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História da Educação

versão impressa ISSN 1414-3518versão On-line ISSN 2236-3459

Hist. Educ. vol.25  Santa Maria  2021  Epub 30-Set-2021

https://doi.org/10.1590/2236-3459/106175 

Dossiê

EDUCAR É CIVILIZAR: A PEDAGOGIA DOS PERIÓDICOS E DOS PANFLETOS POLÍTICOS DA INDEPENDÊNCIA DO BRASIL (1821-1824)

Lucia Maria Bastos Pereira das Neves* 
http://orcid.org/0000-0002-0235-4764

* Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Rio de Janeiro/RJ, Brasil.


Resumo

Entre 1821 e 1824, uma grande circulação de impressos tomou conta do Rio de Janeiro, procurando esclarecer a população sobre os significados dos novos termos associados às ideias daquele momento. Tornavam-se instrumentos de intervenção naquilo que seus autores concebiam como um espaço público. Busca-se, então, identificar o sentido das mensagens que traziam; esclarecer a retórica de argumentação a que recorriam; e, apontar os fatores que limitaram ou inviabilizaram o alcance do que pretendiam.

Palavras-chave: Pedagogia Cívica; Educação e Independência; Civilização; Panfletos Políticos; Periódicos

Abstract

Large amounts of circumstantial printed material flooded the city of Rio de Janeiro between 1821 and 1824. Its intent was to inform the population on what the new terms associated with current ideas meant. They became instruments of intervention in what their authors perceived as a public space. This paper aims at identifying what their messages meant, clarifying their rhetorical arguments and also pointing out the factors that limited or prevented them from achieving their goals.

Keywords: Civic Pedagogy; Education and Independence; Civilization; Political Pamphlets; Periodicals

Resumen

Entre 1821 y 1824, una gran circulación de impresos inundó Rio de Janeiro. Buscaban aclarar a la población el significado de los nuevos términos de aquel momento. Se convirtieron así en instrumentos de intervención en aquello que sus autores concebían como un espacio público. Se busca entonces: identificar el sentido de los mensajes que traían, relacionándolos con los lenguajes políticos en voga; aclarar la retórica de la argumentación a la que recurrían; e indicar los factores que limitaban o impedían el alcance de lo que pretendían.

Palabras claves: Pedagogía Cívica; Educación y Independencia; Civilización; Panfletos Políticos; Periódicos

Resumée

Entre 1821 et 1824, Rio de Janeiro fut envahi par une grande circulation d’imprimés, qui se préocupaient d’éclaircir la population sur la signification des nouveaux mots associés aux idées du moment. Ils devenaient des instruments d’intervention dans ce que l’on concévait comme l’espace public. On essaye d’identifier le sens des messages qu’ils apportaient; d’éclairer la rhétorique de l’argumentation qu’ils employaient et de signaler les facteurs qui limitèrent la portée de ce que les auteurs avaient à l’esprit.

Mots-clés: Pédagogie Civique; Éducation et Indépendance; Civilisation; Pamphlets politiques; Périodiques

Introdução1

Para o escritor francês Marcel Proust,

As palavras não mudam tanto de significação durante séculos como para nós os nomes no espaço de alguns anos. Nossa memória e nosso coração não são bastante grandes para que possam ser fiéis. Não temos suficiente lugar, em nosso pensamento atual, para guardar os mortos ao lado dos vivos (PROUST, 1953, p. 414).

No mundo luso-brasileiro, entre o final do século XVIII e início do oitocentos, a memória e o coração não foram suficientes grandes para se mostrarem fiéis e conservarem os mesmos nomes. Personagens e instituições diferentes sucederam-se no espaço social, ainda que nem sempre representassem alterações significativas, servindo a substituição, algumas vezes, apenas para disfarçar o desgaste anterior que tinham sofrido. No entanto, ao contrário do que aparentemente escreveu o autor de Em busca do tempo perdido, em poucos anos, nesse mundo do pensamento em língua portuguesa, algumas palavras adquiriram novas significações, exigindo a convivência forçada dos termos antigos com os novos, até que aqueles viessem a ser definitivamente esquecidos - se é que chegaram a sê-lo algum dia.

Em 1813, o Dicionário de Morais e Silva registrava Educação como “criação, que se faz em alguém, ou se lhe dá; ensino de coisas, que aperfeiçoam o entendimento, ou servem de dirigir a vontade, e também do que respeita ao decoro” (SILVA, 1813, v. 1, p. 647). Já para Instrução, encontra-se “ensino, educação, documento”. Há ainda outros sentidos figurados como instrução aos militares, instrução de processos, instrução aos Ministros (SILVA, 1813, v. 2, p.168). Apresentava ainda o sentido de pedagogia como o “tom e a superioridade dos pedagogos”, dando como exemplo “a pedagogia dos maus filósofos do tempo [que] tem corrompido a mocidade desavisada”, trazendo à tona um sentido negativo para o vocábulo (SILVA, 1813, v. 2, p. 417). Eram definições que se vinculavam ainda à política antiga, presa de experiências do passado.

Foi somente após a explosão da Revolução Liberal do Porto de 1820 e do movimento constitucionalista de 1821, que atingiu, principalmente, o Pará, a Bahia e o Rio de Janeiro, no bojo de um processo, voltado não apenas para as fronteiras do Império português, mas em um diálogo, que encontra no Atlântico o ponto de união de suas ideias e ações (ALDEMAN, 2006), que tais conceitos em conjunto com outros, como por exemplo, Liberdade, Cidadão, Constituição, começaram a se ressemantizar, por meio de uma grande circulação de impressos de circunstâncias, que tomou conta das cidades que já conheciam a imprensa, como Rio de Janeiro e Salvador, na Bahia. Afinal, tais movimentos possibilitaram uma relativa liberdade de imprensa, a partir de 1821, com o fim da censura prévia, levando a uma relativa politização e democratização dos conceitos, na concepção de Koselleck (2009, p. 96-99)2.

Educar, Instruir e Civilizar: as linguagens dos periódicos

Os escritos de circunstâncias - especialmente, os periódicos e os panfletos políticos impressos - que vieram à luz após os movimentos liberais de 1821 no Brasil - traziam uma preocupação fundamental: esclarecer a população sobre os significados dos novos termos associados às ideias vivenciadas naquele momento histórico. Desse modo, a palavra escrita, em seus conceitos e linguagens, abria espaço à criação de novas práticas, uma vez que os textos de caráter político formulam questões e as respondem a partir de um quadro de noções e princípios que, em certa medida, aceitam, contestam ou repelem ideias e convenções predominantes em um determinado momento (Cf. SKINNER, 2005; POCOCK, 1971; RICHTER, 1990, p. 38-70). Por conseguinte, tais princípios registram também uma historicidade. Faz-se necessário distinguir as diferentes percepções que os homens possuem sobre o vocabulário, do qual eles se valem, ao formularem suas opiniões que os situam no espaço público de poder e possibilitam a apreensão das variadas visões de mundo, como afirma Fernández Sebastián (2009, p. 25-45).

Neste sentido, nos artigos de jornais ou em textos de panfletos era comum uma atenção em relação ao significado e ao papel da instrução e da educação no seio das mudanças políticas do constitucionalismo. Fazia-se necessário transmitir mensagens acerca de uma instrução renovada, uma vez que o Brasil nunca se favorecera enquanto colônia de Portugal dos benefícios de uma educação que formasse “cidadãos úteis à Igreja, à Pátria e à Humanidade”, que deviam ser capazes de sacrificar o interesse próprio ao “bem comum”, como “exige a Constituição do mundo, pela estabelecida ordem do regedor da sociedade”. Era, nesse sentido, que consistia a “genuína virtude, religiosa e civil”, como afirmava, em finais de 1821, o Prospecto do futuro periódico Sabatina Familiar de Amigos do Bem Comum. Era um jornal anônimo, atribuído a José da Silva Lisboa. Por sua linguagem política, ainda presa à do constitucionalismo antigo (POCOCK, 2003), demonstrava que não havia uma separação nítida entre a moral religiosa e a moral política, fruto dos novos anseios de uma linguagem liberal e constitucional (Prospecto da Sabatina Familiar, 1821 apud VIANNA, 1945, p. 375)3.

Desse modo, observa-se que a proposta do jornal A Sabatina Familiar de Amigos do Bem Comum voltava-se para uma preocupação com a política e a educação, mas ainda com um forte sentido da religião:

A adorável Providência nos concedeu a fortuna de ver estabelecida no Reino Unido uma Monarquia Constitucional, e o haverem as Cortes de Lisboa decretado nas Bases da Constituição, não só a igualdade dos direitos de todos os súditos da Coroa fidelíssima em ambos os hemisférios, mas também o provimento da instrução pública, abrindo a estrada da honra aos talentos e virtudes. (Sabatina Familiar de Amigos do Bem Comum, nº 1, 8 de dezembro de 1821).

Daí, a ideia de se constituir uma Companhia Doméstica de homens de letras, “para em amigável conferência se lerem e discutirem as obras sobre estes assuntos”, com amplos objetivos culturais, que chegavam, até mesmo, à proposta de idealização de uma Universidade. Havia uma preocupação em prestar algum tipo de serviço à Pátria, ao sugerirem leituras e discussões sobre a “Liberal Educação da Mocidade” (Sabatina Familiar de Amigos do Bem Comum, nº 1, 8 de dezembro de 1821). Por conseguinte, a preocupação maior em Silva Lisboa voltava-se para o desabrochar dos homens de letras, embora também estivesse presente uma menção à educação da mocidade de maneira mais ampla, a fim de que essa pudesse aprender os princípios fundamentais de uma sã política.

Já outros periódicos, contudo, como o Semanário Cívico (1821-1823)4, na Bahia, revelavam certa inquietação sobre os progressos reais da instrução pública, tema essencial para a mentalidade regeneradora, a fim de poder fazer oposição ao Antigo Regime. Assim, o citado jornal trazia à luz uma série de cartas, em que em uma dessas missivas, seu autor declarava: “[...] a instrução pública é a base da felicidade das nações; os livros iluminam a multidão, humanizam os homens poderosos, deleitam a ociosidade dos ricos e instruem facilmente todas as classes da sociedade” (Semanário Cívico, 1 de março de 1821). A instrução só podia ser alcançada por uma boa educação, sendo necessário que “os meninos bebam com o leite os princípios elementares das ciências e que, pelo menos, [aprendam a] ler, escrever, Aritmética e Gramática” (Semanário Cívico, 1 de março de 1821). Na perspectiva de uma cultura política5 do liberalismo, afirmava ainda que um “Governo opressor e ignorante tem mais medo das Luzes, do que uma armada inimiga”. Se com esta ainda era possível capitular, tal governo, que vigorava até 1821, não conseguia “contractar as luzes com as trevas, os vícios com a virtude, o despotismo com a Liberdade”. Daí, ser fundamental uma reforma que possibilitasse progressos na instrução pública, a fim de elevar o povo à categoria de cidadão (Semanário Cívico, 1 de março de 1821).

O jornal Revérbero Constitucional Fluminense (1821-1822) também demonstrou sua preocupação em relação à necessidade de instrução uma vez que a única maneira de “prevenir os crimes e fazer o Governo Durável é difundir luzes e ciências pelo Estado, como sementes fecundas de todas as virtudes” (nº 18, 12 de março de 1822).

Em geral, esses periódicos eram críticos ao antigo sistema de ensino, em especial ao sistema de educação jesuítica, vigente no Brasil colônia - “o estudante empregava muitos anos somente em aprender Latim” - embora, algumas vezes, destacassem o mérito das Aulas Régias e seus mestres públicos de primeiras letras, latim, retórica e filosofia. Em sua opinião, entretanto, estas últimas haviam atingido uma pequena parcela da sociedade. Insistiam também na necessidade de instituição de Mestres públicos e da criação de Livrarias públicas, pois “nem todos os pais de família têm posses para pagar mestres e comprar livros” (Semanário Cívico, 1 de março de 1821).

Ainda faziam críticas em relação ao método de ensino, que devia ser modernizado, adotando-se o Método Lancaster6: “o ensino mútuo de Lancaster é o que está hoje adotado geralmente em todas as nações cultas, é esse que devemos adotar em todas as cidades” (Diário Constitucional, nº 5, 13 de fevereiro de 1822). Opinião semelhante era defendida por um periódico fluminense que apontava o atraso da educação pública, fosse pela “imperícia dos Mestres”, fosse “pelo inveterado péssimo método de aplicação”. Daí, a necessidade de se introduzir o mais breve possível “o Ensino mútuo, conhecido pelo nome de Método Lancasteriano” (Correio do Rio de Janeiro, nº 108, 23 de agosto de 1822).

Em outra correspondência, no Correio do Rio de Janeiro, em 1822, o Cacique Brasileiro escrevia aos seus companheiros: “Sejam os nossos primeiros cuidados a nossa regeneração, sem esta não teremos liberdade, não teremos segurança pessoal, nem de propriedade, cuidemos na educação pública [...] [pois] sem esta, caros patrícios, não esperemos formar verdadeiros Cidadãos” (nº 72, 10 de julho de 1822). A instrução, portanto, não devia se resumir a ensinar a ler e escrever. Era preciso “um Código de instrução pública nacional”, a fim de possibilitar que a Constituição fosse colocada debaixo de salvaguardas das gerações futuras, transmitindo a toda a Nação uma “Liberal Educação” (Correio do Rio de Janeiro, n. 96, 8 de agosto de 1822).

Nessa perspectiva, pregava-se ainda a proposta de se criar uma “aula de História e Geografia, não só porque sem tais estudos mui pouco ou nada se pode adiantar em o estudo da Política, tão necessário ao povo que está se regenerando”, como também estas disciplinas eram consideradas essenciais aos que pretendiam fazer os estudos preparatórios para a Universidade de Coimbra. Em síntese, havia a necessidade da criação de colégios que ensinassem “todas as ciências elementares e políticas” e esperava-se que os deputados eleitos no Brasil para as Cortes de Lisboa em 1821 começassem a propor ações concretas voltadas para a instrução pública (Correio do Rio de Janeiro, nº 108, 23 de agosto de 1822).

Aliás, as Cortes Gerais de Lisboa, em relação ao ensino, decretaram em 30 de junho de 1821 que “a qualquer cidadão” fosse oferecido ensino, determinando “a abertura de escola de primeiras letras, independente de exame dos mestres ou licença por parte das autoridades” (Coleção das Leis do Brasil, 1821, 1889, p. 18). Tal decisão tinha como objetivo ampliar a criação de aulas particulares de ensino básico, uma vez que a instrução do “povo” era ponto fundamental da nova linguagem do liberalismo em todo o Império português. Era uma forma de instruir o povo, a fim de que este pudesse se constituir em cidadão. Desse modo, um mestre na Bahia, José Antônio de Azevedo e Vasconcelos, que dava aulas em casa a alunos e mantivera uma escola de primeiras letras, passou a chamar a sua escola de “Aula Constitucional” de primeiras letras. Em 1823, em plena guerra da independência, ofereceu ensino gratuito aos filhos dos oficiais dos Batalhões da cidade da Bahia [Salvador], que lutavam contra os independentistas (SILVA, 2010, p. 699-700).

Na mesma perspectiva, uma carta publicada no Reverbero Constitucional Fluminense defendia a ideia de que ao invés de se construírem placas, colunas ou obeliscos para se comemorarem as grandes datas que marcavam o processo de regeneração do Brasil, era mais importante fundar um “Colégio de pública educação, em cujo pórtico, com singeleza Constitucional, se lesse gravada em letras de bronze dourado a seguinte inscrição”:

Vinte e seis de Fevereiro do Ano de M.DCCC.XXI.

Nove de Janeiro do Ano de M.DCCC.XXII

Dias de Glória e de Liberdade para o povo do Rio de Janeiro. (Revérbero Constitucional Fluminense, nº 1, 1821, p. 255).

Trata-se de uma clara alusão aos movimentos da revolta constitucionalista do Rio de Janeiro (26 de fevereiro de 1821) e ao Dia do Fico (9 de janeiro de 1822), marcos fundamentais nesse processo de se ultrapassar a política antiga para se ingressar na política moderna.

Mesmo o governo oficial partilhava dessa preocupação com o envolvimento do poder público em uma nova proposta de educação. O Príncipe Regente em seu Manifesto aos Povos do Reino, em 7 de agosto de 1821, afirmava que: a “mocidade brasileira” teria

um Código de Instrução pública Nacional, que fará germinar e vegetar viçosamente os talentos deste clima abençoado; e colocará a nossa Constituição debaixo da salvaguarda das gerações futuras, transmitindo a toda a Nação uma Educação Liberal, que comunique aos seus Membros a Instrução necessária para promoverem a felicidade do Grande Todo Brasileiro (Diário do Rio de Janeiro, nº. 6, 7 de agosto de 1822)

Educação, progresso e civilização faziam parte de um todo que funcionava como um projeto político mais do que um projeto de instruir a população que habitava o Reino do Brasil. Afinal, na visão de época, educar era tudo que servia para “formar hábitos” enquanto instruir significava “tudo o que dá conhecimentos” (O Spectador Brasileiro, nº 57, 12 de novembro de 1824).

Ficava evidenciado que as elites intelectual e política, oriundas da nova linguagem do liberalismo, não podiam deixar de considerar a educação como o instrumento fundamental para difundir a civilização e o progresso. Os periódicos tinham como um dos objetivos principais concorrer para o avanço da fortuna dos povos, assim “como para a sua civilização” (O Regulador Brasílico-Luso, nº 1, 1822). Na realidade, por oposição ao mundo litúrgico do Antigo Regime, de que tinham a pretensão de se afastar, a modernidade política se definia pela capacidade dos homens de intervir na realidade, modificando-a pelo uso da razão e o conhecimento objetivo dos fatos. Somente assim seria possível assegurar o progresso. Por conseguinte, não bastava reger a ordem estabelecida, mas cumpria criar as condições para a sua transformação. Transformação que, ao romper com a tradição, exigia a implantação de mecanismos capazes de incutir os novos valores - ou seja, de educar. Educar mais do que instruir, porque o rumo estava traçado e definido pelo conhecimento esclarecido de que essas elites se julgavam as portadoras. Naquela circunstância, a educação representava formar o cidadão, indispensável ao consórcio da ordem e da liberdade, necessitando também dos mecanismos da instrução - o ler e o escrever - que deviam ser aprendidos nas escolas por meio de livros da moral, mas também da religião.

Se estas eram as mensagens dos periódicos, contudo, as intenções, inúmeras vezes, chocavam-se com a realidade. A partir de 1822, diante da população, em sua maioria escrava, tanto a cosmopolita “geração de 1790”, que originou a elite coimbrã7, formada pela Universidade de Coimbra, afeita aos usos da esfera privada de poder da Corte e obcecada pela ideia de império, quanto a nativista elite brasiliense8, criada na terra e cônscia de suas pátrias locais, não podiam senão convergir quanto à prioridade da formação de uma elite nacional, à sua imagem e semelhança.

Em relação aos níveis fundamentais de instrução, não deixou de haver a demonstração de boas intenções. A Constituição de 1824 estabeleceu a gratuidade do ensino elementar. A Lei de 15 de outubro de 1827 determinou a criação de cadeiras de primeiras letras em todas as cidades, vilas e lugarejos e até de escolas para meninas, nos locais mais populosos. Contudo, as medidas ficaram, em grande parte, letra morta. (Coleção das Leis do Brasil, 1827, 1878, p. 71). Não se deve esquecer que o direito à cidadania excluía os escravos e a Constituição de 1824 garantia a instrução primária e gratuita apenas a cidadãos (Constituição de 1824, art. 179, inciso XXXII).

Era preciso, contudo, que o conceito de instrução e de educação se ressemantizasse9, ainda que a prática não correspondesse à teoria. Novas cores, novos significados vinham à tona, por meio de outro instrumento capaz de fornecer uma pedagogia cívica e emprestar novos significados a tais conceitos para que eles se adaptassem aos tempos novos e às linguagens do liberalismo. Instruir e educar passavam a significar civilizar e moralizar o povo. Por conseguinte, a imprensa podia contribuir muito para o fornecimento das Luzes e para o progresso da instrução. Não se tratava apenas de um projeto educativo, mas sobretudo de um projeto político, que se pautava nas Luzes e possibilitava o esboço de um espaço público de poder (GOMES, FARIA FILHO & MESQUITA, 2018, p. 604-626).

“Instrução Política sobre os direitos dos Cidadãos”10: as mensagens dos Panfletos Políticos

Os que procuram em um Livro senão o divertimento, e que nada sério querem encontrar, podem dispensar-se de ler minha Oração; pois ela só tende a demonstrar a obrigação de todo o bom Cidadão, que compõe a sociedade política, do tempo em que felizmente vamos entrar (Cathecismo Constitucional, 1821, p. 1)

Em diversas ocasiões, os textos dos panfletos políticos transformaram-se em obras de instrução. Mas, tratava-se, agora, de uma instrução política elementar em que educar o povo tinha como pressuposto elevá-lo à condição de cidadão. Além disso, os panfletos apresentavam os preceitos fundamentais das práticas constitucionais. Buscaram alcançar, desse modo, um papel predominante naquela conjuntura na função de instruir e educar, tendo um novo horizonte de perspectiva (KOSELLECK, 1990, p. 307-329) no significado desses conceitos.

Mais ágeis que os jornais, os panfletos apresentavam-se como uma brochura escrita em linguagem mais direta com o objetivo de alcançar um público mais amplo. Redigidos, em sua maioria, por um único autor, voltavam-se para temas do cotidiano, sobretudo para debates políticos. Não eram, contudo, obras de cunho teórico (NEVES, 2003, p. 39-41; CARVALHO, BASTOS & BASILE, 2014, p. 15-16). Mais baratos e de rápida circulação, transformaram-se em forma fácil de acompanhar a aceleração dos acontecimentos (BAECQUE, 1996, p. 226), uma vez que publicizavam o debate, doutrinavam o público, formulavam, interpretavam, combatiam e defendiam ideias, propunham soluções e representavam determinados interesses. Ao traçarem um caminho entre a história e a política, tais escritos permitiam a circulação das informações em todos os setores sociais, fazendo os fatos políticos adquirirem o status de novidades. Traduziam-se como veículos de ideias esclarecidas, desenvolvendo-se entre o terreno da curiosidade e o da ação, constituindo-se como um novo espaço público (GUERRA & LAMPÉRIÈRE, 1998, p. 5-21) para o pensamento político.

Adquiriram formas variadas, a fim de difundir os princípios do constitucionalismo monárquico e ainda explicar o vocabulário político liberal, comum às elites ilustradas de ambos os lados do Atlântico, pois julgavam que a divulgação dos impressos tinha atribuído uma significação nova a todos os termos, em relação aos quais “um dicionário não nos serve para nada” (Diário do Governo, nº 105, 12 de maio de 1823), devendo-se observar a conduta dos políticos para entender essa nova linguagem.

Os panfletos apresentavam formas variadas, como dicionários, diálogos, catecismos, orações e sermões que tinham como característica uma pedagogia cívica ou política com o objetivo de instruir a todos no novo vocabulário político do constitucionalismo e liberalismo (CARVALHO, BASTOS & BASILE, 2014, vol. 2, p. 19-20). Tais fórmulas de debate político não foram inventadas pelo mundo luso-brasileiro pois já se encontravam presentes, de uma maneira ou de outra, nos panfletos produzidos por ocasião das revoluções inglesas, da Revolução Francesa, dos processos de independência dos Estados Unidos e da América hispânica. Aliás, como afirma François Furet, “a irrupção das massas populares na cena da história oferece à pedagogia política um público novo e imenso [...]”. Discursos, moções, jornais não são mais propriamente destinados à atenção das pessoas instruídas, mas submetidos ao arbítrio do “povo” (FURET, 1989, p. 61). Tratava-se, sobretudo de oferecer uma educação e instrução aos indivíduos para que pudessem participar da vida política, formando um cidadão virtuoso, conhecedor de seus deveres e direitos, que fosse capaz de se comprometer com a sua pátria e consolidar as novas práticas da cultura política dos liberalismos.

Os textos em forma de dicionários, uma das formas mais evidentes do caráter didático dessas publicações, continham um conjunto de termos polêmicos e inovadores do vocabulário político, definidos, de acordo com as posições políticas de seu autor. Aqui ocorria uma polarização entre os campos semânticos do liberalismo e das práticas do Antigo Regime. Um exemplo é o Dicionário corcundático e seu Suplemento, redigido por José Joaquim Lopes de Lima, que procurava explicar, sob a ótica de um constitucional, vários termos utilizados pelos “corcundas” - ou seja pelos seguidores da política antiga, a fim de ensinar a todos a linguagem do constitucionalismo. Por exemplo, o conceito de Constituição:

Plano de desordem (É um Corcunda, que fala) inventado pelo espírito de seita na sua efervescência, e que o povo, não sei por que, aplaude: mas que ainda que trouxesse consigo melhoramentos úteis, para ser desprezível basta ter começado debaixo pra cima, sendo que só os Reis, e seus ministros têm o poder, recebido do Céu, de mudar o Governo, a que os outros homens devem obedecer cegamente, como um rebanho a seu pastor [...] (LIMA, 1821, p. 5).

Pela ironia e pela crítica, o dicionário procurava fazer com que o leitor restituísse a tais palavras a “sua genuína significação”, para além daquela que encontrava no registro dos dicionários de época. (LIMA, 1821, p. 1). Afinal, como já afirmara Fénelon, no início do século XVIII, os dicionários serviriam, quando a língua tivesse sido modificada, para compreender os livros dignos da posteridade, que foram escritos em outros tempos (FÉNELON, 1864, p. 2).

Tais panfletos, em função do iletramento da sociedade, utilizavam ainda uma gama de recursos didáticos, sendo um dos mais usados, os textos escritos em forma de diálogos. Nesses escritos, várias personagens (em geral com posturas antagônicas) discutiam os temas do momento ou os conceitos polêmicos que refletiam as vicissitudes das continuidades e rupturas das mudanças que agitavam o mundo luso-brasileiro. Em uma espécie de conversa informal ou de várias perguntas e respostas, os embates se davam entre constitucionais, de um lado e defensores dos valores antigos, do outro. Por exemplo o Diálogo entre a Constituição e o Despotismo. A primeira, vinda da Europa, vai se encontrar com o “famigerado despotismo”, travando um duelo de palavras, que termina com insultos entre os dois interlocutores, que se separam “nada satisfeitos um do outro”, caminhando o despotismo “a grandes jornadas para Laybach, onde deve assistir ao Congresso dos Ministros, e esta [a Constituição] para o Brasil, onde era há longo tempo apetecida” (Diálogo entre a Constituição e o Despotismo, 1821, p. 9). Tal literatura transformava-se em uma forma simples e direta para fornecer os ensinamentos da linguagem constitucional.

Ainda no rastro dessa preocupação em instruir as camadas mais baixas da população, aproveitava-se do papel ainda fundamental da religião na vida política luso-brasileira, sendo escritos panfletos em forma de orações. Dois tipos podem ser destacados: o primeiro era o antigo costume de se parodiar formas religiosas, conhecido desde a época dos tempos modernos na Europa (BURKE, 1989, p. 144-172); o segundo era o clássico catecismo político, muito comum na França revolucionária.

As orações constitucionais apresentam-se como paródias às tradicionais orações comumente recitadas pelo povo em suas preces diárias. Era fácil recitar a paródia, pois sua melodia lembrava a das verdadeiras orações religiosas. Dessa forma, apreendia-se o novo conteúdo constitucional. Verifica-se, portanto, tal aspecto na paródia do Sinal da Cruz escrita, no momento das guerras de independência. Os brasileiros deviam repetir todos os dias, o Sinal da Cruz, em uma postura análoga do mesmo símbolo que dá início às orações religiosas, enquanto não fosse expulso da Bahia, o general português Madeira de Melo:

Baianos! se aos pés-de-chumbo

Deveis uma boa coisa,

A vitória será nossa

PELO SINAL

Fazei-lhes, pois, todo o mal

Fazei-lhes cruenta guerra,

Para que deixem a terra

DA SANTA CRUZ

O Madeira, esse lapuz,

Não escape pela malha;

E de toda essa canalha

LIVRE-NOS DEUS

Sejam por vós, eles e os seus,

Todos feitos em poeira,

Assim o permita, e queira

NOSSO SENHOR

Ele vos infunda valor

Para que fiquem em cacos

Por um cento de macacos

DOS NOSSOS

Baianos, moei-lhe os ossos

Em viva guerra sem pausa

Porque são da nossa causa

INIMIGOS

Vede que os falsos artigos,

Que o Congresso feito tem

Por gosto de lá não vem

EM NOME DO PAI

O que sobre vós recai

E que vos esfola a pele

Nada é por voto dele

E DO FILHO

Assim neles de cadilho

Procurar vingar o insulto

Com o flagelo do vulto

E DO ESPÍRITO

Que quando com valor fito

Estrangulareis os vis

Ficará vosso País

SANTO

Assim queira, Deus, portanto

Que o Diabo é um flagelo

Deve o Madeira de Melo

AMÉM, JESUS. (Sinal da Cruz ...,1823)11.

No segundo caso, encontram-se os Catecismos, que eram uma publicação que apresentavam os preceitos constitucionais como espécies de dogmas religiosos, “revestindo-os de certa sacralidade cívica” (CARVALHO, BASTOS & BASILE, 2014, vol. 2, p. 19-20). Por exemplo, o Cathecismo Constitucional, de autor anônimo e o Cathecismo Constitucional oferecido às Cortes12. Em ambos os escritos, fazia-se um uso de diversas metáforas religiosas, como estratégia de retórica, configurando-se como obras de instrução política elementar13. Por exemplo:

Perg. Que entendeis por Constituição?

Resp. Entendo a Lei, ou Leis fundamentais da Nação que determinam a forma do Governo, os deveres de quem governa e dos que são governados; assim como as regalias e as atribuições de uns e outros.

[...]

P: Quem tem o direito de fazer a Constituição?

R: As Cortes (Cathecismo Constitucional, 1821, p.1).

Já o outro Cathecismo era mais incisivo na questão da instrução pública em relação aos direitos dos cidadãos e sobre o interesse que cada um, como membro de uma sociedade, devia alcançar para manter-se unido com seu primeiro chefe. Em sua visão, a falta de instrução levava à falta de educação, ao domínio da ignorância, ao desconhecimento por parte dos cidadãos de seus deveres e direitos. Portanto, essa ausência de instrução permitia ainda a corrupção dos costumes, o domínio da desordem, possibilitando ainda “um eterno combate entre a tirania e a anarquia”, tornando-se tal situação extremamente danosa à sociedade (Beja. Cathecismo Constitucional, 1821, p. 4). Uma das soluções para evitar tais danos era “animar por todos os modos as escolas públicas, a fim de que a mocidade seja instruída nos verdadeiros princípios da boa moral”. Não exclusivamente a moral religiosa, mas, sobretudo, a moral política do bem comum.

Ainda na linha da permanência da religião nos assuntos políticos, encontram-se os sermões. Em geral, eram feitos para as cerimônias cívicas, mas recitados nas festas religiosas. Seu teor, quase sempre, era sobre assuntos políticos, permeados de elementos religiosos. Há um curioso Repertório, impresso na Bahia, sobre os deveres daqueles que estavam envolvidos nas eleições. Entre estes, destacavam-se as obrigações do pároco que devia celebrar “Missa cantada no dia das Eleições”, fazendo um sermão político em que explicava o papel e a responsabilidade dos seus párocos durante o processo eleitoral. Assim, cada cidadão devia “votar com madura consideração”, segundo a sua consciência, embora “com os olhos fitos em Deus, e na felicidade da Nação”. Afinal, “cada cidadão no seu voto compromete os invioláveis e sagrados deveres da Religião; compromete a sua consciência; e compromete o seu próprio decoro e decência pública, tão necessária para manter e conservar com dignidade o esplendor e glória de toda uma Nação” (Repertório, 1821, p. 1) Verificava-se, assim, a presença de uma dubiedade da linguagem política do liberalismo: igreja e poder secular se mesclavam, não ocorrendo uma total desvinculação da religião do mundo político.

Era necessário transmitir uma educação cívica que pudesse fazer do povo um elemento civilizado como previam as linguagens do liberalismo. E quem eram os responsáveis por essa transmissão? Os atores históricos - redatores de jornais e de panfletos políticos, elites intelectuais, representantes eleitos da política - ou seja, membros de uma elite ainda restrita que devia conduzir a opinião pública que despontou nos debates políticos, desencadeados pelo movimento constitucionalista e pelo processo de Independência (MOREL, 1998, p. 300-320 e NEVES, 2009, p. 1011-1023). Afinal, como afirma Pocock (2013, p. 69-72) o contexto pode levar a uma mudança nos atos de fala, por meio do uso de um novo vocabulário político. Foram estes atores históricos, os responsáveis por intervirem no político por meio de atos de enunciação, que se eram emitidos por meio de novas linguagens - idealizando, à maneira de Kant, uma batalha pedagógica e instrutiva, a fim de transformar o povo, antes súdito, em verdadeiro cidadão, baseando-se na premissa das “Luzes do século”. Desse modo, o Despotismo de outrora tornava-se o inimigo - a própria negação da liberdade - bem como a censura, promovida pelos governos do Antigo Regime, o sinônimo de atraso e práticas despóticas. Logo, a sociedade necessitava da instrução pública para que este processo de luzes e civilização fosse iniciado. Afinal, para Kant, o homem começava a sair de sua “menoridade”, quando não havia o desejo de se atingir o conhecimento. A política ultrapassou o círculo privado da Corte e tornou-se pública. Desse modo, o processo de esclarecimento era viabilizado por meio de uma discussão pública, fornecida a todos os cidadãos por meio de uma instrução que se pautava em uma pedagogia cívica (KANT, 1985, p. 110-117).

“A Instrução do Povo é a primeira fonte da felicidade pública”14: a retórica da argumentação

Era com tais palavras que o deputado Antônio Gonçalves Gomide, representante de Minas Gerais na Assembleia Constituinte de 1823, defendia o projeto da necessidade de educar a mocidade brasileira, discutindo-se a proposta da elaboração de um tratado de educação. Verificava-se que, nos inícios da construção do Império do Brasil, mesmo após toda a discussão da “guerra panfletária”, continuava a preocupação em encontrar caminhos, a fim de instruir e educar o povo brasílico para que este se transformasse em um “povo livre, bem governado e rico” (Diário da Assembleia, [1823], 2003, p. 489). Utilizando-se dos artifícios de uma retórica de argumentação, que se transformava em um recurso indispensável para efeitos didáticos e de mobilização para convencimento de seu público (REBOUL, 1998, cap. 5; CARVALHO, 2000, p. 123-152), os deputados que se propunham a elaborar a nova Constituição do Império, repetiam as mensagens defendidas em jornais e panfletos redigidos em anos anteriores.

A principal preocupação continuava a ser - orientar e instruir o povo. Afinal, como era o pensamento de época, somente “um povo bem educado” podia ser um povo soberano, livre e feliz. Logo, um povo mal educado era sinônimo de “povo desgraçado, pobre e sujeito ao jugo do Despotismo (Diário da Assembleia, [1823], 2003, p. 489). Restava, no entanto, uma questão: quem era o povo que devia ser educado e instruído? A quem devia se dirigir tais escritos que fossem capazes de homogeneizar a sociedade, a fim de que se comportasse de acordo com as normas de uma sã cidadania?

Se, ao longo do Antigo Regime, povo designava uma ordem social, que se colocava em oposição ao clero e à nobreza, a partir dos movimentos constitucionais o significado de povo ganhava novos contornos. De uma noção global, povo no Brasil diferenciava-se da “classe dos grandes” mas também da “classe ínfima da plebe”. Se a primeira se compunha de “empregados, nobres e sábios”, pessoas sãs e cordatas, a segunda era formada pela populaça, em que reinavam “a ignorância, os vícios, a superstição e um ódio nato à gente superior”. No início do oitocentos, o “povo do Brasil” não devia ser igualado à “plebe” ou “populacho”. Aqui, eram os escravos e os libertos que formavam a “classe da populaça”. Povo era composto por indivíduos de “ofícios mecânicos”, entre os quais se encontravam diversos portugueses e alguns brasileiros, que não exibiam, contudo, “a ferocidade europeia” (Cartas Políticas nº 3. Diário do Governo, nº 86, 18 de abril de 1823). Nessa compreensão do conceito de povo inseriam-se membros de uma camada que já possuíam algum grau de educação que, comparado a outros países, os elevava acima do que se chamava vulgarmente de povo, como afirmava Silvestre Pinheiro Ferreira em sua informação às Cortes de Lisboa em 1822 (FERREIRA, 1822). Logo, no Brasil, a classe do povo era proporcionalmente menor do que na Europa, porque excluía-se desta “a classe de escravos e libertos”15. A plebe representava a “populaça”, ou seja, as camadas mais ínfimas da sociedade (Cartas Políticas nº 3. Diário do Governo, nº 86, 18 de abril de 1823).

Por conseguinte, cabia às elites ilustradas o papel de “instrutor” do povo, a fim que este se civilizasse e se transformasse em um bom cidadão, amante da ordem. Não bastava apenas instruir essa camada na nova linguagem política constitucional, mas dirigi-la e educá-la segundo os valores da época.

Desde 1808, Hipólito José da Costa, redator do Correio Braziliense, em Londres, afirmava que pretendia ser o “primeiro despertador da opinião pública” para os fatos recentes, procurando excitar a curiosidade dos povos. Acreditava que “o primeiro dever do homem em sociedade é de ser útil aos membros dela”, cabendo a este espalhar as luzes, que “tiram das trevas ou da ilusão aqueles que a ignorância precipitou no labirinto da apatia, da inépcia e do engano” (Correio Braziliense, nº 1, junho de 1808).

Nesse sentido, despontava o conceito de opinião pública - uma autêntica força política, cuja objetividade provinha da razão e cuja eficácia resultava do impulso propiciado pelo progresso das Luzes. Depreendia-se, portanto, nesses escritos, sua função diretiva, na qual as elites ilustradas representavam um ponto de equilíbrio entre o soberano e seus súditos, conduzindo às reformas ilustradas, necessárias a uma regeneração política (NEVES, 1995, p.132-133). Sob esse ângulo, já em 1º de março de 1821, José da Silva Lisboa, em seu periódico O Conciliador do Reino Unido, considerava a opinião como “a rainha do mundo”, e, em número posterior, afirmava que o homem ilustrado devia “bem dirigir a Opinião Pública a fim de atachar os desacertos populares e as efervescências frenéticas de alguns compatriotas, mais zelosos que discretos e que antes preferem arder que luzir”.

Dirigir a opinião pública significava manter a nova ordem. Mas, sem dúvida, avessa às transformações bruscas dessa mesma ordem, destinava-se a assegurar o reinado da sabedoria e da prudência sobre a sociedade. Esse papel caberia, doravante, a educação, que, por meio de instrumentos didáticos de convencimento - ou seja de uma eficaz instrução, transformava-se em uma arma poderosa de controle político e de caminho para o que definiam como civilização. Seus instrumentos foram, muitas vezes, os periódicos e os panfletos políticos.

Finalizando ...

Naquele momento de convulsão política, quando do embate entre as práticas do constitucionalismo e do Antigo Regime e, por conseguinte, do processo de Independência do Brasil que se inseriu naquele contexto, ressalta-se a importância do impresso, enquanto um novo instrumento de poder, uma vez que a palavra escrita permitia identificar um novo horizonte de expectativas (KOSELLECK, 1990, p. 307-329) dos homens que vivenciavam aquele processo. Portanto, panfletos políticos e periódicos tornavam-se instrumentos de intervenção naquilo que seus autores - sintonizados com a nova forma da política que nascera da Revolução Francesa -, concebiam como um espaço público, destinado a acolher os debates entre as diferentes correntes de opinião presentes na sociedade. Os autores transformavam-se em “patriotas”, “amigos do povo”, “sentinelas” a fim de exercer uma atitude de constante vigilância como um “argos” e uma “atalaia” (VARGUES, 1997, p. 234)16.

Assim, ao se identificar o sentido das mensagens que traziam tais textos, relacionando-as às linguagens políticas em voga, verifica-se que o conceito de instrução ampliava seu significado, trazendo em seu bojo uma nova experiência de vida para os atores políticos. Além do ensino do conhecimento, o conceito trazia uma visão distinta ao se acoplar a uma perspectiva de educação política, que se efetivava por meio de uma pedagogia cívica.

Educar representava formar o cidadão e civilizar a sociedade. No entanto, como já ressaltado, a retórica da argumentação, a que recorriam os autores, tinha o intuito de dirigir a conduta daqueles que consideravam como povo. Era “um dever do cidadão [...] dirigir a opinião pública, e levá-la, como pela mão, ao verdadeiro fim da felicidade social” (Conciliador Nacional, 1822). Ora, na linguagem política da época, povo representava tanto a parte menos instruída e menos viciada da nação, como a mais laboriosa e a mais pobre.

Verifica-se, por conseguinte, que, apesar de uma aceleração do tempo em relação às mudanças e de novo significado que revestiam os conceitos de instrução e de educação, as ideias antigas ainda permaneciam. A instrução, ainda que fosse para o povo, voltava-se, sobretudo para as elites. Inviabilizava-se uma educação cívica mais ampla, não só em função do iletramento, mas também porque o objetivo maior era homogeneizar as camadas médias em relação aos novos preceitos do liberalismo. Tais escritos transformaram, assim, em veículos das culturas políticas do liberalismo na época da independência, como instrumentos educacionais da própria elite e, só, marginalmente, atingiam camadas situadas nas fímbrias dos grupos privilegiados, com o objetivo principal de assegurar sua subordinação. De qualquer forma, em oposição ao despotismo, desenvolveram uma pedagogia do constitucionalismo, que, após 1822, serviu de base para o separatismo, levando à dissolução do Império português. Nesse caso, era preciso construir um Império pautado na ordem e na civilização. Para atingir tais objetivos, fazia-se necessário um novo molde de educação. Politizada, democratizada, secularizada17 e não mais apenas pautada na moral religiosa e dos costumes.

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1A pesquisa que permitiu a produção desse artigo é financiada pelo CNPq, na modalidade de bolsa de Produtividade em Pesquisa, pela FAPERJ (Cientista do Nosso Estado) e pela UERJ (Programa do Prociencia).

2Para Koselleck, a dissolução do mundo estamental da sociedade do Antigo Regime ampliou o âmbito da utilização de muitos conceitos. Tratava-se de uma democratização, ou seja, os vocabulários políticos e sociais, que, antes eram restritos às camadas das elites, após o século XVIII, conheciam mudanças profundas nas maneiras de serem lidos, nas mensagens políticas transmitidas e no tamanho das audiências a que eram dirigidos. E, ainda de uma politização - com a dissolução dos agrupamentos sociais e identificações constitucionais do Antigo Regime imposta pela Revolução Francesa e pelas mudanças econômicas - quando os conceitos políticos tornaram-se mais suscetíveis de serem utilizados como armas de combate por classes, estamentos e movimentos antagônicos (Ver KOSELLECK, 2009, p. 96-99).

3Para Silva Lisboa, a moral do bem comum volta-se para uma ação em que todos estavam engajados em uma singular e comum empresa. Nesse sentido, diferencia-se da moral da individualidade, estabelecida por uma espécie de contrato entre indivíduos soberanos e distintos, em que cada um age em função de seus interesses e em que a moralidade é arte de uma acomodação mútua, como significa a moral em Hobbes. Cf. M. OAKESHOTT, 1991, p. 295-297.

4Para um estudo sobre o Semanário Cívico, ver SILVA, 2008.

5Aqui, cultura política é entendida como o “conjunto de discursos e práticas simbólicas que caracterizam essa atividade política em qualquer sociedade”. BAKER, 1993, p. 14-16; Cf. ainda SIRINELLI, 1992, p. III-IV e NEVES, 2003, p. 25-26.

6O método Lancaster, como se tornou mais conhecido no Brasil, teve sua origem na Inglaterra, no final do século XVIII e início do século XIX, quando aquele país conhecia um processo de industrialização e, posteriormente, de urbanização. Seus criadores foram Andrew Bell e Joseph Lancaster. Nessa proposta, o professor ensinava a lição a um grupo de meninos considerados mais amadurecidos e inteligentes. Os demais alunos eram divididos em pequenos grupos, que recebiam aulas por meio daqueles a quem o mestre havia ensinado. Dessa forma, um único professor podia instruir muitas crianças (BASTOS, 1999, p. 95-118).

7Para o conceito de geração de 1790, ver MAXWELL, 1999, p. 157-207. Resultante dessa formação, originou-se a elite coimbrã. Mais cosmopolita, com passagem pela Universidade de Coimbra e larga experiência da vida pública, era dotada tanto de capital econômico quanto de capital social e cultural, lendo autores como Locke, Montesquieu, Constant e os ideólogos da Restauração francesa. Ao assumir postura crítica face ao Antigo Regime, não endossava, porém, qualquer proposta de ordem nova por meios revolucionários. Acreditava num ideal reformista de cunho pedagógico, capaz de conduzir a uma reforma pacífica, harmoniosa, promotora da felicidade e da liberdade nacional. (CARVALHO, 1980, p. 51-70; BARMAN, 1988, p. 65-96 e NEVES, 2003, p. 86-88).

8As elites brasilienses constituíam um grupo jovem, que cresceu sob influência da Corte na América, dispunha de um horizonte de expectativa mais circunscrito à realidade do Brasil. Próximos do ambiente de uma camada média urbana, que se formara após 1808, regra geral, fizeram seus estudos no próprio Brasil, tendo a palavra impressa seu maior e, algumas vezes, único contato com o mundo estrangeiro. Acreditavam que a soberania residia na nação. De maneira ousada para o meio em que viviam, incluíam, por conseguinte, em suas reflexões, alguns princípios de teor democrático. (BARMAN, 1988, 65-96 e NEVES, 2003, p. 86-88).

9Koselleck indagava-se sobre as condições históricas que possibilitaram a emergência de um novo funcionamento da história, que podia ser visualizado na transformação semântica dos conceitos que surgiam em tempos de agitação política. Deve-se observar que essa nova semântica dos vocábulos estava inserida em uma ordem de temporalidade, em que ocorria uma coexistência entre o passado e o presente, fazendo com que os novos vocábulos ainda mantivessem conceitos antigos. Cf. KOSELLECK, 1990, p. 99-113 e p. 191-197; ZERMEÑO, 2010, p. 37-40.

11É interessante observar que esta paródia sobre o Sinal da Cruz apareceu na época napoleônica e continuou a ser repetida até o início do século XX.

12Há registro do oferecimento desse Catecismo no Diário das Cortes, 25 setembro 1821, nº 184, p. 2395.

13Algumas vezes, tais catecismos eram também publicados em vários números dos periódicos. Ver Semanário Cívico, nº 2, 8 de março de 1821 e seguintes.

15Optou-se pela utilização do termo escravos, pois assim eram denominados nos documentos de época. Não cabe então uma discussão sobre a questão recente na historiografia de escravos x escravizados. Para o significado do termo, ver HARKOT-DE-LA-TAILLE & SANTOS, 2012, p. 1-13.

16As palavras entre aspas aparecem nos escritos como pseudônimos ou se constituem parte do título de periódicos, por exemplo, Atalaia, Rio de Janeiro. 1823; O Argos da Lei, São Luís do Maranhão, 1825 e Atalaia da Liberdade. Rio de Janeiro, 1826.

17Os conceitos utilizados referem-se aos pressupostos metodológicos da grande obra de Koselleck - Geschichtliche Grundbegriffe. (Cf. Idem, 2009, p. 96-99). No mundo ibero-americano, o trabalho de ressemantização de conceitos, na esteira do historiador alemão, está sendo continuado por meio da rede de pesquisas Iberconceptos - una historia conceptual, 1780-1890, coordenado por Javier Fernández Sebastian, que já publicou dois Dicionários de Conceitos (2009 e 2014), com a participação de mais de 100 colaboradores de inúmeros países. Os conceitos Constituição e Opinião Pública (2009) e Revolução e Independência (2014) foram por mim elaborados com a colaboração de Guilherme Pereira das Neves.

Recebido: 05 de Agosto de 2020; Aceito: 22 de Dezembro de 2020

E-mail: lubastos52@gmail.com

LUCIA MARIA BASTOS PEREIRA DAS NEVES é doutora em História pela Universidade de São Paulo (1992). Professora Titular de História Moderna da UERJ. Pesquisadora do Prociência da UERJ, bolsista 1A do CNPq e bolsista Cientista do Nosso Estado da FAPERJ. Sócia Titular do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Coordenadora principal do Projeto Pronex FAPERJ/CNPq Os Caminhos da Política (2017 aos dias atuais). Integra o Projeto Iberconceptos desde 2007. Investigadora Colaboradora do Centro de História da Universidade de Lisboa. Publicações no país e no exterior sobre cultura política da Independência, circulação de ideias entre Portugal, Brasil e França e estudos de história política e cultural.

Editora responsável:

Tatiane de Freitas Ermel

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