Introdução1
As instituições de caridade, assistenciais ou filantrópicas, cuidadoras de órfãos e desvalidos, dentre outras, nem sempre são tomadas como instituições de educação, por vezes vistas como apenas lugar de guarda. Especialmente quando se trata de instituições católicas ou ligadas à Igreja os colégios costumam ser mais estudados em detrimento das instituições de órfãos (Custódio, 2014).
A história da escolarização não prescinde das instituições como o Asilo Santa Leopoldina. Ao construirmos uma história do Asilo, realçamos alguns temas que nos permitem conhecer melhor os processos educativos do século XIX, especialmente aqueles que dão lastro à consecução de um direito social.
Em primeiro lugar, destacamos a criação do Asilo Santa Leopoldina pela Assembleia Provincial fluminense. Nesse contexto, a questão da caridade e da filantropia parecem elucidar um pouco o enredo das disputas que se travaram ao longo dos anos. Em seguida, destacamos que o Asilo era uma instituição educacional e focalizamos o período de sua constituição até seus 30 anos, quando foi marcado por uma crise nos aspectos institucional, eclesiástico e político.
A pesquisa toma como fonte principal os relatórios dos presidentes da província do Rio de Janeiro e recorre aos Anais da Assembleia fluminense, a coletânea de documentos relativos à Congregação do Imaculado Coração de Maria e jornais do período de forma que vinculamos a história do Asilo à história dessas religiosas, além das mudanças na política pública provincial.
O texto consiste numa descrição de uma trajetória institucional que mescla religião e política, Igreja e Estado, no qual procuramos, durante a narração, deixar os lastros reflexivos e analíticos suscitados pela ciência histórica e apoiados na bibliografia pertinente. Tal escolha cronológica visa a dar destaque às mudanças políticas e modos de relacionar do poder público com os representantes da Igreja.
A criação do Asilo Santa Leopoldina
O Asilo Santa Leopoldina foi criado por lei provincial de nº 537, de 19 de junho de 1850, mas só foi instalado em 1854. Era comum, nas legislaturas fluminenses, incluir artigos na lei do orçamento, afinal, o ano legislativo possuía apenas três ou quatro meses. A lei fez dotação de quatro contos de réis destinados ao Asilo. A criação de um asilo para crianças órfãs foi proposta pelo deputado provincial J. Rabello de Vasconcellos e Souza, ligado ao município de Paraíba do Sul, em 14 de maio de 1850. O deputado repercutia uma reclamação do chefe de polícia da província2 sobre crescentes pedidos de socorros a crianças desvalidas pela febre amarela.
O projeto original (Rio de Janeiro, 1850, p. 2) propunha a criação de um asilo em Niterói para a infância desvalida, entre 2 anos e 7 anos, se meninos e entre 2 e 10 anos, se meninas. Previa receber os “expostos” e encaminhá-los à corte e, acima da faixa etária, os meninos para o Arsenal de Marinha e as meninas para a Santa Casa de Misericórdia, ambos no Rio de Janeiro, enquanto não fosse possível recebê-los.
Como a lei não foi cumprida e sua vigência era anual, por se tratar do orçamento de 1851, a autorização foi reformulada e repetida nos dois anos seguintes. Em 1851, Darrigues Faro avisava o não cumprimento da lei, mas sem uma explicação. Essas razões foram apontadas pelo deputado Luiz Honório Vieira Souto, em 1859: "graves inconvenientes que resultariam de achar-se a administração provincial incumbida da direção de um estabelecimento de caridade", o que poderia resultar que o estabelecimento se tornasse uma repartição pública (Souto, 1859, p. 6).
No século XIX, o Brasil não conheceu as questões sociais como composição de um direito. O sentido dessas ações era o da caridade, ligadas às obras de misericórdia e organizadas por leigos, em irmandades (Marcílio, 1998). O caso do Asilo Santa Leopoldina é emblemático a propósito das tensões entre a ideia de caridade, que vinha dos tempos da colônia, e a ideia de filantropia, mais característica de meados do século XIX, - sob influência do liberalismo e do avanço da secularização - que envolvia maior participação do poder público. Aí também é possível vislumbrar os embates entre Liberais e Conservadores, entre Estado e Igreja no destino de crianças abandonadas, momento em que as províncias passam a debater e assumir mais efetivamente esta incumbência. Para Marcílio (1998), este maior protagonismo das Assembleias estava relacionado ao crescimento da urbanização, à entrada das mulheres em novos postos de trabalho, à imigração e ao receio de escassez de mão de obra com o fim do tráfico de pessoas escravizadas.
Ao mesmo tempo, as endemias se tornavam mais recorrentes quanto mais se abriam os caminhos ligando as vilas da província. Sem um direito social, com uma filosofia centralizadora e pragmatista, inspiradas em Hobbes e Bentham, a preocupação com a segurança e a vida da população eram temas que deviam estar à vista do administrador público como fórmula necessária à manutenção do poder estatal sobre as populações (Maraschin, 2015). A década de 1850 experimentava o auge de um processo de consolidação da constituição do Estado Nacional Brasileiro e havia, ainda, muitos elementos da política dos Conservadores questionados pelos Liberais e vice-versa. Não caberia, nesse viés, a consecução de uma instituição pública de caridade, como manifestou o Presidente Luiz Antônio Barbosa sobre esta demanda:
Na proposta de que falo, o asilo parece ser considerado mais como um estabelecimento de governo, de cuja administração a ordem da Conceição se incumberia no caráter de preposto, do que como instituição de caridade apenas provocada, protegida e auxiliada pelo governo. Semelhante princípio parece-me inadmissível em vista da lei que equipara o asilo às casas de caridade, tem os inconvenientes de privá-lo dos seus mais poderosos sustentáculos, e talvez algum espírito mais escrupuloso nele descubra resaibos de socialismo (Barbosa, 1854, p. 13).
De outro lado, destaca-se o ideal de filantropia e caridade que presidiu iniciativas do tipo e que merecem ser observadas não apenas pelo ponto de vista da assistência social, mas, também, pelo aspecto da instrução-educação.
O ideal de filantropia não estava muito afastado daquele da caridade. Grosso modo, podemos admitir que, enquanto a caridade é um exercício de base religiosa, a filantropia se coloca na senda dos direitos do homem, uma virtude social, na visão dos filósofos da Ilustração (Moraes; Tavares; Souza, 2017). Há uma dialética entre caridade e filantropia: a filantropia, como secularização da caridade, influi na própria caridade, dando ênfase à organização da esmola em instituições centralizadoras da ação financiada, de modo que, muitas vezes, esses termos são utilizados como sinônimos.
Não obstante, alguns autores trazem análises da trilogia entre dar-receber-retribuir e isso nos conduz a uma “economia da esmola”:
Não é que as interações sociais sejam totalmente anônimas ou que despersonalizem as relações sociais através de uma rede de captação e redistribuição das doações (embora ela, a rede, de fato exista, pois o fenômeno, como já comentado, é complexo). O que se dá é a ordenação social das esmolas em grandes sistemas administrativos, econômicos e midiáticos. A esmola e a caridade são agora um assunto de profissionais que atuam em organizações filantrópicas ou não, religiosas ou não, privadas ou não, mas necessariamente sob a supervisão e gerenciamento de expertises que traçam metas, que planejam objetivos e os executam. A esmola se organizou! (Mello, 2015, p. 17).
Essa organização, segundo Silva et al (2020), tem relação com a sociedade urbana e com a necessidade de o pobre ser “socialmente invisível” para não manchar a cena urbana, mas “visível” no sentido de permitir e justificar as instituições filantrópicas e apoio do Estado à questão.
A sociedade Imperial compreendia os espaços de socialização, profissionalização e educação, como distintos. Compreendia que dando uma profissão aos órfãos e desvalidos, davam-lhes dignidade ao mesmo tempo que evitava um novo problema para a sociedade. Uma sociedade marcada pela escravidão precisava demarcar os espaços dignos de serem trabalhados ou compartilhados de maneira saudável e moralmente aceitáveis. Um viés que se impunha às meninas era o trabalho doméstico na própria família, instituída por um casamento ou em famílias abastadas que necessitassem dos serviços domésticos “moralizados”, que afastassem os vícios introduzidos, segundo alguns à época, pela convivência com a escravidão.
Em 1854, Darrigues Faro comunicava à Assembleia a fundação do Asilo Santa Leopoldina com a presença da família real como protetora, doadora de cinco contos de réis para a obra. O vice-presidente assumiu a fundação e se tornou seu primeiro provedor. Em seu relato, teria seguido orientações do presidente Luiz Antônio Barbosa.
Para Luiz Antônio Barbosa, o Asilo era uma decisão que a Assembleia insistia por anos seguidos e a obra deveria ter perenidade. Por isso, preocupou-se com questões jurídicas, pois os fundos consignados pela província, para tal, eram insuficientes, sendo necessário o auxílio da caridade pública. Nesse sentido, entendia ele que a tenacidade e perseverança na manutenção da obra social não poderia vir, senão, da religião e da caridade do Estado3.
Criou-se a Irmandade de São Vicente de Paulo, pois a Confraria de Nossa Senhora da Conceição rejeitou a mantença proposta na lei do orçamento de 1852. Segundo ofício de 06 de março de 1852, do Presidente Luiz Pedreira do Couto Ferraz (Presidência, 1852), o objetivo da lei era que a Confraria assumisse o ônus de educar os meninos, sustentá-los, vesti-los e tratar suas enfermidades.
Darrigues criou a Irmandade de São Vicente de Paulo4 com o objetivo de proteção da infância desvalida; devendo ramificar-se por toda a Província. Já o Asilo, conforme o artigo segundo da deliberação, deveria
receber, educar e restituir à sociedade, com algum ofício ou profissão, os meninos e meninas, de qualquer dos municípios da província, que, por abandono, absoluta indigência dos pais, orfandade, ou quaisquer outros motivos, necessitem desse socorro (Presidência, 1854, p. S1-7).
Como se vê o Asilo deveria atender aos habitantes da província. No entanto, a Irmandade dependia ainda do “Compromisso” que seria elaborado para aprovação da autoridade eclesiástica do bispo do Rio de Janeiro5. Em 1856, o Compromisso foi aprovado e a Irmandade legalmente reconhecida (Tolentino, 1856).
Apesar do atraso na fundação devido à questão da provedoria do Asilo, toda a fundação e parte importante da mantença, ficaram a cargo da Província. O governo criou uma instituição de caráter religioso utilizando uma forma legal e com a assinatura de autoridade civil.
Em 1854, 50,5% da receita do Asilo veio da Província em forma de loterias. Nesse valor não constava as despesas administrativas autorizadas pela Assembleia (Tolentino, 1856a ). Em 1857, o vice-presidente João Manoel Pereira da Silva (1857) somava essas despesas, subvenções e loterias em aproximadamente 146 contos de réis. Excluindo-se as antecipações usadas nas compras de imóveis, conforme demonstração da contadoria, o Asilo havia recebido das verbas para as casas de caridade da província, cerca de 43:772$ (quarenta e três contos, setecentos e setenta e dois mil réis) nos três primeiros anos de sua existência, obtendo cerca de 35% dessa rubrica no ano de 1856 (Barbosa, 1857).
Para a administração interna do Asilo, foram contratadas as Irmãs do Coração de Maria6 por 6 anos. O recurso da contração de religiosas era comum em outras instituições caritativas como a própria Santa Casa de Misericórdia, o Hospital de Alienados e o de Recolhimento de Santa Tereza, todos do Rio de Janeiro, aos cuidados das irmãs vicentinas francesas. As irmãs do Imaculado Coração de Maria cuidaram do Asilo Santa Leopoldina até 01 de junho de 1874, sendo substituídas, em 1878, pelas irmãs vicentinas.
O contrato das irmãs vicentinas francesas, de 1878, permitia que as freiras vivessem conforme sua regra religiosa e tivessem todo o controle da instrução e ordem do Asilo, bem como da instrução das crianças, à época apenas meninas. Para tal, as religiosas teriam alojamento mobiliado, roupas para o trabalho, receberiam o sustento, tratamento médico, luz, lavagem de roupa, uma anuidade de 200$ (duzentos mil réis)7, garantia de moradia se ficassem doentes (sem os vencimentos) e funeral no caso de falecimento. Todas as despesas da casa e dos empregados seriam custeadas pela Irmandade de São Vicente de Paulo, provedora do Asilo (Asilo Santa Leopoldina, 1878).
Embora Luiz Antônio Barbosa, em 1853, houvesse, didaticamente, separado o Estado da Instituição de Caridade, esse mesmo presidente foi responsável por uma ingerência direta na administração do Asilo, em 1857. A Província, através do vice-presidente José Ricardo de Sá Rego, havia adquirido, com dinheiro de antecipação de loterias que seriam destinadas ao Asilo, uma chácara na rua da Praia, em Icaraí, para ali construir o prédio da instituição. A pedra fundamental foi lançada diante do Imperador e da Imperatriz, protetores da obra e, posteriormente adquiriu-se outra chácara contígua para ampliação do projeto. Em 1859, o deputado Luiz Honório Vieira Souto8, secretário da Irmandade S. Vicente de Paulo, procurava demonstrar à Assembleia que as propriedades em Icaraí foram adquiridas pela Província e registradas como usufruto do Asilo Santa Leopoldina enquanto esse subsistisse. Segundo o deputado (Souto, 1859), a lei proibia a propriedade de bens de raiz a instituições de mão morta9 como era o Asilo. No entanto, o presidente da província, Luiz Antônio Barbosa, aprovou na Assembleia a compra de uma chácara nos arredores de Niterói, em Fonseca, e ordenou a transferência do Asilo, com cerca de 70 crianças, maioria meninas, para lá.
O discurso de Vieira Souto (1859) na Assembleia tentava restabelecer e transferir novamente a instituição para Icaraí. Tal iniciativa, bastante tensa, se dava pelo grande número de crianças adoecendo na casa do subúrbio. O tema teve muita repercussão na imprensa e na Assembleia Provincial. O problema com a saúde das crianças teria se manifestado logo no primeiro mês da nova morada no Fonseca. A iniciativa de Luiz Antônio Barbosa visava a dar ao Asilo outra fonte fixa de renda, que eram os aluguéis e arrendamentos das propriedades da Rua da Praia. (Barbosa, 1857; Silva, 1857). Tal benefício foi maculado, segundo Vieira Souto (1859), pelas despesas extras e permanentes que se somaram com a transferência, seja pela adaptação das instalações, pela distância que exigia mais gastos com provisões, moradas e salários e, principalmente, pelo grande número de adoecimentos na nova instalação. Em 1865, o Asilo foi mudado novamente para a Rua da Praia, em Icaraí (Bortoluzzi, 1996).
As irmãs do Imaculado Coração de Maria e a educação no Asilo
A finalidade do Asilo Santa Leopoldina era educar para restituir à sociedade os órfãos com uma profissão ou ofício. A instituição deveria ser dividida em dois estabelecimentos, sendo criado apenas o primeiro no momento da fundação: Casa de Educação e Instituto Colegial. A Casa de Educação ofereceria às internas, instrução primária (Presidência, 1854).
As irmãs do Imaculado Coração de Maria tinham como fim principal a educação das meninas, “não só para a ciência necessária ao próprio estado, mas com particularidade para criar dedicação ao santo temor de Deus no coração inocente das meninas” (A Madre, 1880, p. 1). O projeto de Bárbara Maix, fundadora da Congregação, era educar meninas e moças em pensionatos e asilos. Porém, do ponto de vista religioso, a orientação da educação dessa congregação, apesar de europeia, era mais rígida e diferente da francesa, uma vez que, apesar de fundada no Brasil, tinha origem austríaca. As religiosas da congregação deveriam educar por conselhos e obras, tornar as educandas úteis e aptas a qualquer condição e jamais ensinar usando matérias e artes que levassem à sensualidade ou vaidade etc, já que se queria fazer das moças boas cristãs (Oliveira, 2009; Leonardi, 2002).
Em 1849, ano da chegada das irmãs ao Rio de Janeiro, vindas de Viena, o Diário do Rio de Janeiro publicou um “comunicado” de sua chegada. Neste comunicado é possível ler os fins aos quais se propunham dedicar:
1º Educar meninas.
2º Acolher pessoas sem ocupação, ocupá-las em uma parte separada da casa e ensinar-lhes uma ocupação adequada e justa.
3ª Acolher enfermos e dementes, os quais elas tratam separadamente das outras.
4º Acolher todas as pessoas que querem viver retiradas, como também pessoas velhas e inválidas que querem acabar os seus dias neste asilo.
5º Obrigam-se elas rezar e fazer penitência por todos aqueles que lhes são recomendados.
7º O regente ajudado pelas irmãs faz os exercícios religiosos. (Comunicado, 1849 10).
As religiosas refugiadas na cidade, só conseguiram a aprovação eclesiástica para tomarem hábito já aqui no Brasil, em 1849. Tratava-se, portanto, de uma organização religiosa sem tradição no interior da Igreja e da sociedade. Com o fim de angariar alunas, publicavam regularmente notícias no Diário do Rio de Janeiro (Bortoluzzi, 1996).
As irmãs viviam do trabalho externo que prestavam a irmandades e a setores de governos. Por serem pobres desde sua origem vienense, não tinham posses que lhes permitissem autossuficiência. Chegadas ao Rio de Janeiro, após acolhimento no Convento da Ajuda, foram trabalhar em uma escola criada com a Irmandade Nossa Senhora do Terço, na rua Senhor dos Passos, em 1849, e transferida, no mesmo ano para o Rocio da Cidade Nova11. A escola se dedicou às terceiras ou às meninas filhas dos terceiros. Para o ano seguinte, a escola estava desvinculada da Irmandade do Terço (Catituia, 1849). Segundo Bortoluzzi (1996), as dificuldades em manter o colégio vinculado à Ordem Terceira estavam ligadas ao tipo de educação oferecido pelas irmãs. Os pais, pertencentes a famílias abastadas, esperavam um modelo de educação afrancesado. No colégio, as freiras lecionavam a língua alemã12. Além disso, não possuindo escravos, as freiras exigiam que as próprias alunas cuidassem da higiene e arrumação de seus leitos e pertences. Trechos do documento "Histórico das Dissidentes", transcritos por Bortoluzzi, indicam que algumas das freiras que abandonaram a congregação também consideravam duras as regras do colégio.
Após essa experiência, uma nova escola foi criada no bairro do Catumbi com um anexo para senhoras solteiras ou viúvas. Também teve duração efêmera, sendo os asilados e as próprias irmãs admitidas no Asilo de São Cristóvão, em 1852, já que estavam endividadas sem poder atender aos pobres (Redação, 1852). Em seguida, ainda em 1852, foram morar na Ilha de Bom Jesus na baía da Guanabara, ou ilha dos Frades como era conhecida, atualmente parte da Ilha do Fundão, num antigo convento franciscano. Para isso, pediam quatro loterias ao Império a fim de amortizar dívidas e reformar o prédio (Brasil, 1852). A cessão do convento foi conseguida através do governo Imperial (Almeida, 1855). Assumiram a criação do Asilo de Santa Leopoldina em Niterói, em 1854. Em 1957, também assumiram um asilo de mesmo nome em Porto Alegre, criado pela Província do Rio Grande do Sul, permanecendo em sua administração apenas por um ano13.
Em 1855, Bárbara Maix e outras freiras foram administrar o Asilo de Nossa Senhora da Conceição, em Pelotas. Esse asilo era fundado e mantido pela maçonaria e foi em função da atividade nesta instituição que uma cisão ocorreu na congregação envolvendo as fundadoras, em 1863. Nesse ano, deixando Pelotas, as irmãs foram admitidas na fundação do Asilo do Sagrado Coração em Rio Grande, cidade próxima, iniciativa daquela Câmara Municipal (Valle, 2018).
A ida para o Rio Grande do Sul aproximava a cultura de origem das freiras devido ao grande número de imigrantes de origem germânica que se dirigiam para aquele ponto do país. Isso poderia justificar, também, sua ida a Petrópolis, trabalhar na obra iniciada pelo Padre Siqueira, a Escola Doméstica Nossa Senhora do Amparo, em 1871.
Escola Normal Provincial, no Asilo? Duas versões para a formação feminina
A obra das irmãs de Bárbara Maix, nesse período, era o que podemos chamar de tipo proletário. Eram trabalhadoras contratadas para obras de caridade e de filantropia que lhes permitiam atender à sua subsistência e à sua missão: trabalhar com mulheres pobres nas cidades. Era, portanto, uma vida simples e sem garantias de subsistência fora daquilo que poderíamos chamar de “emprego”. No Rio de Janeiro, as Irmãs ocuparam-se de várias escolas sem conseguir mantê-las por muito tempo. Segundo Sônia Oliveira (2009) o projeto educativo de Bárbara Maix, era combatido por propor um tipo de educação feminina que não se encerrava apenas na educação doméstica, preparação para o casamento e formação moral-cristã. Ela queria uma formação intelectual da mulher e para uma fortaleza que pudesse resistir às adversidades. Essa formação intelectual incluía o ideal de formação para o magistério. Bárbara Maix era uma freira que vivia fora dos muros de um convento e era uma administradora (Oliveira, 2009, p. 69).
Um indicativo dessa visão e repercussão dentro do governo da Província do Rio de Janeiro foi anunciado pelo vice-presidente Antônio Tolentino, em 1858:
No caso em que se acha este estabelecimento, reputo-o uma instituição auxiliar do ensino primário das classes pobres e enxergo nele algumas das condições precisas para organizar-se, em seu seio, uma escola normal de professoras, onde a par do estudo de noção do magistério, teriam as alunas-mestras o meio conveniente de fazer a aplicação prática das doutrinas que estudassem; portanto uma escola primária adjunta às escolas normais é o seu complemento necessário e o cadinho em que se fundem e dá-se forma e corpo às ideias que constituem o ensino teórico da pedagogia, da educação e da instrução, e cujos princípios o internato tende poderosamente a fortificar (Tolentino, 1858, p. 159).
Tolentino esteve às voltas com uma reforma administrativa da província. Ele propôs alterações significativas em vários ramos da administração pública, conhecedor que era da mesma, por ser funcionário público de carreira e passado por várias instituições públicas do Império. Não era exatamente um político, mas um administrador. Essa reforma custou-lhe muitos aborrecimentos (Cândido, 2007).
No aspecto educacional, a reforma recriava a Escola Normal de Niterói. Mas sua instalação só aconteceu em 1862. Tolentino vislumbrava o desenvolvimento da Escola Normal junto à instituição de atenção social. Embora uma espécie de escola de aplicação para as asiladas, não era somente esse o ideal circulante. Mesmo porque, o problema que se colocou no funcionamento da Escola Normal a partir de sua recriação, era a divisão por gênero: por funcionar no mesmo prédio e com os mesmos professores, com alunos do sexo masculino e feminino, as aulas passaram a ser dadas em dias alternados. Por isso, o funcionamento no Asilo de uma sessão feminina era uma ideia cotejada.
Dez anos após o vislumbre do Presidente Tolentino e depois de o tema voltar aos relatórios de presidentes e vice-presidentes, o presidente Américo Brasiliense de Almeida e Mello era bem mais específico sobre a formação de um magistério e sua relação com as meninas desvalidas:
Quando visitei o asilo, tive ocasião de observar a excelente direção que é dada, a ordem e asseio que ali se nota. Penso porém que tão pia instituição se tornaria mais fecunda em benefícios, se porventura ali se tratasse de habilitar as mais inteligentes das educandas, de modo a poderem ser empregadas nas cadeiras do ensino primário (Almeida e Mello, 1868, p. 10).
Essa proposta é bem mais ambiciosa que a apresentada dez anos antes pelo Presidente Tolentino. No entanto, a legislação para a docência feminina, tinha rigores que colocavam esse ideal um pouco distante, embora a Assembleia pudesse remover esses obstáculos. A ideia não nascia na administração pública, mas no interior do próprio Asilo, como esclarece o vice-presidente Des. Diogo Teixeira de Macedo, futuro Barão de São Diogo, em 1869:
Abrir-lhes as portas do magistério público, como indica o provedor em seu relatório, isentando-as do concurso, e preferindo-as a quaisquer pretendes é inadmissível. Sua educação deve ser dirigida para o fim modesto a que se destinam. O magistério exige outras habilitações. Além disso, as donzelas não podem ser empregadas no magistério senão na idade de 30 anos, salvo sendo acompanhadas por seus pais, tutores ou próximos parentes de reconhecida probidade, como preceitua o regulamento de instrução. Encerrada desde tenra idade em um recolhimento sem a menor experiência do mundo, não seria acertado confiar-lhes uma escola senão naquelas condições. Em vez de uma professora má, procure antes a administração do Asilo fazer das asiladas boas costureiras, lavadeiras e engomadeiras, dando-lhes mostras hábeis nesses serviços. (Macedo, 1869, p. 18).
A visão do desembargador é muito restritiva às crianças pobres asiladas e, sobretudo, às mulheres. Assemelha-se aos discursos que colocavam embaraço às freiras do Imaculado Coração de Maria, no Rio Grande do Sul, o Padre Cacique de Barros e seu Presidente Henrique Francisco d'Ávila (Bakos; Silveira; Castro, 1991). Apenas para efeito comparativo, o Presidente Tolentino, 10 anos antes, ao se referir ao propósito de criar uma Escola Normal dentro do Asilo Santa Leopoldina, assim se referiu ao papel feminino na sociedade:
[...] é tempo que o sexo tome entre nós a posição que lhe assinala a civilização e a humanidade. São as mulheres a garantia do íntimo sentimento da família, e a família é a base vital da sociedade e a alma deste corpo; a elas cumpre pois tecer e formar esses laços misteriosos que lhes prendem a infância ao coração (Tolentino, 1858, p. 159).
Outra razão de tensões entre as religiosas e o poder público foi em relação a escravidão. Bárbara Maix e suas congregadas destacaram seu horror a essa instituição logo no desembarque no Rio de Janeiro, em 1849. No comunicado publicado no Diário do Rio de Janeiro deixavam claro a exclusão de escravizadas no serviço da congregação e de suas obras “Tem este modo de educação mais a vantagem de aprender as meninas adultas a economia doméstica, a qual havia de as pôr em contato com os escravos, dos quais elas somente aprendem vícios e maus costumes” (Comunicado, 1849, p. 2).
Os embates em torno do tema da educação destas meninas repercutiam nos jornais e no governo da Província. No jornal O Provinciano, de Niterói, publicou, em 9 de julho de 1865 (p. 2, apud Bortoluzzi, 1996, p. 534) o seguinte comentário:
(...) Essas religiosas que vos apresento (...) nunca foram mães, nem o serão em tempo algum (...). Não poderão, portanto, incutir nas educandas os princípios geradores de uma verdadeira mãe de família, da mulher útil à sociedade, porque elas ignoram totalmente as condições deste estado. A educação ali recebida é a exclusivamente religiosa, puramente tendente a formar congregadas do Coração de Maria; estas santas criaturas ensinam a conhecer o céu e deixam as adolescentes na completa ignorância do mundo! (...) Ali pelos fundos acessíveis do edifício, escapa-se uma donzela/ atira-se ao mundo, por um lado atraída pela curiosidade, filha da inexperiência, por outro, expelida da detenção claustral, em que se achava, pela aversão ao estado exclusivamente religioso que tentavam impor-lhe. Esta aversão, longe de ser aniquilada pelas penas disciplinares que sofreu, foi por estas excitada até o grau da exasperação.
O jornal O Fluminense e o próprio O Provinciano já haviam relatado a presença de rapazes nos arredores do Asilo. O primeiro noticiando, também, a fuga de uma das asiladas.
Embora aprovada na lei do orçamento para 1876, a criação da escola normal não se efetivou. Nos debates que se sucederam nota-se que o projeto de profissionalização das asiladas ainda circulava na administração da Província e na Assembleia. O deputado provincial, Josino Filho, responsável pelo projeto de levar a Escola Normal feminina para o Asilo Santa Leopoldina dizia: “Duas vantagens importantes resultam desta ideia: criação do internato sem despesa para os cofres provinciais e destino a moças desvalidas, dando-lhes profissão honesta” (Assembleia, 1875, p. 511). Esse intento não se realizou mais uma vez.
Ao contrário de formar professoras, a direção do asilo optou pelo casamento das moças, criando para elas uma caixa econômica para servir de dote. Em 1870, O Apóstolo publicava um apelo para que houvesse doações para a constituição de um fundo que daria às moças um dote para um “feliz casamento”. Expressava o editorial, o tom mesquinho pelo qual percebia o casamento entre pobres ao afirmar que nos tempos que corriam o interesse abafava os nobres sentimentos: “a infeliz mulher, sendo pobre, está condenada a um ostracismo de nova espécie a nunca casar. O dote fascinador é o móvel do homem atual para o casamento” (O Apóstolo, 1870, p.2). Apesar da boa formação moral, intelectual e nos afazeres domésticos, cria o redator, as moças não conseguiam um bom e ideal emprego, que seria o doméstico, devido à existência da escravidão ocupando esses espaços pelo trabalho de escravizadas.
Crise institucional, congregacional e política
No relatório da província de 1875 obtivemos uma descrição de como as irmãs conduziam o Asilo:
Existem atualmente no asilo, recebendo conveniente educação e instrução, 117 meninas confiadas aos cuidados de 6 senhoras: sendo uma regente, outra professora de instrução primária e de música, outra adjunta, duas professoras de trabalhos de agulhas e uma encarregada do serviço doméstico, satisfatoriamente coadjuvada pelas asiladas (Azambuja, 1875, p. 22).
Outras descrições como esta denotam a introdução de música e a restrição dos estudos à instrução primária e serviço doméstico e de agulhas (Souza, 1877). As Irmãs do Imaculado Coração de Maria procuravam ir um pouco além, tendo em vista a autonomia das meninas, formação intelectual e recusa ao modelo de educação francesa, tida por elas como muito sensualizada pela dança etc.
Apesar da dissonância de finalidades da educação das meninas asiladas, as irmãs foram afastadas do asilo por questões ligadas à cisão na congregação havida no Rio Grande do Sul, a tensões com a Diretoria do Asilo Santa Leopoldina em função da transferência de irmãs de Niterói para Porto Alegre, aos reclamos de excesso de alunas desde 1870 (à época 120) e a vinda de Bárbara Maix para o Rio de Janeiro, especificamente para a fundação da Escola Doméstica do Pe. Siqueira, em Petrópolis, ano de 1871 (Bortoluzzi, 1996). Ainda neste mesmo ano, e como resultado das divergências internas das irmãs instaladas no Sul, o bispo do Rio Grande do Sul enviou ao bispo do Rio de Janeiro os Capítulos a fim de que se executassem também em sua diocese. A revisão das Regras já era pedida há tempos por algumas irmãs que reclamavam de práticas muito duras. Somado a isso, algumas irmãs de Niterói também demonstraram descontentamento com a condução da Congregação por Bárbara.
A Mesa Diretora nomeou uma freira dentre as reclamantes como superiora do Asilo, em 1872. Tal disputa de poder sobre quem deveria nomear a superiora do Asilo, se a mesa diretora ou se a madre superiora, não era novidade, tendo já acontecido desde 1857. Neste ano, cartas de ambos os lados foram enviadas do presidente da província para providências e a Comissão de Instrução Pública foi incumbida de examinar a questão. As religiosas exigiam que tal inspeção fosse realizada por uma mulher, o que a Mesa não se sentia obrigada a cumprir. Em 1873, uma epidemia de varíola grassou no Asilo matando cinco asiladas e contagiando 72 das 119 meninas14. Neste mesmo ano faleceu Bárbara Maix e Madre Ana foi nomeada superiora, estabelecendo residência no Asilo em Niterói a fim de dirimir as oposições internas. No ano seguinte, ela destituiu a então superiora do Asilo e entrou em choque frontal com a Mesa Diretora que retomou o contrato para reafirmar que só a Diretoria poderia nomear ou destituir pessoas de cargos no Asilo. Não havendo um acordo, a Mesa Diretora pediu que a Madre Superiora se retirasse do local, o que ela fez no dia seguinte, levando consigo onze irmãs e deixando no asilo sete delas que estavam de acordo com a Mesa. Estas foram declaradas expulsas da Congregação pelo Bispo.
Certamente, esses embates entre Mesa Diretora e as duas superioras da Congregação pela nomeação das diretoras do Asilo referiam-se à condução pedagógica do estabelecimento, o que infelizmente as fontes não apresentam. Até aqui, as dificuldades se davam pela insistência de Bárbara em um tipo de educação que parecia ser um pouco dissonante daquilo que a sociedade tinha como alcance para a vida feminina, além de desejar que apenas senhoras examinassem a condução do Asilo. Mas outros eventos mexiam um pouco com a presença das religiosas no Asilo Santa Leopoldina: a “questão religiosa”, a ascensão dos ultramontanos no interior da Igreja no Brasil e conflitos ligados aos gabinetes liberais no Império e no governo da Província do Rio de Janeiro.
Após a saída da madre superiora e de onze irmãs, as dissidências no Asilo se prolongaram com parte das asiladas se rebelando contra a superiora mantida pela Mesa. Bortoluzzi (1996) apresenta um conjunto de documentos que noticiam a visita do Provedor e até mesmo da Mesa ao Asilo, com o intuito de fazer as jovens rebeladas obedecerem à superiora. No relatório do Barão de Laguna é possível observar que os castigos a essas jovens se faziam cada vez mais duros.
As cenas de desordem que tive a infelicidade de presenciar convosco, em que as meninas tomavam grande parte, obrigando-vos à extrema vigilância, a altivez e rancor que nelas germinavam, tomaram sérias proporções por ocasião do conflito entre as Congregadas. Longe de se mostrarem humildes, dóceis e obedientes, elas, pela maior parte, afrontaram os conselhos que recebiam e todos os dias recaiam nas mesmas faltas, o que nos obrigou a recorrer à prisão e ao isolamento para impedirmos tentativas de resistência que, ditadas por sua inexperiência, as conduziria ao abismo. (Bortoluzzi, 1996, p. 614).
Quatro das sete irmãs que ficaram no Asilo, incluindo aí a superiora, se retiraram pouco tempo depois. Uma publicação do Jornal do Recife15 trazia trechos de um relatório do Barão de Laguna, provedor da Irmandade mantenedora do Asilo, datado de 07 de fevereiro de 1875, sobre a demissão do capelão, Padre José Violim, e das irmãs do Imaculado Coração de Maria, ocorrido no dia 01 de junho de 1874:
Foi-me difícil acreditar que essas senhoras que deviam zelar a pureza de seus votos e a gravidade de sua posição, procederam tresloucadamente, zombando de quem sempre se distinguiu com respeito, e lhe confiar a guarda de tantas meninas, que não podiam ser deixadas ao abandono e ao acaso, e a quem levavam assim um pernicioso exemplo (Costa, 1875, p. 1).
Os trechos colhidos pelo Jornal do Recife criticavam duramente a instrução dada pelas irmãs e, à vista das compreensões acerca do trabalho das mesmas por outras fontes, chega a ser incoerente. Em um determinado trecho, contrastando com os “delitos” que supostamente as educandas aprendiam com o capelão, o relatório afirmava que, excetuando-se lavar e engomar, os demais serviços eram negligenciados, e acusava de omissão as irmãs para com as desvalidas: “de que eram conhecedoras completas as congregadas, que com elas poderiam repartir tais prendas, sem prejuízo do tempo e do ensino” (Costa, 1875, p.1).
A pouca atenção que mereciam as irmãs o adiantamento das asiladas revela-se claramente por fatos tristemente eloquentes. A asilada Jacintha Flavia do Nascimento, que esteve sete anos no asilo, donde saiu o ano passado casada, era completamente analfabeta. (!!!) (grifo do original.) À vista do reconhecido atraso intelectual em que se acham as educandas e no intuito de realizar os sábios e generosos desígnios do nosso compromisso, julgo imprescindível a designação de três inspetoras de ensino, cuja idoneidade seja reconhecida pela mesa. (Costa, 1875, p. 1).
O Apóstolo deu notícias sobre o Asilo até 1871. A última nota se referia à festa de São Vicente de Paulo e elogiava a instituição. Depois, só aparecem notícias do mesmo em 1876, sobre a extração de uma loteria e, em 1877, indicando o recebimento do relatório do Provedor do Asilo, Barão de Laguna que tomava posse para seu segundo período em tal função. Retomou em 1878 já com a descrição dos problemas que deram margem à demissão do referido barão, seguida da posse do Visconde de Abaeté e a contratação das Irmãs Vicentinas. Por esse tema, o nome do Asilo aparece em vários números do jornal naquele ano de 1878.
O embate político entre liberais e conservadores ficou visível em torno de 1878 quando, a partir da intervenção do presidente da Província, o liberal Barão de Prados e a intervenção do bispo ultramontano D. Pedro Maria de Lacerda, Conde de Santa Fé, deu ascensão ao Visconde de Abaeté na Provedoria da Irmandade de São Vicente e do Asilo Santa Leopoldina, introduzindo ali a administração das irmãs de São Vicente.
No relatório de abertura da Assembleia Provincial de 1878, o Visconde de Prados (Camilo Maria Ferreira Armond) não poupou elogios ao Barão de Laguna (Armond, 1878). Por isso, nota-se o cuidado com a literatura oficial, o que seria legado às gerações futuras quanto aos embates políticos.
Uma carta publicada sob pseudônimo no Jornal do Commercio, de 1874, chamava a atenção da administração provincial para a ação de certa “trindade” na mesa administrativa do asilo: “infelizmente faz parte dela o espírito mau encarnado em uma trindade, que, monopolizando em sua a administração, move-se tudo por um rego infernal, à sombra do qual a intriga a mais formidável põe tudo em anarquia” (A Coruja, 1874, p. 2. Grifo do original).
Sem declinar os nomes dessa trindade, a carta revela que um médico (chamado pelo missivista de “esculapino”) era diretor da “hierarquia parva e pretensiosa”, cuja mesa seria responsável pelo afastamento das “laboriosas irmãs da caridade”, administrando em causa própria16.
A Pátria, órgão crítico à política conservadora, publicou uma carta na qual se questionava o Barão de Laguna (Jesuíno Lamego da Costa) quanto a recusar que os membros da mesa diretora fossem fornecedores do asilo: “disse em mesa que era indecente serem fornecedores do asilo os próprios mesários, que ficam sendo juízes e fiscais de si mesmo, e avisando então não aceitaria propostas nestes termos” (Um Irmão, 1875, p. 3). Cerca de três anos depois, esse mesmo periódico dava notícia da nomeação do Visconde de Abaeté (Antônio Paulino Limpo de Abreu) para substituir o Barão de Laguna e mencionava que esse, “muito bem intencionado, encontrava embaraços na mesa vitalícia administrativa que tinha-se ali feito, à mercê das coisas que Vmc. sabe, e não achava o apoio e a confiança precisas lá por cima para empreender a reforma da administração daquela casa” (Icaraiense, 1878, p. 4). Termos que já utilizara antes para alertar o presidente da província, Visconde de Prados, da má escolha que tinha para um relatório sobre o estado higiênico dos estabelecimentos públicos da Província. Segundo o jornal, o Senador, Barão de Laguna, militar da marinha, demitiu-se por ser desrespeitado pelos médicos incumbidos de tal relatório, “tendo a tarefa de ferir principalmente o provedor” (O Sr Visconde, 1878, p. 3)17.
Um “ineditorial” em O Fluminense, em resposta a uma série de publicações do jornal liberal “A Reforma”, explicita com clareza a disputa entre Liberais e Conservadores em torno do Asilo Santa Leopoldina e acusa o Visconde de Prados, presidente da Província, de querer ferir o Barão de Laguna por ser expoente do Partido Conservador (Caros, 1878). No entanto, não há contradição em várias publicações, quanto ao estado higiênico do prédio e da educação das meninas. No aspecto educativo, destacou-se a falta de higiene que impedia a frequência satisfatória às aulas, tanto pela falta de banhos, como lavagem das roupas e ausência de calçados (Rocha; Rodrigues, 1878). Essas também são reclamações frequentes das irmãs em diversas cartas (Bortoluzzi, 1996).
O Apóstolo que não se manifestou durante o período em que o Asilo ficou entregue a senhoras da sociedade e professoras leigas, apresenta sucintamente sua versão para o ocorrido entre 1873 e 1878 no editorial da edição de 17 de julho de 1878, no qual afirma que visitou várias vezes aquela casa enquanto estava aos cuidados das irmãs do Imaculado Coração de Maria:
Apareceu depois quem pretendesse dar ao Asilo de Santa Leopoldina uma ´forma toda secular, banindo em grande parte as práticas religiosas, afrouxando a disciplina sobre pretexto de haver necessidade de facilitar o casamento das órfãs, e afinal expelindo as irmãs do Sagrado Coração, que foram vítimas de calúnias e injúrias, moeda com que se paga aos membros dos institutos religiosos, que se dedicam ao serviço da humanidade daí principiou a decadência do Asilo (O Apóstolo, 1878a, p. 1).
A vinda das Irmãs Vicentinas, destacadas em outro editorial de O Apóstolo, aconteceu após intervenção do bispo diocesano (O Apóstolo, 1878b; Armond, 1878), D. Pedro Maria de Lacerda, cuja formação lazarista junto ao Seminário de Mariana, certamente facilitou o acerto entre o presidente da Província, o Visconde de Prados, que também foi aluno lazarista no Caraça, o Visconde de Abaeté, provedor da Irmandade de São Vicente e as superioras da Congregação.
Considerações finais
Médicos e juristas, ao longo da segunda metade do século XIX, debateram a questão da infância desvalida, contribuindo para a reelaboração da política assistencial. A consecução do direito social, vai se estabelecendo no contexto da insuficiência da “caridade” em atender aos problemas sociais, por depender de uma tradição que não permitia uma continuidade dos aportes para a manutenção, de forma que o modelo de arrecadação estatal, atenderia melhor aos requisitos mais modernos de financiamento. Convivem, no entanto, esses dois modelos, uma vez que não há àquele tempo, uma obrigação do Estado.
O Asilo Santa Leopoldina parece-nos ser emblemático desta transição. As disputas entre a Mesa Diretora e a superiora da Congregação das Irmãs do Imaculado Coração de Maria não referem-se à mera substituição da regência do Asilo por esta ou aquela freira. Mas, sim, aos embates sobre quem orienta o tipo de educação ali ofertado. Isso se revela pelas disputas entre os estatutos da Mesa e as regras da Congregação.
A atuação direta de deputados, presidentes e vice-presidentes, além da elite política, especialmente os ligados ao Partido Conservador, nos permite pensar no Asilo como estratégia de uma política pública, embora ainda marcada pela visão da benemerência, ligada à tradição católica da caridade, incorporando novas vertentes introduzidas pela ideia de filantropia. Essa centralidade do Asilo na política pública, como instituição educativa e lugar de instrução, fica mais evidente quando cotejados os projetos de formação de professoras para a instrução pública provincial como é o caso da possibilidade da agregação da Escola Normal feminina.
A dinâmica do conflito em torno da visão do papel feminino na sociedade, especialmente das mulheres pobres, aparece na expectativa de formar uma professora ou para o serviço doméstico, como é o projeto da Congregação do Imaculado Coração de Maria e a proposta de formação de uma caixa de dotes para enviar as internas para o casamento.














