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História da Educação

Print version ISSN 1414-3518On-line version ISSN 2236-3459

Hist. Educ. vol.26  Santa Maria  2022  Epub Nov 30, 2022

https://doi.org/10.1590/2236-3459/117273 

Resenha

“A CERTEZA NA FRENTE, A HISTÓRIA NA MÃO”: DITADURA MILITAR E NEGACIONISMO HISTÓRICO

“CERTEZA DE FRENTE, HISTORIA EN MANO”: DICTADURA MILITAR Y NEGACIONISMO HISTÓRICO

“CERTAINTY IN FRONT, HISTORY IN HAND”: MILITARY DICTATORSHIP AND HISTORICAL NEGATIONISM

«LA CERTITUDE EN FACE, L'HISTOIRE EN MAIN» : DICTATURE MILITAIRE ET NÉGATIONISME HISTORIQUE

Giuseppe Roncalli Ponce Leon de Oliveira* 
http://orcid.org/0000-0003-0374-3355

* Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), Campina Grande/PB, Brasil.

SILVA, Marcos. Ditadura relativa e negacionismos: Brasil, 1964 (2016, 2018...). São Paulo: Maria Antonia Edições, 2021.


Como nos mostrou Sônia Meneses (2016), nas últimas décadas do século XX e em princípios do XXI, poucos eventos são tão recorrentes nos meios de comunicação do Brasil quanto o golpe de 1964, sendo bastante significativa a produção intelectual sobre o tema, não somente em termos bibliográficos, mas também em produtos como filmes, documentários, revistas, romances, fazendo de 1964 um evento insistentemente apropriado pelas mais variadas mídias. As reflexões sobre o período ditatoriais não são uma exclusividade do Brasil.

Notadamente na América Latina, onde houve a implantação de várias ditaduras, a temática se tornou um elemento preponderante no debate político, bem como na organização de diversos grupos sociais que reivindicam para si um lugar nas disputas pelas memórias de tais eventos. As discussões em torno da memória e do esquecimento em tais episódios se tornaram uma questão visceral para esses países, especialmente, na organização das democracias que se seguiram às ditaduras. Mas, além de uma questão de governabilidade, as alterações giraram em torno da legitimidade na construção das versões sobre esses acontecimentos (MENESES, 2016, p. 19).

O retorno democrático, conforme chama atenção Alessandra Ciambarella (2014), trouxe consigo a necessidade de construção de novos papéis e de novos lugares para antigos atores políticos que vigoraram no longo período de autoritarismo por que passou o país. Nesse sentido, ao analisar este ou qualquer outro processo histórico, o pesquisador deve considerar dois momentos específicos: a temporalidade própria ao desenrolar dos acontecimentos e processos, e o tempo relativo à produção de interpretações e narrativas sobre esses mesmos acontecimentos históricos. Por conseguinte, debruçar-se nas análises sobre o nosso período ditatorial recente, significa também compreender que estas estão imbuídas de inúmeras versões e representações, hegemônicas ou não, presentes no contexto histórico em que foram produzidas (CIAMBARELLA, 2014, p. 211).

Marcos Silva (2018), reforça esta linha de raciocínio, ao demonstrar que, para encaminhar um debate sobre a memória humorística da ditadura militar no Brasil, a partir de exemplos da produção de Henfil, considerou como primeira dificuldade: a própria palavra “ditadura”, que saiu do uso corrente na maior parte das falas sobre o período, ao menos, desde o governo Figueiredo (1979/1985). De acordo com o autor, empregou-se, a partir de então, “período de exceção”, ou, no máximo, “autoritarismo”. Cristalizando-se, assim, a interpretação de uma “idade de ouro” das lutas contra a ditadura militar, ao redor de 1968, retomada para valer após a Anistia, principalmente, através da Campanha pelas Diretas (1983/1984) e nas eleições indiretas de Tancredo Neves (1984). Sendo possível observar que, há uma espécie de vazio social e político durante a etapa ditatorial (SILVA, 2018, p. 18-19).

No livro Ditadura relativa e negacionismos: Brasil, 1964 (2016, 2018...), Marcos Silva (2021), buscou dar continuidade ao debate estabelecido anteriormente, discutindo duas obras que, em diferentes momentos e gêneros textuais, contribuíram para a construção de determinada cultura histórica sobre a ditadura brasileira de 1964 a 1985: uma série de Elio Gaspari e um manual de Marcos Napolitano.

Conforme o autor, os escritos abordados resultaram dos campos de conhecimento Jornalismo e História, com a mistura desses universos de cultura histórica que ensejou entendimentos e intervenções intelectuais e políticas sobre aquela experiência. A mescla teve como resultado uma historiografia jornalística e um jornalismo quase acadêmico, gêneros híbridos que se inspiram um no outro. Tais trocas entre jornalismo e escrita historiográfica acadêmica foram esboçadas desde o começo daquela ditadura, golpe amplamente apoiado pela grande imprensa brasileira e que, também, mereceu críticas pioneiras de alguns nomes da imprensa e de outros setores da sociedade e cultura (SILVA, 2021, p. 11).

A partir das mencionadas obras de Gaspari e Napolitano, o presente livro desenvolve debates críticos sobre a ditadura de 1964 a 1985 e, indiretamente, suas anunciadas “superações” e veladas, ma non tropo, “recuperações”. Neste livro, Marcos Silva, enfatiza a capacidade de as ditaduras criarem bases institucionais e culturais que sobrevivem largamente a suas vigências mais visíveis e abrangem lideranças ditatoriais a falar em nome de seus supostos avessos, como José Sarney, destacada figura pública da ditadura civil e militar de 1964 a 1985 e presidente da “Nova República” de 1985 a 1990 (SILVA, 2021, p. 13-14).

Para Marcos Silva, cada ditadura aparenta ser uma eternidade que alguns tentam superar e muitos outros continuam a sustentar. Ditaduras sabem recuperar suas congêneres sob o signo da valorização explícita ou banalização de práticas - arrochos salariais, torturas etc. O autor nos mostra com a análise das obras de Gaspari e Napolitano, que as ditaduras são mais relembradas, no Brasil, na forma de exceções numa história democrática, quando a sucessão de ilegalidades e mini ou macro golpes, com intervalos democratizantes, se constitui num efetivo tecido dessa história, onde, a banalização da ditadura de 1964-1985 continua a se manifestar em diferentes esferas da política brasileira e a incluir falas de historiadores acadêmicos, além de outras vozes da cultura histórica.

Marcos Silva finaliza sua análise mostrando que, a preservação do elogio a práticas ditatoriais, inclusive tortura, mais uma visão benevolente dos anos ditatoriais pode crescer e mesmo chegar ao Executivo Federal, através de um golpe parlamentar e midiático, como o de 2016, e de eleições, como a de 2018. O negacionismo em relação a 1964-1985 como ditadura não está desligado dessas novas experiências opressivas, reinvenções de ditaduras que dialogam com aquele passado e suas interpretações.

Pois, para o mesmo, falar sobre ditaduras, como historiador, é tratar de um problema de conhecimento que também significa a própria possibilidade ou não de se conhecer no campo da história: aquela violência que hostiliza universidades e outros núcleos de saberes porque pensamentos críticos incomodam e perturbam. O livro atinge seus objetivos, porque gera em sua leitura e reflexão, o compromisso com a alteridade, a consciência histórica, o ensino de história e o exercício pleno da cidadania e da democracia (SILVA, 2021, p. 141-143).

REFERÊNCIAS

CIAMBARELLA, Alessandra. “Nem sempre o que parece é”: cultura histórica, memórias e representações das esquerdas e da ditadura militar na televisão nacional. In: MAGALHÃES, Marcelo et al. (Org.). Ensino de História: usos do passado, memória e mídia. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2014. [ Links ]

MENESES, Sônia. Operação midiográfica: o golpe de 1964 e a Folha de São Paulo. São Paulo: Intermeios, 2016. [ Links ]

SILVA, Marcos. Rir das ditaduras: os dentes de Henfil Fradim (1971-1980). São Paulo: Intermeios , 2018. [ Links ]

Recebido: 30 de Julho de 2021; Aceito: 24 de Agosto de 2021

E-mail: giuseppedeoliveira9@gmail.com

GIUSEPPE RONCALLI PONCE LEON DE OLIVEIRA é Pós-Doutor em História pelo Programa de Pós-Graduação em História (área de concentração: História, Cultura e Sociedade) da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG). Doutor em História Social pela Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH/USP), Mestre em Ciências Sociais, e licenciado em História pela UFCG. Atualmente é Professor Substituto do curso de História da Unidade Acadêmica de Educação a Distância e Tecnologia da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UAEADTec/UFRPE).

Editora responsável:

Dóris Bittencourt Almeida

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