILSON; PARK; COLÓN-MUNIZ, 2010; KINCHELOE; MCLAREN; STEINBERG, 2011; GADOTTI, 2012; GHIRARDELLI Jr, 2012; ROMÃO, 2013; WOHLFART, 2013; ANTUNES, 2014; RODRIGUEZ, 2015; GADOTTI, 2016; MACEDO, 2016; SANTIAGO; BATISTA NETO, 2016 e outros), ou fazer a sua resenha, a intenção foi focar na análise bibliométrica geohistórica e no perfil dos leitores. Assim, os objetivos desse trabalho foram analisar o impacto do livro como referência através de sua citação geohistórica, inferir o perfil do leitor do livro, e fazer uma démarche qualitativa de sua aceitação e negação.
MÉTODOS E ANÁLISES
Os passos metodológicos de coleta e análise dos dados, foram em dois: A) análise bibliométrica e o B) perfil do leitor (Fig. 1). A coleta das publicações foi a partir da busca do termo de indexação Pedagogia do Oprimido, nas bases de dados bibliográficas, com a variação da busca pela tradução do termo de indexação em 103 idiomas: Africânes, Albanês, Alemão, Amárico, Árabe, Armênio, Azerbaijano, Basco, Bengali, Bielo-russo, Birmanês, Bósnio, Búlgaro, Canarês, Catalão, Cazaque, Cebuano, Chicheua, Chinês, Chona, Cingalês, Coreano, Corso, Crioulo haitiano, Croata, Curdo, Dinamarquês, Eslovaco, Esloveno, Espanhol, Esperanto, Estoniano, Filipino, Finlandês, Francês, Frísio, Gaélico escocês, Galego, Galês, Georgiano, Grego, Guzerate, Hauçá, Havaiano, Hebraico, Hindi, Hmong, Holandês, Húngaro, Igbo, Iídiche, Indonésio, Inglês, Ioruba, Irlandês, Islandês, Italiano, Japonês, Javanês, Khmer, Laosiano, Latim, Letão, Lituano, Luxemburguês, Macedônio, Malaiala, Malaio, Malgaxe, Maltês, Maori, Marata, Mongol, Nepalês, Norueguês, Pachto, Persa, Polonês, Português, Punjabi, Quirguiz, Romeno, Russo, Samoano, Sérvio, Sessoto, Sindi, Somali, Suaíle, Sueco, Sundanês, Tadjique, Tailandês, Tâmil, Tcheco, Telugo, Turco, Ucraniano, Urdu, Uzbeque, Vietnamita, Xhosa e Zulu. O termo de indexação foi buscado em todos os campos referentes aos textos, nas publicações, e de suas referências bibliográficas.
As bases de dados bibliográficas pesquisadas somam 148 fontes, e foram elas: Google, Google Acadêmico, Google Books, Scielo, Scielo Books, Educ@, PubMed Central: PMC, Ibict, Biblioteca Nacional (Brasil), Analytical Abstracts, Analytical sciences digital library, Anthropological Index Online, Anthropological Literature, Arts & Humanities Citation Index, arXiv, Asce Library, Biblioteca Virtual em Saúde: BVS (Bireme), Base: Bielefeld Academic Search, Beilstein database, Biological Abstracts, BioOne, Book Review Index Online, Bioline International, Catálogo de Teses e Dissertações (Capes), CrossRef Search, Copernicus: Open Access Journals, DataSearch (Elsevier), CAB Abstracts, Chinese Social Science Citation Index, Cochrane Library, Cinahl: Cumulative Index to Nursing and Allied Health, CiNii, Citebase Search, CiteULike, CiteSeer, CogPrints: Cognitive Sciences Eprint Archives, The Collection of Computer Science Bibliographies, Dialnet - Fundación Dialnet, Diadorim - Diretório de Políticas Editoriais das Revistas Científicas Brasileiras, Directory of Open Access Journals - Doaj, Dissonline.de: Digitalen Dissertationen im Internet, Doab: Directory of Open Access Books, European Library, Europeana: The cultural collections of Europe, Elektronische Zeitschriftenbibliothek (EZB) = Electronic Journals Library, EconBiz, EconLit, Elsevier, Embase, Eric: Educational Resource Information Center, Europe PMC, Educational Resources Information Center - Eric, E-Scholarship, Freebooks4doctors!, Gale Primary Sources, GeoRef, Global Health, Handbook of Latin American Studies: HLAS Online, HCI Bibliography, HubMed, IEEE Xplore, Informit, IngentaConnect, Indian Citation Index, Iarp, Inspec, Inspire-HEP, International Directory of Philosophy, Index Psi Periódicos: IndexPsi, Japan Science and Technology Information Aggregator Electronic: J-Stage, JournalSeek, JSTOR: Journal Storage, Jurn, LatinRev - Red Latinoamericana de Revistas Académicas en Ciencias Sociales y Humanidades, Latindex - Sistema Regional de Información en Línea para Revistas Científicas de América Latina, el Caribe, España y Portugal, Lesson Planet, LexisNexis, Lingbuzz Latindex: Portal de Portales, Lilacs - Literatura Latino-americana e do Caribe em Ciências da Saúde, LivRe: Portal para periódicos de livre acesso na Internet, MathSciNet, MedlinePlus, Mendeley, Merck Index, Meteorological and Geoastrophysical Abstracts, NBER: National Bureau of Economic Research, Microsoft Academic, MyScienceWork, National Criminal Justice Reference Service, Networked Digital Library of Theses and Dissertations: NDLTD, OEI - Organización de Estados Iberoamericanos para la Educación, la Ciência y la Cultura - Biblioteca Digital, Online Books Page, Open Access and Scholarly Information System: Oasis.br, OAIster, OpenEdition.org, OpenSigle, Paperity, Periodicos Capes, Philosophy Documentation Center eCollection, Philosophy Research Index, PhilPapers, Poiesis: Philosophy Online Serials, PlosOne, Popline, Project Muse, PsycInfo, Psychology's Feminist Voices, Pubget, PubPsychPepsic - Periódicos Eletrônicos em Psicologia, Persée - Portail de revues scientifiques en sciences humaines et sociales, Portal Domínio Público, Project Gutenberg: Fine Literature Digitally Re-Published, Red de Revistas Científicas de América Latina y el Caribe, España y Portugal: Redalyc, Repositório Científico de Acesso Aberto de Portugal (RCAAP), Research Papers in Economics: RePEc, Sage, Scholarpedia: the peer-reviewed open-access encyclopedia, SCImago Journal and Country Rank - SJR, Science Direct, Stanford Encyclopedia of Philosophy, TEL (thèses-en-ligne), Questia: Online Research Library, Readers' Guide to Periodical Literature, RePEc: Research Papers in Economics, Russian Science Citation Index, SafetyLit, Science.gov, Science Accelerator, Science Citation Index, ScienceOpen, Scientific Information Database (SID), SCIndeks - Serbian Citation Index, Science Direct, Scopus, SearchTeam, Semantic Scholar, Social Science Citation Index, Socol@r: Socolar, Spresi Database, SSRN: Social Science Research Network, Sparrho, SpringerLink, Sumários.org - Sumários de Revistas Brasileiras, Taylor & Francis, Ulrich's Periodicals Directory Universal Index of Doctoral Dissertations in Progress, Universia, Web of Science (Thompson Reuters), Wiley, World Scholar: Latin America & The Caribbean (Gale), WestLaw, WorldCat, WorldWideScience, e, Zasshi Kiji Sakuin: Japanese Periodicals Index.
Após a recuperação da informação, uma revisão no material encontrado foi realizada para se certificar de que os metadados recuperados foram aqueles intencionados a partir do Termo de Indexação. O período dos dados recuperados foram de 1968 a 2017 (50 anos de publicação do livro). Também, um cruzamento nos dados recuperados foi realizado para se observar e excluir informações repetidas ou redundantes (ELSHAWI et al., 2018). Todos os metadados [título, ano de publicação, autores, endereço dos autores, resumo, tipo da publicação (livro, capítulo, artigo em periódicos acadêmicos, monografias -Trabalho de Conclusão de Curso, Dissertação ou Tese, textos para jornais/revistas diários ou semanários não acadêmicos, ou textos para sites/blogs/redes sociais), volume, número, editora, cidade da editora, páginas, DOI, ISSN/ISBN, região do estudo e texto completo] foram armazenados no programa de manejo de referências Mendeley (2018). O gênero dos autores e coautores que referenciaram o livro Pedagogia do Oprimido foram levantados na rede social para cientistas ResearchGate (2018) e os dados sobre o índice de desenvolvimento humano (IDH) das regiões analisadas foram tomadas do banco de dados do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (UNDP, 2016).
Os dados foram sistematizados em gráficos e georreferenciados através dos programas Sigmaplot SP14 (2018) e ArcGis Pro (2018), respectivamente. A análise de Correlação de Pearson foi realizada para certificar se a distribuição geográfica tinha alguma correlação direta, proporcional e significativa (r > 0,5, ZAR, 2010) entre o número de citações em publicações acadêmicas do livro com o IDH da região dessa publicação. Para se quantificar qual capítulo foi mais apropriado no momento da citação, foi utilizado o programa CiteSpace (CHEN, 2017), que relacionou bibliometricamente as palavras mais utilizadas nos capítulos do livro Pedagogia do Oprimido com as utilizadas no momento da citação.
Os dados sobre o perfil do usuário que toma emprestado o livro Pedagogia do Oprimido nas Bibliotecas: i) gênero (que se declaram masculino, feminino e não binário), ii) viés de leitura (acadêmica ou para repertório pessoal), iii) classe econômica (Classe Econômica A e B daqueles que tem a renda mensal per capita familiar acima de U$ 2.900, Classe C entre U$ 2.899 e U$ 71, e Classe D e E abaixo de U$ 70) (KAMAKURA; MAZZON, 2016), iv) região em que moravam, v) idade e vi) escolaridade foram recuperados através dos cadastros nos Sistemas Integrados de Gestão Bibliotecária: Alexandria (library software), Aquabrowser, Avanti MicroLCS, Axiell Arena, BiblioCommons, BilblioteQ, Blacklight, Carmen (LANius), Concord Infiniti, CS Library, Dandelon, DeepKnowledge, Destiny (Follett Corporation), Dimdata Semesta, Ebsco Discovery Service, Emilda, Encore, EPrints, Evergreen, Gnuteca, Insignia Software, Invenio, jOPAC, Koha, Libramatic, LibraryWorld, LIBSYS, LS2 PAC/LS2 Kids The Library Corporation (TLC), Omeka, OpenBiblio, OpenSiteSearch, Pergamum, PHL, PMB, Polaris PAC, Primo (ExLibris), Prism 3 (Capita), Rapi package, Retrievo (Keep Solutions), Scriblio, Serials Solutions Summon, SLiMS (Senayan Library Management System), Social Online Public Access Catalog (Sopac), Steve.museum, Thesaurus, Vero (Unibis), VTLS Inc., VuFind, e, WorldCat Local (OCLC); sistemas de gestão que estão ligadas as instituições formais e não formais de ensino.
Nuvens de palavras foram construídas através do programa World Cloud Generator (DAVIES, 2018), para se observar quais as palavras mais frequentes utilizadas no momento de citação do livro Pedagogia do Oprimido. Essa apropriação de parte, nota ou ideia citada do livro foi dividida em duas nuvens: a de aceitação aquilo citado (o autor que estava a citar trechos dos livros, usou a citação como elemento de discussão, comparação, contradição ou corroboração), ou a de negação (os autores tentaram depreciar, descontextualizar, ou fundamentalizar algum trecho do livro, com algumas sugestões para não utilizar o livro, e/ou o autor, através dessas três argumentações) (BARDIN, 2001).
O perfil dos leitores do livro Pedagogia do Oprimido foi inferido pelo perfil do usuário de bibliotecas no momento do empréstimo de seu exemplar e pelo perfil do comprador do livro (NAVA et al., 2013), a tomar como base uma livraria virtual com sede nos cinco continentes. O período dos dados recuperados do perfil dos usuários que retiraram por empréstimo os livros da biblioteca se compreendeu de 1997 a 2017, a partir de 1997, por ser o período em que as bibliotecas mundiais começaram efetivamente a terem sistemas digitais de recuperação da informação bibliográfica e base de dados dos usuários. Para efeito de comparação, os mesmos dados e período avaliado do perfil do leitor foram levantados para os compradores do livro Pedagogia do Oprimido na loja virtual Amazon (2018). Essa comparação se deu estatisticamente através do teste de qui-quadrado (p > 0,05) entre os dois grupos amostrais (ZAR, 2010): leitores que tomavam emprestado o livro nas bibliotecas e leitores que compraram os livros pela loja virtual. O universo amostral foi de 400 mil leitores, o representativo de aproximadamente 10% dos acadêmicos e universitários mundiais (200 mil) e 200 mil sem ser universitários (UNESCO, 2017), o mesmo para a livraria.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
O livro Pedagogia do Oprimido foi encontrado em 57 idiomas, segundo o método de busca utilizado, dentre 35 idiomas com International Standard Book Number (ISBN): Alemão, Árabe, Azerbaijano, Bielo-russo, Búlgaro, Chinês, Coreano, Croata, Dinamarquês, Eslovaco, Esloveno, Espanhol, Estoniano, Finlandês, Francês, Grego, Hebraico, Holandês, Húngaro, Inglês, Islandês, Italiano, Japonês, Norueguês, Polonês, Português, Romeno, Russo, Sueco, Tailandês, Tcheco, Turco, Ucraniano, Uzbeque, e, Vietnamita; e 22 sem ISBN: Africânes, Albanês, Armênio, Birmanês, Bósnio, Canarês, Catalão, Cazaque, Cingalês, Curdo, Esperanto, Filipino, Georgiano, Hindi, Indonésio, Javanês, Letão, Lituano, Maltês, Maori, Nepalês, e, Sérvio. Na Figura 2, há a apresentação de algumas capas em doze idiomas, edições mais vendidas pelo mundo. Pelo número de tiragens descritos nos pré-textos dos livros, se estima uma tiragem geral em 800.000 a 1.000.000 de exemplares impressos pelo mundo em 200 edições.
O referido livro foi citado 487.113 vezes em textos de jornais, revistas semanais, sites e blogs, e 82.978 vezes citado e referenciado em publicações acadêmicas (Livros e Capítulos; Artigos em Periódicos Científicos; Monografias e Trabalhos de Conclusão de Curso: Monografias de Graduação, Dissertações e Teses), até 2017, a totalizar 570.091 citações (Fig. 3). Esse dado, dentre as publicações acadêmicas, demonstra a apropriação mundial do livro, o tornando uma citação perene (OKUBO, 1997), ou seja, terá acima de 1.000 citações por ano nas publicações acadêmicas, como, por exemplo, os livros A estrutura das revoluções científicas (KHUN, 1963) e O Capital (MARX, 1867).
Na primeira década de publicação (1968-1977), e a avaliar geoespaciamente, o livro Pedagogia do Oprimido foi mais citado nas publicações acadêmicas por suas edições em idioma inglês e espanhol, nos países: Estados Unidos, Reino Unido e França (Fig. 4). Na segunda década (1978-1987), o livro já tinha um alto número acumulado de citações na Europa (> 15.000 citações), e essa tendência também vista América do Sul: Chile e Brasil, como ferramenta para transição do período ditatorial para o período democrático (GADOTTI, 2012). Na década seguinte (1988-1997), o livro alcança mais de 15.000 citações por país em mais de 15 países, com destaque para além das edições em inglês e espanhol, as edições em português, francês, italiano, alemão e russo. Na década de 1998-2007, o número alto de citações do livro foi registrado também em países africanos: África do Sul, e em países orientais, como: Japão, Índia, China e Coréia do Sul. Nesse período também se registra a tradução em outros idiomas: chinês, árabe, coreano, finlandês, holandês e outros. Na última década estudada (2008-2017), dos 206 estados soberanos membro das Nações Unidas, 121 tinham citações em publicações acadêmicas acima de 5.000 por país (59%). Ao analisar a distribuição geográfica, percebe-se a correlação direta, proporcional e significativa (r > 0,839) entre o número de citação nas publicações acadêmicas com o índice de desenvolvimento humano (IDH) do país, ou seja, quanto maior foi o IDH, maior o número de citações do livro Pedagogia do Oprimido. Essa relação é não determinística, mais de destaque, pois se pode inferir que em países com alto IDH, investem mais em educação, ciências, tecnologia e inovação, e são sedes das editoras de livros e periódicos, e consequentemente, estimulam mais a publicação em geral (KEALEY, 1996; HIRSCH, 2005).
Nas primeiras décadas de sua publicação o capitulo mais citado foi o 4°: “A teoria da ação antidialógica”, e mais recentemente, o 2° capítulo: “A concepção ‘bancária’ da educação como instrumento da opressão”, que é a parte do livro mais citada mundialmente (Fig. 5). No início, décadas de 70 e 80, o livro serviu de subsídio intelectual para a união da comunidade contra o falseamento do mundo, que foi implantado pelas elites dominadoras para manipulação das massas, conquistando-as, dividindo-as e dominando a cultura contra a criação e autoria, e já na década de 90 e início do século XXI, o livro é base fomentadora da educação problematizadora, horizontal e significativa, a negar a existência de um ‘ignorante absoluto’ e de um ‘sábio absoluto’ (THOMAS, 2009).
O perfil do leitor do livro é em sua maioria que se declara do gênero feminino (66% - Fig. 6A), que lê com um viés acadêmico (88% - Fig. 6B), de classe econômica A e B (61% - Fig. 6C), que reside em regiões com alto índice de desenvolvimento humano (47% - Fig. 6D), de idade entre 25 e 36 anos (59% - Fig. 6E), e com ensino superior (46% - Fig. 6F). E não há diferença significativa (p > 0,05) do perfil do leitor que toma emprestado o livro na biblioteca daquele que compra o livro Pedagogia do Oprimido (Fig. 7). Esse perfil talvez não fosse o esperado por Paulo Freire, que teoricamente, por interpretação da literatura, queria que o livro atingisse aqueles que necessitariam de uma libertação política, cultural, social e educacional (oprimidos) (CARVALHO; PIO, 2017). Por outro lado, a leitura do livro pelo opressor, poderia o fazer resignar frente as ações que executa em relação ao oprimido. Na sua comunicação A importância do ato de ler (FREIRE, 1982) e no livro da Pedagogia da Esperança (FREIRE, 1992), o autor reflete sobre isso, para os excluídos, a conscientização pela práxis talvez seja mais efetiva do que uma conscientização pela hermenêutica (GONÇALVES; DITTRICH, 2014).
Outro dado de destaque foi o gênero dos principais autores das publicações acadêmicas que citaram o livro Pedagogia do Oprimido, a maioria do sexo masculino, 71% como primeiro autor (Fig. 8A), 58% como segundo autor (Fig. 8B), e 77% como terceiro autor (Fig. 8C), sendo que a maioria dos trabalhos que citaram o referido livro continham até dois autores (89%). Esse dado contrapõe ao perfil dos leitores, apesar de haver uma mudança nesse sentido, ou seja, o aumento do público feminino e que se declaram não binários como autores principais de publicações que citam o livro Pedagogia do Oprimido. Essa diferença de gênero também pode ser atribuída a um reflexo da desigualdade na ciência mundial (HOLMAN; STUART-FOX; HAUSER, 2018).
O que se observou ao longo do tempo foi a aceitação e negação do livro nas próprias citações, como se pode observar na Figura 9, o livro sendo utilizado como base teórica para reinvindicações em marcha (Fig. 9A e 9B), e uma caricatura do livro banido (Fig. 9C). Isso foi certificado pelas palavras mais citadas no momento da aceitação (Fig. 10A) ou negação (Fig. 10B). A aceitação pelos autores, no que eles relataram, é que o livro é um projeto de humanização, de conscientização, de interpretação da leitura do mundo, de transformação do sujeito frente a seu percurso histórico (construção do ser singular), de constante diálogo e síntese para libertação da relação opressor-oprimido, de vivência e de reflexão como um saber basilar (práxis), tudo isso atachado com notas e citações, e certificado pelas palavras mais citadas: humanização, transformação, libertação, diálogo, conscientização, sujeito e vivência (Fig. 10A). A negação do livro não foi baseada em sua interpretação do texto, mas na depreciação, na descontextualização, e na fundamentalização da obra sem a referência textual, como se o livro fosse uma reprodução comunista e marxista, de um método que atrapalha a economia, o trabalho, a globalização, e por consequente, a produtividade do ‘homem moderno’ (Fig. 10B).
O próprio Paulo Freire, no livro Pedagogia da Esperança (FREIRE, 1992), e relatado também por Gadotti (2016), reconheceu outros dois pontos que poderiam ter sido tratados linguisticamente no livro Pedagogia do Oprimido: uma linguagem machista e hermenêutica. Outro texto, interpreta que o problema não está no livro per si, ou na obra de Paulo Freire, que são textos para servirem de elementos de discussão, e sim, na institucionalização da obra desse autor, por parte dos cientistas da educação, como se fosse algo a ser seguido fielmente, ocasionando a opressão de citar ou interpretar estudiosos de Paulo Freire (BRAYNER, 2017).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A condução metodológica da análise bibliométrica geohistórica, do perfil dos leitores e de toda narrativa sistematizada foi efetiva, tanto na qualidade do dado amostrado, quanto na sua análise e sintetização. Ao longo dos cinquenta anos de sua publicação, o livro Pedagogia do Oprimido possui uma citação perene e progressiva, ou seja, será ainda mais citado em número e em frequência, que foi apresentado e a mostrar que a tentativa de seu banimento não obteve sucesso (Hipótese 1 = refutada). Os pesquisadores que mais referenciaram o livro são mais de países do hemisfério norte e de alto índice de desenvolvimento (Hipótese 2 = refutada). O perfil de seu leitor se declara do gênero feminino, que lê o livro com um viés acadêmico, de classe econômica A e B, que reside em regiões com alto índice de desenvolvimento humano, de idade entre 25 e 36 anos, e com ensino superior, um perfil que consegue em teoria enxergar a campo de opressão superestrutural (Hipótese 3 = refutada). Outros destaques foram: i) a igualdade estatística entre o perfil do leitor do livro por empréstimo em bibliotecas daqueles que compram o livro, e ii) a maior parte dos autores e co-autores das publicações que citam Pedagogia do Oprimido se declaram do gênero masculino.