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História da Educação

versión impresa ISSN 1414-3518versión On-line ISSN 2236-3459

Hist. Educ. vol.24  Santa Maria  2020  Epub 05-Jul-2020

https://doi.org/10.1590/2236-3459/99350 

Dossiê: História da Educação Matemática

HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA NO CURSO PRIMÁRIO E FORMAÇÃO DE PROFESSORES NO BRASIL

Wagner Rodrigues Valente1 
http://orcid.org/0000-0002-2477-6677

Maria Célia Leme da Silva2 
http://orcid.org/0000-0001-6029-0490

1Universidade Federal de São Paulo - Campus Guarulhos (Unifesp), Guarulhos/SP, Brasil.

2Universidade Federal de São Paulo - Campus Diadema (Unifesp), Diadema/SP, Brasil.


Resumo

O artigo sintetiza resultados de pesquisas que vêm sendo desenvolvidas sobre as transformações do ensino de matemática para o curso primário e a matemática presente na formação de professores, desde o século XIX até meados do século XX no Brasil. Problematiza-se o entendimento das relações entre o campo disciplinar matemático e a pedagogia, confirmando a hipótese teórica de que as articulações entre os dois campos produzem matemáticas de naturezas diferentes e articuladas entre si.

Palavras-chave: formação de professores; curso primário; matemática a/para ensinar; método intuitivo; Escola Nova

Abstract

This article discusses results from research developed on the transformations in mathematics teaching in primary school and the mathematics in teacher training from the 19th century to the mid-20th century in Brazil. We have analyzed the understanding of the relationship between the mathematical disciplinary field and pedagogy in order to confirm the theoretical hypothesis that the interactions between the two fields produce mathematics of different natures, which are interconnected.

Keywords: teacher training; primary school; mathematics to teach; mathematics for teaching; intuitive method; Progressive Education

Resumen

El artículo resume los resultados de la investigación que se ha desarrollado sobre las transformaciones de la enseñanza de las matemáticas para la escuela primaria y las matemáticas presentes en la formación docente, desde el siglo XIX hasta mediados del siglo XX en Brasil. La comprensión de las relaciones entre el campo disciplinario matemático y la pedagogía se problematiza, lo que confirma la hipótesis teórica de que las articulaciones entre los dos campos producen matemáticas de diferentes naturalezas y articuladas entre sí.

Palabras clave: formación docente; escuela primaria; matemáticas a enseñar; matemáticas para enseñar; método intuitivo; Nueva Escuela

Résumé

L'article résume les résultats des recherches développées sur les transformations de l'enseignement des mathématiques à l'école primaire et des mathématiques présentes dans la formation des enseignants du Brésil du XIXe au milieu du XXe siècle. La compréhension des relations entre le champ disciplinaire mathématique et la pédagogie est problématique, confirmant l'hypothèse théorique selon laquelle les articulations entre les deux champs produisent des mathématiques de natures différentes et articulées l'une avec l'autre.

Mots-clés: formation des enseignants; école primaire; mathématiques à enseigner; mathématiques pour enseigner; méthode intuitive; Nouvelle École

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A escrita de uma história da educação matemática no curso primário e formação de professores tem como objetivo destacar as mudanças ocorridas desde meados do século XIX às primeiras décadas do século passado em duas formas de saberes matemáticos presentes na educação primária. O primeiro diz respeito a uma matemática a ensinar, entendida como o objeto de ensino do professor que ministra aulas nos primeiros anos escolares (BERTINI; MORAIS; VALENTE, 2017). Refere-se à matemática do ensino, à matemática presente nos documentos oficiais, nos programas de ensino, e em toda sorte de referências que indicam o que e como os professores deverão ensinar no curso primário, quando do momento da prática docente de matemática. Estudos sobre história das disciplinas escolares, como os de André Chervel (1990) revelam a complexidade de elaboração dos saberes presentes no ensino. A partir desse autor, consideramos que a matemática a ensinar deva ser analisada em seu processo histórico de elaboração, que inclui o estudo de dinâmicas de relacionamento e lutas de representação (CHARTIER, 1990) entre o campo disciplinar - no caso, a matemática - e o campo didático-pedagógico, as ciências da educação.

De outra parte, no que toca à formação de professores que ensinarão matemática no curso primário, considera-se a existência de uma outra matemática. Trata-se de uma matemática presente na formação de professores com vistas a capacitar o futuro docente para o exercício profissional da docência. Tal matemática designamos por matemática para ensinar (BERTINI; MORAIS; VALENTE, 2017). Trata-se de uma ferramenta de trabalho que precisa fazer parte da formação do professor. Com ela, o futuro professor do curso primário estará habilitado para o ensino da matemática.

Assim, o presente artigo analisa o movimento de transformação da matemática a ensinar e da matemática para ensinar para a produção de uma história da educação matemática no curso primário e na formação de professores, a partir de resultados de pesquisas coletivas desenvolvidas sob a coordenação dos autores deste estudo18.

A ARITMÉTICA NO ENSINO E NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES

Estudos mostram que a formação de professores que ensinam matemática (aritmética) apresenta-se, pelo menos até as décadas finais do século XIX, como totalmente voltados ao campo disciplinar (VALENTE, 2011). Assim, a formação de professores inclui as rubricas da Aritmética idênticas àquelas que estão presentes no ensino secundário, sem qualquer especificidade ou orientações que articulem tal disciplina com as necessidades de sua docência nos primeiros anos escolares.

Progressivamente, no entanto, ocorrem modificações nas disciplinas de formação de professores, tendo em vista o exercício da docência como profissão. A partir de 1880, a presença da vaga intuitiva19 na educação promoverá de modo crescente uma tensão entre a formação de professores e o ensino que deverá ser ministrado de modo intuitivo, em acordo com a nova pedagogia, que se instala internacionalmente, sob a égide da retomada de autores como Pestalozzi, Fröebel dentre outros.

O movimento contínuo de profissionalização da docência produz novos saberes para a formação de professores, resultante da tensão entre os campos disciplinares, sendo as disciplinas do curso secundário modelo para a formação de professores, e a pedagogia moderna, alimentada pelo método intuitivo20. Em específico, a matemática presente na formação dos futuros professores sofre modificações. Configura-se, historicamente, uma matemática para ensinar - uma ferramenta de trabalho para o exercício da docência. E, no âmbito da existência de uma matemática para ensinar, em particular, uma aritmética para ensinar.

Desde meados do século XIX, por referência ao curso secundário, na formação de professores, são utilizadas obras de Aritmética que abordam sistema de numeração, operações aritméticas, frações, números decimais, razões, proporções etc. explicitando a organização de uma aritmética a ensinar. Tais conteúdos deverão formar o futuro professor em matemática (aritmética)21. A lógica dessa formação é a mesma daquela que organiza os assuntos aritméticos: segue uma ordenação interna dos conteúdos da aritmética. Como ensinar, para quem ensinar, quando ensinar e onde ensinar tal aritmética são questões que não ganham importância no trabalho do professor formador de novos professores. A ênfase nessa formação refere-se ao domínio do conteúdo matemático, do conteúdo das aritméticas de referência dos cursos de formação; os mesmos utilizados no curso secundário (VALENTE, 2011).

A vaga intuitiva irá alterar essa identidade entre aritmética a ser ensinada pelo futuro professor - aritmética a ensinar - e aquela que deverá formar esse professor - aritmética para ensinar. Há que se colocar ênfase em um novo paradigma vindo de antigos filósofos educadores, como Pestalozzi, Fröebel e outros, como dissemos antes. Numa nova perspectiva, enfatiza-se que o ensino deverá estar em conformidade com o modo como se aprende. E se aprendem os primeiros passos da matemática intuitivamente. A vaga intuitiva irá provocará tensões e debates para a alteração na formação de professores (VALENTE, 2011). Enfim, é preciso que o trabalho docente tenha uma especificidade maior e seja mais profissional, que o professor seja formado atentando para os avanços da pedagogia, da pedagogia moderna. Deve haver um afastamento da ideia de formação com uma cultura ampla, vasta, geral. Cabem modificações com ênfase numa cultura profissional da docência. O novo profissional da docência precisa estar munido de um novo saber profissional. Em lugar de dar a ele uma formação idêntica àquela dos cursos secundários, disciplinar, torna-se imperativo promover uma articulação entre aquilo que deve ser ensinado e a formação do futuro professor.

É importante ter em conta que o final do século XIX é considerado o tempo das primeiras práticas de expertises no campo pedagógico, realizadas por pessoas do meio escolar, de “homens de bem” que depois tornar-se-ão profissionais, realizando pesquisas pontuais, experimentando métodos novos, elaborando as premissas de um campo disciplinar da Ciências da Educação (HOFSTETTER et al., 2017).

Processos complexos mostram historicamente como é organizada uma nova aritmética em tempos da vaga intuitiva. Configura-se um novo saber a ser ensinado nos primeiros anos escolares, uma aritmética intuitiva. Será essa aritmética um novo saber a ensinar. Uma aritmética a ensinar. Uma aritmética intuitiva a ensinar.

Estudos como o de Oliveira (2017), investigaram as características que consolidaram a aritmética intuitiva como uma matemática a estar presente no ensino, uma matemática a ensinar, uma aritmética a ensinar. O autor realiza uma extensa análise de um conjunto de livros didáticos do período e com ela, pôde caracterizar uma aritmética intuitiva.

[...] a Aritmética intuitiva da pedagogia moderna rompeu com a ideia de que a Aritmética era um saber exclusivamente escolar. Antes, as questões da vida prática quase nunca eram tratadas, e quando abordadas constituíam tarefas à parte. Com a pedagogia moderna, este novo saber inverteu a lógica, já que não se cogitava ensiná-lo explorando situações reais. Indicou-se que os conteúdos fossem estruturados relacionando a vida social da criança com a vida escolar. Esta foi uma maneira de a criança passar a aprender e apreender a Aritmética na aplicação natural das suas necessidades reais. Desta forma, a Aritmética passou a ser uma matéria que dava oportunidade de a criança aplicar na vida social aquilo que aprendia na vida escolar. Uma matéria que extraía da vida social as situações para compor e conduzir as tarefas da vida escolar (OLIVEIRA, 2017, p. 245-246).

Junto da caracterização de uma aritmética intuitiva, a vigir a partir de décadas finais do século XIX, consolidando-se nas primeiras décadas do XX, os cursos de formação de professores - em especial as escolas normais - irão produzir saberes para ensinar essa nova matéria. Assim, uma nova aritmética para ensinar será desenvolvida para a formação dos futuros professores. E ela será diferente daquela lida apenas nos tratados de aritmética, referências utilizadas nos cursos secundários. A nova aritmética para ensinar ganhará as páginas dos manuais de pedagogia, presentes como referências na formação de professores dada nas escolas normais (MACIEL, 2019).

Já logo ao início da pedagogia moderna, de método intuitivo, circulam compêndios de pedagogia pelas escolas normais como os Antônio Pontes, publicado em primeira edição no ano de 1873. O autor foi professor vitalício da Escola Normal do Rio de Janeiro e seu diretor. Nas pouco mais de duzentas páginas de sua obra está presente o que poderíamos chamar de uma aritmética para ensinar.

Nas orientações aos futuros professores, o autor pondera que eles deveriam ter em conta que o início do trabalho pedagógico deve considerar a necessidade de posse de um saber importante: o ensino do cálculo oral, o cálculo de modo verbalizado. Tal processo estava distante da tradição colocada pela escola que fazia uso da memória. Este será um saber profissional novo, ensinar oralmente a calcular, sem que haja memorização. Afinal, a criança não sabia nem ler, nem escrever. Primeiramente os objetos deviam ser apresentados às crianças, considerados como dispositivos a serviço da intuição. Sendo assim, era necessário que o professor soubesse ensinar pelo método intuitivo.

Um outro saber profissional novo, colocado em destaque nesse compêndio, refere-se ao tratamento a ser dado inicialmente às operações aritméticas. O professor precisava saber como ultrapassar a tradicional memorização da tabuada. Para tal, profissionalmente, tinha que saber como ensinar o cálculo mental. Para ensinar o cálculo mental, o professor já teria realizado com os alunos os cálculos intuitivos por meio de objetos empíricos. Ou seja, primeiramente o docente deveria ensinar as operações com o uso de objetos que fizessem parte do universo da criança, depois repeti-las, e com esforço e hábito, os resultados desse trabalho seriam confiados à memória. As operações seriam mais facilmente memorizadas se o ensino se desse por processos intuitivos. A memória viria pelo entendimento das operações com objetos concretos e não, pelo fato do aluno ter sido levado a decorar a tabuada. Como se vê, um saber que o professor deveria possuir muito distinto do que já estava assentado tradicionalmente nas práticas dos professores (MACIEL; VALENTE, 2018).

Os manuais de pedagogia, como os de Pontes (1873), para além de expressarem a vaga pedagógica do tempo em que são editados - a vaga pedagógica do ensino intuitivo - irão oferecer aos professores uma sistematização de saberes para a formação docente, indicando como tratar as diversas rubricas que fazem parte do ensino primário. Nos termos que estamos utilizando, os manuais de pedagogia sistematizam saberes para ensinar. Quando tratam da matemática (aritmética, geometria, desenho etc.) expressam a matemática para ensinar, ferramenta de trabalho do futuro professor.

No advento do chamado movimento da Escola Nova - um movimento de diferentes tendências para ensino, em boa medida, no seu conjunto, advogando um tratamento mais científico à educação, alimentado pelos avanços obtidos pela psicologia experimental de base estatística - novas obras surgirão de modo a poderem capacitar o professor para o ensino de uma nova aritmética: a aritmética sob medida (PINHEIRO, 2017).

Em tempos de pedagogia escolanovista, era o saber considerado como científico quem tinha autoridade para propor e defender soluções adequadas aos problemas da educação, ou seja, dos laboratórios deveriam emanar as respostas para esses problemas. A pedagogia científica, vertente importante da Escola Nova, ao enfatizar como cientificamente deveriam ocorrer os ensinos, de modo a que fosse possível torná-los eficientes, reorganizou os conteúdos das rubricas escolares, em particular da aritmética, de modo a que a sua seriação, graduação e sequência atendessem aos resultados advindos dos testes psicológicos e pedagógicos, auferidos em base estatística pela psicologia experimental. Os testes psicológicos avaliavam a maturidade dos alunos no início do processo escolar, na organização das primeiras classes; enquanto que os testes pedagógicos (diagnóstico), empregados no decorrer do ensino, auxiliam a prática do professor, em particular, na escolha de métodos adequados (considerados como remédios) para solucionar problemas, aumentar o rendimento do aluno e a eficiência do ensino (PINHEIRO, 2017).

Dessa forma, diferentemente da vaga pedagógica que lhe antecede - a pedagogia intuitiva - a pedagogia científica não preserva a organização lógica das rubricas escolares, modificando tão somente o método de ensino. Em lugar dessa ordem tradicional de organização dos conteúdos escolares, e um novo método, caberia uma nova ordem - a ordem psicológica dos conteúdos, configurando uma aritmética sob medida (PINHEIRO, 2017). Surge, desse modo, uma nova aritmética a ensinar, conformada por uma aritmética sob medida.

Assim, o ensino da aritmética sofrerá modificações. Ao considerar o sujeito que aprende, no ensino de aritmética, confirmou-se a hipótese de que as quatro operações fundamentais possuíam dificuldades inerentes a cada uma delas, o que requeria uma sistematização do que deveria ser ensinado em cada idade escolar. Não se tratava de uma alteração na ordem de apresentação de cada operação, da sequência já naturalizada de ensinar primeiro a adição e em seguida a subtração, multiplicação e divisão. Tratava-se de uma alteração na ordem de aprendizagem de certas combinações aritméticas, tendo em vista, que a ordem da combinação alterava o grau de dificuldade de ensino da operação. Do ponto de vista da psicologia ensinar, por exemplo, 6 + 9 não seria o mesmo que ensinar 9 + 6, a primeira combinação numérica se apresentava muito mais difícil para a criança do que a segunda. Além disso, as operações não poderiam mais ser aprendidas todas ao mesmo tempo, tal como ocorria com o ensino que ficou conhecido por “método Grube”, nome de professor alemão, um dos defensores do método intuitivo. Cada uma delas seria ensinada em separado. Posteriormente, o saber adquirido era tomado como ponto de partida para a aquisição de uma nova operação. Não se aprendia mais a tabuada de uma operação, antes de se ter aprendido separadamente todas as suas combinações. A ordem lógica de disposição crescente das várias combinações de que se constituía a tabuada deveria ser alterada. A nova disposição precisaria atender a outra lógica de estruturação, uma ordem psicológica visando facilitar aquisição dos saberes aritméticos, tendo por objetivo maior rapidez e exatidão na execução das operações (PINHEIRO, 2017).

Pode-se afirmar que, para atender o ensino de uma aritmética sob medida, a pedagogia científica é geradora de uma aritmética para ensinar cujo foco não está no como, mas na ordem em que se deveria ensinar os exercícios relativos às operações aritméticas. Não está em destaque uma pedagogia da matemática (aritmética) a partir da qual o professor deveria estar atento para empregá-la no ensino; diferentemente, o professor necessitaria utilizar sequências precisas, consideradas científicas, na seriação dos exercícios e problemas aritméticos. Seguindo um passo-a-passo de exercícios cuidadosamente selecionados e graduados estaria garantida a eficiência do trabalho docente. Tais considerações podem ser lidas numa aritmética para ensinar sistematizada por um dos autores mais populares de seu tempo, em termos da quantidade de edições e circulação de seus manuais pedagógicos para a formação de professores: Miguel Aguayo (SILVA, 2005).

Aguayo é autor do manual Pedagogia Científica: Psicologia e direção da aprendizagem, publicado em 1936. Nele, o autor faz saber aos professores que a aritmética visava um ensino que fosse prático. A compreensão do sentido de um ensino prático, para a aritmética, ligava-se à necessidade de que a aprendizagem pudesse levar o aluno a efetuar rápida e corretamente as operações aritméticas. Para tal, o professor deveria atentar para o papel das sequências de exercícios. Não estaria a bel prazer do docente indicar, sem referências científicas, a proposição de um conjunto qualquer de exercícios sobre uma dada operação. Para tal, haveria que se ter em conta os estudos já realizados, as sequências já estabelecidas pelos testes pedagógicos, analisados sob a ótica estatística de aferição.

Assim sendo, é possível dizer que nesse caso, os experimentos são geradores de saberes profissionais do professor que ensina aritmética, pois são eles que deveriam estabelecer a ordem de trabalho do professor, são verdadeiros instrumentos desse profissional, trata-se assim de um tipo de aritmética para ensinar.

Pode-se afirmar ainda que, se por um lado a pedagogia científica produziu em determinado momento histórico uma aritmética própria da escola e, portanto, uma aritmética a ensinar, uma aritmética sob medida, embasada principalmente nos testes, por outro lado, articulada a essa aritmética, o método experimental foi responsável por uma aritmética específica da docência, uma aritmética para ensinar. Que características principais têm tal aritmética, como ferramenta profissional, um saber profissional da docência em aritmética para os primeiros anos escolares?

Diferentemente de tempos anteriores, onde o professor, de certo modo, poderia escolher e elaborar exercícios para que seus alunos resolvessem, baseados em explicações dadas previamente, tal concepção sofre alterações. A nova pedagogia, a pedagogia científica, dita ao professor uma nova postura profissional. Diante do ensino de aritmética na escola primária, o docente deveria estar atualizado com os resultados vindos de estudos científicos, promovidos pela psicologia experimental de base estatística. Em termos práticos, caberia ao futuro professor ter em conta tabelas, sequências de exercícios, que sendo resolvidos passo-a-passo pelos alunos, iriam levá-los à aprendizagem de uma aritmética prática, isto é, uma aritmética onde conseguiriam efetuar rápida e corretamente os cálculos advindos das quatro operações fundamentais. Tais sequências adviriam dos testes mentais e pedagógicos. Configurariam um instrumento testado e aprovado a ser colocado em uso pelos futuros professores.

No percurso histórico em que se passa pela Pedagogia Moderna de método intuitivo, dela para a Escola Nova e a cientificidade das propostas educativas, chega-se, para a Matemática ao Movimento da Matemática Moderna. Em cada uma dessas épocas, de pedagogias diferentes, de campos disciplinares transformados, relações diferentes se estabelecem entre o campo pedagógico e as disciplinas científicas. Essas relações promovem a elaboração de novos saberes: saberes para ensinar e saberes a ensinar. Matemática para ensinar e matemática a ensinar. O estudo das mudanças da aritmética para ensinar é revelador das mudanças do saber profissional do professor que ensina matemática.

A GEOMETRIA E O DESENHO NO ENSINO E NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES

O século XIX é considerado o berço para a elaboração de uma geometria, tanto como um saber escolar, próprio para estar presente no ensino, como um saber profissional, ferramenta de trabalho para os docentes. Do ponto de vista do ensino, ela nasce com a designação de geometria prática, com o objetivo de atender as necessidades aplicadas ao campo, como práticas de cálculo de medidas (LEME DA SILVA; VALENTE, 2014).

Entretanto, estudos indicam que a geometria prática ao adentrar os muros escolares, como atividade pedagógica, muda a sua finalidade inicial e se traduz em uma geometria prática atrelada à prática do exercício do olhar, da observação de medidas e formas e de reproduzir desenhos à mão livre de figuras geométricas22. Um dos primeiros manuais escolares23 a orientar o ensino da geometria brasileiro é o livro de Francœur (1819)24, traduzido e adaptado para português. Desta maneira, o caráter prático de atividades rurais, como medição de terrenos, migra para uma prática de desenhar, de construir de linhas, ângulos, figuras planas e até desenhos em perspectiva de sólidos geométricos. Uma geometria escolar que se configura como desenho à mão livre.

Junto a essa geometria do ensino, uma geometria a ensinar, no que se refere à formação de professores, tem-se a relevância dos manuais escolares como orientadores para a prática de ensinar geometria, num momento de criação das primeiras escolas formadoras de professores. É possível dizer que são poucos e raros os manuais que indicam procedimentos, métodos de ensino, materiais de apoio, organização e sugestão de atividades para serem utilizadas no ensino de geometria, ferramentas que subsidiam a prática docente, em outras palavras, elementos que constituem a geometria para ensinar, tendo em vista que ao longo do século XIX, a formação inicial do professor no Brasil era incipiente.

A marca da reprodução e da cópia de modelos (figuras geométricas) a partir da observação constitui o método de ensino das primeiras traduções e adaptações brasileiras, como uma “força de imitação”; sem que o professor forneça nenhuma orientação aos alunos. O desenho produzido é resultado do treino da mão para os traçados e do olhar para a prática de medir (LEME DA SILVA; VALENTE, 2014; OLIVEIRA, 2019).

Pode-se dizer que para a geometria a ensinar, os conceitos expostos nos manuais e, portanto, orientadores da prática docente referem-se ao campo disciplinar da Matemática, especificamente, à Geometria. Os conceitos caracterizam-se por linhas retas, suas relações (paralelas, perpendiculares), ângulos, figuras geométricas planas, circunferências, figuras espaciais. Observa-se que a ordem dos conteúdos de ensino proposta nos manuais é considerada como sintética, por acompanhar a própria da lógica dedutiva do campo científico, das partes para o todo.

De outra parte, a geometria para ensinar, os instrumentos para uso do professor como ferramentas para o ensino de geometria, revela-se fortemente atrelada a uma prática de desenho à mão livre, ou seja, os conceitos descritos devem ser reproduzidos pelos alunos por meio de cópia, como exemplo, aprende-se triângulo equilátero pela prática de reproduzir triângulos equiláteros à mão livre, o mais perfeito possível. O papel do professor (ou monitores25) nas lições propostas é o de corrigir as produções dos alunos (desenhos à mão livre) até que a reprodução perfeita seja atingida. O professor necessita conhecer a figura geométrica em questão, suas propriedades, e saber usar os instrumentos que validam o desenho do aluno, como régua, compasso, transferidor. No exemplo citado, saber que o triângulo equilátero deve ter lados e ângulos de mesma medida. Uma geometria para ensinar sustentada pela geometria a ensinar, pelos seus conceitos rigorosos e pela prática da reprodução como método de ensino. Assim, a articulação presente entre uma geometria a ensinar e uma geometria para ensinar refere-se a, de um lado, o professor ter ciência das propriedades das figuras geométricas (uma geometria para ensinar); de outro, com este saber das propriedades das figuras geométricas, validar os trabalhos realizados pelos alunos à mão livre (uma geometria do ensino, uma geometria a ensinar).

No que diz respeito às escolas normais, elas configuram-se como espaços em constituição no século XIX, com uma trajetória incerta e atribulada, submetidas a um processo contínuo de criação e extinção nas diferentes províncias do Brasil (TANURI, 2000). Valente (2011) analisa a Escola Normal de São Paulo no final do século XIX e constata que a cadeira de Geometria, ministrada pelo professor Godofredo Furtado26, configura-se como uma geometria dedutiva, seguindo a ordem dos teoremas a serem demonstrados, em acordo com o discurso lógico-dedutivo da Geometria, fiel ao campo disciplinar de referência e sem qualquer ligação aos aspectos de uma geometria prática a ser ensinada nas escolas. O saber profissional do professor vincula-se ao campo disciplinar, saber a Geometria Euclidiana era suficiente para a formação profissional docente nas escolas normas do século XIX.

De um lado o campo disciplinar geométrico, atrelado ao rigor da ciência, ao caráter abstrato dos conceitos, marca a formação do futuro professor. Uma geometria euclidiana, priorizando a forma axiomática dedutiva. De outra parte, no campo pedagógico, as orientações de ensino veiculadas em manuais escolares apontam para uma prática de desenhos à mão livre, identificada por D’Enfert (2007) como uma maneira simplificada do método de Pestalozzi, baseado na intuição ou na percepção que, como uma “arte da medida”, permite observar as formas, comparar com as figuras geométricas e representar por meio do desenho, sem ser preciso caracterizar ou definir as figuras geométricas, um ensino intuitivo. Pode-se dizer que, assim como na aritmética, a vaga intuitiva irá promover uma tensão entre a formação de professor e o ensino de uma geometria intuitiva, em acordo com a nova pedagogia.

Em relação aos manuais escolares que orientam o ensino de Geometria e de Desenho, as primeiras produções de autores brasileiros datam do final do século XIX. Diferentes pesquisas27 analisaram os manuais produzidos neste contexto, em particular, considerando os livros de Borges (1876), Gama (1880), Pacheco (1881) e Freire (1894). A característica comum ao grupo de manuais brasileiros é a inserção do desenho linear, visto como desenho geométrico, em que as construções das figuras são feitas com o auxílio de instrumentos, como a régua e o compasso; sendo que para alguns autores o desenho linear se apresenta de maneira explícita e para outros, implicitamente.

Os conteúdos abordados no conjunto das obras seguem a organização clássica da Geometria, inicia os traçados com as figuras planas para num segundo momento apresentar as espaciais, mantendo a mesma ordem de ensino das obras traduzidas e adaptadas, uma marcha sintética, das partes para o todo. Entretanto, diferente das primeiras obras, em que as figuras são somente observadas e reproduzidas, inserem-se em tais obras, as definições e propriedades que caracterizam as figuras geométricas. Neste sentido, considera-se que a geometria a ensinar, não se altera, ela é preservada e reforçada por suas conceitualizações, definições e propriedades da Geometria Euclidiana.

A diferenciação encontra-se no uso dos instrumentos pelos alunos para o desenho, assim, o desenho à mão livre é substituído pelo desenho geométrico. Uma vez mais, as bases para o ensino de geometria dos anos iniciais são fornecidas pelo desenho, porém, no caso do desenho geométrico, ajuntam-se os instrumentos de construção na prática de desenhar (LEME DA SILVA, 2018a). A ferramenta metodológica que apoia tal orientação é sustentada pelas definições, propriedades e sequência de passos a serem seguidos pelos alunos para a construção de figuras geométricas. O desenho geométrico das figuras e suas “receitas” de traçados constituem as ferramentas da prática pedagógica do professor, uma geometria para ensinar, vinculada à memorização. Diferente do primeiro momento, em que o professor somente avaliava as produções dos alunos, no desenho geométrico, é preciso o professor executar a construção antes que o aluno a reproduza, como consta, por exemplo, nas orientações do manual de Borges (1876).

Oliveira (2019) investiga elementos de profissionalidade28 em manuais escolares brasileiros de Desenho Linear para o ensino primário e normal no século XIX e conclui que o desenho linear refere-se ao estudo das figuras planas e dos poliedros e corpos redondos, e reitera a não preocupação com o cálculo de grandezas como perímetro, área e volume. A indicação inicial da formulação da primeira normatização da instrução pública em vincular a designação de geometria prática, com práticas de cálculo de medidas, não se faz presente nos manuais produzidos até o final do século XIX.

Novamente, recorremos ao compêndio de pedagogia a orientar a formação de professores, nas escolas normais, presente desde o início da vaga pedagógica do ensino intuitivo: a obra de Pontes (1873). Esse compêndio percorre as rubricas a estarem presentes no ensino primário. Também nele estão a Geometria e o Desenho. Nas orientações aos professores, o autor enfatiza que o tratamento dessas rubricas deverá afastar-se do livresco, do abstrato, longe ensinar teoremas por si só, deverá articular essa necessidade aos exemplos tirados das artes, da indústria. São diretivas dadas aos futuros docentes, passos iniciais de um saber profissional.

O Compêndio de Silva Pontes revela-se como documento importante que sistematizou e objetivou um saber profissional de seu tempo. Um guia “para moços aspirantes ao magistério”. Para tornar-se professor a uma época em que era bastante ter já cursado o ensino primário. Imerso num contexto internacional da vaga intuitiva, o livro organizou uma matemática (uma aritmética, uma geometria/desenho) para ensinar. Sem deixar de mostrá-la articulada a uma matemática a ensinar (MACIEL; VALENTE, 2018).

O manual de Calkins (1886)29, mesmo sem ser um compêndio de pedagogia, teve grande circulação no período e foi considerado referência do método intuitivo, de acordo com os princípios de Pestalozzi. A obra não apresenta lições de geometria e sim, lições de formas, para observar diferenças e semelhanças entre figuras geométricas; além das primeiras lições de desenho de figuras geométricas que deveriam ser feitas à mão livre. O autor enfatiza a importância de que o professor deve saber o que ensinar, como ensinar e quando ensinar, assim sendo, as lições de formas, propostas por Calkins, devem ser desenvolvidas num trabalho simultâneo com formas planas e sólidas (FRIZZARINI; LEME DA SILVA, 2016). A observação das formas, associação com objetos do cotidiano da criança, na busca por semelhanças e diferenças, sem necessidade de defini-las, juntamente com a reprodução das mesmas pelo desenho à mão livre configuram-se como ferramentas de apoio ao professor, uma geometria para ensinar.

No caminhar da produção de manuais de pedagogia elaborados para uso nas escolas normais, para a formação de futuros professores do ensino primário, como se viu anteriormente, encontra-se a obra Princípios de Pedagogia (1892), de Augusto Coelho. Em meio aos tomos da monumental obra de Coelho, tem-se a sessão “Apresentação pedagógica das formas geométricas e relações quantitativas”. As formas ganham destaque na proposta de Coelho como objeto da ciência, que permitem trabalhar os elementos, transitando do concreto para o abstrato e vice-versa, de modo a empregar ordem analítica, sintética e objetiva. Desde logo percebe-se tratar-se de uma sistematização de uma geometria para ensinar, que o autor denomina como pedagogia da geometria, tendo como suporte os materiais de Fröebel. Fica evidente a imbricação entre uma geometria a ensinar e saberes para ensinar geometria. Ou seja, a compreensão das orientações procedimentais para o ensino de geometria demanda necessariamente o domínio da geometria a ensinar, o que podemos observar quando, por exemplo, Augusto Coelho instrui o professor a começar o estudo das formas pelos sólidos redondos (esfera, cilindro e cone) e derivar para os sólidos poliédricos (hexaedros, prismas e pirâmides, respectivamente), derivação esta não feita por Fröebel (COELHO, 1892). A análise do manual de Augusto Coelho revela que ele considerava a geometria como uma matéria de ensino estabelecida e consolidada na formação de professores primários, dado o tratamento que o autor emprega à sistematização da “apresentação pedagógica das formas geométricas”, destacando orientações para o ensino dessa rubrica tendo a geometria a ensinar como pressuposto (FORTALEZA; VALENTE, 2019).

Junte-se ainda o manual produzido pelo diretor da Escola Normal de São Paulo, Gabriel Prestes (1895). Prestes destaca o caráter abstrato da Geometria que dificulta a compreensão dos alunos e assim defende que seu ensino seja iniciado com o familiar e conhecido da criança, que não coincide com o mais simples do campo científico, visto que o espírito infantil é impressionado pelos objetos que o rodeiam e as noções de linhas, áreas e volumes. Propõe uma geometria intuitiva, prática, na qual faz uso de recortes, moldes, trabalha com sobreposição e composição de figuras, como o exemplo de medidas de áreas de superfícies (LEME DA SILVA, 2018b).

Tem-se assim, a convivência, em termos de referências, de propostas diferentes para a geometria para ensinar. De um lado, obras em que o campo disciplinar da Geometria é privilegiado, com as definições, propriedades e construções geométricas; e de outra parte, obras em que o campo da Pedagogia, em especial, o método intuitivo em voga, é enfatizado, com destaque para a observação de semelhanças e diferenças entre formas geométricas e medidas de grandezas. Possibilidades distintas para formar o futuro professor que ensinará geometria nos primeiros anos escolares.

As tensões entre o campo disciplinar e as ciências da educação no movimento crescente de profissionalização do campo da docência parecem ficar explicitadas na comparação entre esses dois tipos de obras que referenciam a formação de professores. De um lado, os livros de geometria e de desenho reforçando o caráter disciplinar dos saberes; de outro, os manuais pedagógicos, os tratados de pedagogia, que no seu interior promovem incursões aos vários campos disciplinares, buscando orientar os saberes para a docência.

Outro fator importante a ser pontuado e analisado nos processos de transformações dos saberes do ensino e da formação docente em Geometria no final do século XIX é o movimento de inserção da matéria escolar Trabalhos Manuais no curso primário, assim como de uma disciplina de mesma designação nos Cursos Normais, em diálogo com o processo de escolarização dos trabalhos manuais em âmbito internacional. Entre as diversas finalidades da inserção dos Trabalhos Manuais na escola primária, destaca-se a de auxiliar no ensino de outras matérias, em especial aquelas que envolvem saberes matemáticos. Pode-se constatar que diversas atividades de trabalhos manuais, como modelagem, cartonagem, entre outras adentram às escolas e a formação de professores, porém neste primeiro momento, apresentam articulações iniciais tanto nas normatizações, como nos manuais que orientam a formação de professores. Os trabalhos manuais empregam conceitos matemáticos (como medidas, ângulos) para que o resultado final dos objetos confeccionados se assemelhe com figuras geométricas planas ou espaciais, no entanto, não se tem a intenção de mobilizar tais objetos no estudo de suas formas geométricas e propriedades. (FRIZZARINI, 2018).

As obras que enfatizam a pedagogia emergente revelam que está em marcha a elaboração de saberes para ensinar. Tratam-se de propostas de ensino que imprimem uma pedagogia aos saberes disciplinares. Assim, é possível considerar que elas apresentam uma pedagogia para a geometria, sistematizando uma matemática para ensinar tais rubricas; sistematizando uma geometria intuitiva, uma geometria para ensinar. A chegada de uma nova vaga pedagógica - o escolanovismo - dará uma nova configuração aos processos e dinâmicas de elaboração de saberes para ensinar.

É a partir do movimento pedagógico internacional da Escola Nova que se identifica a preocupação mais aguda com a formação de professores de métodos e processos de ensino. Com o movimento, busca-se acelerar o processo de profissionalização docente. Nos diferentes estados do país criam-se instituições e reformas educacionais com o objetivo de irradiar propostas inovadoras com base nas discussões da Escola Nova e marcam definitivamente a cultura do ensino normal, sobretudo na inserção e a valorização de saberes profissionais para o exercício da docência. Tais instituições assumem características diferentes em cada estado, porém a perspectiva comum é a ênfase no que poderíamos chamar de matemática para ensinar (OLIVEIRA et al., 2016).

Assim, as tensões entre o campo disciplinar e o pedagógico, reveladas pelos diferentes materiais: manuais didáticos versus manuais de pedagogia, ganham um novo patamar. Vão sendo reconfiguradas as referências para a formação de professores, surgindo os manuais didáticos de metodologias especiais para o ensino das diferentes rubricas como a aritmética, a geometria dentre outras.

Desse modo, será possível notar o movimento de passagem de uma pedagogia da geometria e do desenho, lida nos tratados de pedagogia; para uma metodologia da geometria e do desenho, que ganha sistematização nas obras que referenciam as didáticas especiais de formação dos professores.

A Pedagogia caracterizada como Escola Nova irá provocar reconfigurações nas propostas de ensino de Geometria do curso primário. A presença do desenho geométrico vinculado ao ensino de Geometria segue, porém, perdendo forças. Algumas pesquisas fornecem indícios dessa mudança.

O estado de São Paulo cria uma matéria designada por Formas, para os dois primeiros anos do curso primário e desloca a Geometria para os dois anos finais. A matéria Formas incorpora as propostas dos Trabalhos Manuais ao propiciar o manuseio e a confecção pelos alunos dos sólidos e figuras geométricas, caracterizada como uma Geometria experimental e a matéria Geometria aprofunda conceitos, realiza construções com instrumentos e desenvolve noções de áreas e volumes, sendo caracterizada como uma Geometria conceitual (FRIZZARINI, 2014). Ao que parece, o que em tempo anterior configurava-se como uma geometria para ensinar - a atenção às formas - em tempo posterior transforma-se também numa geometria a ensinar: as formas como matéria de ensino.

Os Trabalhos Manuais no momento da Pedagogia da Escola Nova têm um campo fértil para sistematizar e consolidar o que havia sido ensinado nas demais matérias no período anterior, da vaga intuitiva. Observa-se uma dissociação dos trabalhos manuais nas matérias que compõem o curso primário, como Formas, Geometria, Desenho, Aritmética e Matemática. Por exemplo, os sólidos geométricos são reconhecidos e caracterizados pelo auxílio da modelagem e cartonagem (FRIZZARINI, 2018).

A análise desses materiais - obras de geometria e desenho, assim como de metodologias especiais, normatizações e revistas pedagógicas permitem dizer, em síntese, que no decorrer da primeira metade do século XX, o desenho geométrico vai se distanciando do ensino de Geometria, até desaparecer das normativas e, num movimento crescente os Trabalhos Manuais, que ganha valorização com o movimento da Escola Nova. Tudo indica que a realização de trabalhos manuais assume o papel da geometria para ensinar, como ferramenta de apoio e sustentação para o ensino da Geometria. Tratar-se-á de um novo saber profissional: o professor deverá estar capacitado para um saber fazer; tal saber fazer possibilitará ao docente ensinar os primeiros passos da geometria nos primeiros anos escolares.

A inserção dos trabalhos manuais no ensino de Geometria irá ainda alterar a geometria a ensinar, que segue como estudo das figuras geométricas, porém rompe com a ordem de conteúdos sintética (do plano para o espaço) empregada ao longo de todo o tempo. A prática do manipular e confeccionar moldes, assim como a de observar objetos do cotidiano, toma como ponto de partida os sólidos e segue para observação de faces e linhas, ou seja, a ordem adotada é a analítica, do todo para a parte. Outro elemento que contribui significativamente para a mudança na geometria a ensinar, o denominado método de círculos concêntricos apropriado por Heitor Lyra (1923) que privilegia a experiência no lugar do método clássico e assim obriga a articulação dos estudos do plano e do espaço ao longo da proposta, sem adotar uma única marcha, seja ela sintética ou analítica (SILVA; LEME DA SILVA, 2019). Retome-se a orientação de Coelho (1892) que indica uma ordem para o ensino das formas geométricas analítica, sintética e objetiva, neste momento, interpretada como círculos concêntricos.

A geometria a ensinar vai se transformando a partir de demandas de uma geometria para ensinar e desta forma, distancia-se do campo científico para aproximar-se das orientações pedagógicas. Ela se encontra em constante movimento, é regida por situações de ordem prática, que vão se agregando tendo em vista um saber específico de ensino da Geometria, em particular um movimento entre estudo de figuras planas e espaciais em conjunto, sem seguir a ordem lógica dedutiva da Geometria Euclidiana.

De outra parte, a geometria para ensinar, também se molda na dinâmica de respostas para o saber em questão, segue tendo o desenho como um aliado importante, mas não mais como uma geometria para ensinar, no lugar dele priorizam-se objetos tridimensionais, sejam eles do cotidiano ou construídos pela criança para o estudo da geometria. A relevância do método do Centro de Interesse de Decroly - umas das pedagogias que reforçam os processos globais de ensino - enfatiza a valorização dos objetos tridimensionais face aos desenhos.

Em síntese, pode-se inferir que a construção de uma nova geometria para ensinar, distanciada da ciência de referência da Geometria Euclidiana, configura-se como um processo longo da história da educação matemática. Os seus primeiros passos são dados a partir da vaga pedagógica de método intuitivo, tendo os manuais de pedagogia importância grande na sistematização do que poderia ser designado como uma “pedagogia do método intuitivo para ensinar geometria e desenho”. Posteriormente, com o progresso do movimento de profissionalização docente, já em tempos de Escola Nova, ganha atenção o desenvolvimento de rubricas para a formação de professores calcadas em metodologias especiais: a metodologia da aritmética, da geometria etc., trata-se de uma sistematização para o ensino da geometria, do desenho já não mais de modo amplo, como pedagogia, mas como uma metodologia para ensino dessas rubricas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As análises realizadas neste capítulo constituem reflexões sobre resultados de pesquisas que vêm sendo desenvolvidas sobre as transformações do ensino de matemática para o curso primário e a matemática presente na formação de professores, no âmbito de projetos coletivos de pesquisa. Do ponto de vista do avanço teórico para tratar o tema, a ênfase situou-se no entendimento das relações entre o campo disciplinar matemático e a pedagogia, tendo em conta o ensino e a formação de professores para o curso primário. Cabe dizer que as pesquisas vêm confirmando a hipótese teórica de que as relações entre os dois campos produzem matemáticas de naturezas diferentes e articuladas entre si. Uma matemática a ensinar e uma matemática para ensinar.

O estudo das transformações sofridas pela aritmética, pela geometria e pelo desenho revelou que até finais do século XIX tais rubricas configuraram-se de um mesmo modo: os saberes a ensinar e saberes para ensinar foram igualmente referenciadas pelo campo disciplinar matemático, com pouca referência das orientações pedagógicas. Os tratados de aritmética, geometria e de desenho utilizados na formação de professores são, em boa medida, documentos que atestam empiricamente tal conclusão.

A entrada em cena da pedagogia moderna, nas décadas finais do século XIX, modificará esse panorama. Mais visíveis em suas especificidades aparecerão uma matemática (aritmética, geometria, desenho) a ensinar e uma matemática (aritmética, geometria, desenho) para ensinar. O novo saber profissional do professor, em termos da matemática, irá caracterizar-se de modo muito diferente daquele colocado nos tratados das diferentes disciplinas presentes no curso secundário (tratados de aritmética, de geometria etc.). O futuro profissional da docência deverá, assim, aparelhar-se de múltiplos elementos para o exercício de sua profissão, relativa ao ensino de uma matemática intuitiva. Junto aos tratados de matemática como referência para a formação docente, tomam lugar também novos materiais e processos: modelagem, cartonagem, cartas e mapas com jogos intuitivos, toda uma gama de materiais ditos concretos (modelagem, cartonagem, sementes, pauzinhos, torninhos etc.) e mesmo novos livros com gravuras que devem ser utilizadas no processo intuitivo de ensino da aritmética; equipamentos para os ensinos de desenho etc. Em boa medida, as tensões entre o campo disciplinar matemático e a pedagogia podem ser analisadas quando se observam os tratados de matemática e as obras de pedagogia. Nestas últimas ganha lugar privilegiado a matemática para ensinar; nas primeiras, uma matemática a ensinar. Tem-se a configuração de uma pedagogia da matemática, especificamente colocada nas orientações contidas nas obras de pedagogia presentes na formação de professores.

Não tardará e esse saber profissional - a articulação entre a matemática (aritmética, geometria e desenho) intuitiva e matemática (aritmética, geometria e desenho) intuitiva para ensinar - irá mostrar-se inadequado à vista dos avanços da pedagogia, agora com status de campo científico - a Pedagogia Científica, a Escola Nova. Será preciso formar o professor a partir dos resultados das pesquisas vindas da psicologia experimental de base estatística. Coloca-se para os cursos de formação de professores o novo desafio de elaborar saberes para a formação dos futuros professores de modo que eles sejam capazes de ensinar tendo por referência a nova psicologia, que promove rupturas com a concepção da aprendizagem intuitiva. Novos saberes são elaborados, agora em termos dessa nova matemática. Assiste-se à passagem de uma pedagogia da matemática para o debate de metodologias especiais. A primeira sintetizada em época da vaga intuitiva, nos tratados de pedagogia; as metodologias para a matemática dando lugar à objetivação de novos saberes postos nas obras de metodologia da aritmética, da geometria etc.

O final da década de 1950 irá assistir a novas e profundas transformações na matemática escolar, isto é, na matemática a ensinar e na matemática para ensinar. As mudanças ocorrerão, em grande medida, por uma revolução no próprio campo disciplinar. A matemática como campo científico estará em plena mudança. O estruturalismo passará a configurar toda a produção científica, aí compreendida a matemática. O meio escolar, por certo, não ficará imune. Tem-se o Movimento da Matemática Moderna - MMM30. As mudanças são tão marcantes que a formação dos professores não mais deverá privilegiar a aritmética, passando a álgebra a iniciar os estudos na formação e no ensino. A Teoria dos Conjuntos tornar-se-á um novo saber profissional.

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18Citem-se os projetos: “A matemática na formação de professores e no ensino: processos e dinâmicas de produção de um saber profissional, 1890-1990” (Fapesp - linha projeto temático), “A matemática na escola primária nos séculos XIX-XX: estudos comparativos entre o Brasil e a França” (Capes/Cofecub), “Transformações de saberes geométricos no curso primário brasileiro” (Fapesp).

19“O método de ensino intuitivo generalizou-se, na segunda metade do século XIX, nos países da Europa e das Américas, como principal elemento de renovação do ensino, juntamente com a formação de professores. [...]. As raízes históricas do ensino intuitivo vinculam-se ao declínio do ensino escolástico e à ascensão dos preceitos da pedagogia moderna, preconizados por Bacon, Comenius, Rabelais, Locke, Condilac, Rousseau, Pestalozzi, Basedow, Campe e Fröebel, entre outros. Em contraposição ao ensino livresco, o ensino intuitivo parte da premissa de que toda a educação deve começar pela educação dos sentidos” (parte do verbete elaborado por Analete Regina Schelbauer, professora do Departamento de Teoria e Prática da Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Maringá. Integrante e Pesquisadora do HistedBr - GT Maringá).

20Para um estudo mais aprofundado sobre o movimento progressivo de profissionalização da docência, leia-se, por exemplo, Hofstetter; Valente (2017).

21Cite-se como exemplo, sobretudo, o Compêndio de Aritmética de Cristiano Benedito Ottoni, com várias edições na segunda metade do século XIX (VALENTE, 2011).

22Leiam-se os trabalhos de Valente (2012) e Leme da Silva & Valente (2014).

23De acordo com Choppin (2009), “hoje, ainda, os termos aos quais recorrem as diversas línguas para designar o conceito de livro escolar são múltiplos, e sua acepção não é precisa” (p. 19). Assim, no presente capítulo, denominam-se manuais escolares todos os livros que trazem orientações didáticas aos professores ou monitores (no caso do período do ensino mútuo), atividades propostas para serem desenvolvidas pelos alunos, e que indiquem referência ao seu uso nas escolas primárias.

24Dessin Linéaire et Arpentage, pour touts les écoles primaires, quel que soit le mode d’instruction qu’on y suit publicada em 1819. A obra foi traduzida e adaptada para o português por A. F. de P. e Iollanda Cavalcanti d´Albuquerque como Princípios do desenho linear compreendendo os de geometria pratica, pelo método do ensino mutuo, e publicada em 1829.

25“Nos métodos de ensino individual e simultâneo, o agente de ensino é o professor. No método mútuo, a responsabilidade é dividida entre o professor e os monitores, visando a uma democratização das funções de ensinar” (BASTOS, 1997, p. 117).

26Godofredo José Furtado estudou Engenharia na Escola Central do Rio de Janeiro (VALENTE, 2011).

28A noção de profissionalidade é tomada a partir de Bourdoncle (1991), Hofstetter e Schneuwly (2009) e André e Almeida (2010) como possibilitadora de desenvolvimento profissional permitido por meio da apreensão de saberes racionalizados sobre o ensino de Geometria ou de Desenho, e levam em conta os conteúdos e a sua adequação aos alunos em cada série - nível de escolaridade, os métodos para aprendizagem, os materiais indicados, entre outros aspectos.

29A obra original Primary Object Lessons, for training the senses and developing the faculties of children. A manual of elementary instruction for parents and children, escrita por Norman Allison Calkins em 1884 e traduzida e adaptada para o português por Rui Barbosa, em 1886. Citem-se os estudos de Gomes (2011), Leme da Silva (2015).

30Para um estudo mais aprofundado sobre o Movimento da Matemática Moderna, leia-se, por exemplo, Oliveira; Leme da Silva; Valente (2011).

Recebido: 02 de Janeiro de 2020; Aceito: 18 de Março de 2020

E-mail: ghemat.contato@gmail.com

E-mail: celia.leme@unifesp.br

WAGNER RODRIGUES VALENTE é Professor Associado Livre Docente do Departamento de Educação da Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Campus Guarulhos, SP. Doutor em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo e Institut National de Recherche Pédagogique -INRP de Paris (1997). Mestre em História e Filosofia da Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1991). Graduado em Engenharia pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (1979). Presidente do Grupo Associado de Estudos e Pesquisas sobre História da Educação Matemática - Ghemat Brasil (ghemat-brasil.com) (gestão 2018-2021).

MARIA CÉLIA LEME DA SILVA é Professora Associada do Departamento de Física do Instituto de Ciências Ambientais, Químicas e Farmacêuticas da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Campus Diadema, SP. Realizou estágio pós-doutoral na Universidade Nova de Lisboa (2006) e na Université Paris 11 (2015). Doutora em Educação (Currículo) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2002). Mestre em Educação Matemática pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1997). Graduada e Licenciada em Matemática pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1988). Pesquisadora do GHEMAT - Grupo de Pesquisa em História da Educação Matemática no Brasil desde 2005.

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