SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.28La asignatura escolar de química en la provincia de Santa Catarina: década de 1850PROCESOS DE FORMACIÓN EN SERVICIO EN EL CONTEXTO DE LA INNOVACIÓN PEDAGÓGICA: LA ACTUACIÓN DE PROFESORAS CAPIXABAS (1928-1937) índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Servicios Personalizados

Revista

Articulo

Compartir


História da Educação

versión impresa ISSN 1414-3518versión On-line ISSN 2236-3459

Hist. Educ. vol.28  Santa Maria  2024  Epub 31-Dic-2024

https://doi.org/10.1590/2236-3459/137671 

Artigo

Polícia mirim: a militarização de menores como projeto pedagógico para crianças e jovens em Palmeira dos Índios, Alagoas - Brasil (1980-1987)

Polícia mirim: la militarización de menores como proyecto pedagógico para niños y jóvenes en Palmeira dos Índios, Alagoas - Brazil (1980-1987)

Polícia mirim: The Militarization of Minors as a Pedagogical Project for Children and Young People in Palmeira dos Índios, Alagoas - Brazil (1980-1987)

Policia mirim : la militarisation des mineurs comme projet pedagogique pour les enfants et les jeunes a Palmeira dos Índios, Alagoas - Brazil (1980-1987)

José Cicero Pinto dos Santos1 

JOSÉ CICERO PINTO DOS SANTOS

é Doutorando em Ciências da Educação na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto.


http://orcid.org/0009-0006-1940-6635

Margarida Louro Felgueiras1 

MARGARIDA LOURO FELGUEIRAS

é Doutora em Ciências da Educação. Docente investigadora do CIIE - Centro de Investigação e Intervenção Educativas, Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto.


http://orcid.org/0000-0003-3989-2379

Elisabete Ferreira1 

ELISABETE FERREIRA

é Doutora em Ciências da Educação. Docente investigadora do CIIE - Centro de Investigação e Intervenção Educativas, Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto.


http://orcid.org/0000-0003-0079-3429

1Universidade do Porto, Porto, Portugal.


Resumo

Este estudo tem como objetivos: compreender o sentido e o significado que os atores atribuem a Fundação de Amparo ao Menor e perceber a importância da “Polícia Mirim”, enquanto projeto formativo, no percurso de vida desses atores e na história de vida da instituição. Do ponto de vista teórico-metodológico, optamos por uma abordagem fenomenológica interpretativa com base nos pressupostos da pesquisa histórica, qualitativa compreensiva tendo como técnica entrevistas individuais semiestruturadas e como método de apresentação de resultados a narrativa. Simultaneamente, servimo-nos do recurso ao relato (auto)biográfico, por meio das recordações das experiências e vivências como policial mirim na instituição, como revelador das relações (o capital social). Como resultados, o recurso ao relato autobiográfico mostrou ser um processo importante de autoformação, ao permitir a análise crítica dos processos vividos, no jogo de espelhos com a visão de todos os outros.

Palavras-chave: Polícia Mirim; FUNDANOR; Vivências Institucionais; (Auto)narrativa; Militarização de Crianças e Jovens como projeto formativo

Resumen

Este estudio tiene como objetivo comprender el sentido y el significado que los actores atribuyen a la Fundación de Amparo al Menor (Fundación de Apoyo al Menor) y comprender la importancia de la "Polícia Mirim" (Policía Joven), como proyecto de formación, en la vida de estos actores y en la historia de vida de la institución. Desde el punto de vista teórico-metodológico, optamos por un abordaje fenomenológico interpretativo basado en los presupuestos de la investigación histórica, un abordaje cualitativo comprensivo utilizando entrevistas individuales semiestructuradas como técnica y la narrativa como método de presentación de los resultados. Al mismo tiempo, utilizamos relatos (auto)biográficos, a través de recuerdos de experiencias como policía infantil en la institución, para revelar las relaciones (capital social). Como resultado, el uso de relatos autobiográficos resultó ser un importante proceso de autoeducación, ya que nos permitió analizar críticamente los procesos vividos, en un juego de espejos con la visión de los demás.

Palabras clave: Polícia Mirim; FUNDANOR; Experiencias Institucionales; (Auto)narrativa; Militarización Infantil y Juvenil como proyecto formativo

Abstract

This study aims to understand the meaning and significance that the actors attribute to the Fundação de Amparo ao Menor (Foundation for the Support of Minors) and to understand the importance of the "Polícia Mirim" (Young Police), as a training project, in the lives of these actors and in the life history of the institution. From a theoretical-methodological point of view, we opted for an interpretative phenomenological approach based on the assumptions of historical research, a comprehensive qualitative approach using semi-structured individual interviews as the technique and narrative as the method for presenting the results. At the same time, we used (auto)biographical accounts, through memories of experiences as a child police officer in the institution, to reveal relationships (social capital). As a result, the use of autobiographical accounts proved to be an important process of self-education, allowing for a critical analysis of the processes experienced, in a game of mirrors with everyone else's vision.

Keywords: Junior Police; FUNDANOR; Institutional Experiences; (Auto)narrative; Militarization of Children and Young People as a formative project

Résumé

Cette étude vise à comprendre le sens et la signification que les acteurs attribuent à la Fundação de Amparo ao Menor (Fondation pour le soutien aux mineurs) et à comprendre l'importance de la "Polícia Mirim" (Jeune police), en tant que projet de formation, dans la vie de ces acteurs et dans l'histoire de la vie de l'institution. D'un point de vue théorique et méthodologique, nous avons opté pour une approche phénoménologique interprétative basée sur les hypothèses de la recherche historique, une approche qualitative globale utilisant des entretiens individuels semi-structurés comme technique et la narration comme méthode de présentation des résultats. En même temps, nous avons utilisé des récits (auto)biographiques, à travers des souvenirs d'expériences en tant qu'enfant policier dans l'institution, pour révéler les relations (capital social). Par conséquent, l'utilisation de récits autobiographiques s'est avérée être un processus important d'auto-éducation, car elle nous a permis d'analyser de manière critique les processus que nous avons vécus, dans un jeu de miroir avec la vision de tous les autres.

Mots-clés: Polícia Mirim; FUNDANOR; Expériences institutionnelles; (Auto)narration; Militarisation des enfants et des jeunes en tant que projet formatif

Introdução

O artigo insere-se na problemática do atendimento às crianças em situação de rua, de vulnerabilidade extrema. A FUNDANOR, um trabalho que nasceu a partir da ação de uma professora aposentada, entre os anos de 1978 e 1980, na cidade de Palmeira dos Índios, no Nordeste brasileiro, se concretizou como instituição ainda na década de 1980 com a chegada de novos integrantes à equipe gestora, o apoio da sociedade civil e de autoridades governamentais.

Destacamos como objetivos principais do estudo a compreensão do significado e da importância da FUNDANOR no percurso de vida de educandos e educadores que compartilhavam os mesmos espaços institucionais. Dessa forma, no percurso metodológico, sendo este artigo um recorte de uma pesquisa mais ampla sobre as memórias de infância, optamos pela escolha de depoimentos por meio de entrevistas (semiestruturadas) de 4 ex-soldados mirins e 4 entrevistas a educadores, em busca dos significados para o contexto institucional desse período da vida da FUNDANOR.

A Polícia Mirim, nas palavras da professora Lourdes , criadora da Fundação de Amparo ao Menor (FUNDANOR1), nasceu e foi posta em prática por imposição do policial militar Manoel Pedro com apoio do seu superior, Capitão Luís Costa, no início de 1983. A equipe de dirigentes da instituição era contra a militarização de crianças e jovens como projeto educativo e/ou de ressocialização e inclusão dos meninos na sociedade palmeirense, pelo que esta iniciativa se impôs num contexto de forte poder militar e policial no Brasil e também em Palmeira dos Índios. Embora fosse contra a implementação da Polícia Mirim, a coordenadora e fundadora da instituição reconheceu a importância do trabalho na disciplinação dos meninos, ao afirmar que “depois da Polícia Mirim os meninos ficaram mais calmos”.

O trabalho rígido e rigoroso, embora admirado pela população e pelas autoridades locais, era constantemente questionado pela professora, por seu caráter punitivo e austero. Para a educadora, os meninos deveriam priorizar a aprendizagem de algum ofício, tais como artesanato , criação e cuidado de animais, atividades agrícolas ou música. Outra reclamação por parte de alguns membros da equipe era a forma violenta como alguns policiais mirins, sobretudo por parte daqueles que recebiam patente de cabo ou sargento, tratavam os demais soldados mirins. Alguns desses jovens “policiais mirins” se aproveitavam da posição que ocupavam, no regimento, para praticar violência física ou psicológica com os novos soldados ou com aqueles com os quais não tinham afinidade.

Le Goff (2014:33), diz que por meio da delimitação de períodos, o historiador pode formatar “uma concepção do tempo e simultaneamente oferecer uma imagem contínua e global do passado, que acabamos por chamar de história”. O que se pretende com este estudo, é traçar uma fotografia compreensiva de um passado sempre presente na memória e nas lembranças dos antigos moradores da Fundanor. A escolha do arco temporal de 1980 a 1986 se dá por representar dois momentos significativos na vida da instituição: o ano de 1980 corresponde ao surgimento, ao nascimento oficial da FUNDANOR, embora o trabalho tenha começado um pouco antes, na casa da professora Lourdes em 1978-1979, e 1986, ano em que acontece a inauguração da sede da instituição, que havia se mudado do Educandário Sete de Setembro2 para o Sítio do Mirim.Com a transição, o projeto Polícia Mirim foi caindo no esquecimento, esse fato motivado pela saída do policial militar da equipe de dirigentes da instituição.

O processo de construção desse estudo baseia-se na utilização do recurso a uma narrativa (auto)biográfica, uma metodologia defendida por autores (Nóvoa,1988; Ferraroti, 1988; Malpique, 2002; Josso, 2007; Abrahão, 2003) que defendem que ao narrar os acontecimentos de nossa vida pessoal e profissional, um processo nos leva ao encontro de significados dentro da nossa trajetória de vida, ou seja, esse olhar para o passado poderá, de alguma forma, colaborar na promoção do encontro consigo mesmo e provocar uma reflexão sobre a pessoa que somos hoje, na convivência com os outros.

No decorrer desse estudo, o leitor poderá perceber que muitas vezes, de maneira intencional, o autor3 faz uso da primeira pessoa do singular (eu) e outras vezes da primeira pessoa do plural (nós). No primeiro caso se dá quando está a falar das suas percepções, vivências e experiências institucionais e, no segundo caso quando se expressa como membro de uma comunidade de afeto (Halbwachs, 2003) e compartilha de uma visão coletiva sobre o projeto Polícia Mirim e o cotidiano da instituição.

De acordo com Josso (2007:431), o trabalho biográfico, autobiográfico e as práticas de reflexão sobre si, se apresentam como “laboratórios de compreensão de nossa aprendizagem do ofício de viver”. Por isso, a narrativa da vida para Josso (ibid) é certamente, “uma ficção baseada em fatos reais, e que essa narração ficcional permitirá, se a pessoa for capaz de correr tal risco, a invenção de um si autêntico”.

Todavia, salientamos que a partir dos anos 90, as histórias de vida e as narrativas pessoais de idosos, professores, operários ou de outros grupos profissionais adquiriram um espaço significativo no debate metodológico na educação e noutras ciências sociais. A história de vida pessoal sintetiza num caso particular um conjunto de acontecimentos coletivos, nacionais e mesmo internacionais, que foram vividos e interpretados em circunstâncias particulares e distintas.

Breve história da institucionalização de crianças e jovens no Brasil

Como internato a FUNDANOR faz parte do que Goffman (1974) denominou de “instituições totais”. Para Goffman o termo instituições totais é utilizado para se referir as instituições como espaços fechados, onde um determinado número de sujeitos vive em situação semelhante, são formalmente administrados e separados da sociedade. Segundo Felgueiras (2017), esse sistema de educação e ensino em instituições fechadas desenvolveu-se ao longo da Idade Média e perdura até a atualidade. Ou seja, trata-se de um sistema onde os indivíduos são submetidos a uma programação (Goffman, 1974), recebendo regras e instruções, sendo assim, moldados lentamente pelas ações rotineiras. A esse respeito, Felgueiras (2008:99) salienta que “a organização da vida das crianças e jovens em regime de internato [...] acaba por deixar a criança à mercê de si própria e de múltiplos poderes informais, obrigando-a a fazer gestão precoce de comportamentos e emoções”.

As primeiras instituições para educação de órfãos e órfãs datam do século XVIII e foram instaladas em várias cidades do Brasil pelas mãos dos jesuítas (Fachinetto, 2009), em sistema asilar. As práticas religiosas e o restrito contato com o mundo exterior eram características fundamentais dos colégios para meninos, sendo que para as meninas a clausura era imposta com mais rigor (Rizzini e Rizzini, 2004:24).

Segundo Rizzini e Rizzini (2004), as instituições para educação de meninos surgiram no Brasil colonial com a ação educacional jesuítica, que implantou escolas elementares (de ler, escrever e contar) para crianças pequenas das aldeias indígenas. Essas autoras também salientam que uma modalidade de atendimento a bebês abandonados foi o sistema das “Rodas de Expostos4”, surgido no período colonial no Brasil, por iniciativa da Santa Casa de Misericórdia e somente extinta na República (idem). Até o século XIX outras Rodas de Expostos surgiram no Brasil, tendo o sistema persistido até as primeiras décadas do século XX (Marcílio, 1998:52).

De acordo com Fachinetto (2009:25), durante o Império, “já sob os auspícios de um Brasil livre de Portugal (1822)”, o país começava a tomar novos rumos em relação a educação do povo e as casas de acolhimento de crianças pobres começaram a sofrer influência, notadamente quanto à secularização da educação religiosa, que deixou de ter um papel central das instituições de atendimento (ibid.).

Por outro lado, com o reinado de Dom Pedro II, chega ao final um obscuro período das mais absurdas atrocidades penais praticadas contra a infância, já que com a edição do Texto Constitucional de 1824 e do Código Criminal de 1830, que, em termos históricos, revelou-se um grande avanço, foi limitada a responsabilidade penal e a aplicação das sanções apenas para os maiores de catorze anos (Fachineto, 2009:25-26).

Fachinetto (2009) ressalta que enquanto o Império mantinha as instituições de caráter educativo, a assistência dedicada às crianças órfãs e expostas foi alicerçada a partir de aliança com entidades privadas de cunho religioso e caritativo, muitas vezes mantidas pela igreja, que ficavam responsáveis pela administração e edificação das instituições e de asilos, com recursos provenientes dos cofres públicos do Império.

Os primórdios da República foram marcados por discursos sobre a transformação do país, com a ideia de remediar/curar os males existentes na nação. Com isso, segundo Rizzini (2011:1075), o termo “sanar”, extraindo da medicina, era com frequência utilizado no sentido de curar os males de cunho moral, geralmente associados às pessoas consideradas inferiores (aos desvalidos). Fachinetto (2009:29) afirma que os primeiros anos da República, com base no movimento higienista, foram marcados por grande preocupação com o rumo que a delinquência juvenil estava tomando, “em face da estreita relação que se fazia entre infância pobre e criminalidade”. Por isso, continuava-se pensando que retirar os meninos das ruas deveria ser uma “ação social de ordem política e ainda aceitavam o princípio do recolhimento desses meninos em instituições fechadas” (Leite, 2009:24). Dessa forma, a edição do Código Penal de 1890 veio dar respaldo jurídico à repressão e à segregação de crianças e jovens de origem popular (Fachinetto, 2009).

Consoante Rizzini e Rizzini (2004), até meados do século XX, os asilos para meninas mantinham o sistema de clausura e as internas não poderiam ter contato com o mundo exterior. O controle sobre a sexualidade das meninas foi intensamente exercido nos asilos, inclusive no século XX, quando foram criados os órgãos nacionais de assistência, como o Serviço de Assistência ao Menor6 (SAM), em 1941, e a Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (FUNABEM), em 1964.

O SAM fazia parte do Ministério da Justiça e tinha como objetivo principal organizar e normatizar os diversos educandários, internatos e instituições que desenvolviam ações com os menores no país. Com o fim do SAM foi criada a FUNABEM7, uma instituição nascida como uma entidade autônoma, administrativa e financeiramente, com jurisdição em todo o território nacional. A FUNABEM foi responsável pela implementação, em todos os Estados, das Fundações Estaduais (Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor-FEBEM).

A década de 1980 foi marcada pelo início da abertura democrática no país e a cultura da institucionalização da FUNABEM começou a ser questionada. As reivindicações populares, estudos sobre as consequências da institucionalização, o interesse por profissionais de várias áreas do conhecimento pela temática do menor abandonado, protestos realizados por ex-internos, e também denúncias e depoimentos publicados na imprensa e em livros (Rizzini e Rizzini, 2004), foram alguns dos fatores que levaram o governo a pensar novas políticas para a proteção das crianças e dos adolescentes.

Em relação às políticas destinadas à infância pobre e vulnerável podemos destacar, como aponta Marcílio (2019), a constituição do Serviço de Assistência e de Proteção à Infância, fundado em 1921, o Conselho de Assistência e Proteção aos Menores, em 1924, no Rio de Janeiro, e aprovação do Código de Menores de 1927, reformulado em 1979, o que representou uma preocupação voltada à infância desamparada que carecia assistência, amparo e proteção. Todavia, conforme Marcílio (2019:223), “o discurso da assistência aos menores e desvalidos e o Código de Menores definiram um novo projeto jurídico e institucional para os menores”, onde um juiz deveria decidir o que era melhor para o menor, por meio de assistência ou vigilância (Faleiros, 2011).

Essa legislação “menorista” (Rizzini e Rizzini: 2004:41), só serviu para reforçar a ideia de que as famílias pobres eram incapazes de educar os próprios filhos e que não trazia quaisquer direitos para as crianças e adolescentes. Ainda de acordo com essas autoras (2004, p. 45), 1980 foi uma década marcada por fervorosos debates e articulações por todo o Brasil e que trouxe como resultados avanços relevantes, que culminou com a aprovação do Estatuto de Criança e do Adolescente em 1990, quando a criança passou a ser percebida como sujeito de direito e as políticas públicas de Assistência Social foram importantes para que esses direitos fossem atendidos e respeitados.

Nesse contexto, a contribuição de Paulo Freire (1989), no estudo “Educadores de rua: uma abordagem crítica, alternativas de atendimento aos meninos de rua”, realizado na década de 1980 como apoio do UNICEF, por meio do Programa Regional do Menino Abandona e de Rua, buscava a elaboração de iniciativas de apoio aos governos, a igreja, as instituições privadas e a sociedade por meio de afirmação de políticas e conscientização para resgate e proteção dessa camada da população brasileira.

Do “sem ter” à Fundação de Amparo ao Menor - FUNDANOR: a gênese da instituição

Quando era 6h da tarde eu ouvi o barulho do portãozinho. Então , dei a volta por trás da casa e parei no portão da frente e comecei: “moleques safados, ladrão sem vergonha, trombadinhas”. . Só disse palavrões e coisas feias com os dois meninos que ficaram acuados no pé do muro. lá. Eu disse: vocês não têm o que fazer, a vida é perturbar o povo. Eu tou pagando uma nota. . Ai eu disse: vocês em vez de estarem em casa jantando. Quando eu disse jantando, eu mesma nem terminei a palavra jantando, porque eu tenho um respeito muito grande por esse momento. O jantar é a hora que chega papai, mamãe, os irmãos, é a hora da fraternidade, é hora do alimento físico, é hora do alimento social, quem tem sua história pra contar. Eu fiquei atrapalhada quando eu disse em vez de estarem em casa jantando e eles responderam: “sem ter”. Enquanto eu conversava com os meninos, pensava em coloca-los na escola, fazer alguma coisa por eles. Ofereci uma sopinha, que comeram gulosamente. Na saída convidei-os para virem no dia seguinte, só os dois. Até ai, eu estava pensando em fazer alguma coisa pelos dois (Lourdes, entrevista realizada em 2021).

O trecho acima, extraído de uma entrevista com a professora Lourdes em janeiro de 2021, sintetiza o encontro dela com dois meninos (no ano de 1978), que brincavam no jardim de sua casa. Preocupada com a situação das duas crianças ela decidiu que iria ajudar os meninos a mudarem de vida e encaminhá-los para uma escola. O que ela não sabia era que ao permitir que aqueles dois meninos passassem a frequentar a sua residência, em busca de alimento, um número cada vez maior de meninos começaria a procurar a casa da educadora para se alimentarem. De 1978 a 1980 a professora contou com a caridade de amigos e vizinhos para seguir alimentando os meninos.

Ainda no ano de 1980, com o apoio de amigos e da igreja, a professora começou a propagar sobre o trabalho que ela vinha desenvolvendo por conta própria com os meninos na sua casa, que além de servir para alertar a comunidade e as autoridades sobre a situação dos meninos de rua no município, ela desejava contar com a ajuda de outras pessoas para que o trabalho pudesse continuar, mesmo que na informalidade. Em março de 1980 ao proferir uma aula para cursilhistas , no Centro de Treinamento Pio XII, na Diocese da Palmeira dos Índios resultou na chegada de José e Ivonete para acompanharem a educadora na jornada e na luta para garantir melhores condições para a infância pobre e desassistida de Palmeira dos Índios. No mesmo ano, Manoel Pedro, um policial militar, apareceu para compor também o grupo de dirigentes de uma instituição que começava a nascer.

Com um quadro formado e já com algumas atividades recreativas a acontecerem na casa da professora, era preciso levar ao conhecimento da população e das autoridades municipais com a finalidade de tornar visível a atividade que vinha acontecendo na informalidade. A ideia de um projeto chamado de “Movimento de Recuperação de Menores de Palmeira dos Índios”, primeiro nome não oficial da instituição, foi apresentada ao bispo diocesano Dom Epaminondas , ao vigário da catedral, Padre Alexandre, ao prefeito da cidade, José Helenildo e ao juiz de menores da Comarca de Palmeira dos Índios. Assim, a casa8 da professora tornou-se a primeira sede da fundação. O nome Fundação de Amparo ao Menor - FUNDANOR foi sugerido pelo escritor palmeirense9 Luiz B. Torres, amigo da professora , como também é dele a criação do primeiro estatuto da instituição no ano de 198410. Todavia, a FUNDANOR foi oficialmente fundada no dia 12 de outubro de 1980, tendo como o primeiro presidente Manoel Pedro, idealizador do projeto Polícia Mirim.

De 1980 a meados de 1983, sem sede própria, a instituição passou a utilizar as dependências do salão paroquial Dom Bosco como ponto de apoio para os meninos realizarem as refeições diárias. Passando também um período (1983) no edifício da Sociedade São Vicente de Paulo e no início de 1984 ocorreu a mudança para o Educandário Sete de Setembro, um edifício escolar privado, desativado, e que pertencia ao empresário J. Ferreira (Figura 1). O Educandário, talvez se configure o edifício mais emblemático e mais marcante na vida da Polícia Mirim: pela sua importância histórica para o município de Palmeira dos Índios, pelos vínculos afetivos que os policiais mirins criaram dentro desse contexto ou pela rigidez exigida durante o processo de formação militar, direcionada aos corpos dos pequenos soldados.

Fonte: Academia Palmeirense de Letras, Ciências e Arte

Figura 1 Prédio do Educandário Sete de Setembro - 1944 

O projeto Polícia Mirim: “Vou criar a Polícia Mirim, não quero nem saber11

Dentro do espaço institucional as concepções educativas giravam em torno da religião e do trabalho. Primeiro era preciso educar o espírito, a alma. E depois era preciso se envolver com alguma tarefa, aprender um ofício, manter o corpo ocupado. . Para o recém presidente, Manuel Pedro, cabia aos jovens com mais idade (e que já haviam passado pela formação militar), a reprodução do treinamento militar aos recém-chegados.

O projeto Polícia Mirim pode ser compreendido de formas distintas e de diferentes perspectivas, segundo os grupos intervenientes ou dele beneficiários: por quem criou o referido projeto (o policial militar), pelos adultos, que seguiram com a sua execução sem questionarem a maneira como os meninos eram tratados; pelos meninos que sentiram, se apropriaram e reproduziram o projeto como algo que fazia parte de um processo educativo, e também pela sociedade, que viu no projeto uma forma de garantir a paz e o sossego nas ruas da cidade.

O trecho apresentado a seguir (Figura 2), narrado pela professora Lourdes e publicado por uma gráfica local em 1987, para promover a instituição, com o título: “Breve história de uma professora e seus meninos”, retrata bem o cenário que o militar encontrou na casa da educadora e suas motivações para criação e implementação de um projeto cujo objetivo era disciplinar os meninos.

Figura 2  Excerto retirado de um livreto intitulado: “Breve história de uma professora e seus meninos - 1987”.12  

A ideia veio porque a gente conversou lá com a Lourdes e tinha aparecido muitos meninos, acho que uns trinta meninos ou mais, aí comecei a pensar que isso não ia dar certo: “dá comida aos meninos sem dá uma disciplina, isso não dar certo não”. Eram muitos palavrões e os meus meninos também andavam lá, até a minha menina. Aí eu pensei: “sabe de uma coisa, eu como militar né, vou criar uma guardinha mirim”. Era preciso ensinar noções de trânsito e as atividades militares e eu ensinei mesmo, graças a Deus. Aí quando eu me dei conta já tinha cem meninos (Manoel Pedro, trecho da entrevista realizada em janeiro de 2022).

Como se pode constatar, na narrativa construída pelo militar, sobre a criação da Polícia Mirim foi motivada pelo cenário encontrado por ele, em visita à casa da professora, e porque também se tratava de um ambiente que passou a ser frequentado pelos filhos dele. Assim, para o policial, a disciplina militar foi a pedagogia encontrada e imposta para sanar o problema, uma vez que não era aceitável que os seus filhos estivessem em um lugar sem disciplina. Ou seja, para esses meninos era preciso encontrar a “cura reeducativa” (Martins, 2014:147).

A ideia de uma pedagogia de correção e disciplina em ambientes educativos, de internatos, até início do século XX se apresentava rígida e controlada por regulamentos internos. Segundo Martins (2014) tal disciplina e ordem dentro das instituições, compreendida como projeto educativo tinha como finalidade despertar o interesse pelos afazeres e obrigações diárias, estimulando nos educandos um sentimento de responsabilidade. Ou seja, “no internato os/as educandos/as estão o tempo todo das suas vidas à mercê do projeto educativo de quem os/as dirige” (Felgueiras, 2017:4).

Como projeto disciplinar, a Polícia Mirim faz parte de um universo estudado por Michel Foucault sobre poder e disciplina em instituições como quartéis, fábricas, prisões, hospitais psiquiátricos e escolas. Para o autor (2008:121), “a disciplina procede em primeiro lugar à distribuição dos indivíduos no espaço”, uma vez que por meio dessa localização, da organização dos horários, das escalas, da hierarquia, essas instituições acabam por desenvolver, nos internos, comportamentos estabelecidos, homogêneos e facilmente identificáveis. Nesse contexto, para maior compreensão do significado da Polícia Mirim, podemos classificar a instituição como “quartel e prisão”: quartel porque os meninos eram condicionados a seguirem toda e qualquer ordem sem questionamentos e sem conhecer as finalidades das ações dirigidas a eles; prisão porque dentro da instituição existia um espaço reservado para os soldados que não seguissem ou desrespeitassem as determinações impostas . O erro era combatido com a detenção do policial mirim, como salienta o militar ao afirmar: “com a disciplina eu consegui fazer com que eles obedecessem. Se brigassem eu dizia que ia ficar detido e não ia pra casa”. Ele ainda acrescenta que:

Tinha que controlá-los. A disciplina militar controla tudo. Eles eram danados, mas foram disciplinados. Lourdes se mordia13 comigo e depois que eu saí de lá ela acabou com a Polícia Mirim, porque os meninos eram criados naquela disciplina. Quando eles estavam em forma e tinha uma pessoa comandando, ninguém podia chegar e mandar sair. Tinha que pedir permissão, e com isso ela se irritava. . Não gostava. Ela não podia passar por cima de quem estava comandando. Ele tinha que pedir permissão à pessoa (ao menino) que estava comandando. . Existia disciplina. Existia hierarquia (Manoel Pedro, trecho da entrevista com o militar, 2022).

O trecho narrado por ele também faz referência às diversas vezes que a professora precisou falar com algum menino durante o treinamento e tinha que pedir permissão ao comando da turma, geralmente outro menino (cabo ou sargento), que controlava os demais. Esse controle era seguido, muitas vezes, de ações violentas e, por essa razão, o projeto passou a ser questionado pela educadora em relação à sua eficácia e ao fato dos cabos e sargentos possuírem um poder maior sobre os demais soldados mirins.

Consoante Foucault (2008:149), “a disciplina traz consigo uma maneira específica de punir”, como quando o militar afirma que “Tinha que controlá-los. A disciplina militar controla tudo. Se não obedecesse ficava detido” (grifo nosso); são expressões que eram usadas com uma intenção clara: tornar aqueles meninos brutos, rústicos e mal educados, em pessoas dóceis e frágeis, possíveis de serem manipuladas. De acordo com Felgueiras (2008:403), esse tipo de instituição utiliza-se de “dispositivos, tecnologia, disciplinas que possibilitam a prática desta relação de poder”. Caso da FUNDANOR, que por meio da Polícia Mirim, demonstrou um exercício de poder e de dispositivos que serviram de instrumentos para alcançar seus objetivos. Trata-se de um projeto utilizado não somente para dominar os internos, mas com a finalidade de aumentar a utilidade dos indivíduos, criando neles hábitos, pelo modelar de seus comportamentos e condutas (Felgueiras, ibid).

Como projeto formativo, a educadora reconheceu que como ação inicial, a Polícia Mirim foi relevante no processo disciplinar e na transformação dos meninos. Para ela, o problema estava na relação de poder entre os meninos, que recebiam patente de cabo ou sargento com os outros soldados mirins e com as pessoas da equipe gestora da instituição. Por isso, ela discorre que:

A Polícia Mirim foi uma coisa maravilhosa para o alicerce da FUNDANOR. Os meninos se comportavam bem. Agora tinha esse negócio dos meninos se tornarem cabo, sargento, sei lá o quê. Esses eram bravos e batiam nos outros. Eu falava e eles diziam era porque ele não marchava direito, não fazia as coisas direito, era assim, houve um abuso por parte destes tenentes [ quis dizer por parte dos cabos e sargentos mirins ] (entrevista professora Lourdes, 2021).

Outros adultos da equipe da instituição também validaram a Polícia Mirim, como projeto disciplinar, como é o caso de um professor , que ao falar sobre o referido projeto, afirma que este foi importante na educação dos meninos, uma vez que no início a instituição carecia de outras atividades formativas para os educandos. Dessa forma a:

Polícia Mirim foi a menina dos olhos da FUNDANOR. O menino não tinha ocupação nenhuma. Só tinha aquela educação rígida de dona Lourdes e a Polícia Mirim chegou botando ordem, disciplina militar, botando os meninos pra obedecer e começaram e entender a hierarquia, que o cabo mandava no soldado, que o sargento mandava no cabo e no soldado. Então, ela [a Polícia Mirim] teve uma importância muito grande nessa função, na função de educar e disciplinar os meninos, foi a melhor forma que se houve até então, foi a Polícia Mirim (grifo nosso) (entrevista professor de artesanato, 2021).

Como se percebe por meio das narrativas apresentadas pelos adultos que faziam parte de equipe responsável por zelar, cuidar, educar e formar os meninos, o projeto Polícia Mirim não era questionado porque se mostrava eficiente para tornar os corpos dos policias mirins dóceis e possíveis de manipulação (Foucault, 2008). Além de serem modificados pelas regras, horários, rotinas e tarefas na instituição, os policiais mirins também serviam a sociedade por meio de acordos estabelecidos com algumas entidades. Realizavam patrulhas diárias e faziam trabalho de vigilância nos estabelecimentos comerciais.

Era um regime militar. . Era uma coisa organizada, com muita disciplina. Isso também organizava os meninos, como pessoas, e também a sociedade. Porque os meninos agiam como tal, como militares e se sentiam orgulhosos por estarem desempenhando aquele papel. Acho que foi um trabalho de grade relevância para o município de Palmeira dos Índios. Os meninos da Polícia Mirim também se sentiam orgulhosos por serem policiais. Tanto a gente que trabalhava ali, quanto a sociedade percebeu que o trabalho da Polícia Mirim era importante. Não tinha mais roubo nas feiras e nem os carroceiros levavam as compras (Maria Lúcia, professora na instituição, trecho da entrevista ocorrida em julho de 2022).

Dessa forma os meninos da Polícia Mirim não eram vistos como meninos da FUNDANOR e nem eram discriminados. Como pequenos soldados eram respeitados e temidos pela população infanto-juvenil de Palmeira dos Índios.

“Eu me sentia bem lá na Polícia Mirim”: entrada na instituição

Nas fontes14 consultadas para construção deste estudo o que encontramos em relação à entrada de meninos, no arco temporal informado, era que muitas vezes esses jovens chegavam à instituição por intermédio do Ministério Público Estadual, da delegacia de polícia local, acompanhados dos pais, alguns chegavam sozinhos ou em grupo e outros, que eram presos pela Polícia Mirim e acabavam por ficar na instituição, por encontrar ali comida e abrigo. Nem sempre os meninos eram de famílias pobres e desassistidas. Na década de 1980 o projeto Polícia Mirim havia se tornado referência no processo educativo da população infantil da cidade e, por conta disso, muitos pais, de outras classes sociais e econômicas (militares, professores, agricultores e pequenos comerciantes) encarregavam à instituição a formação (militar) inicial de seus filhos.

Quando eu cheguei lá a primeira coisa que me fizeram foi dá um banho. Me deram um banho. Eu só vivia sujo e não queria tomar banho de jeito nenhum. Eu tinha até medo de banho. Ai, depois do banho me pagaram pra raspar a cabeça. . Raspava com uma máquina engraçada que nem deve existir hoje. Acho que nem existem mais essas máquinas. Depois de rasparem o meu cabelo ganhei umas roupas e fiquei por ali. Acho que foi a partir desse momento que eu passei a entender um pouco sobre educação, cara (Mário, 2021).

Todos os meninos que chegavam à instituição passavam pelo processo relatado acima. Algumas explicações sobre o funcionamento da casa, raspava a cabeça, banho e início dos treinamentos militares, com atividade física duas vezes por semana. Outro policial mirim relata que se sentia útil na instituição, que além de aprender um oficio militar tinha que realizar outras atividades.

Rapaz, quando eu cheguei à FUNDANOR, a verdade é que eu gostei né? Gostei porque eu me sentia melhor lá. Porque também tinham aquelas atividades que a gente fazia lá, tipo o que eu fazia lá quando cheguei e depois se mudou pra Vila Nova (O Sítio do Mirim) e eu comecei a trabalhar na horta (Pedro, 2021).

O se sentir melhor lá, na instituição, é reflexo das dificuldades e da pobreza na qual a família vivia. Filho de mãe abandonada pelo marido e com dificuldade para prover o sustento dos filhos, a mãe se vê obrigada a recorrer à FUNDANOR para alimentar os filhos. Esses filhos, por outro lado, acabam por aceitar as condições impostas pela instituição para não viverem nas ruas.

Na época tinha a Polícia Mirim, né? Eu vivia com a minha mãe ai surgiu essa Polícia Mirim , ai a minha mãe decidiu botar a gente lá, né? Na época do seu Pedro. Antigamente era ali no comércio, onde hoje é o São Bernardo Hotel. Que era uma escola antigamente (Jonas, 2021).

Como outros entrevistados, ele se recorda da figura do policial militar criador do projeto da Polícia Mirim e da localização do Educandário Sete de Setembro. O edifício hoje permanece vivo apenas na memória dos antigos moradores. No local hoje se encontra o maior hotel da cidade: o Hotel São Bernardo.

Cheguei ao contexto da fundação, não por acaso, mas por imposição dos meus responsáveis que acharam que eu precisava de um lugar assim para ser corrigido. Depois de algumas fugas de casa para escapar das agressões físicas e psicológicas por parte da má(drasta) e depois de experienciar a vida nas ruas, acabei na recepção da FUNDANOR, junto com os meus irmãos. Recordo-me que:

A mulher que nos recebeu, perguntou se estávamos com fome e pediu para sentarmos num banco de madeira que ficava numa sala que perecia um tipo de recepção. A mulher disse ao meu pai que as crianças não eram obrigadas a ficarem na “polícia mirim”, só seriam aceitas na instituição, se fosse da vontade delas. Naquele momento eu senti que a instituição seria a maneira de quebrar a maldição de não chegar aos 18 anos de idade. Expressão muito usada por boa parte de sociedade quando se falava dos meninos de rua. E alguns realmente não chegaram. Fiquei. Dona Lourdes chamou um garoto, de nome Cícero, e pediu para ele raspar a minha cabeça. Ele vestia um uniforme creme, com uma boina na cabeça e calçava um tênis azul, era uma “conga15”,: “Um policial mirim”. Depois de um banho recebi um uniforme verde (Carlos, 2020).

Os meninos chegavam de várias partes da cidade e também de outros municípios alagoanos, com histórias e trajetórias diferentes. Os que ficavam eram submetidos aos treinamentos militares e à formação religiosa e, os não alfabetizados deveriam frequentar a escola noturna, no Colégio Sagrada Família.

O Quadro 1 exemplifica melhor o quantitativo e a situação dos meninos entre os anos de 1980 a 198616.

Quadro 1 -  Educandos inscritos na instituição entre os anos de 1980 e 1986 

Ano Quantidade Meninos Faixa etária Escolarização Alfabetizados/ não alfabetizados Situação/Obs. Acolhidos na casa da prof./ só estavam durante o dia
1980 76 9 a 17 anos Não havia informações sobre a escolarização dos meninos nas fichas consultadas no período indicado. Alguns meninos procuravam a casa da professora em busca de alimento.
1981 85 10 a 17 anos Não havia informações sobre a escolarização dos meninos nas fichas consultadas no período indicado. Já existia alguma atividade recreativa com os meninos na rua
1982 131 9 a 17 anos 76 alfabetizados (1º a 5ª série) 55 não alfabetizados Alguns meninos vindos de outras regiões ou sem vínculo familiar, passaram a morar na casa da professora. O treinamento militar já havia começado.
1983 135 11 a 17 anos 97 alfabetizados (de 1ª a 5ª série) 38 não alfabetizados As crianças da instituição são convidadas a passar um período na sede da Sociedade São Vicente de Paulo.
1984 145 11 a 17 anos 92 alfabetizados 29 não alfabetizados 24 meninos sem informações escolares Ocorre a mudança para o Educandário Sete de Setembro e os meninos passam a trabalhar nas casas comerciais.
1985 142 10 a 17 anos 91 alfabetizados (de 1ª a 6ª série) 26 não alfabetizados 25 sem informações escolares Mudança para o Sítio do Mirim
1986 116 11 a 16 anos 85 alfabetizados (2ª a 7ª série). 31 não alfabetizados O projeto Polícia Mirim já não era tão marcante nesse contexto. Neste ano policial Manoel Pedro renuncia ao posto de presidente da instituição.
TOTAL 871*17 9 a 17 anos 441 alfabetizados 171 não alfabetizados 259 sem informações escolares 25 a 30 meninos dormiam na casa da educadora.

Fonte: Elaboração própria a partir das fontes consultadas.

Filhos sem pais ou crianças sem oportunidades? População atendida pela instituição

De acordo com Capítulo I do Art. 02 do estatuto da FUNDANOR, aprovado em assembleia geral realizada no dia 25 de abril de 1984, a instituição seria uma

Sociedade de caráter filantrópico, sem fins lucrativos, tem como finalidade à assistência e amparo ao menor carente, oferecendo-lhe: a) formação profissional; b) formação educacional; c) formação religiosa; d) formação musical; e) formação doméstica.

Além do que preconizava o estatuto, era função da fundação prestar assistência médica, odontológica, educacional, nutricional, cultural, jurídica e de esporte e lazer às comunidades carentes, especialmente de Palmeira dos Índios. Ou seja, o sentido humanitário da instituição destinava-se a formação profissional e educativa de crianças e jovens, primeiramente do sexo masculino e, por volta de 1997 também do sexo feminino.

Desde o surgimento da FUNDANOR (Figura 3), ainda com as primeiras ações destinadas à população juvenil na casa da professora em 1979, até o ano de 1986, apenas meninos faziam parte do contexto dessa instituição, que tinha como projeto formativo principal a Polícia Mirim. Muitos jovens chegavam à instituição com graves problemas familiares ou oriundos de outros municípios e, como a instituição não tinha sido idealizada para funcionar como internato, a casa da educadora passou a ocupar essa finalidade.

Fonte: arquivo pessoal.

Figura 3 - População atendida pela FUNDANOR entre os anos de 1980-1986.  

Pode-se dizer que de maneira geral a população que recorria aos serviços da Fundanor era identificada e/ou caracterizada como: Policial Mirim, Carroceiro, Menor Trabalhador e Feirista. O Quadro 2 apresenta, de maneira mais clara, a população que circulava no contexto da casa.

Quadro 2 -  População atendida pela FUNDANOR (1980-1986) 

População que recorria à instituição 1980-1986
Tipologia/Profissão/formação Idade Descrição/atividade
Soldado Mirim 9 a 17 anos Meninos que passavam pela formação militar e tinham obrigação de comparecerem à instituição todos os dias. Trabalham nas ruas para manter a ordem nas feiras e casas comerciais.
Carroceiro18 11 a 18 anos Meninos cadastrados pela instituição e que utilizavam um carro de mão (carroça) para o transporte de feiras e mercadoria das pessoas. Nos dias de feira tinha obrigação de comparecer à instituição e participar dos eventos da casa.
Menor Trabalhador 10 a 17 anos Menores (apenas meninos) que exerciam alguma atividade para ajudar no sustento da casa, fora do horário escolar.
Feirista 9 a 17 anos Meninos que trabalhavam (geralmente com pais ou algum familiar) nos dias de feira.

Fonte: Elaboração própria a partir das fontes consultadas.

Eu (nós) policiais mirins: o “ser criança” e o “ser militar”

Como policial mirim eu me senti visto. As pessoas olhavam pra mim. Me sentia importante (Antônio, 2022)

Figura 4: Treinamento militar. Os primeiros policiais mirins. Foto de 1984. Arquivo da professora 

Um policial mirim em formação

Para se perceber o significado e a importância que os atores (educandos e educadores) atribuem a militarização de crianças e jovens como projeto pedagógico, é preciso direcionar o nosso olhar para as narrativas de alguns dos que passaram pela formação militar e se tornaram policiais mirins, para se perceber como eles se sentiam em relação à Polícia Mirim e às relações de poder no espaço institucional. Lugar onde o ser criança e o ser militar se juntavam em uma única identidade: policial mirim. Tal identidade militar dava aos meninos a sensação de empoderamento em um contexto social onde a criança pobre era percebida como um problema para a sociedade.

Uma passagem que ilustra esse empoderamento ou, a reprodução do contexto institucional, é o caso do Mário que com a ajuda de outros pequenos militares decidiu agir por conta própria e recolher um menino que andava a mendigar e a cometer pequenos furtos nas feiras da cidade.

[...] uma vez eu chamei uns colegas pra gente ir pegar um moleque, o Cabeção. Só sei que alguém ligou pro seu Pedro e disse que tinha um grupo da Mirim prendendo os meninos na rua, sem autorização. Tava o cabo Coqueiro e uns dez mirins pra pegar o cabeção que era um maloqueiro danado. Sei que a gente levouele pra Mirim e dona Lourdes ficou braba com nós e nos obrigou a pedir desculpa por aquela situação toda (Mário, 2022).

Outra passagem que oferece ao leitor uma visão mais ampla e descritiva tanto do cotidiano da FUNDANOR quanto do processo formativo por meio da Polícia Mirim é o caso do jovem Carlos, encaminhado à instituição após um período vivendo nas ruas do município. A esse respeito, o educando relata que:

A dona Lourdes cabia o acompanhamento escolar, o ensino dos hinos oficiais militares e patrióticos: hino nacional, , hino do soldado, hino do exército,e muitos outros. Era também função dela o ensino religioso, que incluía cânticos, orações e acompanhar os meninos nas missas. Ao senhor Pedro competia às orientações militares e os treinamentos físicos. Os meninos que já eram soldados, após as atividades com a dona Lourdes, eram encaminhados às ruas, para uma espécie de ronda diária, alguns seguiam para o Sítio do Mirim, estes já estavam inseridos em atividades agrícolas e pecuárias e, os outros meninos, os mocorongos19, ficavam para aprender marchas e comandos militares, atividade monitorada por dois ou três meninos que já tinham patentes de “cabo ou sargento” mirim. Sempre que alguém errava era castigo de alguma forma. . Em pouco tempo eu já estava vestindo o uniforme creme, fazendo rondas pela cidade e garantindo a segurança em algum estabelecimento comercial (Carlos, 2022).

Percebe-se, então, que para se tornar um policial mirim era preciso passar por algumas etapas, onde ser criança ia dando lugar ao ser militar. Para o “ser” militar era preciso abandonar costumes, hábitos e brincadeiras do mundo exterior aos muros da instituição. Nesse processo, o ser criança dava lugar a um corpo rígido e moldado pelas regras institucionais. As fragilidades trazidas pelas crianças e jovens deveriam ficar para trás e um novo ser, útil a si e aos outros, deveria nascer e se tornar obediente. Mesmo que para isso fosse necessário abdicar da própria liberdade, como relata o educando:

Viver na rua me dava o prazer de ser livre. Eu tinha essa sensação de liberdade. Fazer minhas escolhas e tomar minhas decisões. Tinha minhas preocupações, minhas angústias, meus medos e meus sonhos. Perder a liberdade, para alguém acostumado a seguir suas próprias regras, foi uma das coisas mais difíceis naquele momento da minha vida. Como eu sempre tive muito medo da polícia, seguir as regras militares não foi um problema, o medo me conduziu muito bem. O medo acabou engolindo a minha liberdade e me fez perceber as diversas táticas que eu criei para me adaptar e permanecer na vida institucional (Carlos, 2022).

Os educandos também narram, que dentro do espaço institucional, a relação entre os policiais mirins era conflituosa e por conta disso outros moradores acabavam por naturalizar a ideia de que os castigos faziam parte do contexto, como algo imposto pela disciplina inerente ao projeto educativo e que não precisava ser questionado.

Tinham uns ali que queriam sempre ser mais do que outros e que traiam a confianças uns dos outros, eu percebia. Entre eles eu me sentia bem. Eu sentia que eles estavam ali para educar, né? Tinham os castigos, tinham ali as correções e tudo, mas para o nosso bem. Então eu sentia que eles tinham amor com a gente (Pedro, 2022).

Tinha um lá que botava atividade pra gente fazer, e era coisa de cabra véio. Eu só não lembro o nome dele. Ele obrigava a gente a colocar um pau nas costas e sair agachado e pulando. Se eles tivessem raiva da gente pegava pesado nos treinamentos. A gente era obrigado a fazer apoio (flexão) e eles com o pé nas nossas costas. Era pesado viu. Botava a gente pra fazer exercício de cabra velho (Marcos, 2022).

Os mais velhos sempre queria mandar nos mais novos. O cabo Coqueiro era cheio de moral, e ele gostava muito de bater nos meninos e eu, como fui menino de rua, não aceitava aquela situação de ver um menino bater em mim (Mário, 2022).

Segundo Bourdieu (2001:163), “o espaço é um dos lugares onde o poder se afirma e se exerce, e, sem dúvida, sob a forma mais sutil, a da violência simbólica como violência desapercebida”. Dessa forma, envolvidos com as ações e atividades cotidianas e, subordinados aos “mecanismos de poder”, o que Certeau (2014) denomina de “táticas e estratégias”, as crianças e jovens seguiam as normas institucionais.

Segundo os educandos , o projeto Polícia Mirim foi significativo para a formação dos meninos, por isso, reconhecem que devido à realidade em que se encontravam e por conta da pobreza em que viviam, a instituição, com as suas regras , foi importante para as mudanças ocorridas nas suas trajetórias pessoais e profissionais, como podemos constatar nas narrativas a seguir:

Eu lembro que a regra principal era ficar na fila. . Como policial mirim, tomar banho era regra. Unhas sempre cortada e obedecer aos comandos. A gente não podia fazer o que quisesse pra não virar bagunça. Eles eram rígidos. Por isso, eu acho que quem passou pela FUNDANOR, hoje é um cidadão. Bandido eu seria se estivesse no meio do mundo, se não tivesse conhecido nem a Polícia Mirim e nem a FUNDANOR. Acho que eu não seria ninguém (Mário).

Eu gostei mais da Polícia Mirim, na época de seu Pedro. Tinha muita ordem ali, mas eu achava bom. Ali, na época da Polícia Mirim, a gente chegava, assistia um pouco de TV, tomava café e os homens destacavam a gente para trabalhar na rua, nas lojas, né? (Marcos, 2022).

A Polícia Mirim foi uma coisa boa, foi em exemplo na vida de muitos, um exemplo de aprendizado também. Tinha algumas obrigações que a gente tinha que seguir. Como mirim eu trabalhei em lojas, ficava na porta da loja o dia todo, eu e um parceiro, um em um canto e outro no outro canto da loja, muito bom. A gente tinha que aprender uns hinos e cantar com a mão no peito. Era o Hino Nacional e outros (António, 2022).

Eu gostava mais da Polícia Mirim, mesmo com as regras. Hoje eu reconheço que eu sou o que sou graças a tia Lourdes, seu Pedro e as outras pessoas que me deram educação lá na mirim (Pedro, 2022).

A visibilidade social, ou seja, o fato de a sociedade olhar para eles, perceber a existência deles, transmitia uma sensação de segurança e de que eles eram importantes e reconhecidos pelo serviço que prestavam à comunidade. Dessa forma, os educandos que passaram pelo processo de militarização, atribuem à instituição e ao projeto Polícia Mirim, o resgate e a transformação social ocorridos nas suas trajetórias de vida.

Algumas discussões

Como se pode observar no Gráfico 1, desde a implementação do projeto Polícia Mirim, o número de educandos aumentou gradativamente ano a ano. O quantitativo de internos só ultrapassou o número de semi-internos entre 1985 e 1986, quando o projeto Polícia Mirim foi finalmente interrompido.

Fonte: Gráfico elaborado a partir de dados recolhidos pela consulta de documentos institucionais e fontes orais.

Gráfico 1 -  Perfil dos educandos semi-internos versus educandos internos 

Apesar de não termos encontrado informações sobre a vida escolar dos educandos nos anos de 1980 e 1981, o Gráfico 2 aponta que houve uma evolução no número de alfabetizados e uma diminuição no quantitativo de analfabetos.

Fonte: Gráfico elaborado a partir de dados recolhidos pela consulta de documentos institucionais e fontes orais.

Gráfico 2 -  Grau de escolaridade dos educandos que recorriam à instituição 

No geral, em relação ao período estudado, podemos evidenciar as informações escolares em percentagem, pelo Gráfico 3.

Fonte: Gráfico elaborado a partir de dados recolhidos pela consulta de documentos institucionais e fontes orais.

Gráfico 3 -  Percentual de escolaridade dos educandos (1980-1986). 

Em relação às categorias de educandos dentro do contexto da instituição (Gráfico 4), pode-se constatar que a Polícia Mirim teve o maior quantitativo de jovens. A Formação militar era compreendida como status social. Se tornar um policial mirim era conseguir o respeito e admiração da família e da sociedade, como narram alguns jovens.

Fonte: Gráfico elaborado a partir de dados recolhidos pela consulta de documentos institucionais e fontes orais.

Gráfico 4 -  Categorias de educando no contexto da instituição (1980-1986) 

Considerações finais

A implementação do projeto Polícia Mirim no contexto da FUNDANOR, como uma ação educativa ou processo disciplinar, é analisado e observado de diferentes formas pelos atores que viveram e sentiram as transformações impostas por tal ação:

Para os meninos, moldados pela “cura reeducativa” (Martins, 2014), tratava-se de um projeto que além de retirá-los da condição de marginalizados, crianças pobres e desassistidas, a instituição proporcionou-lhes, por meios das ações educativas e da disciplina militar, novas perspectivas fora dos muros da instituição, uma vez que a sociedade passou a dar mais credibilidade aos meninos que passaram pela Polícia Mirim.

Para os adultos da equipe da instituição, foi um projeto que inicialmente serviu para moldar e disciplinar os meninos, que alguns deles vindos de realidades distintas e estigmatizadas, precisavam ser transformados em pessoas de bem, em homens honestos. Mesmo a professora Lourdes, inicialmente a única mulher dentro de um contexto formado e coordenado por homens (o policial militar, que se tornou o primeiro presidente da instituição e os meninos por eles comandados), que criticou fortemente a militarização dos menores, acabou por reconhecer que tal projeto teve a sua utilidade como proposta inicial formativa.

A equipe de adultos da instituição estava ciente de que a ação educativa tinha por finalidade produzir e reproduzir os processos formativos, proporcionando as crianças e jovens ao mundo cultural por meio de uma configuração curricular (Sousa e Schmidt, 2023)

Para a sociedade de Palmeira dos Índios a Polícia Mirim salvou a infância da delinquência e do abandono. Por isso, as famílias confiaram à instituição a educação dos seus filhos por meio de militarização de menores. O discurso de que a Polícia Mirim foi um projeto essencial para salvar a população infanto-juvenil de se perder, por parte da sociedade, está associado ao bem que os policiais mirins fizeram ao município, com um trabalho não remunerado, de patrulhas e vigilância em estabelecimentos comerciais.

Para mim, a Polícia Mirim e os muros institucionais (de concreto e/ou psicológicos) foram responsáveis pela transformação e amadurecimento, de uma criança que se viu obrigada a pensar e agir como um adulto. Dentro da instituição era preciso representar um papel que convencesse os outros internos. Copiar o que eles faziam e usar termos que eles usavam foi a maneira que eu encontrei para ganhar a confiança e o respeito dos outros meninos.

De modo geral podemos dizer que o projeto Polícia Mirim marcou para sempre as suas vidas, seja pelo aspecto positivo que atribuem à instituição ou pelos aspectos negativos - a rigidez com que eram tratados. Contudo, esses ex-soldados mirins reconhecem que a Polícia Mirim tem um valor relevante nos seus percursos pessoais e profissionais. Todavia, o que se percebe no decorrer destas narrativas é a naturalização dos aspectos punitivos dentro do espaço institucional. A convivência e as regras institucionais foram gradativamente modificando e unido os jovens que recorriam aos serviços ofertados pela Fundação.

Hoje, no ideário dos ex-policiais mirins, a FUNDANOR foi responsável pela transformação e inclusão social desses educandos na sociedade e no mundo do trabalho.

Referências

ABRAHÃO, Maria Helena Menna Barreto. Memória e pesquisa autobiográfica. Revista História da Educação, n. 14, p. 79-95, 2012. [ Links ]

BOURDIEU, Pierre. Efeitos do lugar. In BOURDIEU, P. A miséria do mundo. 4ª edição. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 2001. [ Links ]

CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: 1 arte de fazer. Tradução de Ephrain Ferreira Alves. 22ª edição. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2014. [ Links ]

FACHINETTO, Neidmar José. O direito à convivência familiar e comunitária: contextualizando com as políticas públicas (in)existentes. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009. [ Links ]

FALEIROS, Vicente de Paula. (2011). Infância e processo político no Brasil. In RIZZINI, Irene; PILOTTI, Francisco. (Orgs.). A arte de governar crianças: a história das políticas sociais. Da legislação e da assistência à infância no Brasil. 3ª ed. São Paulo: Ed. Cortez. [ Links ]

FELGUEIRAS, Margarida Louro. A organização do tempo da criança em internato. In: Fernandes, R. e Mignot, A.C.V. (Orgs). O tempo na escola. Profedições, Porto. p. 99-122, 2008. [ Links ]

FELGUEIRAS, Margarida Louro. Do modelo de internato ao internato modelo. Educação norma e ensino na Misericórdia do Porto (1900-2012). Porto: ed Almedina, 2017. [ Links ]

FREIRE, PAULO. Educadores de rua. Uma abordagem crítica. Alternativa de atendimento aos meninos de rua. UNICEF,1989. [ Links ]

GOFFMAN, Erving. Manicômios, prisões e conventos. São Paulo: Editora Perspectiva, 1974. [ Links ]

FERRAROTI, Franco. Sobre a autonomia do método biográfico. In: NÓVOA, António; FINGER, Matthias. (Orgs.). O método (auto)biográfico e a formação. Lisboa: Pentaedro Publicidades e Artes gráficas, 1988. [ Links ]

FOCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. Tradução de Raquel Ramalhete. Ed. Petrópolis: Vozes, 2008. [ Links ]

HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. Tradução Beatriz Sidou. São Paulo: Centauro, 2003. [ Links ]

JOSSO, Marie-Christine. A transformação de si a partir da narração de histórias de vida. Revista Educação, v. 30, n. 63, p. 413-438, 2007. [ Links ]

LE GOFF, Jacques. A história deve ser dividida em pedaços? Tradução Nícia Adan Bonatti. São Paulo: Editora Unesp, 2014. [ Links ]

LEITE, Ligia Costa. Meninos de rua: a infância excluída no Brasil. 5ª edição. São Paulo: Atual, 2009. [ Links ]

MALPIQUE, Manuela. História de vida. 1ª edição. Porto: Campo das Letras, 2002. [ Links ]

MARCÍLIO, Maria Luíza. A fase da filantropia (até meados do século XX). In MARCILIO, M. L. História social da criança abandonada. São Paulo: Ed. Hucitec, p. 191-223, 1998. [ Links ]

MARTINS, Ernesto Candeias. Infância Marginalizada e Delinquente na 1ª República (1910-1926). De Perdidos a Protegidos e Educados. Lisboa: Ed. Polimage, 2014. [ Links ]

NÓVOA, António. A formação tem de passar por aqui: as histórias de vida no projeto. In NÓVOA, A; FINGER, M. (Orgs.). O método (auto)biográfico e a formação. Lisboa: Pentaedro Publicidades e Artes gráficas , 1988. [ Links ]

RIZZINI, Irene. O Século Perdido. Raízes históricas das políticas públicas para a infância no Brasil. 3ed. São Paulo: Cortez, 2011. [ Links ]

RZZINI, Irene, RIZZINI, Irma. Institucionalização de criança no Brasil: percurso histórico e desafios presentes. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio, São Paulo: Loyola, 2004. [ Links ]

SOUSA, Manoel de.; SCHMIDT, Saraí Patrícia. Agenda 2030-ONU como ato de linguagem neoliberal: educação de qualidade e desigualdades sociais. Revista Linguagem, Educação e Sociedade - LES, v.27, n.54, 2023, elSSN:2526-8449. Disponível em https://periodicos.ufpi.br/index.php/lingedusoc/article/view/4165/3717 . Acesso em junho de 2023. [ Links ]

1A Fundação de Amparo ao Menor tem como sigla FUNDANOR.

2O Educandário Sete de Setembro ofertava a população de Palmeira dos Índios o ensino infantil, primário, secundário, supletivo e complementar. Era conhecido com a escola da dona Rosinha (professora Rosa Eulália Pimentel). . Em 1936 já era dona do Educandário Sete de Setembro, sediado na Rua Major Cícero de Góes Monteiro (Palmeira dos Índios) e, em 1944, mudou-se para o prédio próprio, na Praça da Independência (DE SOUZA,2010). Outras informações sobre o educandário podem ser consultadas em https://cedu.ufal.br/grupopesquisa/gephecl/wpcontent/uploads/2018/05/atrejetoriadaeducacaoescolarempalmeira.pdf. Consulta em fevereiro de 2022.

3Na elaboração do artigo recorremos também a um trabalho autobiográfico desenvolvido durante o mestrado em Ciências da Educação para a disciplina Educação e Herança Cultural, em 2018, cujo título é “Revisitação de Memórias Educacionais”.

4A roda dos expostos ou roda dos enjeitados consistia num mecanismo utilizado para abandonar recém-nascidos que ficavam ao cuidado de instituições de caridade. No século XVIII, Salvador, Rio de Janeiro e Recife instalaram as suas Casas de Expostos, que recebiam bebês deixados na Roda, mantendo o anonimato do autor ou da autora do abandono. De acordo com Leite (2001:15), as maiores e mais conhecidas Casas da Roda ficavam no Rio de Janeiro, Campos (RJ), São Paulo, Salvador, Porto Alegre, Mariana (MG) e Recife. Até o final do Império, em 1889, a legislação permitia o abandono de crianças, num sistema engendrado para manter o anonimato dos/as progenitores/as e sem qualquer tipo de responsabilidade para eles/as.

5 Rizzini, Irene. (2011). O Século Perdido. Raízes históricas das políticas públicas para a infância no Brasil. 3ed. São Paulo: Cortez, p. 107-110.

6O Serviço de Assistência ao Menor (SAM), criado por meio do Decreto-Lei nº 3.779, em 1941, tinha como objetivo prestar, em todo o território nacional, amparo social aos menores desvalidos e infratores. Mais informações podem ser consultadas em: http://dibrarq.arquivonacional.gov.br/index.php/servico-de-assistencia-a-menores-1941-1964. Acesso em jan. de 2022.

7A Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor - FUNABEM (1964-1990), foi criada para implementar a política de assistência à criança e ao adolescente em todo o território nacional. Lei nº 4. 513.Disponível em https://presrepublica.jusbrasil.com.br/legislacao/103487/lei-4513-64. Acesso em maio de 2020.

8Sobre a casa da educadora, desenvolvi um estudo intitulado “Memória e História de Vida: A casa da professora Lourdes como espaço educativo”, apresentado no Congresso Iberoamericano de História da Educação. Lisboa, Portugal, ocorrido no período de 20 a 23 de julho de 2021.

9Pessoa que nasce em Palmeira dos Índios. Há hoje uma discussão para que seja reconhecido como “palmerindiense ou palmeríndio”, porque palmeirense é também chamado a pessoal que torce pelo clube futebolístico Palmeiras.

10O primeiro estatuto da Fundação de Amparo ao Menor - FUNDANOR foi aprovado em assembleia geral extraordinária ocorrida no dia 25 de abril de 1984 na sede da Sociedade São Vicente de Paulo. Na mesma assembleia foi eleita a primeira diretoria efetiva da instituição, tendo como primeiro presidente o militar Manoel Pedro.

11Frase proferida pelo idealizador do projeto Polícia Mirim. Essa frase consta no relatório institucional de 1983 e no histórico sobre a criação da FUNDANOR. O mesmo termo foi repetido por ele durante a entrevista que realizamos em 2021. “Vou criar a Guarda Mirim. Aí criei a Polícia Mirim contra a todo mundo”.

12Retirado de um livreto intitulado: “Breve história de uma professora e seus meninos - 1987”, publicado pela INDUSGRF, uma gráfica local para promoção e divulgação da história de constituição da Fundação de Amparo ao Menor - FUNDANOR.

13A expressão “se morder com alguém” é o mesmo que ficar chateado com alguém ou com raiva de alguém. . Expressão muito usada na região Nordeste do Brasil.

14O relatório mais antigo da instituição data de dezembro de 1983 onde aparece o relato da professora Lourdes sobre a situação da FUNDANOR e o quantitativo de meninos que estavam a frequentar a instituição em regime de semi-internato.

15Conga era um tipo de calçado (tênis), na cor preta, com um design simples, o modelo básico e original tem uma sola de borracha com cores diferentes ao restante do "corpo" do calçado e suas primeiras edições eram de baixo custo, sendo adotado por escolas públicas como parte componente do uniforme. Fazia parte do uniforme da Polícia Mirim.

16Do total de fichas consultadas encontramos 76 sem a informação da data de entrada do educando na instituição. Pelo formato das fichas e o nome da instituição (Movimento de Recuperação de Menores), podemos sinalizar que se trata de meninos que passaram pela FUNDANOR no período de 1983 a 1984.

17*Do total de educandos atendidos pela instituição no período de 1980-1986, 52,38% eram alfabetizados, 24, 87% não alfabetizados, 22, 75% sem informações escolares e 3,08% moravam na casa da educadora.

18Essa categoria apareceu na instituição devido ao clamor da população que reclamava sobre a quantidade de roubo realizado por menores que se passavam por carroceiros e acabavam furtando as compras das pessoas. Os carroceiros cadastrados pela instituição, além de serem obrigados a entregarem a sua carteira de identificação a pessoa tinha uma numeração que identificava a sua carroça.

19Eram assim chamados os meninos iniciantes no processo de formação militar. Era um termo bastante utilizado pelos outros meninos. Só quando completavam o curso passavam a usar um uniforme creme.

Recebido: 26 de Dezembro de 2023; Aceito: 19 de Março de 2024

E-mail: cicerosantos_@hotmail.com

E-mail: margafel@fpce.up.pt

E-mail: elisabete@fpce.up.pt

Editor responsável:

Eduardo Cristiano Hass da Silva

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons