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História da Educação

Print version ISSN 1414-3518On-line version ISSN 2236-3459

Hist. Educ. vol.25  Santa Maria  2021  Epub Apr 30, 2021

https://doi.org/10.1590/2236-3459/102759 

Articles

CULTURA ESCOLAR PRESCRITA NAS CLASSES SECUNDÁRIAS EXPERIMENTAIS DE PORTO ALEGRE (1959)

Juliana Topanotti dos Santos de Mello* 
http://orcid.org/0000-0002-9439-9774

Norberto Dallabrida** 
http://orcid.org/0000-0002-5100-2028

* Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), Florianópolis/SC, Brasil.

**Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), Florianópolis/SC, Brasil.


Resumo

Este artigo pretende compreender a cultura escolar prescrita nos planos curriculares enviados para o MEC, em 1959, para autorização de classes secundárias experimentais em algumas escolas de Porto Alegre (RS). As escolas públicas propuseram dois percursos distintos com núcleos de disciplinas obrigatórias e optativas. A escola privada, direcionada para o sexo feminino, definiu apenas um percurso escolar, constituído por disciplinas obrigatórias e optativas, além da participação em clubes.

Palavras-Chave: ensino secundário; classes secundárias experimentais; Porto Alegre.

Abstract

This article aims to understand the school culture prescribed in the curricular plans sent to the Ministry of Education in 1959 to obtain authorization for experimental secondary classrooms in some schools of Porto Alegre (RS). Public schools proposed two different courses with nuclei of mandatory and elective subjects. The private school, directed to the female sex, defined only one school course, which consisted of mandatory and elective subjects, in addition to participation in clubs.

Keywords: Secondary Education; Experimental secondary school classes; Porto Alegre

Resumen

Este artículo busca entender la cultura escolar prescrita en los planes curriculares enviados al Ministerio de Educación en 1959 visando a obtener autorización para clases secundarias experimentales en algunas escuelas de Porto Alegre (RS). Las escuelas públicas propusieron dos recorridos diferentes con núcleos de asignaturas obligatorias y optativas. La escuela privada, dirigida al sexo femenino, definió sólo un recorrido escolar, que consistió en asignaturas obligatorias y optativas, además de la participación en clubes.

Palabras clave: Educación Secundaria; Clases Secundarias Experimentales; Porto Alegre

Résumé

Cet article a pour objectif de comprendre la culture scolaire prescrite dans les plans scolaires envoyés au Ministère de l’Enseignement en 1959, pour l’obtention d’autorisation pour des classes secondaires expérimentales dans certaines écoles de Porto Alegre (RS). Les écoles publiques ont proposé deux parcours différents avec des noyaux de matières obligatoires et électives. L’école privée, destinée au sexe féminin, n’a défini qu’un seul parcours scolaire, composé de matières obligatoires et électives, en plus de la participation à des clubs.

Mots-clés: Enseignement secondaire; Classes secondaires expérimentales; Porto Alegre

INTRODUÇÃO

Em meados do século XX, vigorava no Brasil a lei Orgânica do Ensino Secundário (BRASIL, 1942). Os pioneiros da Educação Nova consideravam que esta lei definia uma escolarização tradicional e propedêutica que estava longe de atender aos anseios da juventude e da sociedade. Estes educadores indicavam mudanças no ensino secundário com a expectativa de que trouxessem maior sentido para este nível de escolarização. Defendiam que, além dos conteúdos humanísticos e científicos, as questões da vida prática também deveriam estar presentes nesta cultura escolar, permitindo uma aproximação entre o cotidiano escolar e as exigências sociais e profissionais que os/as jovens vivenciariam após a conclusão dos estudos. Acreditavam que um ensino secundário renovado também tornaria esta etapa de estudos mais democrática, permitindo a sua ampliação e o atendimento de adolescentes provenientes de todas as camadas sociais.

À luz desta perspectiva, na década de 1950, começam a emergir as primeiras experiências renovadoras do ensino secundário brasileiro1 tendo como inspirações modelos franceses, ingleses e estadunidenses. O primeiro ensaio de renovação foi realizado no Colégio Nova Friburgo, na cidade homônima localizada estado do Rio de Janeiro. Em 1950, esta instituição abre as portas colocando em marcha uma cultura escolar renovadora, tendo como base pedagógica de trabalho o Plano Morrison e como coordenadora a professora Irene Carvalho (OLIVEIRA, 1968). Em São Paulo, a partir de 1951, o educador Luis Contier organizou em algumas classes do Instituto Alberto Conti uma experiência renovadora a partir do seu contato com o modelo pedagógico das Classes Nouvelles por meio do Centre International d´Etudes Pédagogiques, situado em Sèvres, na França (VIEIRA, 2015). O estado do Rio Grande do Sul também foi palco de experiências renovadoras com a abertura do Colégio de Aplicação da Universidade do Estado do Rio Grande do Sul, em 1954, sob a direção das professoras Graciema Pacheco e Isolda Paes, sendo que esta última também fez estágio no Centre International d´Etudes Pédagogiques. (LIMA, 2016).

Impulsionado pelas experiências que estavam emergindo em vários estados brasileiros, em 1958, o Ministério da Educação e Cultura (MEC) autorizou, por meio das “Instruções sobre a natureza e a organização das Classes Experimentais” (MINISTÉRIO, 1958), ensaios pedagógicos renovadores no ensino secundário brasileiro, sendo chamados de classes secundárias experimentais. Na concretização dessa legislação destacou-se o trabalho de Gildásio Amado, então à frente da Diretoria do Ensino Secundário (DES) do MEC, e Anísio Teixeira, que dirigia o Instituto de Pesquisas Educacionais (INEP) (DALLABRIDA, 2014). Ambos trabalharam para democratizar o ensino secundário, tanto no número de matrículas e de escolas, impulsionando principalmente o sistema público escolar, bem como para proporcionar uma cultura escolar que abarcasse a diversidade entre adolescentes brasileiros.

O objetivo da implantação das classes secundárias experimentais no ensino secundário delimitados nessa legislação específica era “ensaiar a aplicação de métodos pedagógicos e processos escolares, bem como de tipos de currículos compatíveis com a legislação do ensino médio” (MINISTÉRIO, 1958, p. 80). Para tanto, as experiências deveriam ter como características: a organização em colégios idôneos e com condições pedagógicas de realizarem a experiência; tais colégios deveriam começar organizando o primeiro ciclo do ensino secundário; poucas classes experimentais por instituição escolar; as famílias das crianças atendidas deveriam ser esclarecidas sobre a experiência, além disso deveriam autorizar a participação dos adolescentes e os/as professores/as deveriam ser especialmente credenciados (MINISTÉRIO, 1958).

Para obterem a autorização do funcionamento das classes secundárias experimentais, as instituições de ensino deveriam obedecer às seguintes normas: preparar a organização curricular visando à preparação geral dos/as estudantes com um sólido conteúdo de formação humana, os currículos também deveriam atender as aptidões individuais e proporcionarem a integração do ensino das diversas disciplinas, ter número máximo de 30 estudantes por classe, ter número reduzido de professores nos primeiros anos do ginásio, realizar reuniões periódicas com os professores (conselhos de classe) e proporcionar participação ativa dos/as estudantes e a efetivação de um trabalho articulado com as famílias dos/as estudantes (MINISTÉRIO, 1958). Foi a partir desta regulamentação que as experiências de renovação do ensino secundário brasileiro autorizados pelo MEC passaram a ter autorização para funcionamento (DALLABRIDA, 2017).

Uma das preocupações do MEC era acompanhar o percurso destas experiências, realizando observações através de visitas, entrevistas com diretores/as e professores/as e aplicando questionários aos/as docentes e estudantes. Este trabalho era realizado semestralmente e técnicos/as do MEC foram enviados para observar in loco a prática das classes experimentais. Este acompanhamento sistemático resultou no relatório “Classes Secundárias Experimentais: balanço de uma experiência”, publicado em 1963 na Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos (CUNHA e ABREU, 1963). Segundo o documento produzido pelos pesquisadores Nádia Cunha e Jayme Abreu, até 1962, havia sete colégios de ensino secundário com classes secundárias experimentais, localizadas em Porto Alegre, Santa Maria e Passo Fundo, sendo cinco instituições públicas e duas eram privadas.

Segundo o relatório de Cunha e Abreu (1963), nos primeiros quatro anos de funcionamento das classes secundárias experimentais, no estado do Rio Grande do Sul, esse ensaio pedagógico foi implantado em cinco escolas públicas, sendo quatro em Porto Alegre e uma em Passo Fundo, e nos colégios Americano, localizado em Porto Alegre, e Centenário, sediado em Santa Maria, ambos dirigidos pela Igreja Metodista. As quatro escolas públicas da capital sul-rio-grandense, lideradas pelo Colégio de Aplicação da UFRGS, enviaram para o MEC um único plano de organização da classe experimental no curso ginasial (COLÉGIO, [1959?]) e o Colégio Americano também enviou a sua proposta de renovação do primeiro ciclo do ensino secundário (COLÉGIO, 1959). Desta forma, o objetivo do presente trabalho é compreender a cultura escolar prescrita nesses dois documentos escolares, que apresentam o plano de organização das classes secundárias experimentais em escolas de Porto Alegre. Estes documentos são lidos como propostas produzidas pela direção e professores das escolas, visando a autorização, pelo MEC, das suas classes secundárias experimentais.

Cultura escolar é entendida, segundo Julia (2001, p.10), como “um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar, e um conjunto de práticas que permitem a transmissão desses conhecimentos e a incorporação desses comportamentos” (JULIA, 2001). Nesse conceito, a cultura própria das instituições escolares é formada por saberes a serem transmitidos e a comportamento a serem incorporados aos estudantes, que são prescritos em textos normativos e são colocados em prática especialmente pela mediação do professor. Vidal e Schwartz (2010) afirmam que autores como Dominique Julia, Andre Chervel, Jean Claude Forquin, António Viñao Frago e Escolano Benito pensaram o conceito de cultura escolar sobremaneira para pensar as práticas cotidianas das escolas, que tem dimensão multifacetada, envolvendo também o espaço (FRAGO e ESCOLANO, 2001). De outra parte, constatam que a cultura escolar praticada nas salas de aula geralmente tem bem menos documentos históricos, tornando a sua investigação mais difícil.

A prescrição da cultura escolar é feita por meio de textos prescritivos tais como leis que normatizam a escolarização, documentos oficiais de ministérios e de secretarias da educação, regulamentos e planos curriculares construídos por escolas e planos de ensino elaborados por docentes. Esses textos prescritos de diferentes instâncias operam recortes específicos no conhecimento gerado pela sociedade, de modo que, a partir de critérios cognitivos e políticos, alguns saberes são selecionados e didatizados (FORQUIN, 1993). E envolve também a escolha de estratégias de transmissão e avaliação do conhecimento escolar como o controle do tempo e do espaço, o incitamento ao trabalho regular, dispositivos de avaliação, que concorrem para inculcar condutas (VARELA e ALVAREZ-URÍA, 1991). Na medida em que nos propomos a compreender planos para a organização de classe secundária experimental enviados ao Ministério da Educação, vamos tratar da cultura escolar prescrita, ou seja, a definição das disciplinas-saber e dos dispositivos de sua transmissão e avaliação.

O texto é dividido em duas partes. Na primeira é analisado o documento que apresenta a formação das classes secundárias experimentais nas quatro escolas públicas de Porto Alegre, resultado de um trabalho coletivo de várias unidades escolares. A outra parte coloca o foco sobre o plano de organização da classe secundárias experimental no Colégio Americano, considerando a sua vinculação com a cultura religiosa metodista.

PROPOSTA INTEGRADA DE RENOVAÇÃO DE ESCOLAS PÚBLICAS

Cunha e Abreu (1963) relatam que, no início de 1959, diretoras e professoras do Colégio de Aplicação da UFRGS e dos três colégios estaduais de Porto Alegre reuniram-se para formular um plano comum de renovação do curso ginasial, resultando no documento sob o título “Plano para Organização de uma Classe Experimental no Primeiro Ciclo do Ensino Secundário” (COLÉGIO, [1959?]). Este plano, construído em uníssono pelas quatro escolas, foi enviado para o Ministério da Educação para a solicitação da autorização do funcionamento das classes secundárias experimentais por parte deste órgão do Governo Federal. De posse desta autorização a experiência pode ser desenvolvida nas quatro instituições escolares. É importante destacar que, desde a sua fundação em 1954, o Colégio de Aplicação da UFRGS procurava oferecer um ensino secundário diferenciado e pautado nos ideais escolanovistas e não há indícios de que estas práticas também se encontravam nos colégios estaduais antes de 1959.

No planejamento realizado pelos quatro colégios públicos de Porto Alegre, que procurava realizar a integração do ensino secundário ao nível anterior, consta que o objetivo das classes secundárias experimentais era: “promover direta e compreensivelmente o desenvolvimento unitário das experiências do aluno e o atendimento de suas crescentes possibilidades de integração nas esferas da vida” (COLÉGIO, [1959?], p. 2). Segundo o documento formulado pelos quatro colégios, para atender a este objetivo, o curso ginasial das classes secundárias experimentais deveria se pautar pela elevação dos padrões educacionais, pela diferenciação e pelo ajustamento. Estes últimos princípios escolanovistas que visavam aproximar a escolarização da realidade da adolescência brasileira, bem como concorriam para a adequação do processo escolar aos ensejos da sociedade urbana e industrial. E, para tanto, seria necessário que atendesse aos seguintes requisitos:

LIMITAÇÃO QUANTITATIVA: dos conteúdos do currículo e dos programas, para que, dentro de um critério que valorize o fundamental, venham a ser alcançados resultados educacionais seguros e produtivos.

ESTRUTURA: capaz de propiciar experiências valiosas para o desenvolvimento pessoal e as necessidades da vida, possibilitando do mesmo passo, o atendimento das diferenças individuais.

DINAMISMO: que permita que a continuidade sempre aberta do movimento do aluno com vistas a sua orgânica ascensão educacional.

RESPONSABILIDADE: compartida não só pelos membros do organismo escolar, mas pelos alunos e suas famílias.

COMUNICAÇÃO: com o ambiente próximo para uma sistemática reciprocidade de serviços e para o aproveitamento do mesmo como recurso de observação e experiência direta e como expressão da realidade brasileira e universal.

ORGANIZAÇÃO: com sentido integrador e progressivo, segundo se considere: ou os relacionamentos dos diferenciados no plano, ou a sequencia das aquisições em cada um deles (COLÉGIO, [1959?], p. 1).

A prescrição estabelecia que o percurso escolar não deveria ser o mesmo para todos/as os/as adolescentes. Desta forma, os dois primeiros anos seriam comuns a todos/as os/as estudantes e, nos dois últimos anos, haveria uma diferenciação, ou seja, de acordo com as suas aptidões individuais, os/as adolescentes seriam encaminhados aos seguintes currículos diferentes: Plano A ou teórico-sistemático e Plano B ou prático-funcional. O Plano A seria destinado aos/as estudantes que desejassem seguir para o curso colegial - segundo ciclo do ensino secundário - ou para a escola normal e teria um caráter mais propedêutico. O Plano B seria mais adequado para os/as discentes que tivessem vocações de caráter prático ou que necessitassem ingressar logo no mercado de trabalho (COLÉGIO, [1959?]). É importante salientar que, embora o Plano B oferecesse um currículo voltado para cursos técnicos, havia a preocupação de que também fosse ofertado conteúdos humanísticos. A intenção não era propor uma formação tecnicista, recortando apenas conteúdos para a formação profissional técnica. A prescrição previa que a transferência dos/as estudantes de um plano para o outro e a articulação da experiência como estudantes das classes secundárias experimentais com os demais cursos seriam feitas com as formas de adaptação já consagradas no país (COLÉGIO, [1959?]).

As disciplinas-saber foram organizadas em três eixos. O primeiro seria o das disciplinas fundamentais (Português, Matemática, História, Geografia e Ciências), sendo que estes conteúdos disciplinares figurariam em caráter obrigatório nas duas etapas do curso. Havia o entendimento de que as disciplinas que constavam no primeiro eixo configuravam “a própria realização da vida do homem” (COLÉGIO, [1959?], p. 5), pois era a expressão do uso da língua, da movimentação no tempo e no espaço e a conquista do meio natural. O segundo eixo era das Línguas Estrangeiras (Latim, Inglês e Francês). O ensino das Línguas Estrangeiras seria realizado da forma mais flexível possível, levando em consideração as características dos/as estudantes e a necessidade do atendimento das diferenças individuais. Assim as disciplinas de línguas estrangeiras eram realizadas em níveis, indo do modo básico para o modo avançado e mediantes testes os/as estudantes eram colocados nas turmas correspondentes aos seus níveis de desempenho. Seria oferecido com esta organização nas duas nas duas etapas do curso (COLÉGIO, [1959?]).

O terceiro eixo era o de Artes e Educação Física (formado pelas seguintes unidades didáticas: Desenho, Música, Educação Física e Atividades Práticas), sendo que neste eixo um quadro móvel disciplinas e atividades técnicas seriam ofertadas de forma optativa. Na etapa I do curso ginasial (dois primeiros anos) estas unidades didáticas seriam trabalhadas em articulação com as disciplinas dos outros eixos e visavam colaborar, completar e explorar o plano educacional da escola, além de atender a comunidade, nos momentos nos quais as circunstâncias exigissem. Na Etapa II do curso ginasial, quando o/a estudante iria ser encaminhado/a para o Plano A ou Plano B, este eixo também visava atender às questões vocacionais. E neste caso, o/a estudante poderia cursar algumas das atividades práticas previstas no Plano B que eram: datilografia, noções de contabilidade, estenografia, desenho, artes domésticas, artes mecânicas e artesanato em geral. Para a obtenção do diploma do curso ginasial tendo cursado o Plano B era preciso concluir pelo menos um dos cursos (atividades práticas) oferecidos (COLÉGIO, [1959?]).

As metodologias de ensino ou as técnicas de trabalho deveriam propiciar a participação dos adolescentes nas tarefas de planejamento, execução e verificação de resultados. Desta forma, havia o destaque de práticas como o estudo dirigido, trabalho em grupo, pesquisa pessoal e atividades que oportunizassem a expressão criadora (COLÉGIO, [1959?]). Nota-se a presença de modos de ensinar que consideram os/as estudantes como partes ativas do processo de aprendizagem, nas quais as ações dos/as estudantes eram estimuladas e esperadas. A busca pelo conhecimento era valorizada e incluía a participação ativa dos/as discentes.

Para o desenvolvimento do curso com estas características, sobretudo a flexibilidade curricular, era necessário o trabalho do Serviço de Orientação Educacional, presente nos quatro colégios. Este serviço teria que acompanhar todo o processo de aprendizagem dos/as estudantes, promovendo junto aos/às alunos/as a valorização dos conhecimentos trabalhados, bem como “motivá-los adequadamente para as opções que se fizerem necessárias” (COLÉGIO, [1959?], p. 16). Essa questão é tratada de forma difusa no documento classes secundárias experimentais das quatros escolas públicas de Porto Alegre.

O curso ginasial seria desenvolvido em regime de tempo integral, com no máximo 32 horas semanais, incluindo o trabalho da orientação educacional (uma hora por semana) e religiosa. Nos horários destinados a cada disciplina já estaria incluído o estudo dirigido, que, no caso do plano para estes quatro colégios, seria tratado em cada disciplina. O ano letivo era composto de dois períodos de quatro meses, sendo que o primeiro período era formado pelos meses de março, abril, maio e junho; e o segundo período era constituído pelos meses de agosto a novembro. Nas duas etapas do curso, o maior número de aulas era reservado para as disciplinas de Língua Portuguesa, Matemática e Língua Estrangeira - nesta ordem.

A avaliação poderia ser quantitativa ou qualitativa, sendo feita por meio de parecer por escrito e era realizada quatro vezes por ano (COLÉGIO, [1959?]). Os diversos exames solicitados pela Lei Orgânica do Ensino Secundário foram substituídos por avaliações processuais, que possuíam como objetivos: “apoiar o atendimento do aluno de maneira diferenciada e ajustada” e “servir de referência para classificação do aluno, segundo os níveis de aproveitamento” (COLÉGIO, [1959?], p. 13). Estas revisões e provas não deveriam ser realizadas em situações formais de avaliação, mas sim integradas como parte orgânica dos estudos e atividades desenvolvidas. Estavam previstos dois levantamentos gerais de resultados, a saber: um ao final do segundo ano, que correspondia a primeira etapa do curso e tinha a finalidade de orientar o/a estudante que prosseguisse os estudos no Plano A ou Plano B, e outra avaliação geral ao final dos quatro anos de curso, visando a concessão do diploma do curso ginasial.

A prescrição previa que fosse realizada uma reunião semanal com a direção, os/as professores/as e demais colaboradores técnicos com vistas a melhor coordenação do trabalho pedagógico nas classes secundárias experimentais.

A admissão ao curso ginasial só seria efetuada mediante a apresentação do certificado de conclusão do curso primário. Caso o número de candidatos/as excedesse o número de vagas estipuladas haveria os seguintes critérios de seleção: antecedentes escolares, idade, local de residência (se próximo ou distante da escola), estudantes que já haviam cursado o primário na escola, condição socioeconômica e provas de seleção organizadas por cada escola (COLÉGIO, [1959?]).

Visando atender as especificidades individuais dos diferentes grupos de crianças, diretoras e professoras pensaram em uma cultura escolar com dois percursos escolares diferenciados no curso ginasial, ampliando as possibilidades também com disciplinas e cursos optativos. Um percurso seria mais voltado para uma formação mais alongada visando os cursos superiores e um percurso visando uma escolarização mais curta e profissionalizante, mas que também abarcava conteúdos humanísticos. A forma como essas escolhas eram realizadas pelos/as estudantes ainda é uma questão que a História da Educação ainda precisa investigar.

PROMESSA DE UM COLÉGIO METODISTA RENOVADOR

O movimento metodista emergiu na Inglaterra do século XVIII, na universidade de Oxford, com o pastor e professor John Wesley. O nome “metodista” foi cunhado em 1730 “pela característica de sistematização e organização em sua vida intelectual, espiritual e devocional ao cristianismo” (FONSECA, 2009, p. 76). Os primeiros missionários metodistas chegaram no Brasil por volta de 1860, sendo que a primeira Igreja foi organizada em 1871 na cidade de São Paulo e a primeira escola foi instada em Piracicaba, o Piracicabano, em 1881, voltado para o atendimento de meninas (FONSECA, 2009). No Rio Grande do Sul as primeiras instituições de ensino foram instaladas em Uruguaiana: Instituto União fundado em 1870 e, em Porto Alegre, o Colégio Americano em 18852. As escolas fundadas no Sudeste e no Sul do Brasil eram voltadas ao atendimento da elite feminina, conjugando uma educação para o lar com conteúdos científicos e voltada para o mercado de trabalho, demonstrando uma busca por uma escolarização moderna e liberal (FONSECA, 2009). Em 1922, no centro do estado do Rio Grande do Sul, na cidade de Santa Maria é fundado o Colégio Centenário3 tendo “como primeiras diretoras, duas missionárias da Igreja Metodista Episcopal do Sul, vindas dos Estados Unidos” (FONSECA, 2009, p. 80).

Com a autorização das classes secundárias experimentais pelo Ministério da Educação, as dirigentes e as docentes do Colégio Americano encaminham para as autoridades responsáveis o documento intitulado “Colégio Americano - Plano para a Classe Experimental” (COLÉGIO, 1959), no qual descrevem como vislumbravam as classes secundárias experimentais neste estabelecimento de ensino. Por considerarem que o currículo da Lei Orgânica do Ensino Secundário era muito extenso e segmentado, bem como não atendia às diferenças individuais das estudantes e por não contemplar o tempo de desenvolvimento das crianças, o Colégio Americano buscava renovar o seu ensino secundário. Por isso, este documento tinha como objetivo de “atender, da maneira melhor e mais direta, as possibilidades de desenvolvimento do aluno, sem deixar de ter a afeição humanista própria do curso ginasial tradicional” (COLÉGIO, 1959, p. 8). Para atingir tal objetivo, o horário das classes experimentais seria integral, haveria melhor aproveitamento do ano letivo, pois não haveria tantas provas e exames gerais, o currículo seria organizado em departamentos com atividades integradoras, o trabalho escolar seria organizado em unidades que abrangeriam todos os departamentos com vistas a um trabalho globalizado e com um processo contínuo de avaliação do trabalho escolar (COLÉGIO, 1959).

O Serviço de Orientação Educacional, já existente no colégio desde a década de 1930, manteria as suas linhas básicas de atuação, quais sejam: trabalho em equipe, participação de toda a comunidade escolar, auxílio na elaboração dos currículos e sugestões de atividades que poderiam enriquecer a vivência escolar, além do aconselhamento individual e os estudos que casos que merecessem maior atenção. As novas atividades que a Orientação Educacional passaria a exercer em caráter experimental em virtude das classes secundárias experimentais seriam incluídas nestas linhas mestras e gradativamente seriam consolidadas no cotidiano desse serviço. O objetivo do Serviço de Orientação Educacional das classes secundárias experimentais assim estava definido no documento do Colégio Americano:

Atender individualmente os alunos determinando seu caráter, suas aptidões e seus interesses, de modo a poder propiciar-lhes ambiente adequado à formação de personalidades íntegras resultantes da atualização de suas potencialidades. Ajustá-los à vida através de vivências que conduzem a uma sadia filosofia da vida apoiada nos valores transcendentais do cristianismo (COLÉGIO, 1959, p. 14).

O Serviço de Orientação Educacional utilizava as seguintes técnicas para desempenhar o seu trabalho: construía uma ficha acumulativa de cada estudante; avaliava as discrepâncias entre o Q.I. e o desempenho individual; orientava a escrita de uma autobiografia; solicitava o preenchimento de um anedotário; aplicava a técnica do sociograma4, assim como realizava entrevistas com as famílias e as estudantes e observações do cotidiano escolar. Essas eram atividades que envolviam todo o corpo docente. Em alguns casos, pelas informações obtidas com essas aplicações, o Serviço de Orientação Educacional solicitava a participação do Gabinete de Psicologia para o encaminhamento de algumas situações com as estudantes (COLÉGIO, 1959)

A instalação da experiência das Classes Secundárias Experimentais era uma oportunidade de flexibilizar o currículo, ou seja, adequar conteúdos e vivências ao “caráter” e às “aptidões e interesses” e cabia ao Serviço de Orientação Educacional fazer a avaliação psicológica das alunas para ser o elo entre esse conhecimento e o planejamento curricular. Esta flexibilização do currículo visava o desenvolvimento da personalidade das estudantes de forma integral, ou seja, estava atravessava as seguintes áreas: Filosofia da Vida e Religião; Relações na Família; Simpatia e Encanto Pessoal; Saúde Física; Saúde Mental; Relações Internacionais; Trabalho e Estudo; Relações com a Comunidade; Preferencias Vocacionais e Recreio e Lazer.

O documento “Colégio Americano - Plano para a Classe Experimental” (COLÉGIO, 1959) traz mais detalhes do desenho da cultura escolar, começando com as atividades coordenadas pelo próprio Serviço de Orientação Educacional, por meio de suas conselheiras. Em cada turma uma professora era escolhida ou pelas alunas ou pela orientadora educacional como conselheira, alguém para estar sempre por perto e auxiliando as alunas daquela turma no que fosse preciso e também organizando as atividades como aulas-lares dirigidas (diariamente a turma se reunia na casa de uma das alunas e era ministrada uma aula pela conselheira), clubes (neste período eram oferecidos 23 clubes), assembleias de estudantes (aconteciam duas vezes por semana e trabalhavam a habilidade da oratória), atividades beneficentes (desenvolviam o senso de responsabilidade com a comunidade e seus membros), atividades sociais (nas quais também eram convidados estudantes do sexo masculino) e excursões (visavam o aprofundamento dos temas vistos nas aulas) (COLÉGIO, 1959).

Cabe destacar que a instituição ofereceria 23 clubes diferentes e a participação nestes clubes possuía uma importante função no papel da orientação, visto que as estudantes escolhiam ou eram orientadas a escolher aquelas associações que mais se adequassem a suas aptidões, interesses e preferências. O trabalho em grupo também tinha local privilegiado nas ações trabalhadas nos clubes, pois esperava-se que fosse algo espontâneo, visto que as estudantes que frequentavam cada clube tinham interesses semelhantes. As dirigentes e docentes do Colégio Americano consideravam que a convivência informal nos clubes, mediada por situações reais, desempenhavam um papel de suma importância no processo educacional (COLÉGIO, 1959).

Em relação às disciplinas-saber a primeira e a segunda série do ginásio estavam divididas em quatro departamentos, com disciplinas obrigatórias: 1. Departamento de Línguas (Português e Inglês); 2. Departamento de Ciências (Matemática e Ciências Sociais); 3. Departamento de Artes (Artes Plásticas, Música e Educação Física) e 4. Departamento das Instituições Educativas Integradoras do Currículo (Conhecendo nosso Mundo Maravilhoso, Apreciação da Arte, Informativo Mundial e Nacional, Datilografia, Pelotão da Saúde, Nossos amigos de outras terras, Atividades do Lar, Esporte, Civismo e Educação Religiosa). É explicitado que dentro de cada instituição educativa haveria atividades eletivas e que as diferenças individuais seriam atendidas em cada disciplina (COLÉGIO, 1959).

Já a terceira e quarta série ginasial estavam organizadas em cinco departamentos e nesta etapa de ensino havia a previsão de disciplinas obrigatórias e optativas. No primeiro departamento, o de Línguas, as disciplinas obrigatórias eram: Português e Latinidade e Inglês e as disciplinas optativas eram Francês e Latim. O segundo departamento era o de Ciências e tinha como disciplinas obrigatórias Matemática, Ciências Sociais e Iniciação à Ciência; já as disciplinas optativas eram as de Teorias Matemáticas, Botânica e Zoologia ou Física e Química. O terceiro departamento era o de Artes e contava com as disciplinas Artes Plásticas, Música e Educação Física como disciplinas obrigatórias e História da Arte e História da Música como disciplinas optativas. O quarto departamento era o técnico e nele figurava apenas disciplinas optativas: Datilografia e Economia do Lar. O quinto departamento era de instituições educativas integradoras do Currículo com as mesmas disciplinas do quarto departamento das primeiras séries ginasiais (COLÉGIO, 1959). O documento escrito pelo Colégio Americano também descreve o programa de cada disciplina, demonstrando os recortes de saberes para cada série do curso ginasial.

As classes secundárias experimentais funcionariam em horário integral, ou seja, 30 horas semanais. As estudantes teriam aulas todas as manhãs e todas as tardes. No período matutino seriam ministradas as disciplinas fundamentais e atividades extraclasse ligadas ao Serviço de Orientação Educacional. No período vespertino, as estudantes trabalhariam com base no estudo dirigido e atividades integradoras do currículo. As tardes também seriam destinadas a atender as necessidades do grupo de forma flexível. O ano letivo seria dividido em dois períodos de 4 meses, sendo o primeiro de 1º. de março a 30 de junho e o segundo de 1º. de agosto a 30 de novembro (COLÉGIO, 1959).

Além dos saberes selecionados, havia as condutas que compunham a cultura escolar prescrita no plano para a implementação das classes secundárias experimentais. Este item fica expresso no que era o texto apresenta como o conceito de pessoa educada, que seria alguém com ânsia de aprender, preocupada com a sua saúde e das pessoas sob seus cuidados; que dá direção para a própria vida, utiliza seu tempo de lazer para praticar esportes e admirar a arte; e também aprecia a família como instituição e mantém seus ideais, é capaz de trabalhar e brincar com outras pessoas, sente satisfação de ser um/a bom/boa trabalhador/a, coloca ordem em sua vida financeira e tem responsabilidade cívica e observa as leis (COLÉGIO, 1959). Desta forma, são descritas as atitudes e valores que permeariam o cotidiano escolar.

Segundo o documento “Colégio Americano - Plano para a Classe Experimental”, a avaliação das alunas seria realizada com base nos critérios: pré-testes, testes e re-testes sobre o conteúdo ministrado; assiduidade; interesse; participação; resultados de pesquisas individuais e de grupo e conceito do professor. As alunas que demonstrassem alguma fragilidade no aprendizado participariam de aulas de reforço e seriam orientadas no estudo dirigido. Essas ações visavam evitar a reprovação. Somente ao final da quarta série seria realizada uma prova de caráter geral para a concessão do certificado do curso ginasial. Esta avaliação seria realizada por meio de: prova objetiva de conhecimentos gerais, prova objetiva de conhecimentos do mundo atual, teste vocabulário e uma apresentação oral e escrita de um assunto sorteado com 24 horas de antecedência (COLÉGIO, 1959). Havia a previsão de fazer estudos comparativos entre o rendimento das estudantes vinculadas às Classes Secundárias Experimentais e as alunas matriculadas no curso tradicional.

Na prescrição “Colégio Americano - Plano para a Classe Experimental” há também os critérios que seriam utilizados para a seleção de estudantes para as classes secundárias experimentais. De início estes critérios não seriam utilizados e todas as candidatas seriam aceitas, mas para o caso de haver necessidade de seleção no decorrer da experiência, o primeiro critério seria a idade. Apenas seriam aceitas meninas que completassem 11 anos de idade até 30 de junho no decorrer do ano letivo ou que tivessem até 12 anos e 6 meses no ato da matrícula. Essa questão estava atrelada a compreensão de que, para esta experiência, o ideal seriam classes homogêneas em relação a idade. Outro ponto a ser avaliado para a seleção era a não aceitação de estudantes que provavelmente iriam ser transferidas.

A cooperação da família também seria vista como um ponto favorável para a aceitação nas classes secundárias experimentais. Se necessário, a instituição faria reuniões com os familiares das candidatas para explicar as características da experiência e avaliar a concordância destes com a escolarização em tempo integral, aquisição de materiais necessários, disponibilidade para participação de eventos, dentre outras situações escolares. E, por fim, as estudantes advindas do ensino primário da própria instituição teriam preferência para cursar as Classes Secundárias Experimentais. A possível realização de provas e testes também seriam utilizados, caso no decorrer na experiência a escola julgasse necessários.

O Colégio Americano vislumbrou nas classes secundárias experimentais a possibilidade de oferecer o Ensino Secundário para as filhas da elite sul-rio-grandense, sem que ficassem rigidamente enquadrados na Lei Orgânica do Ensino Secundário. Flexibilizaram a organização das disciplinas, promovendo articulações entre as mesmas e inserindo no currículo diversos saberes e diversas práticas que julgavam importantes para o pleno desenvolvimento de jovens mulheres voltadas ao atendimento das necessidades do casamento e da constituição de suas famílias, bem como a administração do lar e de todos os seus afazeres domésticos. Ao mesmo tempo em que ofereciam a possibilidade de preparação para uma futura profissão, com as disciplinas científicas e literárias, assim como disciplinas de cunho práticos e que poderiam servir de preparo para o trabalho além dos limites domésticos.

CONCLUSÕES

O propósito das classes secundárias experimentais era flexibilizar a estrutura curricular, para que esta escola abarcasse os/as adolescentes com suas individualidades, expandindo este nível de ensino para diferentes classes sociais e permitindo que esta etapa de ensino atendesse outros objetivos que não apenas a preparação para a entrada nos cursos superiores. Desta forma encontrava apoio nos pressupostos da Escola Nova, que centrava o olhar no/na estudante e conhecendo-o poderia operar ajustes curriculares de modo a motivá-lo/a por oferecer uma escolarização que estivesse conectada com sua vida e com seus objetivos futuros.

No estado do Rio Grande do Sul, nos quatro primeiros anos da experiência regulamentada pelo Ministério da Educação houve uma maior circulação nas instituições de ensino públicas (cinco) do que nas escolas confessionais (duas). Um panorama que diverge da circulação em outros estados brasileiros, como por exemplo São Paulo e Rio de Janeiro, onde a circulação foi maior em colégios privados e católicos. A presença das classes secundárias experimentais em instituições confessionais metodistas também merece ser destacada. O grupo das escolas públicas e o grupo das escolas confessionais e privadas planejavam culturas escolares distintas nos planos que visavam a autorização do funcionamento das Classes Secundárias Experimentais.

As escolas públicas, por receberem uma clientela heterogênea, ofereceram dois tipos de cursos: Plano A e Plano B. Estes diferentes cursos contavam também com disciplinas optativas e diferentes itinerários profissionalizantes. Merece mais estudos a forma como as escolhas estudantis seriam realizadas, mas neste trabalho já foi possível observar a flexibilidade e a preocupação de oferecer um caminho curricular focado na profissionalização, mas que valorizasse também a formação integral do/da educando. A permanência na escola em tempo integral também foi uma mudança em relação ao Ensino Secundário da Lei Orgânica, além do que a avaliação passou a ser processual e não realizada de forma estanque por meio de testes e provas gerais.

De outra parte, como instituição privada e metodista, o Colégio Americano atraía uma clientela mais homogeneizada, pois eram estudantes da elite, do gênero feminino e que profetizavam a religião metodista ou ao mesmo eram simpáticas as estas práticas religiosas. Um modelo escolar calcado nestas características discentes reflete estas características em seus recortes curriculares. Havia apenas um curso, embora as atividades nos clubes e nas disciplinas optativas eram amplas. Estes recortes sociais também apareciam nos conteúdos tratados. Havia uma preocupação da educação metodista com os saberes científicos e a preparação para a profissionalização, conjuntamente com disciplinas e ações voltadas para a formação da boa esposa, mãe e dona-de-casa.

Destaca-se que tanto nas escolas públicas quanto nas escolas privadas como no Colégio Americano a centralidade do Serviço de Orientação Escolar, obrigatório para concessão da autorização para o funcionamento das classes secundárias experimentais. Era a partir do trabalho da orientação educacional que o conhecimento das capacidades, dos interesses e aptidões era realizado. De posse destas informações era possível traçar estratégias para que cada estudante pudesse ser educado de forma integral. Era este setor que fazia a conexão entre características individuais dos/das estudantes e o trabalho pedagógico.

REFERÊNCIAS

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1De 1942 até 1971, o ensino secundário brasileiro tinha dois ciclos: o curso ginasial, de quatro anos, comum a todos os secundaristas, e o segundo ciclo chamado colegial, bifurcado nos cursos clássico e científico. As experiências renovadoras nesta etapa do sistema de ensino, na década de 1950, deram sobretudo no curso ginasial (primeiro ciclo do ensino secundário).

2O Colégio Americano foi fundado pela missionária metodista de nacionalidade uruguaia Carmen Chacon (FONSECA, 2009).

3O nome do colégio foi escolhido por ser o centenário das missões metodistas nos Estados Unidos e também por ser o centenário da independência brasileira.

4O sociograma consiste num gráfico que visa tornar visível o que é invisível, ou seja, como estão estabelecidas as relações entre os membros de um determinado grupo. Este gráfico é obtido por meio da aplicação da técnica Sociométrica criada pelo psiquiatra romeno Jacob Levi Moreno. Esta técnica consiste na aplicação de um questionário a cada membro do grupo sobre as suas preferências ou rejeições em relação às pessoas pertencentes a este grupo (MORENO, 1992).

Recebido: 06 de Maio de 2020; Aceito: 15 de Setembro de 2020

E-mail: julianatopanotti@uol.com.br

E-mail: norbertodallabrida@gmail.com

JULIANA TOPANOTTI DOS SANTOS DE MELLO é formada em Psicologia e Pedagogia - Orientação Educacional. Mestra em Educação pela Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). Doutoranda em Educação pela Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC).

NORBERTO DALLABRIDA é professor da Universidade do Estado de Santa Catarina. Doutor em História Social pela Universidade do Estado de São Paulo (USP). Mestre em História pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

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