Em 14 de dezembro de 2011, o jornal O Líder, da cidade de Maravilha1, anuncia em uma de suas seções:
A EEB Nossa Senhora da Salete, na década de 1970, tinha um jornal chamado Girafinha2. O impresso continha textos escolares, calendário cívico, cruzadas, charadas, entrevistas, comunicados, colunas, fatos e boatos, entre outros. Na tarde de terça-feira (13), o Girafinha Nova Geração (GNG) foi novamente lançado. “O jornal existiu por 13 anos. O tempo fez com que se perdesse o interesse. Mas agora surgiu a ideia de refazer”, disse o diretor Odair Batistello. “Estou emocionado por estar fazendo parte desse momento”, completou (GIRAFINHA, 2011, p.26).
Na notícia, o relato emocionado do diretor da escola sobre o ressurgimento d’O Girafinha3, mais de duas décadas depois do último exemplar publicado, dá indícios de como as culturas de memória se atravessam com a cultura escolar, interpelando e ressignificando os jornais escolares e seus usos no presente. Entende-se que também jornais escolares são testemunhos de presentes passados, de “restos” de escolas, ou seja, de “materialidades com memória” porque neles inscrevem-se tradições, configuram-se passados e presentes capazes de orientar futuros possíveis (ESCOLANO BENITO, 2017, p.227). Constituem, assim, tanto vestígios de memória quanto são capazes de informar dimensões das culturas da escola e de culturas de memória.
No presente, pesquisas reiteram seu lugar na escola como prática pedagógica “inovadora” e criativa. Eleição privilegiada para o desenvolvimento de competências relacionadas a escrita e a leitura. Esse último aspecto, inclusive, é informado por revisão bibliográfica realizada recentemente recortando apenas teses e dissertações4. Em outro levantamento, sobre impressos estudantis publicados entre os anos de 2002 e 2017, Cintia Medeiros Robles Aguiar e Jacira Helena do Valle Pereira Assis (2020, p.13) concluem que “o documento ainda é pouco explorado no Brasil”. Entende-se que muito embora exista produção considerável sobre a temática no país, ainda há muito que se fazer quando se trata de pensar os jornais escolares como objeto (e não apenas como fonte). Outrossim, ressalta-se que estudos realizados numa perspectiva histórica, articulando-os ou não à cultura escolar e/ou à de memória são menos representativos do conjunto encontrado.
Jornais escolares conformam parte da imprensa pedagógica ou educacional, ou seja, um conjunto de publicações que pode ser feita por docentes para docentes, por estudantes ou docentes para estudantes ou docentes, ou ainda pelo Estado ou outras instituições (BASTOS, 2002) endereçados a docentes e/ou estudantes. Possuem características identitárias próprias e complexas em razão dos sujeitos e instituições envolvidos no processo de sua construção e ao público a que se destina. Mas pode-se afirmar que sua principal marca é a vinculação direta com assuntos que afetam os processos de educação e de ensino. No Brasil, a escrita da História utilizando periódicos é observada a partir da década de 1970, quando o alargamento do campo de preocupação dos historiadores deslocou o estatuto da imprensa, antes objeto de suspeição, e a reposicionou como fonte histórica (LUCA, 2006). A partir da década de 1980, periódicos ligados ao ensino e a educação - nesse tempo muito mais aqueles produzidos pelo Estado - passaram a se tornar objeto também das pesquisas da história da Educação. Desde então o interesse dos historiadores se estendeu para outras produções: aquelas produzidas por estudantes ou docentes voltados também para esse público, em diferentes níveis de ensino.
Contudo, ainda assim, pode-se afirmar que dentre os periódicos pedagógicos ou educacionais, os mais privilegiados nos estudos ainda são aqueles produzidos e/ou voltados para os docentes. Jornais escritos por estudantes e para estudantes (mesmo que sob a mediação e/ou interferência de docentes) ainda carecem de estudos mais adensados e abrangentes. Essa é uma das conclusões a que chega Maria Helena Camara Bastos (2015), em levantamento de trabalhos historiográficos existentes sobre a imprensa estudantil. Nesse estudo a pesquisadora também aponta que, muito embora haja vestígios da existência de periódicos escolares no século XIX, a maioria das pesquisas analisa produções do século XX, especialmente as situadas nas décadas de 1930 a 1960. Conclui, ainda, que os estudos que tratam dos jornais produzidos no âmbito do Primário, são ainda lacunares quando se compara com aqueles do Secundário. Isso decorre principalmente da falta de conservação desses documentos pelas instituições, convertendo-os em documentos raros à pesquisa. A maior parte dos registros desses jornais encontra-se em meio a relatórios escolares, em “acervos é difícil localizar coleções completas, somente alguns exemplares que não permitem rastrear o ciclo de vida e de produção” (BASTOS, 2015, p.28).
Há registros da existência de jornais escolares no Brasil a partir do final do século XIX, mas foi na década de 1930, sob o incentivo do Movimento Escola-Nova que eles passaram a se multiplicar nas escolas, principalmente as primárias, como parte integrante das associações auxiliares. O Departamento de Educação catarinense, criado em 1935, elencava quais seriam as associações e suas respectivas finalidades, bem como de que maneira deveriam ser organizadas. Assim como o jornal, também eram associações auxiliares a Liga Pró-Língua Nacional, o Pelotão de Saúde, a Liga da Bondade, a Biblioteca Escolar, o Clube de Leitura, o Orfeão Escolar, o Museu Escolar, a Caixa Escolar, a Cooperativa Escolar, o Clube Agrícola, o Círculo de Pais e Professores e Centros de Interesse. O volume de referências a elas constantes nos documentos localizados entre 1934 a 1945 no Estado evidenciam o quanto se tornaram importantes como instrumento de intervenção estatal (SILVA, 2014). Inspetores de ensino recebiam instruções para observar sua existência e bom funcionamento; diretores e professores recebiam diferentes incentivos para criar e atuar em sua promoção no âmbito das escolas.
Apenas como exemplo de que as prescrições e sucessivas intervenções do aparato estatal funcionaram, o relatório de governo de Nereu Ramos, relativo ao ano de 1942, informa que havia 539 jornais nas escolas catarinenses (SANTA CATARINA, 1943). Esse número refere-se apenas as escolas primárias e cursos complementares, não considera instituições de ensino secundárias, que também possuíam suas próprias publicações. Um inventário de jornais de escolas catarinenses realizado pelo grupo de pesquisa de escolas catarinenses realizado pelo grupo de pesquisa Ensino de História, Memória e Culturas (CNPq/UDESC)5, no qual ambos os autores estão vinculados, já localizou 980 jornais de 1895 a 19756. Nos extensos relatórios dos inspetores, o tratamento dado as associações auxiliares, e, dentre elas, aos jornais, sugere certa singularidade no contexto catarinense, em razão da nacionalização do ensino (SILVA, 2014).
Para Giani Rabelo (2013, p. 216) foi o processo civilizador protagonizado pelo Departamento de Educação que “cravou suas bases de sustentação em uma legislação meticulosa que atingia o cotidiano escolar”. Nesses relatórios fica evidente a centralidade dessas associações nas escolas e no projeto civilizador e nacionalizador em curso. Observa-se que o jornal escolar ocupava dupla função. Era ele mesmo uma prática política e educacional, que deveria atender as expectativas hipotecadas as associações auxiliares, e, ao mesmo tempo, operava como importante divulgador das outras associações existentes na escola.
Há vestígios de que algumas associações auxiliares da escola tiveram vida longa, ultrapassaram a década de 1960, quando sua existência já não era mais alvo de uma política nacionalizadora. Dentre estas, o jornal escolar é um dos mais representativos. Um exemplo é A Criança Brasileira, assinado pelos estudantes do Curso Primário e do Curso Complementar do Grupo Escolar Lauro Müller, de Florianópolis. Fundado em 1942, é nítida sua relação e autoidentificação como uma associação auxiliar importante para o processo educativo escolar. Em suas páginas dava visibilidade às demais associações da escola, principalmente a Liga Pró-Língua Nacional. Foi um jornal que teve publicações regulares até 1968 e alguns números esparsos até 1982 (SILVA, 2013; CUNHA, SILVA; 2020). Os exemplares preservados são memórias arquivadas, palimpsestos em que se inscrevem e reinscrevem culturas da escola Lauro Müller, que fechou suas portas em 2019.
Já o jornal escolar O Girafinha não se auto identifica como uma associação auxiliar da escola ou faz menção a alguma delas. Certamente que seu contexto de criação é outro, 1975, contudo os saberes circulam, são apropriados. Sua forma de elaboração, características e mesmo usos são muito similares aos jornais localizados entre décadas de 1930 e 1960. Sabe-se que as Semanas Educacionais realizadas entre 1936 e 1945 (BOMBASSARO, 2006) incluíam palestras sobre jornais escolares e instruções aos professores de como organizá-los. Trabalhos de Célestin Freinet com relação à prática do jornal escolar passaram a ser difundidas no Estado e impactar a própria legislação estadual que tratava do tema, já partir de 1920 (MARTINS; RABELO, 2020). Há indícios que a montagem de jornal, como parte das “Técnicas de ensino Freinet”, seguiram fazendo parte de alguns cursos de formação para docentes na década de 1970 (CURSO, 1979, p.8).
Trata-se, assim, de experiência herdada de um projeto político marcado por concepções de “ensino renovado e moderno” e, ao mesmo, tempo civilizador e nacionalista levado à cabo no Estado. Projeto do qual a escola Professora Vera Gomes de Miranda7, não deve ter escapado. Foram sobre as bases dessa escola que o Grupo Escolar Nossa Senhora da Salete foi fundado, em 1956, quando Maravilha passa a categoria de distrito de Palmitos8. Maravilha teve sua colonização planejada pela Companhia Territorial Sul Brasil, tendo recebido principalmente famílias teuto-brasileiras oriundas do Rio Grande do Sul. Freiras da Congregação das Irmãs de Notre Dame, vindas de Passo Fundo/RS, já atuavam na escola Professora Vera Gomes de Miranda desde 1954 e ficaram à frente do grupo escolar até a década de 1970.
As freiras moravam ao lado do grupo escolar, numa casa que funcionava como internato para meninas que vinham de outras localidades e que pagavam sua estadia com serviços domésticos. Era “um convento”, dizia-se, que dirigia o grupo escolar (VIEIRA, 2021). A partir de 1971, atendendo aos dispositivos da Lei 5.692, o grupo escolar passou a se chamar Escola de Educação Básica Nossa Senhora da Salete, e a integrar distintas etapas da Educação Básica. Mas, em sua história, observa-se diferentes estratos de memória, se tratava de uma escola primária inicialmente subvencionada pelo Estado, que depois se tornou pública, ampliou as etapas de ensino, abrigando inclusive um curso normal. É nesse contexto que O Girafinha foi criado, em 1975.
Neste mesmo ano, uma matéria especial sobre o desenvolvimento econômico de Santa Catarina, publicada no jornal O Estado, há destaque para a economia de Maravilha. Além das práticas em torno da agricultura, suinocultura e setor madeireiro, anunciava-se incentivos para a instalação de indústrias na cidade. Chama-se a atenção para o fato de sua população, cerca de 20.500 pessoas, ser constituída por 80% de jovens e crianças, por isso o cognome adotado pelo município de “Capital da Criança”. Seriam 7 mil estudantes, distribuídos em 58 escolas, 40 municipais e 18 estaduais (MARAVILHA, 1975, p.17). Em que pese o tom elogioso e otimista da matéria convém não esquecer que se tratava de uma cidade pequena, compreendida administrativamente como “colonial” na década de 1970. Em 1975 dispunha de energia elétrica (núcleo urbano) e cerca de 115 estabelecimentos comerciais e industriais, mas não tinha jornal local e nem mesmo rádio. Mesmo havendo número expressivo de escolas de diferentes modalidades e níveis, O Girafinha foi o único jornal escolar da cidade localizado pela pesquisa empreendida, o que não significa que outros não tenham existido.
A maior parte dos jornais localizados está no Arquivo Público do Estado de Santa Catarina. Eles se encontram junto aos relatórios escolares enviados ao Departamento de Educação. Em geral, as escolas dedicam-se a guardar documentos com valor comprobatório da vida escolar de alunos e professores. Infelizmente a mesma atenção não é dada à documentação histórica e aos documentos do fazer ordinário da escola, como por exemplo, cadernos, atividades de escrita variadas, incluindo os jornais escolares. Segundo Diana Vidal (2005) o fim de ambos se assemelha, pois, enquanto os primeiros desaparecem no decorrer do tempo pela má conservação, os segundos não chegam a ser sequer guardados, destinam-se ao lixo. Apenas uns e outros se salvam...
O Girafinha, por ora, encontra-se a salvo das cruezas do tempo na biblioteca da Escola de Educação Básica Nossa Senhora da Salete. Certamente fez parte de uma prática ordinária e cotidiana de estudantes e docentes da escola. O fato de ter sido guardado talvez tenha relação com a história da instituição, muito ligada as freiras da Congregação das Irmãs de Notre Dame. Aliás, observa-se a existência de uma cultura de memória em relação a atuação das freiras da congregação que marca os textos desse periódico. Ele era um veículo de divulgação dos acontecimentos sociais e culturais da escola e da cidade. Diferentes números também fazem referências sobre sua função no treinamento da escrita, no gosto pela leitura e na criação artístico-literária dos estudantes. Suas páginas evidenciam que a educação moral e cívica aí professada tinha por base características católicas. Além disso, observa-se também vestígios de outras dimensões da cultura escolar e seus entrecruzamentos com outras culturas como a política e a histórica as quais este artigo analisará.
As análises tomam por base as ideias de culturas de escola e culturas de memória, por meio das reflexões de Agustín Escolano Benito (2017) e Jörn Rüsen (2014) sobre o tema. Compreende-se que as culturas de escola, dentre elas a cultura escolar, sobretudo quando observadas retrospectivamente, podem também ser pensadas como práticas de memórias. Não apenas porque a escola faz parte das memórias individuais e coletivas dos sujeitos, mas também porque como lugar de culturas a escola é um lugar em que práticas resultam em experiências que constroem memórias, identidades, relações, comportamentos, gestualidades, sentidos, enfim, formas de ver e conhecer a si e ao mundo, de significar o passado e projetar futuros... Na primeira parte será tratada a materialidade do jornal e, na segunda, de que forma valores, costumes e interesses foram apropriados e circularam em suas páginas, configurando práticas e memórias. Acredita-se que suas páginas podem dar a ler e a ver indícios de entrecruzamentos entre culturas, história e memórias. A compreensão desses distintos níveis pode contribuir para perspectivar as interações entre sedimentações, decantações e mudanças que se dão na escola, informam suas complexidades, sua beleza e irrenunciável importância.
O GIRAFINHA
Nas décadas de 1930 e 1940 as instruções do Departamento de Educação era de que os jornais fossem uma produção dos estudantes, sob orientação dos docentes. Isso incluía a escolha dos nomes. Assim, era comum que houvesse uma eleição do nome para o jornal entre os estudantes e professores da escola. Tais informações foram encontradas tanto em atas de fundação de diferentes jornais, quanto também nos primeiros números de alguns deles. No caso d’ O Girafinha não foram encontrados nele ou em outros documentos da escola vestígios de como o nome foi escolhido ou mesmo a dinâmica de sua produção9. Em relação aos títulos dos jornais cabe dizer que, num universo de 980 títulos, os de apelo cívicos são a maioria, apresentando variações de Meu Brasil, A Pátria, O Dever, O Progresso, O Estado, A República. Seguido de variações de criança e escola, como O Estudante, A Infância, A Juventude, O Escolar. Mas, especialmente em escolas primárias, são comuns títulos alusivos à fauna e a flora, brasileiros ou não, vide exemplos como O Elefante e O Girafinha.
Claro está que um nome de animal, e ainda no diminutivo, é uma referência a ludicidade do universo infantil retomada pela escola Nossa Senhora da Salete. Na biblioteca desta instituição encontram-se 13 exemplares do jornal. Por meio deles sabe-se que foi criado em abril de 1975, com publicação regular em 1975 e 1976. A partir daí sua periodicidade é incerta, pois entre 1977 e novembro de 1985 e depois até 1988, nenhum exemplar foi localizado, como se pode verificar no Quadro 1. No entanto também não há como saber se sua publicação foi totalmente interrompida durante essas lacunas ou se há exemplares publicados, mas extraviados com o tempo. Nos números localizados após “as pausas”, não há menção objetiva quanto a interrupção de sua publicação. Os dois exemplares de 1988 constam como sendo do “Ano 10” sugerindo continuidade. Além disso, em 2011, na notícia de seu relançamento, cujo excerto abre este artigo, inclusive, informa-se que o “jornal existiu por 13 anos” (O LÍDER, 14 de dez. 2011, p.26).
Quadro 1 - Exemplares localizados
| Anos | Meses | Números | Pág. |
|---|---|---|---|
| Ano I | Abr./1975 | 01 | 10 |
| Jun./1975 | 02 | 11 | |
| Ago./1975-Edição Especial Dia dos Pais | 03 | 12 | |
| Set./1975-Edição Especial Semana da Pátria | 04 | 14 | |
| Edição Especial Semana da Criança, s\d | Não consta | 09 | |
| Nov./1975 | Não consta | 13 | |
| Ano II | Jun./1976 | 07 | 20 |
| Ago./1976 | 08 | 11 | |
| Set./1976-Edição Especial Semana da Pátria | Não consta | 17 | |
| Nov./Dez/1976-Edição Especial de Natal | 10 | 10 | |
| Não consta | Nov./1985 | 03 | 13 |
| Ano X | 1988-Edição Especial Homenagem ao Índio | 01 | 18 |
| 1988 | 02 | 15 |
Fonte: Elaborado pelos autores. Acervo da EEBNSS.
Todos os exemplares localizados são datilografados em folhas de tamanho A410. Algumas partes, contudo, tem intervenções manuscritas e desenhadas, como, por exemplo, em capas ou seções em que há sinalizações artísticas como desenhos, balões com diálogos ou histórias em quadrinhos (Ver como exemplo as Figuras 1 e 2). O número de páginas variou entre 9 e 20, havendo conteúdos apenas na frente da folha, o verso é em branco. Sua reprodução, contudo, era feita por meio de mimeógrafo, recurso para obtenção de cópias mais comum nas escolas do período. Era monocromático, mas a capa da edição especial da Semana da Criança, de 1975, teve os desenhos coloridos com lápis de cor, provavelmente feito pelas crianças da 1ª a 4ª série, posto que outros desenhos eram atribuídos a elas.
Docentes, freiras e estudantes eram responsáveis por sua produção em 1975 e 1976, mas a maioria do conteúdo é assinada por estudantes. Inicialmente, na capa, informavam-se os nomes dos responsáveis, como diretoria, secretaria, equipe de trabalho, esta última composta por sete pessoas, todas docentes (Ver Figura 1). Nos exemplares de 1985, não há créditos para a direção ou secretaria, apenas de uma equipe de trabalho de cinco pessoas e em 1988, não há nenhuma informação na capa quanto a equipe. Mas, em que pese isso, todos os números encontrados, incluindo os de 1985 e 1988, apresentam características comuns, com uma mesma forma de organização, indicando que havia um “saber fazer” o jornal que foi sendo preservado e legado aos estudantes pelos docentes e direção.
Certamente, mesmo quando se tratava de textos assinados pelos estudantes, devia antes passar pela supervisão e mesmo intervenção dos adultos da escola, a começar porque passava por uma seleção inicial antes de compor o texto datilografado. Observa-se que desde o início o jornal era atribuído aos estudantes, por meio de sinalizações para que eles se sentissem responsáveis por ele. A irmã Almira Miôr, conclama:
Alunos! Parabéns aos que já escreveram para o ‘Girafinha’. Um convite para que escrevam aos que ainda não se animaram! O jornal é de vocês, ele quer crescer, vendo vocês crescerem como ‘pequenos escritores’ (O GIRAFINHA, abr.1975, nº 1, p.10).
Em 1975, segundo informações fornecidas no próprio jornal, a escola possuía 1536 estudantes, 1 diretora (Irmã Almira Miôr), 59 docentes, 2 secretárias, 7 serventes e dois bedéis11 (O GIRAFINHA, jun. 1975, capa). No primeiro número destaca-se que o jornal é criado para divulgar a escola, suas atividades e “maravilhas” da cidade, mas também não deixa de ter uma atribuição pedagógica, de formação de “pequenos escritores”. Estudantes da 1ª a 4ª séries assinam alguns pequenos textos, por exemplo, de como foram as férias, de quais professores mais gostavam etc. Também são eles os responsáveis pela maioria das ilustrações. Já os da 5ª a 8ª séries assinam seções sobre temas ordinários do cotidiano escolar como “fofocas”, informes sobre atividades extraclasse e redações diversas. Estudantes do 2º Grau e Curso Normal responsabilizam-se pelos aforismos, poesias, notícias locais, entrevistas, crônicas. Textos ou notícias que envolvem preceitos cristãos ou mais diretamente sobre a Educação Religiosa na escola ou fora dela, como a catequese, são de autoria das freiras. Docentes também comparecem como autores em alguns textos que abordam temas mais gerais, incluindo políticas, como a reforma agrária ou a violência.
Embora não tenha seções fixas, observa-se certa regularidade de temas, ou seja, sob diferentes títulos há similaridades quanto ao formato que assumem, na organização do jornal. Os textos são sobre o cotidiano escolar, acontecimentos como atividades extraescolares, competições, jogos, apresentações de filmes, teatros, idas a museu, biblioteca etc. Também notas sobre aniversários, viagens, férias ou aposentadorias dos docentes, além de efemérides variadas. Há também acrósticos, palavras cruzadas, poesias, histórias em quadrinhos, desenhos e várias inserções bem-humoradas sobre os sujeitos da escola.
O primeiro número publicado apresenta características quanto a forma que serão observadas em praticamente todos os exemplares. Elas se referem a organização textual, com layouts que alternam textos datilografados com intervenções manuscritas. Observar nas figuras 1 e 2, a capa e a história em quadrinho, que vem na última página. A capa tem o título manuscrito, assim como o desenho. A história, assinada pela estudante Carmem Valker, da 8ª série, teve os personagens “Mônica” e “Cebolinha” desenhados e seus diálogos escritos.
Chama a atenção a presença de “patrocinadores”. Já no primeiro número, na segunda página, nota-se que é toda dedicada ao Lions Clube da cidade, que saúda seu lançamento e faz votos de “que traga aos seus leitores grande proveito informativo e cultural. [...] Estamos contigo “Girafinha”! Quem não se comunica, se trumbica.” (O GIRAFINHA, abr. 1975, p. 2) (Ver Figura 3). Não há referência explicita quanto ao patrocínio do clube ao jornal, propriamente, mas há registros de agradecimentos quanto ao seu apoio a escola, doando dinheiro ou materiais, como na seção O Girafinha agradece, de agosto de 1975. Nesse sentido pode-se supor que o jornal tenha recebido algum incentivo material para além do moral. A partir do segundo número, a última página é toda de diferentes patrocinadores (Ver Figura 4). Isso se repete em outras edições, com alguma variação, mas deixam de existir nas de 1985 e 1988.
As seções Fatos e Boatos; Implico com; Em destaque e As dez mais são talvez as que mais podem ser identificadas como sendo de autoria dos estudantes, mesmo que seus nomes não sejam sempre informados. Elas aparecem em diferentes números de 1975 e, sob outros títulos, mas com conteúdo similar, marcam presença nos demais anos. Aparentemente, nesse caso, sem grandes intervenções por parte de docentes e direção, pois mostram de forma bem-humorada algumas impressões cotidianas, como por exemplo “Que o professor Elóy ensina literatura é fato, mas que a 3ª do Normal estuda é boato” ou “Que a Maria School tira nota alta é fato, mas que não cola é boato” (O GIRAFINHA, junho de 1975, nº 2, p.8). As dez mais se referia a uma turma em particular e destacava entre os estudantes quem era a mais simpática, o mais caloroso, as mais faladeiras, a mais caprichosa etc. Já Implico com se referia a estudantes e docentes, há implicâncias quanto “a pressa do professor Nelson; a juba do professor Élvio; a calma das professoras Jussara e Jandira; o ‘silêncio’ da 3ª Normal [...] o rebolado da Cleusa e da Silvia” (O GIRAFINHA, abr. 1975, nº 1, p.4). As fofocas são variadas e comparecem sob diferentes títulos. Por exemplo, no número de agosto de 1975, além de Fatos e Boatos há também uma coluna chamada As fofocas mais quentes do 1º B:
Por que será que a Nelsi vem sempre elegante nas aulas do Julmir?; Não sei por que a inteligência do Cláudio perturba os professores; A Lorena e o Mário estão concorrendo para ver quem dorme mais na sala de aula; As dores da Janete só aparecem na hora das provas (O GIRAFINHA, ago. 1975, p.7).
Números especiais, como os alusivos ao Dia das Mães, Dia dos Pais, Semana da Criança, são organizados com foco na família, maternidade, namoro, casamento. Neles destacam-se preceitos morais, religiosos e cívicos juntamente a indicações de comportamentos sociais esperados. Como a escola é por excelência um espaço em que a sociedade disputa memórias sobre si e projetos de futuro, o jornal se caracteriza por textos com apelos cívicos e de devoção a pátria, coerentes com o regime ditatorial do período. Nos números reservados a Semana da Pátria de 1975 (Figura 5) e 1976 (Figura 6) a liberdade é sempre laudada, mas em referência direta a “liberdade do jugo português”. Nessas situações Tiradentes é o personagem histórico que aparece como precursor dessa ideia. A edição especial da Semana da Pátria, de 1976, teve estampada em sua capa, o mapa do Brasil desenhado com a seguinte frase no centro: “Este é um país que vai pra frente” (Ver Figura 6).
Depois da edição de nov./dez., de 1976, o próximo número localizado é um 3º de novembro de 1985. Pela mensagem inicial da direção não há como saber quanto tempo o jornal ficou sem ser publicado.
Estamos levando adiante a ideia do Girafinha que visa divulgar os principais acontecimentos culturais, sociais da escola, bem como divulgar o gosto pela leitura e pela criação artístico-literária dos nossos alunos. E aí está “O Girafinha” para crescer junto com a direção, os professores e alunos em todos os sentidos. Ele está aberto para críticas e sugestões rumo a construção da caminhada de uma educação democrática (Direção, O GIRAFINHA, nov. 1985, capa).
Esse exemplar (Figura 7) mantém características dos jornais que circularam em 1975 e 1976 quanto à forma, mas é possível observar algumas mudanças nos títulos e conteúdo dos textos que pautam sobre direitos dos trabalhadores, opressão, tortura. Depois disso, nova lacuna, e em 1988 (Figura 8), localizam-se mais dois exemplares, indicados como sendo o 1º e o 2º números, do Ano X. No primeiro, os textos tematizam questões relacionadas a injustiça social, Constituinte, fome, reforma agrária, críticas políticas. O segundo seguiu o mesmo padrão de apresentação das matérias da edição anterior, com pelo menos dois textos que falavam sobre política no Brasil, destacando-se a corrupção. Essas duas edições de 1988 não possuem informação quanto ao mês de publicação. Supõem-se que o primeiro seja abril e o segundo julho, em razão dos calendários festivos que aparecem em suas páginas.
Observa-se que o jornal possui duas fases bem distintas 1975-1976 e 1985-1988 e suas páginas indicam as mudanças pelas quais o país e a sociedade brasileira atravessavam. Sua existência, preservada nesses rastros, assinala práticas e culturas dessa escola, de suas memórias e projetos, os quais nos deteremos a seguir.
O GIRAFINHA COMO “RESTOS DE ESCOLA”
Como materialidade da escola O Girafinha constitui-se em vestígios de passados, arquivos de memórias da Escola Nossa Senhora da Salete, de suas práticas, dos sujeitos que passaram por ela, da cultura escolar que lhe é própria. Traz também, em algumas passagens, estratos que se atravessam, memórias da cidade, da sociedade e de suas relações, de adesões e rejeições a determinados projetos políticos. Pode, assim, ser lido como um palimpsesto, onde se observam inscrições e reinscrições de histórias e experiências variadas. Para Agustín Escolano Benito (2017, p.185), a escola é uma complexa construção cultural, em que se destaca a dimensão da cultura empírica, pois seria a partir dela que outras modalidades de culturas são operadas. “A aprendizagem da experiência e a construção da cultura empírica da escola têm muito a ver com a memória”, que definitivamente “é um componente estruturador de toda a cultura da escola, e esta, por sua vez, da construção da subjetividade”. Nesse entrecruzamento entre cultura e memória, a cultura histórica ganha relevância.
Ao se deter sobre a formação histórica de sentido nas orientações temporais humanas, Jörn Rüsen (2014, p.101) destaca as funções operativas da cultura histórica que, ao cobrir “um âmbito amplo e heterogêneo da vida cultural”, é capaz de integrar “experiências, interpretações, orientações e motivações que se referem a experiências do passado como condições para a compreensão do presente e para a expectativa do futuro, numa estrutura coerente de sentido, numa ‘história’”. A cultura histórica seria a “quinta-essência das atividades e instituições sociais, pelas quais e nas quais acontece a consciência histórica”. Do mesmo modo, também pode ser “definida como quinta-essência das histórias, nas quais e pelas quais se efetua a vida de uma sociedade”. Ainda, segundo Rüsen (2014, p.102), na cultura histórica as dimensões estética, cognitiva e política “acentuam aspectos da percepção, da interpretação e da orientação”. Diferentes, não podem ser reduzidas uma à outra, são complementares e “se encontram numa relação condicional complexa de diferentes pretensões de validade”. Na dimensão cognitiva da cultura histórica encontram-se “pretensões de validade que possam ser cumpridas no plano argumentativo”. Na escola, por exemplo, os saberes selecionados para serem ensinados, mas também normas, valores, comportamentos sociais e morais que a atravessam são validados pelo “filtro das atribuições pedagógicas, sociais e políticas de sentido no contexto vital intergeracional de uma sociedade”. Não há como desprezar que o passado como memória também participa desse complexo arco de atribuições de sentido, de orientações, de validações, legitimações. Lembranças também podem ser entendidas como formas de “orientação cultural, nas quais e com as quais os seres humanos experimentam, motivam e normatizam, legitimam e criticam, transmitem e modificam a sua práxis vital individual ou coletiva” (RÜSEN, 2014, p.103).
As histórias que circulam no jornal O Girafinha evidenciam passados como memórias e configuram o presente da escola, especialmente por meio de lições de como crianças e jovens devem ser, de como a sociedade deve ser. Tempos são refigurados por meio de inscrições profanas e sacras que são parte da cultura de memória da escola Nossa Senhora da Salete. Nas histórias narradas, essas inscrições se misturam e se entrecruzam, ditam regras, conformam valores, estabelecem formas de existir, de agir. Os textos sobre valores religiosos, assinados pelas freiras são representativos disso. Na comemoração do “Dia do Catequista” escreve-se:
Era uma vez...um grupo de pessoas. Desde cedo, antes mesmo que o Sol nascesse se decidiram incomodar...No início era tudo confuso, mas logo que o primeiro raio solar penetrou em suas casas, a coragem, a força e a responsabilidade começaram a se desinstalar. Vieram outros raios, deste mesmo Sol e se juntaram ao primeiro, o grupo acordou. [...] Este Sol é Cristo, é o evangelho. Eles planejam incomodar [...]. Catequista você faz parte desde grupo, e neste terceiro domingo de agosto, que é seu dia, trago até você o apoio e a alegria da Comunidade de Maravilha (O GIRAFINHA, ago. 1975, p.10).
Na configuração dessa história sacra havia um tempo, um passado, em que tudo era confuso. Mas o evangelho organizou a vida, as relações, e, aos catequistas, hipoteca-se a responsabilidade de não deixar que esse tempo confuso volte. Também o “Dia do Padre” é lembrado neste número de agosto. O texto remete os “incrédulos do passado”, mas chama a atenção de que ainda subsistem no presente, por isso a necessidade de ter maior número de “bons sacerdotes”.
Comemoramos o dia do Padre no dia 04 de agosto. Antigamente costumava-se celebrar no dia 08 de agosto, mas com a reforma da liturgia passou a ser comemorado dia 04. [...] Os primeiros povos eram incrédulos, isto é, não acreditavam na doutrina de Cristo. Neste dia celebra-se a festa de São João Maria Vianney. Portanto esse padre convenceu esse povo através de orações, sacrifícios [...]. Hoje, para nós, São João M. Vianney é um exemplo especialmente para os Padres. Hoje vemos a necessidade de um maior número de bons sacerdotes para dar esse conhecimento. A população é grande e admiradores de Cristo são poucos (O GIRAFINHA, ago. 1975, p.2).
Comunidade e escola não se separam nas páginas do jornal. Aspectos culturais, sociais e políticos se sobrepõem em textos e imagens estabelecendo mediações variadas entre as culturas escolar e histórica. O passado e a memória remetem a colonização da região, mas irremediavelmente vinculam-se a religião católica, as freiras e aos padres, os responsáveis pela boa educação das crianças e jovens da cidade. Essa é uma aproximação comum no período e se relaciona à forma como a educação foi sendo organizada no século XIX e ainda permaneceu nas primeiras décadas do século XX. Rogério Luiz Sousa (2003, p.159) afirma que contar com a tradição da Igreja, sobretudo a Católica, no campo educacional foi uma necessidade para o Estado. Em Santa Catarina essa associação tornou-se evidente com os estímulos e subvenção que o governo deu às escolas particulares, principalmente às católicas. Segundo esse historiador tornou-se comum “escolas públicas e subvencionadas terem doutrina cristã todos os dias fora das horas de expediente e, algumas vezes, adotarem manuais de catecismo durante o horário normal das aulas”. As características educacionais ressoam no processo educacional de uma escola pública estadual, na cidade de Maravilha na década de 1970, que teve forte influência das freiras da Congregação das Irmãs de Notre Dame. Aliás, vale lembrar que as instituições católicas femininas assumiram função relevante nas relações econômicas, políticas, sociais, educacionais em alguns municípios, a partir de sua atuação em grupos escolares (VIEIRA, 2020).
Tempos e acontecimentos profanos também circulam no jornal, mesmo que as ocorrências mais comuns sejam aquelas vinculadas à igreja, ao padre, ao seminário, às irmãs, aos docentes. Competições esportivas têm destaque. Sobre futebol há notas sobre jogos locais e estaduais também. Mas, por vezes, é possível refletir como outros acontecimentos circulam pela escola. Não vêm como notícia propriamente, mas fazem parte de algum relato. Como quando os estudantes dizem em textos ou poesias o que fizeram no final de semana, ou descrevem alguma atividade na sala de aula ou até extraclasse. Por exemplo, um texto assinado pelas “moças da 1º B”, publicado no número especial Semana da Criança, em 1975. É um relato sobre uma experiência ocorrida na aula de Educação Religiosa. Ao lado do texto, em letras desenhadas a mão, destaca-se: Ano Internacional da Mulher.
Sorrisos, gestos, palavras eram expressos pelos rapazes da turma B do 2º Grau. Expressando em seus semblantes uma homenagem sincera a nós, suas colegas de aula. Tudo isso em comemoração ao Ano Internacional da Mulher. Era quinta-feira. Em plena sala de aula, nossos colegas deram motivo todo especial na aula de Educação Religiosa. Falaram suas opiniões, palavras simples, mas disseram tudo que pensavam da MULHER, tanto de positivo quanto de negativo. E nós, ouvindo, quando em cada uma de nós surgiu uma emoção inexplicável que penetrou no íntimo. Em cada semblante uma felicidade notava-se estampada no rosto, dando uma certa realização feminina. Surpreendeu-nos, quando cada colega ofereceu uma flor e junto dela um pensamento para cada moça. Um simples coquetel completou esta homenagem. Tudo aquilo foi muito bacana. E todas nós agradecemos em especial o professor Luiz, essa iniciativa brilhante, que trouxe para nós, moças, um pouco de felicidade, pois que isso fez sentir-nos valorizada, e mostrou o quanto somos importantes (O GIRAFINHA, Especial Semana da Criança, p.9, 1975, o destaque é do original).
O ano de 1975, por ocasião daI Conferência Mundial da Mulher sob o lema “Igualdade, Desenvolvimento e Paz”, na Cidade do México, foi declarado o Ano Internacional da Mulher. Instigante pensar como essa notícia circulou e foi apropriada, se não na escola, ao menos por essa turma, na aula de Educação Religiosa. Um marco político na luta pela justiça e igualdade das mulheres foi lido como homenagem, representado quase como uma mística religiosa no texto. Os meninos estimulados pelo professor Luiz presentearam as meninas com uma flor e falaram das suas qualidades. Elas se emocionaram, se sentiram valorizadas, importantes. Nenhuma alusão sobre direitos, nenhuma menção as condições das mulheres da comunidade, da cidade e aquelas (à época a maioria) que viviam nas zonas rurais. A forma como a data política foi apropriada e narrada se parece com os primeiros relatos das místicas que ocorriam nas igrejas e depois em movimentos sociais do Oeste catarinense, para animarem os fiéis, depois os militantes, para seus deveres com a igreja, depois com o movimento social. Mas, em relação aos movimentos sociais, do final da década de 1980, as alusões aos direitos e luta por justiça social já apareciam, o que não ocorre nesse relato. Nos exemplares de 1975 e 1976 as mulheres são alunas, são esposas, são mães, são professoras. Nesses papéis sociais são valorizadas e homenageadas.
Para além das referências religiosas, o jornal comemorava datas cívicas, também com forte apelo ao passado. Observa-se aí questões relacionadas a cultura política que se atravessam com a escolar e a histórica. Chama a atenção que as narrativas de amor à pátria buscavam integrar a comunidade escolar ao um contexto mais abrangente, por meio de relações de pertencimentos ao Brasil. Os estudantes e professores da Escola Nossa Senhora da Salete integravam-se aos mais de 110 milhões de brasileiros no projeto de país fadado ao progresso, “que só ia para frente” (Ver Figura 5), afinal a “Pátria não é ninguém, porque somos todos nós que a formamos” escreve a estudante Marilene Simon (O GIRAFINHA, n.4, Especial, 1975, p.2). Todas as páginas das edições especiais da Semana da Pátria são voltadas aos sentimentos de ideais cívicos e patrióticos. A Independência do Brasil era projetada e usada como a base que impulsionava esse entusiasmo. No texto assinado pelo estudante Claudio Schattat, da 1ª série do 2º Grau:
A Pátria é livre, é independente, graças ao idealismo inicial de Pedro I, continuada pelos heróis do passado e principalmente pelos esforços atuais. Associados aos ideais, esforços já realizados pelos filhos desta terra, libertemo-nos também do ódio, da cobiça, da inveja. E seremos os continuadores da grande obra iniciada por Tiradentes, Pedro I, Caxias e muitos outros (O GIRAFINHA, n.4, Especial, 1975, p. 4).
A liberdade do presente, no contexto do governo autoritário e ditatorial, é toda reportada ao jugo, a opressão dos portugueses. O texto intitulado “Sete de Setembro”, da estudante Mafalda T. Bachinski é mais um exemplo entre tantos:
O Brasil menino, Brasil adolescente, Brasil... escravo. É, Brasil escravo. Escravo de portugueses. O outro era o alimento do Brasil, transformou-se em sustento dos portugueses e na fome dos brasileiros. Daí a escravidão. O Brasil era uma mina de riquezas de Portugal. Não era um país. A escravidão, contudo, não é aceita por homens de brio e humildade. Os brasileiros feridos no mais íntimo de sua liberdade e autonomia ergueram a cabeça, puxaram das armas e tomaram a grande decisão. “Libertas quae sera tamen”. Isso mesmo! De cabeça erguida, exigiram a liberdade, ainda que pelas circunstâncias fosse tardia, mas não tardou muito. Foi num Sete de Setembro que a liberdade voltou. E com ela a alegria de um Brasil jovem, autônomo, progressista. Voltou a liberdade e com ela o “Brasil brasileiro”. (O GIRAFINHA, n.4, Especial, 1975, p. 7, grifos nossos).
Nas edições especiais sobre a Pátria de 1975 e 1976 o Sete de Setembro estava em continuidade direta com o passado do século XVIII, da Inconfidência Mineira, na figura de Tiradentes. Nessa linha, entram outros heróis, destacando-se D. Pedro I e até o Duque de Caxias, patrono do exército brasileiro. Aliás chama a atenção também o destaque para os soldados brasileiros, do presente e passado. Há profusão de poemas sobre eles. Crianças da 1ª série escrevem: “O soldado tem fuzil; O Soldado defende a Pátria; O Brasil precisa do soldado” (O GIRAFINHA, n.9, Especial, 1976, p.2). Não apenas os soldados, mas também as forças armadas aparecem. Num texto de 1975, sobre a participação do Brasil na Segunda Guerra, Exército, Marinha e Aeronáutica aparecem num desenho do Mapa do Brasil. Chama a atenção a referência as “firmes ideias democráticas” da nação brasileira, o que teria impulsionado o envio das tropas para a Guerra (O GIRAFINHA, n.4, Especial, 1975, p.2). Observa-se que quando os textos fazem alusão a democracia em 1975 e 1976, o termo não parece ter relação com um regime político específico, mas sim como uma forma de qualificar relações sociais e políticas relacionadas com a liberdade, com paz social. Com a ordem e a disciplina.
As narrativas desse jornal escolar são capazes de informar aspectos das representações que circulavam dentro e fora dos muros da escola no período. O jornal lançava mão do uso da memória de um país livre com o processo da Independência ao mesmo tempo que projetava um futuro de progresso e crescimento. Ser patriótico era reconhecer que o Brasil estava no caminho do progresso com grandes obras, a garantia da segurança e do trabalho. Circulavam ideias que reificavam que o agora era melhor do que o passado, e que o amanhã seria ainda melhor, de um país grande, com povo ordeiro, educado, com economia e infraestrutura fortes. As palavras “segurança”, “trabalho” e “paz” se misturam nessas narrativas. Só um “povo trabalhador” concretizaria a segurança, a paz social, a liberdade. Obediência às autoridades, as normas, aos preceitos cívicos e religiosos são fundamentais nessa lógica. A edição especial de 1976 traz um texto intitulado “Quem é Tiradentes hoje?”, da estudante Oraides Bachinski, da 1ª série do Curso Normal.
Tiradentes é reflexo da grandeza do povo brasileiro. É o retrato da administração autêntica, na qual encontramos heroicas figuras político-administrativas, lutando pela paz social de uma nação livre e independente. Tiradentes hoje é aquele que luta, integrando-se aquela frase que alguém disse um dia: “Enterrar os mortos é convocar os vivos para a grande obra de reconstrução democrática”. A história recente do mundo civilizado veio, portanto, consagrar de modo indiscutível o conceito de que não cabe apenas aos heróis, mas a todos nós brasileiros a promoção do progresso social, do estar da coletividade e do desenvolvimento geral do país (O GIRAFINHA, n.9, 1976, p.9).
É possível perceber enunciados que indicam fortemente o compartilhamento de responsabilidades. O progresso do Brasil não deveria ser somente responsabilidade das “figuras político-administrativas”, mas do povo brasileiro. A consagração da civilidade seria o engajamento da coletividade, da população. “Tiradentes é o povo”, “Tiradentes é luta” junto a expressões como “Enterrar os mortos é convocar os vivos para a grande obra de reconstrução democrática” podem indicar as contradições vivenciadas nesse período pelos estudantes e pela sociedade de modo geral. Que sentido de reconstrução democrática é esse que circula nesse momento no jornal? Que povo é esse que luta? Que participação é essa? Trata-se de apaziguamentos, acomodações da cultura escolar diante das movimentações políticas contra a ditadura? Trata-se de um indício que a escola, ou ao menos parte dessa comunidade, ansiava por um outro regime político, democrático?
Os exemplares localizados dão pistas de apropriação de ideias, formas de compreender um mundo que estava mudando. As notícias circulavam de forma mais sistemática na década de 1980, a cidade já tinha rádio local, e os programas de televisão transmitidos para um número maior de pessoas. Os textos do jornal dimensionam as relações entre o local e o nacional nesse período. A escola pode ser lugar da tradição, mas não está alheia e nem refratária às mudanças. No único exemplar localizado de 1985, mesmo mantendo a organização quanto estrutura, layout, os textos indicam que o contexto social e político do país era outro. O ano assinala o fim do regime ditatorial no país, os textos do jornal tratam de justiça social, reforma agrária, direitos civis, fazem menção ao slogan “Tortura nunca mais”. Suely Gromann, estudante da 8ª série C, escreve sobre “A libertação da mulher”:
A libertação da mulher é um fato bastante comentado, discutido e nem sempre aprovado. A mulher que até a pouco tempo vinha sendo tratada como escrava, não tinha vez e nem voz, só servia para criar filhos, fazer os serviços domésticos, ir à lavoura, essa mulher vem se libertando dia após dia...A mulher está começando a ler, discutir, refletir, criou interesse em aprender cada vez mais, desenvolveu sua inteligência. [...] A mulher hoje trabalha fora, tem seu salário, cuida da casa e dos filhos com a ajuda do marido. Mas nem todos os homens são assim, existem os machistas que ainda pensam que a mulher é inferior, que vale menos que o homem, que consideram a mulher um objeto...[...] A mulher se libertou, mas nem para todas essa libertação é boa, porque podem tornar-se gananciosas, esquecer que os filhos precisam de carinho e o marido de um pouco de atenção, isso cria discussões, brigas e acaba com a mulher deixando seu trabalho ou acontece o divórcio (O GIRAFINHA, nov. 1985, p.3).
A década de 1980 foi um período de intensas lutas no Oeste Catarinense. Movimentos sociais rurais, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST); Movimento de Mulheres Agricultoras (MMA, hoje Movimento de Mulheres Camponesas) e Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) reorientavam as discussões sobre direitos a terra e a igualdade, na região. “A libertação da mulher” era uma expressão bastante corrente no MST e no MMA, pontos de tensão nas famílias integrantes desses movimentos (SILVA, 2004) e de outras famílias que acompanhavam as discussões nas praças, nos sindicatos, na igreja, além do rádio e da TV. Certamente eram temas que circulavam na escola e parte dessas tensões aparecem no texto da estudante. As mulheres não são inferiores, têm direitos, não são um objeto. Porém, as mulheres são esposas e mães, certo? A sociedade da época ainda não conseguia equacionar igualdades de direitos com esses papeis sociais (questões ainda não resolvidas) e isso aparece quando a estudante é veemente ao estabelecer limites quanto a libertação: as mulheres não devem esquecer os filhos e os maridos. Contudo, em que pesem esses marcadores, que dão conta de estruturas sociais e temporais de longa duração sobre as posições dos sujeitos, relações de poder e representações de família, não há como ignorar os ventos da mudança que o jornal ajuda a soprar. Não há mais mística feminina, reelaborações do tempo sacro, nesse relato, como havia em 1975.
Os dois números encontrados de 1988 possuem textos que expressam o momento de mudança as quais o Brasil estava passando, injustiças sociais, opressão, fome, reforma agrária, papel dos sujeitos e da Igreja nas lutas sociais, críticas políticas e corrupção marcam essas edições. Há, pela primeira vez, menção a existência das populações indígenas e negras. Muito embora o primeiro número tenha assinalado na capa, que o jornal estaria homenageando o “índio”, há poucas referências ao homenageado e os negros aparecem num único poema, sobre o centenário da abolição da escravatura. As referências aos indígenas são infantis, a maior parte são desenhos e pequenos poemas atribuídos às crianças, como essa estrofe de uma estudante da 4ª série: “Vamos respeitar os índios. Eles também são gente. Eles também são nossos irmãos” (O GIRAFINHA, n.1, 1988, p.8). Na única referência aos negros, têm-se um poema “Ouvi o clamor deste povo”, em comemoração ao 13 de maio e os 100 anos de abolição da escravatura.
Certamente que o silenciamento quanto as questões étnico-raciais ou mesmo a forma como efemérides como o 19 de abril e o 13 de maio aparecem, possuem estreita relação com o tempo e o espaço da escola em que se situa o jornal. A colonização do Oeste catarinense e, em particular, de Maravilha, é um indício importante para explicar a ausência de referências a outros grupos sociais que não fossem de descendentes de famílias italianas e alemãs. Hipotecou-se a empresas colonizadoras a missão de povoar a região, tida como sertão, lugar sem “cultura humana”, quando em realidade era habitada por caboclos, os “outros” em relação aos descendentes de europeus. De difícil conceituação “caboclo” se refere a um grupo social miscigenado entre indígenas e bandeirantes paulistas ainda no século XVIII, que se fixou nas regiões do Sudoeste do Paraná, Oeste catarinense e Norte do Rio Grande Sul. Com o tempo essa população viria a sofrer miscigenações com outros grupos e, no processo de colonização, foi considerada como “negra” pelos colonizadores, em razão do tom de sua pele (RENK, 2014). Sua contribuição social e cultural foi menosprezada pelo Estado e companhias colonizadoras que priorizaram os descendentes de europeus para povoar a região. Os caboclos passaram a ser o grupo rechaçado que representava o atraso a combater em prol da identidade catarinense, branca, de “origem europeia”, que levaria a região ao progresso. Tais discursos foram apropriados, circularam e configuraram formas de pertencimentos, de se ver, de ver o mundo e o outro nesses lugares.
Mas se as questões de justiça social não se relacionavam-se propriamente as desigualdades étnico-raciais do país, certamente aquelas que envolviam a terra sim. O texto “Terra de Deus, terra de irmãos”, assinado pelos alunos da 8ª série A, Evandro C. Ferreira e Gustavo E. Gonçalves, trata da reforma agrária:
Quando Deus criou a terra, o homem, os animais, a vegetação, Deus disse: - “Eu dou o homem todo o poder sobre os animais da terra, os peixes do mar e tudo que existe”. Deus ainda disse: - “Crescei, multiplicai-vos e enchei a terra de suas maravilhas”. Levando para a realidade do nosso Brasil, quanto de nossos irmãos: índios, brancos e negros que também são filhos de Deus estão sem terá para plantar o seu pão de cada dia. [...] Vendo a realizada o que cabe a nós? Estamos apoiando a Reforma Agrária, ou não? (O GIRAFINHA, n.1, 1988, p.9)
Na sequência, Márcia Sturm, estudante da 1ª série “D”, do 2º Grau reposiciona a discussão com outra questão: “Viver como anjos ou sujar as mãos na História?”
“Não podemos confiar mais em nada, todo mundo está agindo por interesse. Até a Igreja está com política no meio”. Esta frase, bastante ouvida ultimamente, revela o medo de pensar do nosso povo. Cansado de promessas e explorações nossa gente não acredita mais nem naquilo que poderia ser caminho de libertação. Desacredita dos movimentos de ação política e social por serem portadores de certos interesses. Desacredita de líderes populares por enxergar neles limitações. Desacredita na Igreja por estar demasiadamente influenciada por ideologia. Esta desconfiança e esta passividade, porém, não existe de graça. Na raiz desta falta de esperança está a ilusão de querer encontrar algo puro e perfeito, sem interesses políticos ou econômicos, sem nenhuma espécie de contaminação (O GIRAFINHA, n.1, 1988, p.9, grifos nossos).
A estudante parece se reportar ao contexto das intensas lutas travadas no Oeste catarinense no período. Lutava-se pelo direito a terra, pela igualdade de condições, como a aposentadoria das mulheres agricultoras, a continuidade da educação etc. Sua referência a lideranças e principalmente do envolvimento da igreja na política dá conta das tensões relacionadas ao envolvimento dos padres nos movimentos sociais da região.
Há registros de que a irmã Maria Inocente (Almira Mior), da Congregação de Notre Dame, dava palestras para mulheres pertencentes aos movimentos sociais, na década de 1970. É bastante conhecida a participação da igreja católica, nas lutas pela terra no Oeste catarinense. O bispo Dom José Gomes (1921-2002), se destaca, pois se constituiu em uma liderança e uma voz que chegava aos camponeses por meio de seus sermões. Os padres os repassavam nas igrejas que pertenciam a Diocese de Chapecó. A partir da metade da década de 1970 e até 1985, se dedicou as causas sociais, num momento em que eram criados a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e o Conselho Indigenista Missionário (CIMI). Foi um período de grande efervescência política, pois os padres ligados ao CIMI trataram de formar as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) e fomentar os grupos de reflexões, espaços nas comunidades católicas para engajamento dos cristãos em busca da transformação da sociedade (SIQUEIRA, 2021).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste artigo partiu-se da ideia de que jornais escolares são objetos multidimensionais: são parte da cultura material da escola, mas também são práticas capazes de informar outras práticas. Eles permitem conhecer dimensões de práticas da vida escolar, que se cristalizaram, se decantaram em experiências e se transmitiram “de forma relativamente estável, de geração em geração” (ESCOLANO BENITO, 2017, p.22). Como veículo de narrativas, fazem circular apropriações, adesões, acomodações e, por que não, por vezes transgressões (as seções Implico com e Fatos e Boatos são exemplos disso). Como circulam histórias, refiguram tempos, e assim também informam dimensões das culturas escolar, histórica, política e de memória. Preservados, tornam-se também memórias arquivadas, “restos de escola”.
O Girafinha enaltecia o período de atuação das irmãs de Notre Dame à frente da escola. Os acontecimentos em torno do processo educacional católico levado a cabo por elas, eram constantemente lembrados nas histórias que o jornal fazia circular. As ações das freiras eram divulgadas em prosa e poesia servindo como vetor de construção de uma identidade para a escola, próxima a comunidade e a suas tradições. Preceitos de comportamentos sociais, morais e cívicos mostram aspectos cristãos e católicos, devedores de uma história sacra herdeira do século XIX. Histórias sacras e profanas se misturam na cultura escolar da escola Nossa Senhora de Salete.
Há contornos de uma cultura histórica afeita a passados selecionados em relação ao presente vivido. Portugal submetia o Brasil a escravidão, mas esta “não é aceita por homens de brio e humildade” (O GIRAFINHA, n.4, Especial, 1975, p. 7), por isso Tiradentes e D. Pedro I libertaram o Brasil. Não importa tratar dos mais de três séculos que durou a escravização de africanos e seus descendentes no país, mas sim de outra escravidão, de outra liberdade, de outra luta. Aliás, questões relacionadas as populações indígenas e negras, mesmo em se tratando de datas como 19 de abril ou 13 de maio são praticamente ausentes no jornal. Há uma exceção, o primeiro número de 1988, assinala, na capa, uma homenagem ao “índio”. Ressalta-se, porém, que há poucas referências aos indígenas, os homenageados. Nessa publicação também os negros aparecem num único poema, sobre o centenário da abolição da escravatura.
As histórias do Brasil contadas no jornal em 1975 e 1976 estabeleciam memórias para serem usadas a serviço de um presente. O passado de luta e de conquista voltava-se a construção de um presente de disciplina e trabalho que levaria a um futuro de paz e segurança. Em meio ao contexto da ditadura militar, nação e patriotismo eram configurados para promover forte sentido de dever. Já no contexto da redemocratização observa-se algumas mudanças no teor dos textos, agora mais voltados para questões sociais e políticas e menos para aquelas patrióticas e ufanistas. Também somem as referências as freiras da Notre Dame.
A escola mudou, a sociedade mudou. O Girafinha dá a ler o novo contexto, muito embora também mostre permanências, como, por exemplo, a subalternização da contribuição das populações indígenas e negras nas histórias da região e do Brasil. Há mais investigação a se fazer, parece que há outros números preservados por professoras aposentadas... O que se sabe é que as compreensões sobre esse e outros jornais escolares produzidos nas escolas catarinenses não se esgotam aqui.






















