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Revista Exitus

versão On-line ISSN 2237-9460

Rev. Exitus vol.7 no.1 Santarém jan./abr 2017  Epub 14-Maio-2019

https://doi.org/10.24065/20177id190 

Artigos

NARRATIVAS DA TRADIÇÃO ORAL KUJUBINIANA: memória, identidade e cultura

NARRATIVES OF KUJUBINIANAN ORAL TRADITION: memory, identity and culture

Valdir Vegini86 

Rebecca Louize Vegini87 

86Pós-doutor em Narratologia/USP/SP/2014. Doutor em Letras/Linguística/UFSC/Florianópolis/1995. Docente do Departamento de Línguas Vernáculas/DLV da Universidade Federal de Rondônia. E-mail: vvegini@gmail.com

87Mestre em letras/UNIR/Porto Velho/2013. Graduada em Letras/UNIVILLE/Joinville/2007. Docente do Colégio Objetivo e da Faculdade Porto certificada pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). E-mail: rebeccaamor@gmail.com


RESUMO

O artigo tem como objeto o acervo parcial de narrativas ancestrais do povo Kujubim e por objetivo divulgar, ainda que parcialmente, as tradições (costumes, crenças etc.) remanescentes na memória de alguns informantes na esperança de que essas tradições sejam revivificadas e perpetuadas. Para fundamentar o trabalho, os autores apoiam-se, principalmente, nos estudos que tratam da memória (individual, coletiva e histórica) e sua propriedade formadora de identidade (individual e coletiva), da tradição oral e da produção de narrativas. E após uma breve caracterização étnica do povo Kujubim, os autores apresentam a transcrição de nove relatos (com adaptação próxima ao português-brasileiro padrão escrito) produzidos por esses informantes durante a realização da Assembleia do Povo Kujubim ocorrida no salão paroquial da Igreja Católica de Costa Marques em dezembro de 2013. O acervo cultural é constituído das seguintes narrativas: “Reencontrando o caminho de casa”, “A caça, o beiju e o fogo na aldeia”, “A rotina na aldeia”, “Pintura no corpo: guerra e festa”, “O pai da mata”, “A mãe d'água”, “A cidade debaixo do rio Guaporé”, “Três caçadores e os mistérios da mata”, “O Mapinguari”.

Palavras-chave:  Povo Kujubim; Memória; Tradição Oral

ABSTRACT

The article has as its object the partial collection of ancestral narratives of the Kujubim people and aims at publicizing, even if partially, the traditions (customs, beliefs etc.) remaining in the memory of some informants in the hope that these traditions are revived and perpetuated. To support the work, the authors rely mainly on studies that deal with individual, collective and historical memory and its centrality to individual and collective identity formation, and oral tradition and narrative technique development. And after a brief ethnic characterization of the Kujubim people, the authors present the transcript of nine reports (adapted to standard written Brazilian Portuguese) produced by these informants during thes Assembly of the Kujubim people held in the parish hall of the Catholic Church of Costa Marques in December 2013. The cultural heritage consists of the following narrative: “Finding the way home again”; “The game, the manioc bread and fire in the village”; “The routine in the village”; “Painting in the body: war and party”; “Father of the forest”; “The mother of the water”; “The city under the Guaporé river”; “Three hunters and the mysteries of the forest”; and “The Mapinguari”.

Keywords:  Kujubim People; Memory; Oral tradition

1 INTRODUÇÃO: Contexto, Objeto e Objetivo

Em julho de 2013, o primeiro autor deste artigo recebeu da Coordenação Regional da Fundação Nacional do Índio - Funai - de Ji-Paraná - RO o convite para participar de uma viagem de trabalho a se realizar entre os dias 10 a 23 de dezembro daquele ano, cabendo-lhe a missão de realizar um levantamento linguístico e cultural - para fins de identificação e resgate - das línguas maternas dos povos Migueleno (falantes da língua waniam), Puruborá (falantes da língua de mesmo nome) e Kujubim (outrora falantes da língua kujubim) e de sua cultura. Fizeram parte daquela viagem de trabalho, entre outros funcionários da Funai de Ji-Paraná, o Sr. Tennesson Gonçalves de Oliveira (Coordenador Técnico) e Cleide Braz Bezerra Rocha de Albuquerque (Setor de Promoção e Cidadania). O levantamento linguístico e as considerações pertinentes às línguas desses três povos da Amazônia rondoniense foram objeto do artigo “Wainiam, Puruborá e Kujubim: povo, cultura e tradição (um relato experiencial)” que o primeiro autor concluiu recentemente e que se encontra publicado na “Revista Sustentabilidade Organizacional” (2016); já o levantamento do acervo cultural desses três grupos étnicos diferentes, coletado em gravação pelo primeiro autor em seu trabalho de campo, foi transcrito para o português-brasileiro padrão escrito pela segunda autora e estão sucessivamente sendo também transformados em artigos científicos e encaminhados para publicação como já ocorreu em relação à tradição cultural dos dois primeiros povos. Neste artigo, serão apresentadas algumas narrativas ancestrais do povo Kujubim com o objetivo de resgatar o pouco que ainda resta de seu acervo cultural na esperança de que algumas tradições ancestrais (costumes, crenças, etc.) ainda contidas na memória de alguns poucos remanescente sejam revivificadas e perpetuadas.

Antes, porém, de caracterizar o povo Kujubim e apresentar parcela de seu acervo cultural, vamos dedicar algumas páginas para fundamentar teoricamente o trabalho, ou seja, vamos definir alguns conceitos teóricos básicos que, a nosso ver, sustentam as razões de buscarmos as características culturais de um povo nos meandros de suas narrativas ancestrais.

2 MEMÓRIA, IDENTIDADE, CULTURA E NARRATIVA

A memória é um fenômeno comum a todos os seres vivos, que se tornou, por razões evolutivas, altamente complexa na espécie humana. Definida de forma elementar, a memória é a aptidão que os seres humanos têm de conservar e lembrar estados de consciência passados e tudo quanto a eles estiver associado; também pode ser definida, em termos gerais e globais, como a capacidade que designa as possibilidades, as condições e os limites da fixação da experiência, retenção, reconhecimento e evocação (HALBWACHS, 2006). Ferreira Netto (2008, p. 16-18), na introdução de seu livro “Tradição oral e produção de narrativas” define memória como “um fenômeno cognitivo do ser humano, muito provavelmente correlata a fenômenos fisiológicos que recebem nome semelhante, cuja propriedade mais específica é atuar como elemento formador da identidade pessoal e coletiva.” E acrescenta: “entendemos que a memória que vai descrita aqui é um fenômeno de natureza cultural adquirido no correr do desenvolvimento pessoal e social dos indivíduos e de suas sociedades.” Nesse sentido, continua esse autor, “Por se tratar de uma instituição social, a memória tem uma função própria dentro da sociedade que se diferencia entre as sociedades; e por se tratar de uma capacidade diretamente correlacionada à fisiologia do ser humano, “ela é um fenômeno universal que se reproduz necessariamente em todas as sociedades”. Dando sequência a seu raciocínio em relação à “memória”, Ferreira Netto afirma que “dentre as características mais notáveis da memória, está o fato de poder ser recuperada a partir de estímulos externos incidentes no corpo de seu portador.” Nesse ponto, ele apresenta dois tipos diferentes de memória: a explícita e a implícita. A primeira, afirma, envolve a lembrança consciente de episódios passados, recuperados intencionalmente; a segunda, envolve a influência de episódios passados no comportamento atual sem recuperação intencional e, algumas vezes, inconscientemente. Isso implica em dizer que tanto o indivíduo quanto os outros membros de uma dada comunidade ou sociedade têm poder sobre a sua memória e que, se a memória pode ser manipulada de fora, a própria identidade passa a ser um fenômeno que se desenvolve na sociedade. Nesse sentido, pode-se dizer que a identidade de uma pessoa é, na realidade, um mosaico construído socialmente, em cuja superfície emergem facetas embutidas advindas da memória explícita e implícita. E se a identidade é uma construção social, então, tanto ela quanto à memória só podem existir dentro de uma cultura, que, por definição, é aquilo que aprendemos socialmente ou, em termos mais complexos, é o conjunto de padrões de comportamento, crenças, conhecimentos, costumes etc. que distinguem um grupo social de outro. É nesse sentido o que escreve Ferreira Netto acerca das diferenças na manipulação da memória entre indivíduos e entre as sociedades. Segundo ele, essas diferenças “estão diretamente relacionadas à história [cultural] de cada um deles, pois são estratégias que se desenvolveram no correr do tempo, de acordo com as experiências e necessidade de cada um.” Todavia, como a memória é um fenômeno cognitivo, ela tem a restrição, segundo Ferreira Netto, “de apenas se tornar pública nas suas manifestações físicas na forma das linguagens disponíveis para isso” dentre as quais “a língua é uma das que melhor propicia a sua exteriorização.”

A par disso, seja no contexto de uma comunidade88 de Tradição Oral, ou mesmo nas suas formas remanescentes no interior de uma sociedade89 de Tradição Escrita, uma das possibilidades estratégicas mais comuns e eficazes de manipulação institucional de comportamentos são as narrativas orais que são transmitidas “entre todos os membros e entre as gerações de um mesmo grupo [cultural].” Elas são - conclui Ferreira Netto - ao mesmo tempo “fenômenos típicos tanto da memória implícita quanto da explícita” e estão nelas sempre disponíveis bastando para isso algum estímulo externo ou forma que desencadeie “a sua lembrança automaticamente.” Essa forma de documentação de eventos na memória individual é um dos meios institucionalizados próprios das comunidades e/ou sociedades para garantirem a sua identidade e a sua permanência. Além disso, essas narrativas orais transmitidas de geração em geração dão aos indivíduos de um grupo social o sentido de pertença ou de pertencimento e é na proporção de suas manutenções que vão permanecer coesos culturalmente. É o que Ferreira Netto vai chamar de “rede”, isto é, “a manutenção de um fato institucional memorizado total ou parcialmente por todos os indivíduos, que pertencem ao mesmo grupo. Suas memórias individuais, tomadas coletivamente, formam a rede de conhecimentos que sustenta a identidade do próprio grupo.” E o meio utilizado pelas comunidades de Tradição Oral para criar essa rede é a oralidade na forma de narrativas, valendo-se das memórias individual90 e coletiva; das sociedades de Tradição Escrita são os documentos permanentes, sejam eles por meio de narrativas escritas ou não, estabelecendo o que se chama de memória histórica.

Definido teoricamente como concebemos o objeto deste artigo, isto é, o acervo cultural, parcial, neste artigo, contido em algumas narrativas ancestrais do povo indígena Kujubim, passaremos a seguir a caracterizar o povo cujas tradições queremos divulgar.

3 DADOS ETNOGRÁFICOS DO POVO KUJUBIM

Segundo dados etnográficos divulgados pelo Conselho Indigenista Missionário (CIMI, 2015, p. 32), a História do povo Kujubim teve início com seus “primeiros contatos com a sociedade não indígena no século XVIII, quando havia uma acirrada disputa entre espanhóis e portugueses pela posse das terras do vale do Guaporé, durante o período da construção do Forte Príncipe da Beira91, que provocou a vinda de imigrantes”, entre os quais muitos escravos afrodescendentes, “para essas terras hoje pertencentes ao Estado de Rondônia”. De acordo com o CIMI (2016, p. 232), “naquela época diversos povos indígenas foram recrutados e escravizados como mão de obra, porém muitos morriam devido às lutas para se libertarem ou por serem acometidos de doenças. Depois disso, por um longo período não se ouviu mais falar” do povo Kujubim.

A partir do final do século XVIII, quando a presença portuguesa na região já estava consolidada, a fortaleza “Forte Príncipe da Beira” perdeu sua importância estratégica e foi praticamente abandonada. Souza (1985) afirma que, em 1864, “a praça estava guarnecida por dez soldados, dos quais efetivamente três em serviço; os demais estavam destacados no Presídio das Pedras e no da foz do rio Itonamas”, um rio boliviano, afluente do rio Itenez, que forma parte do curso alto do rio Mamoré (ITOMANAS, 2016). Segundo o CIMI (2016, p. 32), em 1945, quando o Marechal Rondon transformou as ruínas do “Forte Príncipe da Beira” em quartel militar, “a população que ali encontrou era majoritariamente indígena e quilombola, sendo reconhecida como comunidade remanescente de quilombos, apesar de não ter sido iniciada ainda a demarcação de seu território.” A “Vila de Conceição, situada nas imediações, foi extinta pela pressão dos comandantes do quartel” (CIMI, 2016, p. 32).

Notícias sobre os Kujubim surgiram novamente um pouco antes do segundo ciclo da borracha [1942-1945], quando o Estado de Rondônia ainda era o Território Federal do Guaporé [1943-1955]. Segundo do CIMI (2016, p. 32-3), “o contato permanente do povo Kujubim com os seringueiros, que invadiram suas terras em busca do ouro branco, ocorreu de forma violenta no ano de 1940, quando eles ainda habitavam o baixo rio Cautário.” Após esse contato, “eles foram levados para as partes altas do rio Cautário, onde foram submetidos ao trabalho semiescravo para o corte da seringa?” Nesse período, o povo Kujubim foi quase “todo dizimado pelo sarampo, sem receber nenhuma assistência dos seringalistas. Mais tarde, os sobreviventes saíram do seringal em busca de um lugar melhor para morar.” Segundo o CIMI (2015, p. 32-3), “Estiveram em vários lugares no baixo Cautário, por último, na beira do rio Guaporé/Porto Acre, município de Costa Marques, bem como na Baía das Onças e em Ricardo Franco, T.I. Guaporé.” Por conta desse panorama, os remanescentes passaram a conviver “com outros grupos de cultura bem diferente”, resultando em “muitos casamentos interétnicos entre eles e os Canoé, Djeromitxi e quilombolas” (CIMI, 2016, p. 32). De fato, os semblantes da maioria dos Kujubim presentes na Assembleia do Povo Kujubim realizada no salão paroquial da Igreja Católica de Costa Marques, no final de 2013, presidida pelo coordenador da Funai de Ji-Paraná, não deixam dúvidas em relação a miscigenação desse povo indígena com os quilombolas, sobretudo.

Quanto à denominação, também de acordo CIMI (2015, p. 32-3), os remanescentes do povo indígena Kujubim se autodenominam Cau'tajo (Cautário). Todavia, durante a Assembleia de dezembro de 2013, os indígenas ali presentes decidiram, por unanimidade, substituí-la por “Kutruye”, nome, segundo Francimar M. da Silva Cujubim (mais conhecida como Mocinha), de um pássaro que habita(va) as terras ancestrais de seu povo, conforme lhe contou sua avó Francisca, mãe de Vitor, Manduca, Doca, Leno e Inácia, e que, presentemente, ainda é encontrado nessas mesmas terras, que agora os Kujubim desejam recuperar através da “Associação Indígena do Povo Kujubim” (AIPoK) criada nessa mesma data. (FUNAI - Assembleia do Povo Kujubim). Os objetivos dessa associação são ambiciosos e claros: “fortalecer a organização do povo e a luta pela retomada do território tradicional.” (FUNAI - Ata da Assembleia do Povo Kujubim, Costa Marques, 13 de Dezembro de 2013; CIMI, 2015, p. 33). É um imperativo que se autoimpõem em respeito à “memória da história cultural do seu povo” e em memória à matriarca Francisca Kujubim (falecida em 2012), que em novembro de 1998 assim se expressou sobre a diáspora por que passava (e passa) seu povo: “Onde meus filhos vão, eu vou. Aqui (em Ricardo Franco) estou sozinha. Eu quero procurar um canto para morar com os meus filhos. Cansei de andar com o pai de meus filhos. Moramos em Ouro Fino, em Costa Marques, abaixo de Porto Acre (rio Guaporé), e depois na Baía das Onças, onde um irmão meu morreu afogado” (CIMI, 2015, p. 33).

Externamente, o nome Kujubim (palavra de origem tupi para designar o pássaro Kutruye na língua dos Kujubim), é largamente utilizado pelos não-indígenas para designar o povo agora internamente denominado Kutruye e será mantido já que registros documentais oficiais assim se referem a essa etnia como, por exemplos, no site da socioambiental (KUJUBIM a, acesso em 2016) e o programa “bolsa família” do Governo Federal.

Linguisticamente, o grupo étnico Kujubim pertence à família Txapakura (RODRIGUES, 1986, p. 76-81; KUJUBIM b, 2016)92 e, como mostraram dos dados etnográficos acima, é mais um povo indígena que possuía território, costumes e língua próprios e que, como tantos outros, “foi expulso de seu território tradicional, localizado nas duas margens do rio Cautário, município de Costa Marques, atualmente ocupado por fazendas e pela Reserva Extrativista do Rio Cautário” (CIMI, 2015).

Passados quase vinte anos, o grito proferido pela matriarca Francisca Kujubim continua silenciado e o povo Kujubim, ou o povo Kutruye, para eles, permanece diaspórico de suas terras ancestrais em consequência da ganância e da indiferença dos não-indígenas. Atualmente, cerca de 140 Kujubim (SIASI/SESAI, 2014) vivem dispersos por diversos municípios ou localidades de Rondônia: Terra Indígena Guaporé e Sagarana, Forte Príncipe da Beira, Costa Marques, Seringueiras, Guajará-Mirim, Candeias do Jamari e Porto Velho.

4 ACERVO PARCIAL DA MEMÓRIA COLETIVA: narrativas da tradição oral

Como já anunciado acima, durante a assembleia geral do Povo Indígena Kujubim em Costa Marques, o primeiro autor deste artigo teve a grata oportunidade de ouvir alguns relatos da sua tradição oral, que foram produzidos por alguns voluntários ali presentes e cujos nomes permanecerão no anonimato por se tratar de acervo coletivo de um povo e não de indivíduos. Apensar da violenta diáspora a que esse povo fui sujeitado, alguns deles ainda guardam em suas memórias fragmentos da memória coletiva ancestral. Trata-se, com certeza, de uma acervo fragmentário, mas, não temos dúvida de que se constitui numa documentação de importância singular para esse povo, para a memória indígena de modo geral e mesmo para o acervo cultural da humanidade.

4.1 Reencontrando o caminho de casa

Na nossa cultura, assim, no conhecimento do nosso povo, quem estiver perdido na mata, quando estiver caçando, para se encontrar é só fazer um cigarro, acender, deixar aceso dentro da mata, em cima de um tronco, em cima de uma folha. Depois disso, você acende o cigarro, põe em cima do tabaco, em cima de uma folha. Aí você anda, anda, assim pra frente, um pouco; então você para e fica ali parado, imaginando: - Onde será que eu estou? Mesmo perdido, você vai acertar de novo qual é o caminho de volta!

4.2 A caça, o beiju e o fogo na aldeia

Esta aqui é uma historinha que minha mãe contou pra mim. Lá na aldeia, todos os dias minha mãe levantava bem cedo pra chamar os parentes para ir tomar banho no igarapé. Depois que todos tinham tomado banho, eles se pintavam de urucum e os homens iam caçar para ter mistura para comer com o biju. Minha mãe também contava que o fogo era feito de uma lasca de urucum, um galhinho de urucum em forma de uma caneta, que se esfregava nas palmas das mãos até produzir uma brasinha. Como custava muito conseguir fazer o fogo, ela segurava aquela brasinha por muito tempo e fazia de tudo para nunca deixar apagar. Por isso, ela já pegava dali e levava pra outro canto. Ela dizia também que no mato tem umas madeiras que, quando pega fogo, ela não apaga não, e passa muitos dias queimando.

4.3 A rotina na aldeia

Vó Francisca ou Chiquinha, como era mais conhecida, dizia que na aldeia ela e seus parentes sobreviviam da roça, de onde colhiam cará, mandioca, batata doce etc. Falava que a maloca onde ela morava ficava na beira do rio e tinha um pilão feito de barro; ela sempre falava desse pilão. Ela e seus parentes passavam meses caçando, pescando, pegando frutas como babá93, mururé94, açaí, patuá95, tucumã96 e depois voltavam para a aldeia. Aí eles finalizavam todo esse trabalho como uma grande festa onde não faltava chichada97, moqueca, najá98, aricurê99 e frutas das árvores.

4.4 Pintura no corpo: guerra e festa

A pintura dos Kujubim tem de duas formas: um risquinho preto e vermelho pintado no canto da boca com tinta (retirada) do urucum. Quando a pintura é toda (em cor) vermelha é que os Kujubim estão prontos pra briga; quando a pintura é (de cor) vermelha e preta é que eles estão em paz e em tempo de festa. E esse risquinho pintado no canto da boca, perto da boca, significa um gato, representa um gato, o gato maracajá, que é o gato do mato. E esse daqui (desenho com flechinhas) é pintura dos braços. Quando vão festejar, tanto as mulheres quanto os homens fazem essas pinturas nos braços, no peito e nas pernas.

4.5 O pai da mata

Quando nós éramos (era) criança, nós andávamos (andava) no seringal com meu pai. Eu ouvia meu pai e minha mãe contando. Mesmo quando nós já éramos (era) grande meu pai ainda passava essas histórias pra nós. Quando meu pai saía pra estrada, nós ficávamos (ficava) com medo. A mamãe não deixava nós ficarmos (ficar) embaixo do barracão porque a casa era feita de assoalho. Então nós subíamos (subia) pra cima, mas ela não deixava a gente brincar com medo do “Pai da Mata”, que era um espírito, que cuida da floresta! Esse espírito, ele protege a floresta. Se ele vir (ver) assim, o caçador que fica caçando, maltratando os animais, ele bate né, porque (que) não é pra estar (tá) coisando assim. Como quando (Que nem) eu estava (tava) falando pro professor lá na escola, essa história, aí ele perguntou assim, se eu sabia contar né!? Aí eu contei e ele falou assim:

- Ah isso é mito!

Mas pra mim Não é MITO, não! Porque eu convivi dentro do seringal, eu ouvi o meu pai, ouvi a minha mãe contando tudo isso como (que nem) eu estou falando agora, como eu vou repassar pra vocês agora. Não sei quem vai acreditar, se é mito ou verdade, se é mentira, mas pra mim é verdade! Que existe!!! Que é o espírito, o “Pai da Mata” quem (que) cuida da floresta. Se ele vir (ver) que tem assim uma pessoa que vai no mato só pra caçar, que não está (tá) precisando daquela caça, necessitando da caça, ele dá o castigo, ele bate no caçador, até ele chegar lá na casa dele. E quando ele quer fazer só brincadeira mesmo, só assustar as pessoas, se tem cachorro na locação, onde que a gente ficava, ele também ia e só batia. Mas a gente nunca via a pessoa porque ele é um espírito, a gente só ouvia o cachorro gritando.

4.6 A mãe d'água

Outra coisa: quando eu contei lá na escola a história do “Pai da Mata”, uma professora disse:

- Olha, você sabe outro mito?

Então eu falei:

- Não, professora, eu não sei mito! O que eu sei, eu ouvi da minha mãe, do meu pai, que está aqui, eu ouvi da minha vó e todos eles realmente afirmam que é verdade. Então eu estou (tô) repassando pra vocês, pros meus colegas e pra senhora que está (tá) aqui dentro da sala de aula, que é o que eu ouvi da minha mãe sobre a “Mãe d´água”.

Minha mãe falou um dia, quando ela desceu na beira do rio, isso tudo é lá no Guaporé, quando ela desceu pra beira do rio, ao meio-dia, ela desceu e olhou pra baixo assim da tábua, que era uma tábua de uma canoa emborcada, ela viu uma mulher muito bonita. Ela afirma ainda que até hoje essa mulher está (tá) dentro da baía, que vai rumo pra Laranjeiras, finalzinho da baía de Laranjeira. Minha mãe diz que viu, diz que essa mulher ainda está (tá) lá pra dentro porque ela viu, ao meio-dia, ela viu a mulher subindo pra lá.

4.7 A cidade debaixo do Rio Guaporé

E tem a história da cidade, que minha vó contava também. Pode até que vocês vão achar (acharem) ridículo, eu não sei! A história da cidade que tem dentro do rio Guaporé também. Minha vó diz que ela escutava essa história também lá no seringal. Quando eles iam pro seringal, ela falou assim, minha vó contava assim, quando nós íamos (ia) pro seringal, tinha uma locação, uma colocação onde nós só ficávamos (ficava), só ficávamos (ficava) nós, e tinha um vizinho mais pra dentro. Ela falou que teve um belo dia que ela levantou foi cedo, minha vó conta né, diz que ela levantava cedo e sempre ouvia, mas era só ela que ouvia, sempre ouvia o galo cantar, o boi berrar, mas no fundo d´água! Isso era naquela locação onde que eles ficavam, no Guaporé. Aí teve esse dia que ela levantou cedo, seis horas da manhã, e foi pro rio. Aí quando ela olhou pra lá pro rio, viu duas pessoas, um casal, um homem e uma mulher, sentado na galhada. Preocupada assim, ela pegou e voltou e, pra não dizerem (dizer) que era mentira dela, voltou pra chamar a nossa tia mais velha, a irmã da mamãe. Foi lá, chamou e minha tia veio. Quando avistou assim o casal no fundo do rio, a minha tia se assustou porque por ali não tinha vizinhança, não tinha gente, só eram (era) elas duas. Aí ela se assustou, se admirou e pá!!!, caiu dentro da água, dentro do rio Guaporé. Essa é a história que eu ouvi da minha mãe, do casal no fundo do rio Guaporé. Então não é mito, pra mim não é mito! Pra mim é realidade, pra mim existe o “Pai da mata”, a “Mãe d´água” e a “Cidade debaixo d'água no rio Guaporé”.

4.8 Três caçadores e os mistérios da mata

Três caçadores, saíram pro mato. Andaram, andaram na mata. Aí um caçador falou pro outro caçador:

- Bora! Bora pegar um porco?

- Bora! - disse o primeiro caçador, imediatamente.

- Então pega a embira100 aí, coloca nas costas pra nós irmos (ir) atrás do porco - falou o primeiro caçador para o terceiro caçador.

E saíram todos os três atrás de queixada. Andaram, andaram, andaram. Mais à frente, os três tiveram vontade de fazer um cigarro. Sentaram num pau, que ficava fora da terra, suspenso da terra. Sentaram os três no pau e o primeiro caçador começou a fazer um cigarro. Como só tinha um saquinho de tabaco forte, um foi passando pro outro ...

- Rapaz, eu já fiz o meu - disse o primeiro.

- Eu também - emendou o segundo.

- Passa aí o fumo que eu quero terminar o meu! - falou o terceiro.

Mal esse último caçador tinha começado a fazer o seu cigarro, olhando para o lado, viu uma outra pessoa junto deles. Sem entender, cutucou o primeiro caçador, deu-lhe um sinal e falou:

- Rapaz, ué, ... rapaz, olha aí! Nós somos só três caçadores e agora apareceu mais um aqui. Agora nós somos quatro?!

Balançando a cabeça positivamente, o primeiro mostrou que também estava vendo e, sussurrando, falou no ouvido de segundo:

- É o seguinte, já que nosso companheiro está terminando de fazer o cigarro, eu vou acender daqui pra lá. Eu vou acender primeiro o meu cigarro; depois passo o isqueiro pra você acender o seu até chegar no dele.

- Está bem - disse o segundo.

- E apronta aí a espingarda porque você vai dar um tiro no desconhecido - ordenou-lhe o primeiro.

Como sempre acontece, era um corajoso encorajando outro.

Quando o terceiro terminou de fazer o cigarro, o primeiro acendeu e passou o isqueiro pro segundo, que fez a mesma coisa e passou pro terceiro. Em seguida, primeiro cutucou o segundo, que cutucou o terceiro, indicando que a hora estava quase chegando.

Mas, nessa hora, o sujeito desconhecido falou assim:

- Eu também quero um cigarro.

- Tá bom! - disse o terceiro.

E pegando o tabaco, começou a fazer o cigarro do mesmo jeito, mas sem olhar nos olhos do desconhecido porque, como os outros dois caçadores, estava morrendo de medo.

- Pega aí o isqueiro também - acrescentou o primeiro para o desconhecido.

Então o terceiro pegou o isqueiro e, voltando-se para o primeiro, perguntou baixinho:

- Rapaz, isso aí não está certo, não, o que é isso, quem é esse sujeito aí?

- Rapaz, não sei não, mas a gente vai dar um jeito nele aqui na bala, insistiu o primeiro. E olhando para o segundo, falou baixinho:

- Quando nosso companheiro for acender o cigarro do desconhecido, eu vou te falar “Fogo”! Aí você mete bala nele.

- Tá bom! - disse o segundo.

Logo em seguida, o desconhecido, meio espantado com todo aquele cochicho, colocou o cigarro na boca.

Morrendo de medo, o segundo caçador ficou preparando a espingarda e o terceiro enrolando demais para acender o cigarro do desconhecido.

Sussurrando nos ouvidos do primeiro, o terceiro, morrendo de medo, suplicou:

- Agora que ele também tem cigarro, não está na hora de nós ir(mos) embora?

O desconhecido, muito menor que os três caçadores, mas de voz grossa, implorou:

- Rapaz, eu quero fogo também!

Imediatamente, o primeiro gritou:

- Mete fogo nele!

Levantando-se armado e apressado, o segundo gritou:

- Lá vai fogo!!! Tammmmmmm!!!

Tudo ao redor ficou preto de fumaça.

- Rapaz, você matou? Será que você matou? Será? - perguntou desesperado o terceiro.

- Sei não, só sei que dei um tiro nele!!! - sentenciou o segundo.

- Agora vamos ver o que aconteceu - disseram quase que ao mesmo tempo os três caçadores corajosos!

Esparramaram a fumaça com as mãos e chegaram no ouvido do desconhecido e Tummmmmm!!!! Atiraram por cima. E novamente tudo ficou coberto pela fumaça, tudo. Deixaram clarear, e a fumaça foi limpando, limpou tudo!

- Cadê o desconhecido? - perguntou o terceiro.

- Rapaz, eu não sei, não! - disse o segundo.

- Sumiu! - falou o primeiro - Vamos embora! Foram correndo, mas quanto mais corriam, mais medo dava neles... correram até começarem a esmorecer, a ficar sem forças. - Rapaz, rapaz!!! - gritavam um para o outro.

- Não sei não... não sei o que está acontecendo comigo - gritou desesperado o primeiro.

Não teve jeito, não. O segundo e o terceiro tiveram que carregar o amigo nas costas e deram no pé. E quando já estavam bem longe, ouviram o grito do desconhecido:

- Rapaz, me esperem aí. Aonde vocês estão indo? Esperem por mim, esperem por mim!

Os dois corajosos jogaram tudo que estavam carregando e correram até não escutarem mais o grito. E sempre correndo, chegaram em casa.

Ao redor dos dois caçadores reuniu-se toda a vizinhança curiosa para saber o que tinha acontecido.

- Rapaz - relatou o terceiro - a gente estava lá dentro do mato e eu não sei o que aconteceu porque nós éramos somente três, mas apareceu um quarta pessoa. Nós atiramos nele e depois fugimos. Aí o desconhecido, não sei como, começou a gritar para a gente esperar ele. Desesperados, largamos tudo e corremos como loucos, deixando nosso companheiro no meio do caminho porque ele estava sem forças e não conseguia correr mais. Ele deve estar ainda no mato, talvez junto com o desconhecido.

Comovidos com a situação por que passava o primeiro caçador, muita gente que estava ali ouvindo os dois caçadores resolveu juntar um monte de jegues e, junto com os caçadores, voltaram pro mato.

- Rapaz - disse o terceiro - vamos ver o que aconteceu com ele. Temos que trazer o nosso companheiro de volta. Ele não pode ficar lá na mata, não. Chegando no local onde tinham deixado o amigo, viram que ele não estava mais lá, viram que o companheiro de caça deles já não estava mais no lugar onde tinham deixado. Então resolveram gritar:

- Eiiiiiiiiiiiii!

- Estou aqui! - respondeu o companheiro perdido.

- Rapaz - disseram ao mesmo tempo o primeiro e o segundo caçador - vamos pra lá, vamos embora.

Quando chegaram no local, o amigo já estava em outro canto.

- Eiii! Puxa vida... e agora hem! - falou o segundo, desanimado.

- Acho que o desconhecido carregou nosso amigo lá pra casa dele - imaginou o terceiro.

Voltaram.

- Rapaz, - disse o segundo - não está aqui, não está aqui, não. E agora? O que vamos fazer?

- Rapaz, - vamos procurar uma pessoa que entende de alguma coisa, duma reza, duma oração, uma coisa assim, para descobrirmos onde nosso companheiro está - falou o terceiro

- Não tenho certeza, mas acho que ele não está morto, não, - disse um dos foram ajudar os dois caçadores a encontrar o caçador perdido.

- Mas ele não está no meio do caminho, não está lá onde nós deixamos - garantiu o terceiro.

- Rapaz, sei não, mas eu acho que nosso amigo foi levado pelo desconhecido lá pra outro canto - falou um outro que estava ajudando os dois caçadores.

Então resolveram procurar o caçador perdido por todo canto. Por fim, já conformados com o desaparecimento do companheiro, resolveram voltar para casa. Quando chegaram, encontraram o amigo de caçada deitado em sua cama.

- O que aconteceu, rapaz - indagou o segundo, todo espantado.

- Naquela hora que vocês me deixaram na mata, apareceu um homem lá, um homem, ele me colocou nas costa e me trouxe até aqui. E eu não tive reação de nada.

- Você não teve medo, não? - perguntou o terceiro um tanto arrependido e envergonhado.

- Não, não me deu medo, não. Eu estava com as carnes todas moles assim. Eu não podia ficar em pé. Ele me colocava em pé e eu caía de novo. Só que ele não falava comigo. Mas aí ele foi e falou, só uma palavra que ele falou:

- “Você não aguenta sair da mata?”

- Ele assim, sem... sem consegui falar direito né! A língua dele pesou, tudo ficou assim e ele falou de novo:

- “Como você não consegue sair da mata, eu vou te levar.”

E acrescentou:

- “Eu, eu faço a bondade para as pessoas, mas olhe, mas só que eu não gosto que os homens ficam maltratando meus animais. Eu gosto que eles vêm pro mato, que cacem, matem e comam. Não gosto que só atirem, sem precisão!101

Aí me botou nas costas e óh (sinal correndo), e caminhando me trouxe até aqui pra casa. E em seguida, ele foi embora.

4.9 O mapinguari

O Mapinguari é um bicho alto, cabelos compridos, pelo liso, com um olho no meio da testa, que grita muito forte na mata, deixando os indígenas apavorados. Nada adianta fugir porque ele corre muito, alcança, mata e come a vítima pelo umbigo, onde está localizada sua boca redonda, tipo oval, e cheia de dentes. Ele tem presas grandes, iguais a de um macaco, de um macacão, dois pés, como o nosso, mas são também muito grande. Os braços do Mapinguari são peludos e a mão é bem maior que a nossa. Ele não tem hora para caçar, caça a qualquer hora, dependendo apenas de sentir a presença de ser humano por perto. Nossos parentes ouviam os gritos, mas nunca chegavam a ver o Mapinguari porque não suportavam o grito dele. Quando eles viam que iam ser devorados, ele óh, corriam, fugiam. Quem vai ficar parado por ali? Ninguém!!!

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Graças à oportunidade proporcionada pela FUNAI, mas sobretudo, graças à generosidade de diversos informantes presentes na Assembleia do Povo Indígena Kujubim realizada nas dependências do salão paroquial da Igreja Católica na cidade de Costa Marques, que aceitaram o nosso convite para contar parte do seu patrimônio imaterial, da sua tradição oral e cultural, é que pudemos registrar neste espaço narrativas ancestrais do povo Kujubim das quais emergem alguns de seus sonhos, crenças e valores, que ficarão à disposição de seus contemporâneos e de seus sucedâneos e/ou a quem interessar possa. Mesmo fragmentárias, as nove narrativas que foram inseridas neste artigo, como vimos no breve aporte teórico, revelam traços identitários não somente dos seus enunciadores-narradores, mas também de todo o seu agrupamento étnico, que teimosamente tenta resistir e sobreviver. Nas tradições orais de seus antepassados, que eles conseguiram recordar e recontar, está embutida, mesmo que de forma fracionada, reiteramos, a forma de ver e viver a vida de mais um genuíno povo da floresta amazônica. A sua visão de mundo, de seu mundo florestal, espelha, mesmo que parcialmente, as relações humanas e os papeis desempenhados pelos indivíduos na sociedade kujubiniana de antanho.

O que nos resta, agora, é torcer para que as decisões tomadas na Assembleia realizada na cidade de Costa Marques no final de 2013 mereçam, enfim, o apoio dos órgãos federais, estaduais e municipais responsáveis pela cultura e que de mãos dadas às lideranças do povo Kujubim/Kutruye, grupo étnico amazônida e singular, levem adiante o clamor da matriarca Francisca Kujubim e o sonho do resgate de suas terras e a memória das tradições contidas em suas narrativas mereçam o devido respeito e consideração.

88Ernest Gellner, em seu livro "El arado, la espada y el livro": la sctructura de la historia humana" [México: Fondo de Cultura Económica, 1992) estabelece uma diferença crucial entre a noção de "comunidade" (período pré-industrial) e "sociedade" (período pós-industrial) e as consequências disso na cognição humana.

89Idem à nota 88.

90HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Centauro, 2006.

91O Real Forte Príncipe da Beira, também referido como Fortaleza do Príncipe da Beira, localiza-se na margem direita do rio Guaporé, atual município de Costa Marques, no estado de Rondônia, no Brasil. Em posição dominante na fronteira com a Bolívia, esta fortaleza é considerada a maior edificação militar portuguesa construída fora da Europa no Brasil Colonial, fruto da política pombalina de limites com a coroa espanhola na América do Sul, definida pelos tratados firmados entre as duas coroas entre 1750 e 1777. (FORTE PRÍNCIPE DA BEIRA. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Real_Forte_Pr%C3%ADncipe_da_Beira>. Acesso em: 13 set. 2016).

92Fariam parte da família Txapakura línguas como: Kujubim, Wari, OroWin, Moré/Itenes, Torá, Urupá Wanham, Cumana, Kuyuna.

93Babá: arbusto rasteiro contendo bagas comestíveis.

94Mururé: planta com raízes terrestres e frutos.

95Patuá: palmeira com folhas apropriadas para fazer cesto e de cujo fruto se faz bebida.

96Tucumã: palmeira com frutos amarelos com tons avermelhados com folhas apropriadas para fazer cordas.

97Chichada: resultado da produção de bebida alcoólica, ger. feita com mandioca, mel e água, mas tb. com milho ou frutas fermentados.

98 Najá ou inajá: palmeira de estipe anelado de onde se extraem ótimo palmito e frutos com polpa suculenta, comestível, e amêndoa de que se extrai óleo amarelo.

99 Aricurê ou ouricuri: palmeira com pecíolos em espiral e de cuja medula se produz farinha.

100Embira: árvores e arbustos dos quais se extraem as fibras da parte interna para a confecção de cordas e estopa.

101O desconhecido era o "Pai da Mata".

REFERÊNCIAS

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FORTE PRÍNCIPE DA BEIRA. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Real_Forte_Pr%C3%ADncipe_da_Beira>. Acesso em: 13 set. 2016. [ Links ]

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VEGINI, V. Wainiam, Puruborá e Kujubim/Kutruye: povo, cultura e tradição - um relato experiencial. Revista Sustentabilidade Organizacional, v. 3, n. 1, fev./2016-jul.2016. [ Links ]

Recebido: Setembro de 2016; Aceito: Novembro de 2016

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