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História da Educação

versão impressa ISSN 1414-3518versão On-line ISSN 2236-3459

Hist. Educ. vol.27  Santa Maria  2023  Epub 30-Ago-2023

https://doi.org/10.1590/2236-3459/128566 

Artigo

GRAMÁTICAS DIDÁTICAS DO PORTUGUÊS EM MEADOS DO SÉCULO XX: ANÁLISE DE UM DOCUMENTO INÉDITO

LAS GRAMÁTICAS DIDÁCTICAS DEL PORTUGUÉS A MEDIADOS DEL SIGLO XX: ANÁLISIS DE UN DOCUMENTO INÉDITO

DIDACTIC GRAMMARS OF PORTUGUESE IN THE MID-TWENTIETH CENTURY: ANALYSIS OF AN UNPUBLISHED DOCUMENT

LES GRAMMAIRES DIDACTIQUES DU PORTUGAIS AU MILIEU DU VINGTIÈME SIÈCLE: ANALYSE D'UN DOCUMENT INÉDIT

( Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), Vila Real, Portugal.


Resumo

Na primeira metade do século XX, vieram a lume numerosas gramáticas didáticas que se destinavam ao ensino e aprendizagem da língua portuguesa. Muitos destes autores visavam o reconhecimento oficial das suas obras através da aprovação em concurso para uso oficial no sistema de ensino português. É nesta sequência que surge o documento inédito Parecer acerca de 7 (sete) gramáticas da língua portuguesa da autoria de Berta Valente de Almeida, no qual a autora analisa sete gramáticas da língua portuguesa, dando o seu parecer acerca de questões que vão desde a estrutura da obra a aspetos gramaticais específicos. Assim, com esta investigação, objetiva-se dar a conhecer a visão de uma autora experiente e qualificada acerca destas obras, particularmente no que respeita a questões relativas aos programas em vigor e a opções metodológicas seguidas pelos autores. Esta investigação se assenta numa metodologia histórica e hermenêutica, que se baseia num confronto de diferentes tipos de fontes: as obras gramaticais dos autores mencionados, o documento redigido pela autora e as orientações programáticas e curriculares para a aprendizagem da língua portuguesa da época. Como resultado, este artigo propicia uma maior compreensão dos manuais metalinguísticos de língua portuguesa que foram produzidos em meados do século XX.

Palavras-chave: gramaticografia portuguesa; gramáticas didáticas; política do livro único; programas escolares; estratégias didáticas

RESUMEN

En la primera mitad del siglo XX, se publicaron numerosas gramáticas didácticas para la enseñanza y el aprendizaje de la lengua portuguesa. Muchos de estos autores aspiraban al reconocimiento oficial de sus obras mediante la aprobación en un concurso para su uso oficial en el sistema educativo portugués. En este contexto surge el documento inédito Parecer acerca de 7 (sete) gramáticas da língua portuguesa, de Berta Valente de Almeida, en el que la autora analiza siete gramáticas de la lengua portuguesa, dando su opinión sobre cuestiones que van desde la estructura de la obra hasta aspectos gramaticales concretos. Así, esta investigación pretende presentar la visión de un autor experimentado y cualificado sobre las obras, especialmente en lo que se refiere a las cuestiones relacionadas con los programas en vigor y las opciones metodológicas seguidas por los autores. Esta investigación se basa en una metodología histórica y hermenéutica, que se apoya en la confrontación de diferentes tipos de fuentes: las obras gramaticales de los autores mencionados, el documento escrito por el autor y las orientaciones programáticas y curriculares para el aprendizaje de la lengua portuguesa de la época. En consecuencia, este trabajo permite conocer mejor los manuales metalingüísticos de la lengua portuguesa que se elaboraron a mediados del siglo XX.

Palabras clave: gramática portuguesa; gramáticas didácticas; política del libro de texto único; programas de estudios; estrategias didácticas

Abstract

In the first half of the 20th century, numerous didactic grammars for the teaching and learning of the Portuguese language were published. Many of these authors aimed at the official recognition of their works through the approval in a competition for official use in the Portuguese educational system. It is in this context that appears the unpublished document Parecer acerca de 7 (sete) gramáticas da língua portuguesa by Berta Valente de Almeida, in which the author analyses seven grammars of the Portuguese language. She presents her opinion on issues ranging from the structure of the works to specific grammatical aspects. Thus, this research aims at presenting the view of an experienced and qualified author about these grammars, particularly concerning issues related to the programmes in force and the methodological options followed by the authors. This research uses a historical and hermeneutic methodology, which is based on a confrontation of different types of sources: the grammars of the mentioned authors, the document written by the author and the programmatic and curricular guidelines for the learning of the Portuguese language of the time. As a result, this paper provides a better understanding of the Portuguese metalinguistic manuals that were produced in the mid-twentieth century.

Keywords: Portuguese gramar; didactic grammars; policy of the single textbook; school programmes; didactic strategies

Résumé

Dans la première moitié du XXe siècle, de nombreuses grammaires didactiques ont été publiées pour l'enseignement et l'apprentissage de la langue portugaise. Beaucoup de ces auteurs visaient la reconnaissance officielle de leurs œuvres par l'approbation dans un concours pour une utilisation officielle dans le système éducatif portugais. C'est dans ce contexte qu'apparaît le document inédit Parecer acerca de 7 (sete) gramáticas da língua portuguesa de Berta Valente de Almeida, dans lequel l'auteur analyse sept grammaires de la langue portugaise, donnant son avis sur des questions allant de la structure de l'ouvrage à des aspects grammaticaux spécifiques. Ainsi, cette recherche vise à faire connaître la vision d'un auteur expérimenté et qualifié sur les grammaires, notamment en ce qui concerne les questions liées aux programmes en vigueur et les options méthodologiques suivies par les auteurs. Cette recherche repose sur une méthodologie historique et herméneutique, qui se base sur la confrontation de différents types de sources : les travaux grammaticaux des auteurs mentionnés, le document écrit par l'auteur et les orientations programmatiques et curriculaires pour l'apprentissage de la langue portugaise de l'époque. Par conséquent, cet article permet de mieux comprendre les manuels métalinguistiques de langue portugaise qui ont été produits au milieu du vingtième siècle.

Mots-clés: Grammaire portugaise; grammaires didactiques; politique du manuel unique; programmes d'études, stratégies didactiques

Em meados do século XX, no período pós-guerra, o sistema educativo do Estado Novo procurou adaptar-se ao novo contexto social e económico em que se vivia. Neste sentido, assistiu-se a algumas mudanças importantes no âmbito do ensino secundário, nomeadamente com a reforma do ensino liceal levada a cabo em 1947 pelo ministro da Educação Nacional, Fernando Andrade Pires de Lima (1906-1970), e com a publicação, no mesmo ano, do Estatuto do Ensino Liceal. É no âmbito destas reformas que se generaliza a política do livro único, que se assume como uma estratégia de vigilância e controlo por parte do Estado Novo. Este modelo centralizador permitia ao regime ditatorial transmitir a sua ideologia, os seus valores e os seus ideais nacionalistas, de forma a assegurar um controlo da sociedade.1

No âmbito da disciplina de Português, para o ensino liceal, este modelo impunha a adoção de dois manuais escolares: um livro de leitura e uma gramática (DECRETO n.º 37 112, 1948, p. 1087), que passavam pelo escrutínio de uma comissão nomeada para avaliar a qualidade científica e pedagógica das obras. Para apreciação destes livros, eram nomeados avaliadores, que habitualmente eram professores com muita experiência no ensino e também na produção de obras didáticas, como é o caso de Berta Valente de Almeida (1886-1982), que foi nomeada para a comissão de exame de gramáticas para o 1.º Ciclo do ensino liceal, no âmbito da abertura de um concurso para apresentação de um epítome de gramática de português, em 1950.

Berta Valente de Almeida foi uma professora de reconhecido mérito, com vasta obra publicada e oficialmente aprovada para uso nas escolas, pelo que se percebe a sua nomeação para estas funções, pois reunia em si não só um sólido conhecimento científico, como também uma longa experiência na docência. Neste sentido, enquanto membro da referida comissão, foi-lhe solicitado que emitisse um parecer acerca das gramáticas de Francisco Júlio Martins Sequeira, Mateus de Macedo e Emílio Meneses, Alfredo Fernandes, Álvaro Júlio da Costa Pimpão e José Nunes de Figueiredo, Felisberto Martins e José Gomes Branco, José Pereira Tavares e, ainda, de Rodrigo Fontinha, as sete obras que nesse ano se apresentaram a concurso.

Fruto da análise cuidada que fez a estas gramáticas, a autora produziu um documento manuscrito, com cerca de 50 páginas, em formato A5, que se constitui como um importante testemunho do pensamento linguístico dos autores analisados, da visão de Berta Valente de Almeida acerca das teorias gramaticais apresentadas e das diferentes opções metodológicas seguidas pelos autores. Por outro lado, este documento permite-nos conhecer melhor o ensino da gramática da língua portuguesa nos liceus em meados do século XX, em Portugal.

No presente artigo, pretendemos dar a conhecer e analisar este documento inédito e, para tal, organizamos o trabalho em quatro partes. Num primeiro momento, apresentamos alguns dados bibliográficos de Berta Valente de Almeida, de modo a perceber o tipo de formação que recebeu e a autoridade que alcançou, permitindo-lhe participar em diversas comissões de relevo. Num segundo momento, debruçamo-nos sobre o contexto em que surgiu o concurso de 1950 para aprovação de um epítome de gramática portuguesa, no âmbito do qual foi produzido o documento sob escopo. Antes de encetarmos a análise do manuscrito, refletimos sobre as orientações programáticas em vigor, com destaque para os conteúdos gramaticais e as observações presentes nos Programas do Ensino Liceal de 1948, por forma a enquadrar as opções dos diferentes autores nas suas gramáticas e as avaliações feitas por Berta Valente de Almeida a estas obras. Finalmente, na última parte, procedemos à análise do documento, particularmente no que respeita a questões relativas ao programa em vigor e a opções metodológicas seguidas pelos diferentes autores, dois aspetos em que a parecerista se detém com pormenor. Tratando-se de obras metalinguísticas didáticas, era imperioso que os seus autores não só seguissem os normativos legais, como também adotassem um conjunto de opções metodológicas que facilitassem e promovessem a aprendizagem por parte dos alunos.

Berta Valente de Almeida

Berta Valente de Almeida nasceu em 1886, em Gondarém, Castelo de Paiva, e faleceu em Lisboa, em 1982. A sua juventude decorreu numa altura em que o regime republicano se começa a afirmar e surgem vários movimentos feministas, que “[…] pretendiam fazer da mulher uma cidadã plena, subtraindo-a ao poder discricionário das tutelas ancestrais: ignorância, submissão e dependência económica” (SILVA, 2003, p. 505). Neste contexto, a educação feminina assume-se como bandeira do ideário republicano, que pretendia dar à mulher ferramentas que a ajudassem no seu papel enquanto esposa e mãe, mas também que lhe permitissem evitar a dependência económica da família e do marido. Apesar deste ideário, a maioria das mulheres portuguesas continuava analfabeta e o ideal da emancipação estava ainda longe de ser uma realidade.

Foi precisamente neste contexto pouco favorável à afirmação da mulher que Berta Valente de Almeida fez um percurso escolar notável, tendo frequentado com grande distinção as secções de Filologia Clássica e Filologia Românica, no Curso Superior de Letras, na Universidade de Lisboa.

Enquanto professora de Português e Latim, iniciou a sua atividade profissional no Liceu D. Maria Pia2, mais tarde designado de Liceu Garrett e depois de Escola Maria Amália Vaz de Carvalho3, no qual permaneceu até à sua aposentação. De acordo com Penim (2008, p. 305):

Berta Valente de Almeida fez parte do reduzido número de professoras que, se bem que dentro de um circuito minoritário, se bem que participando de condições de funcionamento discursivo singular, poderia ajudar a formar jovens adolescentes de uma elite social numa cultura superior.

Para além da sua atividade enquanto professora, participou ativamente na vida deste liceu, chegando inclusive a ocupar o cargo de reitora, de 1920 a 1922, facto que revela reconhecimento por parte dos seus pares.

A sua competência ao nível da docência justifica ainda a nomeação, em 1918, para a regência de Metodologia Especial da secção de Filologia Clássica da Escola Normal Superior da Universidade de Lisboa.

Finalmente, é ainda digno de destaque o facto de Berta Valente de Almeida ter sido autora de diversos manuais didáticos, acedendo a um universo editorial masculino, que estava normalmente vedado às mulheres.

Entre as suas obras, encontram-se publicações que eram fundamentais para trabalhar os diferentes domínios da disciplina de Língua Portuguesa, como o Livro de Leitura (1921a), que se constituía como uma ferramenta essencial para promover o gosto pela leitura, introduzir e trabalhar os conteúdos gramaticais e veicular conhecimentos históricos e morais. Este manual podia ser complementado pelo livro Exercícios de redacção e composição (s.d.b), que visava trabalhar a escrita de diferentes tipos de texto. Ao nível dos estudos literários, publicou as Breves noções de historia da literatura portuguesa (s.d.c), Colecção de trechos de literatura arcaica e medieval (s.d.d) e Resumo da história comparada de literatura portuguesa com as literaturas estrangeiras (s.d.e). No âmbito dos estudos gramaticais, área em que se destacou, foram várias as obras que publicou quer para a língua latina, quer para a língua portuguesa, a saber: a Gramática prática da língua latina (s.d.f), o Livro método de exercícios da língua latina (1921b), a Gramática prática e muito elementar da língua portuguesa (1916)4, a Gramática prática da língua portuguesa (1917) e as Primeiras noções de gramática historica da língua portuguesa (s.d.g).

Algumas destas obras foram aprovadas oficialmente pelo governo para uso nas escolas, evidenciando ainda mais o pioneirismo e o reconhecimento de Berta Valente de Almeida5. Como destaca Penim (2008, p. 288-289), nesta altura,

[…] poucas mulheres tinham, em Portugal, uma intervenção tão marcante ao nível do ensino. Este facto ganhava ainda maior significado quando pensado à luz das exclusões, uma década depois, dos livros de leitura de Teresa Leitão de Barros (1898-1983), Portugal, terra bendita, e de Maria da Luz Sobral, Livro de leitura para a 1ª e a 2ª classes, no concurso de manuais escolares para o ensino secundário de 1932.

Este notável percurso conferiu à autora estatuto e autoridade para integrar o grupo restrito de avaliadores de manuais escolares, particularmente de gramáticas de língua portuguesa.

O processo de aprovação do livro único para o ensino liceal: o concurso para a escolha de um Epítome de Gramática de Português (1950)

Ao longo do Estado Novo, foram implementadas medidas que visavam controlar e impedir a contestação do regime ditatorial, sendo a educação o meio privilegiado para alcançar este objetivo. Como salienta Mónica (1980, p. 507), “a educação deveria ser considerada, não como um direito individual, mas como uma necessidade do Estado, como um veículo de doutrinação moral e política. Deste modo, a escola podia tornar-se um excelente instrumento de controlo social”.

Durante este período, exaltaram-se os valores em torno da tríade Deus, Pátria e Família e preconizava-se um modelo de ensino assente nas noções elementares de leitura, escrita e cálculo. Havia uma clara consciência de que a educação poderia comprometer a estabilidade política e social, sendo que “o sistema educativo contribui largamente para a interiorização de um modelo de sociedade que traduz projectos unificadores no plano político, simbólico e cultural” (NÓVOA, 1992, p. 456-457). Assim, interessava manter os níveis de analfabetismo que atingia mais de 50% da população e colocava “[…] de uma forma clara, Portugal entre os países menos escolarizados e alfabetizados do mundo ocidental da altura […]” (CANDEIAS; SIMÕES, 1999, p. 166).

Neste contexto, desde cedo os governantes perceberam a importância de se munirem de ferramentas que garantissem a propagação da sua ideologia. Neste aspeto, ganha especial relevo a política do livro único, criteriosamente selecionado como instrumento de imposição da política nacionalista.

Neste sentido, o regime do livro único, que havia surgido já em finais do século XIX, vai ser retomado em 1936 para o ensino primário e para algumas disciplinas liceais (História, Filosofia, Educação Moral e Cívica). Com a publicação do Estatuto do Ensino Liceal em 1947, generaliza-se a adoção do livro único para todas as disciplinas, determinando-se o seguinte: “Para o ensino de cada disciplina nos diferentes anos de um ciclo será adoptado em todos os liceus o mesmo livro, que poderá ser dividido em tomos, um para cada ano” (DECRETO n.º 36 508, 1947, p. 917).

A aprovação do livro único realizava-se através de um concurso público e era válida durante cinco anos, estando este processo a cargo de uma comissão constituída por um elemento da 3.ª Secção da Junta Nacional de Educação, que assumia as funções de presidente, e dois vogais que podiam ser professores do ensino liceal ou do ensino superior:

Para o exame dos diferentes livros de cada disciplina e ciclo nomeará o presidente da referida secção dois professores da especialidade respectiva, cada um dos quais elaborará, no prazo que for designado, um relatório, devidamente fundamentado, em que emita o seu parecer sobre o mérito científico e didáctico absoluto e relativo de cada obra. (DECRETO n.º 36 508, 1947, p. 917).

No caso da disciplina de Português para o 1.º ciclo do Ensino Liceal, exigia-se a adoção de um livro de leitura e de um epítome de gramática portuguesa (DECRETO n.º 37 112, 1948, p. 1087). Qualquer compêndio teria de respeitar escrupulosamente os programas escolares em vigor, como mencionado na Reforma do Ensino Liceal de 1947: “Os compêndios escolares deverão circunscrever-se rigorosamente às matérias dos programas e só poderão ser adoptados depois de aprovação obtida em concurso aberto pelo Ministério da Educação Nacional” (DECRETO-LEI n.º 36 507, 1947, p. 885).

A 24 de junho de 1950, foi aberto um concurso para a apresentação de um epítome de gramática portuguesa para o 1.º ciclo do ensino liceal, tendo sido apresentadas sete gramáticas, tal como publicitado no Diário do Governo de 22 de fevereiro de 1951 (Figura 1):

Fonte: DG n.º 43 de 22 de fevereiro de 1951

Figura 1 - Lista das gramáticas apresentadas a concurso 

É no âmbito deste processo que Berta Valente de Almeida foi nomeada para a comissão de exame de livros, enquanto vogal extraordinária, sendo-lhe solicitado um parecer acerca destas sete gramáticas, como se comprova pelo documento enviado pela Direcção Geral do Ensino Liceal para a Reitora do Liceu onde lecionava (Figura 2):

Fonte: Arquivo da Escola Secundária Maria Amália Vaz de Carvalho

Figura 2 - Ofício a informar acerca do envio das gramáticas 

Tendo por base esta solicitação, Berta Valente de Almeida produziu um documento manuscrito, de cuja análise nos ocuparemos mais à frente.

Orientações programáticas para a aprendizagem da gramática (1950)

Os Programas do Ensino Liceal que vigoravam na época da redação deste parecer foram publicados em 1948, tendo-se mantido até 1954. Este documento está estruturado em duas partes principais: inicialmente apresentam-se os conteúdos programáticos por disciplina para os diferentes anos dos ciclos; seguindo-se as Observações, que se constituem como um conjunto de instruções que tinham por objetivo orientar o ensino nestes anos. Esta última parte organiza-se em dois pontos principais, a finalidade do ensino e a actividade na escola. No primeiro ponto, enunciam-se claramente os objetivos que subjazem ao ensino da disciplina de Língua e História Pátria6, que passavam por “educar o aluno na inteligência e uso corrente da linguagem e desenvolver a recta formação da sua personalidade de homem e de português” (DECRETO n.º 37 112, 1948, p. 1084).

No programa desta disciplina se sobressai a importância conferida à formação cívica e moral dos alunos, muito alinhada com os princípios do regime ditatorial, que se socorria da educação para veicular os seus ideais. Na verdade, “a formação moral dos alunos constitui uma ideia estruturante no conjunto dos programas do Estado Novo. […] Compreensivelmente, esta é mais acurada nas disciplinas da formação social e humana […]” (COSTA, 2018, p. 153).

Num segundo plano, surge a formação linguística do aluno, numa perspetiva claramente normativa, que contempla, entre outros componentes, o ensino da gramática, que tinha um carácter subsidiário: “Ele não constitui um fim, mas tão-sòmente um dos meios tendentes à prossecução dos objectivos apontados na primeira rubrica das presentes instruções” (DECRETO n.º 37 112, 1948, p. 1086). Neste âmbito, verifica-se que a aprendizagem da gramática surge associada à aprendizagem de outras componentes, nomeadamente da leitura e da escrita. Por outro lado, pretendia-se que o ensino da gramática tivesse um carácter mais prático, abandonando o pendor abstrato e rígido que habitualmente o caracterizava e tanto repudiava os alunos.

No programa da disciplina de Língua e História Pátria, a componente gramatical contemplava as três partes fundamentais que tradicionalmente a compunham, como se pode ver nos excertos seguintes em que se transcrevem os conteúdos gramaticais presentes no referido programa (Figuras 3 e 4).

Fonte: Decreto n.º 37 112, 1948, p. 1081-1082

Figura 3 -  Conteúdos gramaticais que figuram no Programa do 1.º ano do 1.º ciclo do Ensino Liceal - Língua e História Pátria (1948) 

Fonte: Decreton.º 37 112, 1948, p. 1082

Figura 4 - Conteúdos gramaticais que figuram no Programa do 2.º ano do 1.º ciclo do Ensino Liceal - Língua e História Pátria (1948) 

No primeiro ano do ensino liceal, as noções gramaticais têm um carácter introdutório e menos complexo, como se pode comprovar através do recurso a expressões como conhecimento prático e elementar, noção elementar, estudo elementar, rudimentos de fonética, rudimentos de análise lógica e gramatical.

No segundo ano, dá-se continuidade aos conteúdos lecionados no primeiro ano, desenvolvendo-se cada uma das áreas em estudo. Em termos terminológicos, é neste ano que surge o conceito de sintaxe, uma das áreas mais problemáticas para os alunos. Por essa razão, nas Observações apela-se a que, especialmente nesta área, a aprendizagem assentasse na observação, reflexão e compreensão, consolidadas por uma prática continuada.

Por outro lado, destaca-se também a importância do ensino da gramática se processar através de um método indutivo e ter “[…] por base exemplos tirados dos textos e outros que o professor julgue oportuno fornecer” (DECRETO n.º 37 112, 1948, p. 1086).

O manuscrito

O documento em análise é um manuscrito do punho de Berta Valente de Almeida com cerca de 50 páginas em formato A5, tendo sido encontrado no seu espólio pessoal, no museu Dr.ª Berta Cabral7, em Vila Flor. Com o título Parecer acerca de 7 (sete) gramáticas da língua portuguesa, para uso dos alunos do 1.º ciclo do ensino liceal que me foram entregues pela Sra Magnífica Reitora no dia 5 de Setembro, à tarde,​ acreditamos que esta terá sido a primeira versão do parecer final enviado à 3.ª Secção da Junta Nacional de Educação, pois o texto está escrito em folhas de rascunho, muitas delas no verso dos textos ou trabalhos dos alunos da autora e o discurso é muito espontâneo, evidenciando com bastante sinceridade o seu ponto de vista. Algumas partes do texto aparecem rasuradas e outras cortadas, o que comprova a teoria de que estamos perante uma versão ainda não finalizada, que vai sofrendo alterações à medida que a autora analisa as diferentes gramáticas. Tal facto é visível quando, por exemplo, na página 16, a propósito da gramática de Alfredo Fernandes, Berta Valente de Almeida rasura a seguinte informação: “Mais aceitável que os compêndios anteriormente analisados, o presente não satisfaz completamente, se bem que à falta de melhor, com as mais flagrantes alterações (modificações) e compensadas as imperfeições pela acção do professor regente, pudesse servir” (ALMEIDA, s.d.a, p. 16). Parece-nos claro que, no momento em que Almeida escreveu este comentário, esta gramática seria a escolha mais adequada, no entanto, com o decurso da análise, terá mudado de opinião, o que a terá levado a eliminar esta parte do texto.

Por outro lado, algumas rasuras também se justificariam por uma tentativa de modalização do discurso, uma vez que, por vezes, a autora apresenta um tom demasiado duro, como se pode ver no excerto que se segue a propósito da gramática de Felisberto Martins e de José Gomes Branco: “Concretizar a minha impressão seria trabalho inglório, o que se chama “gastar cera com ruim defunto” (ALMEIDA, s.d.a, p. 29).

Outro aspeto que importa analisar prende-se com a estrutura do manuscrito, que abre com uma introdução, em que Berta Valente de Almeida reconhece a dificuldade e relutância que os alunos revelam na aprendizagem dos conteúdos gramaticais e destaca a sua longa experiência enquanto professora e autora de gramáticas. Em nosso entender, é detentora de um currículo vasto e sólido, o que justifica a sua escolha como avaliadora das presentes obras. Por outro lado, deixa aqui evidente que a tarefa de emitir um parecer acerca destas sete gramáticas é “espinhosa”, sobretudo “[…] para quem não sabe ladear a verdade e não quer ser desagradável a ninguém” (ALMEIDA, s.d.a, p. 1). Com esta afirmação, a autora já antecipa o que fará ao longo do documento, ou seja, dirá o que pensa, de forma muito transparente, acerca destas obras.

Depois desta breve introdução, segue-se a análise de cada uma das gramáticas, tendo por base a sua estrutura tradicional tripartida: primeiramente a Fonética, seguindo-se a Morfologia e, finalmente, a Sintaxe.

Para encerrar este documento, a autora tece um conjunto de considerações gerais que nos revelam o seu ponto de vista acerca das características que deve possuir uma gramática, da articulação das obras com os programas e também do papel do professor no ensino dos conteúdos gramaticais.

Para uma visão mais clara da estrutura do manuscrito, apresenta-se, de seguida, uma tabela síntese (Tabela 1).

Tabela 1 -  Estrutura e conteúdo do manuscrito 

Página
Folha de rosto I
Introdução 1
Gramática de Francisco Júlio Martins Sequeira: - Fonética - Morfologia - Sintaxe 1-7
Gramática de Mateus de Macedo e Emílio Meneses: - Fonética - Morfologia - Sintaxe 7-11
Gramática de Alfredo Fernandes: - Fonética - Morfologia - Sintaxe 11-16
Gramática de Álvaro Júlio da Costa Pimpão e José Nunes de Figueiredo: - Fonética - Morfologia - Sintaxe 17-23
Gramática de Felisberto Martins e José Gomes Branco: - Fonética - Morfologia - Sintaxe 23-29
Gramática de José Pereira Tavares: - Fonética - Morfologia - Sintaxe 30-32
Gramática de Rodrigo Fernandes Fontinha: - Fonética - Morfologia - Sintaxe 32-37
Considerações finais 37-40

Fonte: Elaboração própria.

Na análise que encetaremos seguidamente do manuscrito, optamos por nos dedicar a dois aspetos, que eram considerados fundamentais para a aprovação de uma gramática como livro único, nomeadamente o respeito pelos normativos legais em vigor e as características metodológicas seguidas pelos autores das respetivas obras, por forma a torná-las alinhadas com o objetivo que lhe subjaz: serem rigorosas, atualizadas e acessíveis ao seu público-alvo.

As orientações programáticas no manuscrito

As gramáticas eram avaliadas pelos pareceristas tendo por base diversos parâmetros, entre os quais se encontra o respeito pelos conteúdos enunciados nos programas em vigor8, aspeto que era apontado na própria legislação como obrigatório e, consequentemente, teria de ser seguido pelos autores, que fazem mesmo questão de o deixar explícito, muitas vezes, nas suas obras. Neste sentido, os programas oficiais acabam por influenciar a construção do discurso gramatical escolar, sendo por isso fundamental a sua análise.

Ao longo do manuscrito em estudo, fica evidente que Berta Valente de Almeida esteve atenta ao respeito dos autores pelos programas em vigor, pois menciona-o claramente em diversos momentos, como se pode ver nos excertos que se seguem (Tabela 2):

Tabela 2 -  Respeito pelos conteúdos enunciados no programa escolar 

Excerto Autor
“o Autor satisfaz no programa do novo ano do ciclo, duma maneira geral” (p. 16) Alfredo Fernandes
“Por isso, cada um dos capítulos que constituem esta parte da gramática, bem considerados e dispostos dentro do programa” (p. 17) Álvaro Júlio da Costa Pimpão e José Nunes de Figueiredo

Fonte: Elaboração própria.

Esse cumprimento do programa não significava, porém, no entender de Berta Valente de Almeida, que tivesse de haver um respeito escrupuloso e rígido que tornasse o ensino da gramática pouco flexível e ajustado às necessidades dos alunos, como a própria salienta: “[…] a obediência cega à sucessão das suas rubricas implicaria deficiência de método, complicação ou prejuizo na marcha do ensino, na sua eficiência” (ALMEIDA, s.d.a, p. 23). Este é precisamente um aspeto que a avaliadora critica com maior destaque na Epítome de gramática portuguesa de Felisberto Martins e José Gomes Branco, como ilustram os exemplos seguintes (Tabela 3):

Tabela 3 -  Obediência cega ao programa escolar 

Excerto Autor
“Cá está o programa - sim - a par e passo, mas mudo e quedo que nem rochedo - inaceitável” (p. 23v) Felisberto Martins e José Gomes Branco
“Continua o programa, estéril de todo, no estudo do plural e passa aos adjectivos, já um pouco menos fastidioso” (p. 24) Felisberto Martins e José Gomes Branco
“Segue sempre o programa, assim, mas na rigidez das suas rubricas; não o acompanha na elasticidade das suas instruções e nesse movimento é que está a vida” (p. 25) Felisberto Martins e José Gomes Branco

Fonte: Elaboração própria.

Na sua perspetiva, os programas surgem com o objetivo de uniformizar os conteúdos e evitar que o ensino praticado nos diferentes liceus fosse muito díspar entre si. Assim, não os considera como um espartilho, mas como um guia, cabendo ao professor ajustar a metodologia em função das necessidades do grupo, uma vez que “[…] a própria formulação dos programas de Português atribui ao professor um papel central na gestão do programa […]” (COSTA, 2018, p. 154). A este propósito, destaca-se o facto de ela própria ter alertado alguns autores das gramáticas para esta questão, como deixa claro no manuscrito: “Ora como tive ocasião de dizer aos senhores Felisberto Martins e José Soares Branco, que mais feriram a nota, o programa é aqui apenas o “esqueleto” que nós temos de revestir; ele indica-nos com quê, mas não lhe compete dizer como” (ALMEIDA, s.d.a, p. 37).

Por outro lado, a autora destaca que a abordagem adotada nas gramáticas deve ser adaptada à faixa etária a que se destina, respeitando, no entanto, os conteúdos preconizados nos programas. A esse respeito, as Observações são bastante esclarecedoras, mencionando que a terminologia gramatical seguida nos liceus, bem como os conteúdos programáticos devem ser os registados nos programas: “A terminologia gramatical registada no programa é a que as lições têm de seguir sem quaisquer alterações que não sejam oficialmente ordenadas. Igualmente se limitarão as noções ao que o programa regista taxativamente e nos limites ali determinados” (DECRETO n.º 37 112, 1948, p. 1086).

Cumprindo o que estava previsto, enquanto parecerista, Berta Valente de Almeida teve o cuidado de mencionar os excessos cometidos pelos autores das gramáticas em análise quando ultrapassavam o que estava estipulado nos programas. Assim, não só regista os casos em que os programas são respeitados, como também alerta para as situações em que os autores pecam por excesso, como se pode ver através dos seguintes exemplos (Tabela 4):

Tabela 4 -  Conteúdos que ultrapassam o programa escolar 

Excerto Autor
“Não é dos programas do primeiro ciclo a matéria explicativa das formas verbais da página 96 e seguintes, bem como a diferenciação de tipos especiais de verbos - pág. 122 e seguintes” (p. 8) Mateus de Macedo e Emílio Meneses
“Fora do programa o capítulo “Tema e Desinência”, aliás imperfeito. Não vejo vantagem na disseminação da conjugação que o Autor faz das pag. 45 a 51; os quadros completos das três conjugações bastam” (p. 13) Alfredo Fernandes
“A observação final da mesma página não é matéria do programa” (p. 23) Álvaro Júlio da Costa Pimpão e José Nunes de Figueiredo

Fonte: Elaboração própria.

Questões metodológicas no manuscrito

Como já referido, Berta Valente de Almeida é uma professora com mais de 40 anos de experiência, que conhece bem a realidade do ensino liceal e as necessidades dos alunos, tendo o cuidado de perspetivar a sua análise e os seus comentários em função das características dos estudantes da época, representados concretamente através das suas turmas: “Durante este relato, tive sempre presentes, alinhadas, as três turmas que sei me estão destinadas este ano lectivo, e mentalmente lhes fui endereçando todo o ensinamento” (ALMEIDA, s.d.a, p. 40). Neste sentido, tem uma noção muito precisa daquilo que é adequado às diferentes faixas etárias, criticando as situações em que há um desajuste dos conteúdos em relação ao público-alvo. Note-se que esta questão já vinha preocupando professores e teóricos, tendo, inclusive, sido tema de debate na Assembleia Nacional, precisamente por outra eminente educadora da época, a deputada Virgínia Faria Gersão (1896-1974)9, que, nos seus discursos, criticou os programas em vigor, por os considerar desadequados e demasiado complexos para a faixa etária, provocando o desinteresse por parte dos alunos: “Não os acho adequados à idade dos alunos nem vejo que se parta, como o exige rigorosamente o primeiro princípio da verdadeira pedagogia, do mais simples para o mais complexo, do geral para o especial” (GERSÃO, 1947, p. 447).​

O discurso de Berta Valente de Almeida revela a sua preocupação relativamente a uma exigência desadequada, que pode trazer consequências negativas para a aprendizagem, criando desinteresse e aversão nos alunos. Assim, a avaliadora alerta os autores para a necessidade de respeitarem as características da faixa etária em causa, de modo a evitar que o ensino da gramática se torne desnecessariamente complexo, sobrecarregando os alunos com conteúdos que ainda não conseguiam compreender, como ilustram os seguintes excertos (Tabela 5):

Tabela 5 -  Conteúdos demasiado complexos para a faixa etária 

Excerto Autor
“Não vejo necessidade do estudo do aparelho fonador, antes inútil na idade a que se destina o presente compêndio” (p. 1) Francisco Júlio Martins Sequeira
“Todo o estudo dos adjectivos determinativos, a meu ver deslocado, como já disse, enferma de teoria maçuda que o estudante desta idade não digere” (p. 20) Álvaro Júlio da Costa Pimpão e José Nunes de Figueiredo
“A matéria já é por si tão complexa para estas idades, por que baralhá-la?” (p. 8) Mateus de Macedo e Emílio Meneses

Fonte: Elaboração própria.

Não nos podemos esquecer de que estas gramáticas são obras didáticas, usadas como auxiliares do ensino-aprendizagem da língua em contexto escolar. Neste sentido, deveriam ser pensadas e estruturadas em função de um público-alvo específico, o que acarretaria claras implicações na forma de descrição do objeto de estudo e na metodologia adotada. Tratando-se de estudantes da 1.ª classe do ensino liceal, exige-se que estas obras apresentem uma descrição gramatical simples, direta e objetiva, sem espaço para grande desenvolvimento teórico, que poderia constituir um entrave à compreensão. Este pressuposto encontrava-se já plasmado no programa da disciplina, onde se pode ler: “[…] que a índole do estudo neste ciclo não comporta definições, porque elas não seriam compreendidas, o que levaria ao psitacismo” (DECRETO n.º 37 112, 1948, p. 1086).

Assim, Berta Valente de Almeida é sensível a esta questão e vai denunciando os abusos dos autores quando ultrapassam o desejável e o esperado para o ciclo de estudos em causa, como se pode ver nas frases que se seguem (Tabela 6):

Tabela 6 -  Excessiva teorização 

Excerto Autor
“Pouco claras todas essas alíneas, por demasiado teóricas, e do mesmo mal enfermam os parágrafos 54, 55 e seguintes - todo o estudo dos pronomes -, porque, embora parta de exemplos, logo os perde de vista num emaranhado de regras e observações que o estudante repele imediatamente ao pousar-lhe os olhos” (p. 19) Álvaro Júlio da Costa Pimpão e José Nunes de Figueiredo
“Capítulo X - muita teoria, muita teoria; muita chapa, muito chapa que o estudante já detesta” (p. 36) Rodrigo Fernandes Fontinha
“XII - Meios de formação das palavras - continua a teoria fria e muda, prolongada pelos capítulos que se seguem” (p. 3) Francisco Júlio Martins Sequeira

Fonte: Elaboração própria.

Neste período, ainda tinham muito peso […] “no ensino a demasiada teorização, a excessiva memorização e a passividade que a “escola tradicional” promovia nos alunos, ignorando o carácter ativo da criança que tanto se defendia na época, tendo por base os princípios da Educação Nova” (COELHO; FONTES, 2019, p. 8).

Em termos metodológicos, seria importante que as gramáticas apresentassem definições breves, que, na ótica da parecerista, deveriam partir de uma abundante exemplificação, permitindo aos alunos concluir as regras e compreendê-las, o que facilitava a aquisição de conhecimentos e o sucesso escolar. O próprio programa menciona que “o aluno só deve aceitar as designações da terminologia depois de as ter compreendido” (DECRETO n.º 37 112, 1948, p. 1086). Assim, a autora critica a metodologia tradicionalmente adotada nas escolas e seguida em muitos manuais didáticos, que privilegiava a memorização e descurava a compreensão. Vejam-se os exemplos que se seguem a este propósito (Tabela 7):

Tabela 7 -  Excessivo recurso à memorização 

Excerto Autor
“Peca por demasiado dogmática, até na distribuição do assunto por secções e suas rubricas, com definições predispostas a que o aluno decore sem compreender” (p. 1). Francisco Júlio Martins Sequeira
“Capítulo III - “Conjunções” - Fala já em preposição que o aluno não conhece - muita definição, muita teoria, muito elemento para decorar sem sentido” (p. 21). Álvaro Júlio da Costa Pimpão e José Nunes de Figueiredo

Fonte: Elaboração própria.

Todo este processo beneficiaria muito se as gramáticas também incluíssem exercícios, em que os alunos pudessem desde logo praticar e dissipar eventuais dúvidas. A conceção do ensino gramatical tendo por base a realização de exercícios é um aspeto que já vinha sendo destacado desde o século XIX nos programas escolares como um importante instrumento de aprendizagem. Nos Programas do Ensino Liceal de 1948, esta prática também é recomendada aos docentes, de forma a facilitar a aprendizagem e para conferir ao aluno um papel ativo na construção do conhecimento, conforme se pode ver no seguinte excerto:

Todas as operações didácticas indicadas nos programas devem ser caracterìsticamente activas. Tanto a nova consciência de experiências passadas como as aquisições realizadas agora terão de ser resultado da reflexão sobre actos, observações, impressões, em que o aluno seja figurante exclusivo ou comparticipante por esforço heurístico. Importa por isso manter sempre vivo e progressivamente fecundo o jogo dos mecanismos mentais e dos estímulos afectivos por intermédio de exercícios frequentes […] (DECRETO n.º 37 112, 1948, p. 1085).

Na perspetiva da autora, nem todos os exercícios são válidos, sendo importante haver uma seleção cuidadosa deles para que efetivamente propiciem e facilitem a aprendizagem. Ela própria, na redação da sua Gramática prática da língua portuguesa (1917), teve essa preocupação, como deixam evidente as suas palavras:

Concordo com o processo de inserir exercícios a verificar o aproveitamento da lição. Há trinta e tal anos, quando publiquei a minha “Gramática Prática de Língua Portuguesa” para uso dos liceus (porque já me tinha sido solicitada uma para escola de cabos e sargentos, que adaptei depois ao ensino primário), teve acolhimento feliz esse processo (ALMEIDA, s.d.a, p. 33).

Ao longo do manuscrito, as suas chamadas de atenção a este respeito vão no sentido de alertar os autores para a necessidade de alterarem alguns dos exercícios propostos, escolhendo outros mais adequados, como o faz, por exemplo, a propósito da gramática de Rodrigo Fontinha, em que refere o seguinte: “[…] exercícios bem escolhidos, de sentido claro - para não parecer uma coisa postiça - o que não acontece, por exemplo, no da página 5 […]” (ALMEIDA, s.d.a, p. 33).

Considerações finais

O manuscrito que aqui damos a conhecer surgiu no âmbito do concurso aberto em 1950 para a aprovação de um epítome de gramática portuguesa para o 1.º ciclo do ensino liceal, com o objetivo de ser adotado nas escolas como livro único.

Este documento inédito constitui-se como um texto de grande riqueza, que permite múltiplas análises, entre as quais destacámos, no presente artigo, as características que estas gramáticas deveriam conter. Neste sentido, tratando-se de uma obra didática destinada ao 1.º ciclo do ensino liceal, era fundamental que cumprisse um conjunto de requisitos, que Berta Valente de Almeida tem em consideração ao longo da cuidada e criteriosa análise que faz das sete gramáticas apresentadas a concurso.

A primeira questão prende-se desde logo com os programas, que, na ótica da autora, deveriam funcionar como um guia para o docente, havendo necessidade de se cumprir o que estava legislado. No entanto, o programa não devia ser considerado como uma imposição, uma vez que “ele é tão subjectivo, tão pessoal, tão característico a cada mestre, que cada rubrica sua é apenas, por não poder deixar de ser uma, «o nome duma rua, o sinal duma estrada» que cada um segue «a pé ou a cavalo», «depressa ou devagar», como «lhe é possível, como sabe»” (ALMEIDA, s.d.a, p. 23v).

Neste sentido, ao longo da sua análise, a autora está atenta a esta questão, denunciando aqueles que o seguem escrupulosamente, sem atender à flexibilidade necessária e prevista nas instruções que acompanham o programa, bem como aqueles que ultrapassam os conteúdos programáticos previstos, não tendo em consideração os limites impostos pela faixa etária a que se destina o compêndio.

Por outro lado, sendo a gramática uma das áreas que causava mais dificuldades aos alunos, Almeida defende que a sua aprendizagem não devia ser rígida, mecanizada e assente na memorização, pois tal levaria ao desinteresse dos alunos. Na sua perspetiva, uma forma de evitar o recurso excessivo à memória e motivar os alunos passaria pela utilização de variados exercícios de aplicação e muitos exemplos, que permitiriam não só serem os próprios alunos a concluir a regra, mas também compreender verdadeiramente os conceitos trabalhados. São vários os momentos do manuscrito em que a autora aponta para a necessidade de se introduzir os conceitos gramaticais através de exemplos abundantes de uso corrente e que estes sejam devidamente explorados de forma a facilitar a compreensão. A autora critica o facto de nem sempre serem apresentados exemplos adequados ou aproveitados com propriedade, de forma a promover um melhor entendimento dos conteúdos gramaticais, que são bastante complexos e que envolvem uma grande capacidade de reflexão e abstração por parte dos alunos.

Em síntese, podemos concluir que todas as apreciações que faz acerca das diferentes obras são reveladoras de uma professora com um vasto conhecimento gramatical e uma enorme experiência na docência. Por outro lado, neste documento inédito, a autora tece um conjunto de considerações, contribuindo para o aprimoramento das diversas gramáticas, possibilitando aos autores melhorar as suas obras não só do ponto de vista do rigor dos conteúdos abordados, mas também do ponto de vista da metodologia seguida, tornando-a mais adequada ao público-alvo e à finalidade a que se destina. Como a própria autora salienta, “o ensino da gramática no primeiro ano de português é decisivo para todo o futuro conhecimento da língua. Por isso todo o cuidado é pouco, todo o esforço em tornar as suas noções acessíveis, assimiladas para serem reconhecidas, sob aspecto tão diferente por vezes, em vários textos” (ALMEIDA, s.d.a, p. 16).

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1Este trabalho é financiado por fundos nacionais através da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), no âmbito do Centro de Estudos em Letras, com a referência n.º UIDP/00707/2020, Portugal.

2Esta escola foi “[…] fundada pelo Município de Lisboa, em 1885, como estabelecimento de educação geral e profissional destinado a raparigas de origem modesta, passando para a administração do Estado em 1892. […] com o novo decreto [de 1906], passava a Escola a Liceu, com a designação de Liceu Maria Pia, e iria servir de modelo aos futuros Liceus Femininos” (CARVALHO, 2008, p. 646).

3Maria Amália Vaz de Carvalho (1847-1921) foi escritora e poetisa, debruçando-se sobre a condição feminina. Destaca-se, ainda, o facto de ter ingressado na Academia das Ciências de Lisboa, em 1912, juntamente com Carolina Michaëlis de Vasconcelos, tornando-se assim as duas primeiras mulheres portuguesas a fazerem parte desta distinta Academia.

4Para mais informações acerca desta obra, veja-se Coelho e Fontes (2018).

5Entre as obras de Almeida oficialmente aprovadas encontram-se as Primeiras noções de gramática historica da língua portuguesa. Veja-se a este propósito Fontes e Coelho (2021).

6Com a reforma de 1947, “no primeiro ciclo, a disciplina de Português partilha formalmente o seu “espaço” com a disciplina de História, denominando-se “Língua e História Pátria”, com um programa conjunto, lecionado em cinco tempos semanais” (COSTA, 2018, p. 147).

7Este museu, fundado em 1957, recebeu o nome da autora em estudo, que aqui surge com o apelido do marido, Eduardo Cabral, como uma homenagem por ter sido uma das impulsionadoras e benfeitoras deste museu e também pelo seu assinável percurso profissional.

8Como salienta Batista (2019, p. 158), “Diretrizes públicas de ensino - como leis, documentos oficiais, parâmetros curriculares e bases de orientação nacional - são parte importante de um processo que permite traçar uma história do ensino de língua. O que se estabeleceu oficialmente para o ensino […] diz muito de como se compreendeu a transmissão de conteúdos, em processos de ensino-aprendizagem, em uma época”.

9Para mais informações biobibliográficas acerca desta autora, veja-se Coelho e Fontes (2021).

Recebido: 13 de Julho de 2022; Aceito: 28 de Janeiro de 2023

E-mail: sfontes@utad.pt

E-mail: ccoelho@utad.pt

SUSANA FONTES é vinculada à Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro como Professora Associada do Departamento de Letras, Artes e Comunicação. É Doutorada em Linguística portuguesa pela mesma Universidade e membro do Centro de Estudos em Letras.

SÓNIA COELHO é vinculada à Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro como Professora Auxiliar. É Doutorada em Ciências da Linguagem e membro do Centro de Estudos em Letras.

Editora responsável: Patrícia Weiduschadt

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