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História da Educação

versión impresa ISSN 1414-3518versión On-line ISSN 2236-3459

Hist. Educ. vol.28  Santa Maria  2024  Epub 30-Oct-2024

https://doi.org/10.1590/2236-3459/136185 

Resenha

A História da Educação na América Latina e as Opressões Sociorraciais

La Historia de la Educación en América Latina y las Opresiones Socio-Raciales

The History of Education in Latin America and Socio-Racial Oppressions

L’histoire de L’éducation en Amérique Latine et les Oppressions Socioraciales

Fernando Tadeu Germinatti1 

FERNANDO TADEU GERMINATTI é Doutorando pelo Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas (PPGICH) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Mestre em História pela Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO). Integrante do Núcleo de Estudos em Sociologia, Filosofia e História das Ciências da Saúde - (NESFHIS)/UFSC. Bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina (FAPESC).


http://orcid.org/0000-0001-7711-5875

1Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis/SC, Brasil.

VEIGA, Cynthia Greive. Subalternidade e opressão sociorracial: questões para a historiografia da educação latino-americana. São Paulo:: Editora UNESP/SBHE, 2022. 376p.


Lançada pela Coleção Diálogos em História da Educação, em parceria com a Sociedade Brasileira de História da Educação (SBHE), a obra intitulada “Subalternidade e opressão sócioracial: questões para a historiografia da educação latino americana”, publicada em julho, de 2022, pela editora Unesp, é escrita pela historiadora e professora Cynthia Greive Veiga. A autora é graduada em história, mestra em educação pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), doutora em história pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e pós doutora em história pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, Cynthia Veiga é professora da Faculdade de Educação da UFMG.

O livro aqui resenhado possui 3 capítulos, divididos em 376 páginas, e ilumina questões fundamentais para pensar a história da educação no Brasil e na América Latina. A obra evidencia o processo de colonização, a construção de um conceito de raça altamente eurocêntrico, as relações de opressão racial e a ventilação dos ideais eugênicos, que entre os séculos XIX e XX, atingiram a educação e aprofundaram as desigualdades socioeducacionais, oprimindo e excluindo as populações negras, mestiças e indígenas.

No prefácio, conduzido pela pedagoga e professora da Universidade Estadual Paulista (UNESP), Rosa Fátima de Souza Chaloba, são expostos argumentos iniciais pertinentes que notificam o leitor acerca do que será encontrado no avançar do livro. Chaloba anuncia que a obra “instiga a escrita de uma história da educação latino-americana com ênfase na colonialidade do saber e nos processos de estigmatização [...]” (2022, p.12). E de fato, logo na introdução da obra, no pensar da colonização e das ideias de raça, eurocentrismo e América Latina, são convidados pela autora a compor a discussão o semiólogo argentino Walter Mignolo e o sociólogo peruano Aníbal Quijano (1928-2018).

À vista disso, a primeira parte da obra de Cynthia Veiga é formada pelo capítulo 1, denominado “Subalternidade e inferiorização étnico-racial: da subalternidade colonial à subalternidade nacional”. Com instrumentalização da teoria decolonial1, a autora analisa o processo de colonização, iniciado no século XVI, resultando não tão somente na subalternação e opressão socioracial, mas na hierarquização humana, iniciada no encontro violento entre europeus e nativos, destacando que “as categorias de raça/etnia, gênero, língua, religião, razão e propriedade foram impostas de modo combinado, a partir da perspectiva do dominador” (Veiga, 2022, p. 54-55).

Assim, interpretando a subalternização como parte integrante da colonização, inicia-se uma radiografia da escravidão indígena e negra nas Américas. Destarte, são destacadas similaridades e diferenças entre a escravatura no Brasil e nos demais países da América Latina, reforçando que a partir do século XIX, as identidades raciais contribuíram de forma decisiva na produção das inferiorizações (Veiga, 2022).

Portanto, “[...] a cor não era simplesmente um atributo biológico, mas cultural, o que possibilitou que o racismo se tornasse o padrão de poder e de subalternização do capitalismo eurocêntrico” (Veiga, 2022, p. 85). É dentro dessa construção teórica que a ideia de um novo futuro para o Brasil passou a envolver a “necessidade de passagem da barbárie à civilização, de aprimoramento da raça, seja pela educação, seja pelo branqueamento” (Veiga, 2022, p. 88).

Partindo para o segundo capítulo, que é intitulado “A ‘estética da falta’ como fator de opressão sociorracial”,Veiga (2022) inicia tratando do ódio racial, em específico, no caso do Peru, do século XIX, acerca da repulsa dos criollos brancos em relação aos indígenas, negros e mestiços (Veiga, 2022). Nesse ínterim, fundamenta-se o atributo da falta, segundo o qual, insere-se a relação ausência/presença (Veiga, 2022).

Dialogando com Norbert Elias e John Scotson (2000), a autora adota a estética da falta como parte do pilar da subalternização, destacando, por exemplo, que a ausência/falta da cor branca, levara a uma hierarquização das raças, justificada pelo racismo cientifico. Dito de uma forma mais direta, o processo de colonização não apenas consolidou a ideia de hierarquia entre as raças, como também invisibilizou afrodescendentes e indígenas, os negando “[...] direito a terra, trabalho digno, educação de qualidade e representatividade política” (Veiga, 2022, p. 130).

É fundamental ressaltar que a suposição da existência de raças superiores/inferiores por parte do conhecimento científico dominante, entre o fim do século XIX e a primeira metade do século XX, possibilitou construções teóricas e exames fenótipos por parte da craniometria e da antropometria. Não por acaso, nomes como Vacher de Lapouge (1854-1936), Arthur de Gobineau (1816-1882), Louis Agassiz (1807-1873), Gustavo Le Bom (1841-1931), Herbert Spencer (1820-1903), Francis Galton (1822-1911) e Cesare Lombroso (1835-1909), tiveram suas ideias amplamente divulgadas no Brasil e na América Latina (Veiga, 2022)2.

Em razão disso: “as elites dos países latino-americanos se esforçaram para desfazem os estigmas de inferioridade da ‘raça latina’, sendo o branqueamento o recurso mais comum” (Veiga, 2022, p. 189). Nesse sentido, não seria demasiado inferir que a ideia de branqueamento das raças nos países da América Latina, entre os séculos XIX e XX, funcionou como um mecanismo de hierarquização e de subalternação das raças ditas inferiores, tais como povos originários e africanos. Aliás, muito em razão do ideal de branqueamento e da suposta purificação racial, favorecida pelo movimento eugênico, que o início do século XX é marcado pelo incremento das políticas imigratórias.

Como resultado desse longo processo histórico de exclusão, portanto, ser branco, significa: “um lugar de poder, de vantagem sistêmica nas sociedades estruturadas pela dominação racial [...]” (Schucman; Gonçalves, 2020, p.111). Enquanto que, “até os tempos atuais, a cor preta passou a identificar uma pessoa suspeita, potencialmente criminosa” (Veiga, 2022, p. 127).

Chegando ao último e terceiro capítulo, intitulado “Educar as cores pela escola”, Veiga aponta que a partir do século XIX, com as políticas de escolarização ampla, “a qualificação de ignorante para pessoas não letradas se somou às demais qualificações sociais pejorativas para se referir às populações indígenas e afrodescendentes” (Veiga, 2022, p. 238). Dentro desse modelo, portanto, filhos de escravizados e indígenas, com raras exceções, permaneceram excluídos (Veiga, 2022)3. Nesse momento, o problema racial, então, se torna sociorracial.

Trazendo em destaque a Lei do Ventre Livre (1871), a autora ressalta a preocupação recorrente dos políticos e das elites daquele contexto, que girava em torno do que fazer e que formação destinar aos filhos dos escravizados. O ponto de análise que é evocado por Veiga (2022), e que ela se propõe a destrinchar no terceiro capítulo, volta-se a abordar a escola, e de que forma essa instituição não apenas normalizou como também sedimentou as desigualdades raciais históricas, uma vez que, o modelo de escolarização baseou-se na homogeneização através da universalização da aprendizagem e do comportamento da criança (Veiga, 2022).

De maneira mais específica, é no tópico “3.1 Educação para todos: escola/educação desigual”, que Veiga (2022) retoma historicamente as discussões, legislações e propostas acerca da estatização e universalização das escolas a partir do século XVIII. De fato, com o término dos governos absolutistas, a partir do século XIX, os debates voltaram-se às questões da gratuidade, laicidade e obrigatoriedade do ensino escolar estatal (Veiga, 2022).

Nesse sentido que, participando do concurso chileno, realizado no ano de 1855, o jornalista e escritor argentino Domingo Faustino Sarmiento (1811-1888), refletindo a realidade educacional do Chile “reafirmou a necessidade da implantação da escola gratuita e obrigatória para famílias pobres; na justificativa, recorreu à argumentação que criminalizava sua condição sociorracial” (Veiga, 2022, p. 265).

O escritor uruguaio José Pedro Varela (1845-1879) também é evocado na escrita, no momento em que a autora lembra da publicação da obra La educación del pueblo, de 1874. Varela foi a favor da “educação pública, laica, gratuita, obrigatória e dirigida pelo Estado, pois o poder público estava acima das famílias, sendo a escolarização ampla uma questão de interesse social” (Veiga, 2022, p. 269). Também prevendo a obrigatoriedade de os pais enviarem seus filhos para a escola, o advogado e político baiano Ruy Barbosa (1849-1923), propôs aos políticos brasileiros a aplicação de multas aos pais que falhassem nessa tarefa. Em tom crítico, Ruy Barbosa afirmava: “[...] não se admira que as gerações nascentes esquivem o contato da escola, num país onde se deixa à ignorância dos pais o direito de formá-las a sua feição e semelhança [...]” (Barbosa apud Veiga, 2022, p. 273). Sublinha-se que, no planejamento de Ruy Barbosa sobre a escola primária, estiveram em pauta 4 níveis de escolas: as primárias, elementares, médias e superiores (Veiga, 2022).

É ressaltado ainda pela autora o debate dominante, no século XIX, que se voltou ao redor das questões da regulamentação, da escolha do melhor modelo para as escolas e de suas características, ou seja, se elas seriam públicas, obrigatórias, laicas e/ou gratuitas (Veiga, 2022). Contudo, apesar da intensa discussão no século XIX acerca dos modelos escolares, constatou-se na realidade: “[...] que a difusão da escolarização, devido à oferta escolar muito desigual, contribuiu ainda mais para inferiorizar as populações indígenas, negras e pobres [...]” (Veiga, 2022, p. 279).

Com ênfase, Veiga (2022) prossegue na argumentação relembrando o Congreso Pedagójico, organizado por Sarmiento, no ano de 1882, em Buenos Aires. O evento internacional reuniu mais de 250 delegados dos países da América Latina. Dentre os frutos do evento, a autora bem recorda que na própria Argentina, fora sancionada, em 1884, a Lei 1.420 de Educación Común. Em seu Artigo 5º, por exemplo, afirmava-se: “A obrigação escolar supõe a existência da escola pública gratuita ao alcance das crianças em idade escolar” (Veiga, 2022, p. 284).

Questão também pertinentemente destacada pela autora é a instrução primária, debatida junto com as regulações do trabalho infantil. Nesse viés, a Lei chilena 3.654, de 26 de agosto de 1920, é lembrada por Veiga (2022). Tal lei demarcou a obrigatoriedade da escola primária e introduziu cláusulas que permitiriam a penalização com admoestação, multas e prisão dos pais que não mandassem os filhos à escola, possuindo ainda como marco histórico, a proibição do emprego aos menores de 16 anos que não tivessem estado em alguma escola (Veiga, 2022).

Quanto ao Brasil, a autora chama a atenção para o Decreto nº1.313, de 17 de janeiro de 1891, ao qual, o classifica como “[...] a primeira intenção de regulamentar, de modo mais sistemático, a jornada de trabalho e o limite de idade para o trabalho infantil” (Veiga, 2022, p. 327). Contudo, como recorda a autora, tal Decreto não fora aplicado. Não por acaso, ao trabalhar o encerramento de sua obra e fazendo um apanhado geral do que fora debatido, a autora conclui que “no século XIX e no início do século XX, o que se observa é uma heterogeneidade muito grande na institucionalização de escolas, segundo as conveniências de mercado e os interesses da política local” (Veiga, 2022, p. 344-345). Fatores que, por certo, aprofundaram as desigualdades.

Em suma, apoiando-se no uso de fontes históricas vastas, consistentes e articuladas ao amparo de seus argumentos, a pertinente obra produzida por Cynthia Veiga traz à superfície dilemas que atravessaram a educação latino-americana, evidenciando dentre outras coisas, o quanto a inferiorização racial serviu para fomentar a opressão que definiu, demarcou e distinguiu oportunidades de acesso e permanência escolar entre crianças brancas, indígenas e afrodescendentes.

REFERÊNCIAS

DAMAZIO, Eloise Peter. Colonialidade e decolonialidade da (Anthropos) logia jurídica: da Universalidade a pluriversalidade epistêmica. Tese de Doutoramento. Programa de Pós-Graduação em Direto da Universidade Federal de santa Catarina, 2011. [ Links ]

ELIAS, Norbert; SCOTSON, John L. Os estabelecidos e os outsiders. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000. [ Links ]

SCHUCMAN, Lia Vainer; GONÇALVES, Monica Mendes. Raça e subjetividade: do campo social ao clínico. Arquivos Brasileiros de Psicologia, v. 72, np, p. 109-123, 2020. [ Links ]

SOUZA, Vanderlei Sebastião de. Renato Kehl e a eugenia no Brasil: ciência, raça e nação no período entreguerras. Guarapuava: Editora Unicentro, 2019. [ Links ]

VEIGA, Cynthia Greive. Subalternidade e opressão sociorracial: questões para a historiografia da educação latino-americana. São Paulo: Editora UNESP/SBHE, 2022. 376 p [ Links ]

1Nesse sentido, acerca de um entendimento sobre a teoria decolonial, pode-se seguir o explicado por Eloise Damázio (2011), em que, segundo trazido por ela em sua tese: “Para os autores decoloniais, diferente de muitos teóricos modernos, não é possível conceber a modernidade, que surge no século XVI, sem a colonialidade. Além disso, consideram que a retórica da modernidade (salvação, civilização, progresso, desenvolvimento etc.) é sustentada pela lógica da colonialidade” (Damázio, 2011, p. 267).

2Inclusive, alguns desses intelectuais e cientistas citados, como Arthur de Gobineau e Louis Agassiz, estiveram no Brasil na década de 1860, e avaliaram os brasileiros como feios e degenerados (Souza, 2019).

3Acrescenta-se que apenas no século XIX a educação passou a ser organizada pelo Estado, que manteve, entretanto, o padrão de desigualdade.

Recebido: 14 de Outubro de 2023; Aceito: 04 de Março de 2024

E-mail: germinattifer@outlook.com

Editora responsável:

Natália Gil

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