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Revista Exitus

versión On-line ISSN 2237-9460

Rev. Exitus vol.8 no.1 Santarém ene./abr 2018  Epub 23-Mayo-2019

https://doi.org/10.24065/2237-9460.2018v8n1id391 

Artigos

DIVERSIDADE E GESTÃO DEMOCRÁTICA NO CONTEXTO EDUCACIONAL

DIVERSITY AND DEMOCRATIC MANAGEMENT IN THE EDUCATIONAL CONTEXT

DIVERSIDAD Y GESTIÓN DEMOCRÁTICA EN EL CONTEXTO EDUCATIVO

Francisca das Chagas Silva Lima1 

Maria José Pires Barros Cardozo2 

1Doutora em Educação. Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação e do Curso de Pedagogia da Universidade Federal do Maranhão. E-mail: fransluma@bol.com.br

2Doutora em Educação. Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação e do Curso de Pedagogia da Universidade Federal do Maranhão. E-mail: maria.cardozo@ufma.br


RESUMO

O presente artigo trata da diversidade a partir do princípio da gestão democrática e das questões que enfocam a valorização das diferenças no âmbito da escola mediante instrumentos tais como: participação, trabalho e decisões coletivas e autonomia. Por meio da pesquisa bibliográfica e documental aborda-se a questão da diversidade e sua relação com a política educacional brasileira, destacando-se os desafios para a gestão democrática da educação e da escola. Conclui-se que ainda são necessárias práticas que valorizem e promovam a diversidade, sem desconsiderar a perspectiva da igualdade, tais como as políticas compensatórias e ações afirmativas, uma vez que, emergem dessas políticas novos desafios, especialmente para educadores e gestores escolares, pois sua execução implica a necessidade rever o papel da educação, da escola e de seus profissionais frente às diversidades.

Palavras-chave:  Diversidade; Gestão Democrática; Política Educacional

ABSTRACT

The present article treats of diversity from the principle of democratic management and of the issues that focus on the valuation of differences within the school through instruments such as: participation, work and collective decisions and autonomy. By means of bibliographical research and documentary deals with the issue of diversity and your relationship with the brazilian educational policy, highlighting the challenges for the democratic management of education and the school. It is concluded that are still required practices that value and promote diversity, without perspective esquecermosda of equality, such as compensatory policies and affirmative action, since these policies emerge new challenges, especially for educators and school managers, because your implementation implies the need to review the role of education, the school and its professionals in the face of diversity.

Keywords:  Diversity; Democratic Management; Educational Policy

RESUMEN

El presente artículo trata de la diversidad desde el principio de gestión democrática y de las cuestiones que se centran en la valoración de las diferencias dentro de la escuela a través de instrumentos tales como: participación, trabajo y las decisiones colectivas y la autonomía. Mediante investigación bibliográfica y documental aborda el tema de la diversidad y su relación con la política educativa brasileña, destacando los desafíos para la gestión democrática de la educación y la escuela. Se concluye que son prácticas aún requiere que el valor y promover la diversidad, sin esquecermosda de la perspectiva de la igualdad como políticas compensatorias o de acción afirmativa, ya que estas políticas surgen nuevos desafíos, especialmente para los educadores y Escuela de gerentes, porque su implementación implica la necesidad de revisar el papel de la educación, la escuela y sus profesionales frente a la diversidad.

Palabras clave:  Diversidad; Gestión democrática; Política educativa

1 INTRODUÇÃO

As reflexões contempladas neste artigo tratam da diversidade no contexto educacional brasileiro, tendo como enfoque gestão democrática, temática que tem contemplado lugar central no debate educacional nas duas últimas décadas, expressando o desafio enfrentado por educadores e gestores na construção de novas práticas pedagógicas e administrativas que respeitem a diversidade e contribuam para a inclusão social. Com destaque para a construção de práticas que valorizem as diferenças, o respeito às opiniões divergentes, o acatamento e valorização da diversidade obscurecida pelos chamados discursos dominantes que defendem a promoção da paz e a coesão social (CARVALHO, 2012).

Na expectativa de contribuir para esse debate, as reflexões desenvolvidas problematizam alguns pontos, principalmente a abrangência dessa temática, que se situa para além da área educacional, atingindo diversos espaços. Procuramos identificar aspectos aos quais se tem dado prioridade no campo educacional, para tanto, analisaremos alguns documentos oficiais, além de algumas publicações em livros e artigos de periódicos especializados. Tecemos algumas considerações destacando questões sobre a relação entre o discurso de defesa da diversidade e as condições históricas atuais, na perspectiva de analisá-las como parte integrante da ideologia que orienta a definição das ações do Estado, para o enfrentamento dos desafios impostos por uma sociedade marcada pela desigualdade social, entre outros aspectos.

Destacamos, ainda, que a adoção de ações que valorizam e promovam a diversidade, como as políticas compensatórias e ações afirmativas, constituem respostas às novas exigências da sociedade no contexto atual, uma vez que emergem dessas políticas novos desafios, especialmente para educadores e gestores escolares, pois sua execução implica a necessidade de se repensar o papel da educação, da escola e de seus profissionais frente às diversidades.

A partir das reflexões sobre diversidade política educacional, gestão democrática, destaca-se que a questão da diversidade nas políticas educacionais e no campo da gestão escolar necessita de mais estudos, uma vez que “a literatura tem privilegiado aspectos relacionados ao currículo, aos conteúdos e às práticas pedagógicas, na perspectiva da oposição à homogeneidade, à padronização e à uniformização do antigo modelo” (CARVALHO, 2012, p. 1), ou seja, ao âmbito relativo à gestão escolar.

Circunscrita a este artigo, entendemos a gestão democrática como um processo que favorece a leitura de mundo mais crítica e reveladora das estruturas de poder e desigualdades vigentes na sociedade e, consequentemente, no âmbito educacional. Portanto, é também um processo de aprendizado e de luta política que não se limita somente à prática educativa, mas a outras dimensões da prática social. A gestão na perspectiva democrática exige uma compreensão teórica dos problemas que a prática pedagógica revela. Ela visa romper com a separação entre concepção e execução; entre pensar e fazer; entre teoria e prática educativa, enquanto a gestão escolar refere-se aos processos de organização das instituições tanto no nível micro, ou seja, no âmbito escolar, como no nível macro, num contexto mais amplo, englobando município e o estado.

Portanto, as questões ligadas à diversidade dizem respeito à gestão democrática em seu sentido amplo, incluindo aí gestão escolar, orientada por princípios como participação, trabalho e decisões coletivas e autonomia. Tais aspectos envolvem complexas relações e interações entre os indivíduos que compõem a comunidade escolar, vez que eles expressam dimensões subjetivas, valores e significados transmitidos pela escola e outras instituições da sociedade.

Os aspectos acima destacados serão abordados ao longo do presente artigo, com base em pesquisa bibliográfica e documental, para tanto organizamos a exposição em três itens: situamos a questão da diversidade; enfocamos a diversidade e sua inserção na política educacional brasileira, destacando os desafios para a gestão democrática e; tecemos algumas considerações sobre as questões abordadas ao longo do texto.

1 SITUANDO A QUESTÃO DA DIVERSIDADE

Segundo Fleury (2000, p. 20), o conceito de diversidade que tem sido definido “como um mix de pessoas com identidades diferentes, interagindo no mesmo sistema social”. Nesses sistemas, coexistem grupos de maioria e de minoria. Os de maioria são os grupos cujos membros historicamente obtiveram vantagens em termos de recursos econômicos e de poder em relação aos outros.

Para Cox (1994, p. 11) a gestão da diversidade significa planejar e executar sistemas e práticas organizacionais de gestão de pessoas, de modo a maximizar as vantagens e potenciais da diversidade e minimizar as suas desvantagens. Depreende-se, portanto, que o tema da diversidade pode ser estudado sob diferentes perspectivas: nas instituições, nos grupos e nos indivíduos. Pois os padrões culturais expressam valores e relações de poder e, precisam ser referenciados e analisados em todos os níveis.

Em suma, o objetivo principal da gestão da diversidade cultural é administrar as relações de trabalho, as práticas de emprego e a composição interna da força de trabalho, a fim de atrair e reter os melhores talentos dentre os chamados grupos de minoria. Isso pode ser feito por políticas de recrutamento que incorporem os critérios relacionados à diversidade cultural do mercado de trabalho (FLEURY, 2000, p. 21).

Estudos sobre a temática esclarecem a posição que as empresas têm assumido na atualidade. Estas também demonstram preocupação com a gestão da diversidade. Na Europa, assim como no Brasil, a crescente diversificação da força de trabalho nas últimas décadas levou à promulgação de leis proibindo a discriminação, o assédio e toda e qualquer forma de opressão exercida sobre os funcionários das empresas, em razão de diferenças de origem étnico-racial, deficiência, idade, orientação sexual e fé ou religião.

Em 1985, os dados projetados por estudos do Instituto Hudson para o ano 2000 estimaram uma força de trabalho para os EUA com diferentes características: os brancos diminuiriam sua participação no mercado de trabalho e o segmento mulheres brancas aumentaria, seguido por homens e mulheres negras. Para Fleury (2000), a diversidade da força de trabalho é um fenômeno internacional, presente nos países desenvolvidos ou em desenvolvimento. Há diversos aspectos a serem considerados ao se pensar no que significa diversidade: sexo, idade, grau de instrução, grupo étnico, religião, origem, raça e língua. Vale ressaltar também que o conceito de diversidade cultural não inclui somente a raça e o sexo, mas também grupos étnicos, religiosos, de origem, idade, etc.

Na atualidade, o acirramento dos conflitos entre regiões do Oriente Médio e África, as guerras e as catástrofes naturais têm provocado a migração entre continentes, pois cada vez mais pessoas buscam novas oportunidades, trabalho, emprego, renda e melhores condições de vida, forçando, principalmente, o continente europeu a promover mudanças nas suas políticas, de modo a permitir que esses migrantes tenham permissão para viver em condições de vida digna em seu território.

Considerando esse fenômeno, alguns governos e organizações internacionais que desenvolvem trabalho humanitário, além da Organização das Nações Unidas (ONU) e da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), têm discutido esse quadro preocupante que se delineia, a partir da expulsão das pessoas dos seus países de origem a partir da brutalidade da violenta campanha empreendida, como, por exemplo, na Síria e no norte do Iraque, onde as terras são invadidas, obrigando milhões de pessoas a fugir da violência da guerra e, assim, produzindo refugiados. Os países europeus buscam definir de forma conjunta a adoção de orientações e estratégias de enfrentamento dessa realidade.

O aumento dos conflitos étnico-raciais reforçou na União Europeia o aumento da preocupação com a gestão da diversidade. Assim, foi lançado o documento Gestão da Diversidade: o que representa para a empresa? Composto por um conjunto de orientações que “visam fornecer as informações básicas relativas às Políticas de Antidiscriminação da União Europeia, apresentando simultaneamente uma série de conselhos práticos sobre possíveis metodologias a adotar pelos indivíduos e pelas empresas para combater a discriminação” (União Europeia, s/d, p. 4).

De acordo com a Unesco, a definição de políticas públicas que concorram para garantir a concretização dos objetivos de construção da igualdade de direitos de cidadania entre os diferentes grupos e de prevenção e resolução dos conflitos étnicos deve ser prioridade dos governos. A esse respeito, a posição assumida pela Unesco é a de que

[…] a promoção de uma governação de cariz democrático e a concepção de políticas multiculturais exigem, antes de mais e, sobretudo, um enquadramento legal que reconheça a igualdade de direitos dos diversos grupos étnicos, religiosos e linguísticos. Esse enquadramento é fornecido pelos instrumentos de direito internacional relativos aos direitos humanos, no que se refere aos direitos das pessoas pertencentes a minorias (UNESCO, 2008, p. 3).

O tema diversidade cultural é relativamente novo na agenda das empresas brasileiras. Surge no bojo dos processos de mudança, vivenciados pelas empresas no ambiente altamente competitivo dos anos 90 do século passado. Aparece, também, em empresas subsidiárias de multinacionais americanas, em consequência de pressões da matriz. Não tem origem em dispositivos legais, como ocorre em outros países, como os Estados Unidos e Canadá. Com um enfoque mais pragmático, a gestão da diversidade cultural foi uma resposta empresarial à diversificação crescente da força de trabalho e das necessidades de competitividade.

Do ponto de vista governamental, a partir de 1990 o Brasil iniciou algumas iniciativas consideradas relevantes no tratamento da questão da inclusão e da gestão da diversidade. Tais iniciativas foram motivadas pela pressão internacional no sentido do cumprimento dos acordos e agendas voltadas para o combate às desigualdades raciais, de gênero etc.

Por outro lado, as reivindicações dos movimentos sociais, sobretudo os organizados pelos indígenas, negros, quilombolas, feministas, povos do campo, pessoas com deficiência, entre outros, contribuíram para definição de algumas políticas, legislações e ações que atendessem às demandas desses movimentos que, requeriam principalmente, ações educativas de combate às desigualdades e de respeito as suas diversidades.

Dentre as ações governamentais destacam-se a criação, em 2003, da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM) e da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR) – órgão vinculado diretamente ao Gabinete da Presidência da República; a adoção de cotas para candidaturas nos partidos políticos, para contratações no mercado de trabalho e para concorrer a vagas nas universidades públicas, além da aprovação do Estatuto da Igualdade Racial em 2010.

A SEPPIR reuniu várias ações voltadas para a população afrodescendente, com destaque para a atuação junto a comunidades quilombolas, no campo da saúde da população negra; e na área do ensino de história e cultura afro-brasileira nas escolas com a Lei nº 10.6392003, que alterou Lei de Diretrizes e Bases (LBD) nº 9.394 de 1996, foi outra ação significativa, pois introduziu a obrigatoriedade da temática história e cultura afro-brasileira na educação básica (RODRIGUES; ABRAMOWICZ, 2013).

Convém destacar, também a Lei nº 12.711/2012 que garantiu a reserva de 50% das matrículas por curso e turno nas 59 Universidades Federais e 38 Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IFECT) a alunos cursaram todo ensino médio em escolas públicas, em cursos regulares ou da Educação de Jovens e Adultos (EJA). A outra metade das vagas foi destinada à concorrência universal.

Ainda em conformidade com os compromissos assumidos pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva com as instituições da sociedade civil, com movimentos sociais e sindicatos no que diz respeito à educação, e em sintonia com as metas e indicações contempladas no plano de governo de garantir um tratamento específico a determinados grupos em situação de discriminação e vulnerabilidade no país, especialmente no que diz respeito ao acesso e à permanência na educação, o Ministério da Educação (MEC), criou em 2004 a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD).

A SECAD foi transformada em Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI), com a perspectiva de contribuir para essa mudança na política pública de atendimento aos grupos denominados minorias3, qual seja:

[...] conseguir compatibilizar o conteúdo universal da educação com o conteúdo particularista e diferencialista de ações afirmativas para grupos, regiões e recortes específicos; dar conta, portanto, de colocar no centro da política pública em educação o valor das diferenças e da diversidade, com seus conteúdos étnico-racial, geracional, de pessoas com deficiência, de gênero, de orientação sexual, regional, religioso, cultural e ambiental (BRASIL, 2004, p. 3).

Registre-se também que, na adoção de medidas inclusivas de respeito à diversidade e no contexto das políticas educacionais, foi estabelecido o sistema de cotas para acesso de negros no ensino superior que, a partir de 2003 passou a contar com a concessão de bolsas para garantir não apenas o ingresso, mas também a permanência dos cotistas nas universidades. Destaca-se, entretanto, que essa política tem sido alvo de críticas por parte daqueles segmentos que têm sido privilegiados ao longo do tempo. Ressalte-se que muitas das críticas revelam a falta de conhecimento dos critérios utilizados para preenchimento das cotas, uma vez que buscam estes garantir um direito previsto em lei, permitindo que minimamente seja feita uma correção do tratamento desigual a que esses sujeitos foram submetidos ao longo de décadas.

Nessa perspectiva,

As ações afirmativas, como mecanismo importante na construção da igualdade racial, já são realidade em inúmeros países multiétnicos e multirraciais, como o Brasil. Foram incluídas na Constituição da Índia, em 1949; adotadas pelo Estado da Malásia desde 1968; implementadas nos Estados Unidos desde 1972; na África do Sul, após a queda do regime doapartheid, em 1994, e desde então no Canadá, na Austrália, na Nova Zelândia, na Colômbia e no México. Portanto, temos que manter o sistema de cotas, pois se trata de recuperar uma medida de igualdade que deveria ter sido incluída na Constituição Federal de 1988 (PAIVA SÁ, 2012, s/p).

Ressalta-se que a implantação e implementação de políticas de atenção à diversidade, sem desconsiderar a perspectiva da igualdade que é uma necessidade urgente, e nesse contexto a educação desempenha um papel fundamental, situação que tem desafiado o sistema educacional na definição de políticas de estado e não de governo.

A esse respeito, Rodrigues e Abramowicz (2013), pontuam que é importante a defesa da diversidade e a luta pela igualdade racial que, passaram a fazer parte das iniciativas do governo a partir de 2003, mas ainda não foram, efetivamente, transformadas em política de Estado, embora no campo educacional o Plano Nacional de Educação (PNE) aprovado em 2014, pela Lei nº 13.005 defina como diretriz a promoção dos princípios do respeito aos direitos humanos, à diversidade e à sustentabilidade socioambiental.

2 A DIVERSIDADE E SUA INSERÇÃO NA POLÍTICA EDUCACIONAL BRASILEIRA: desafios para a gestão democrática

Destaca-se, inicialmente que, a partir dos anos 1980, no contexto da luta pela redemocratização do país, as bandeiras pela ampliação dos direitos sociais da maioria da população brasileira, que tinha pouco acesso às políticas públicas implementadas pelo governo militar, foram fortalecidas, ganhando espaço nas discussões promovidas por diferentes movimentos sociais populares. A partir da década de 90 do século passado, a referência à diversidade passou a ser cada vez mais presente no contexto social e político brasileiro, motivada pela pressão internacional de cumprimento dos acordos internacionais de combate às desigualdades raciais, de gênero e outras e, também por um contexto interno de intensas mobilizações e reivindicações em favor da ampliação e defesa de direitos.

A partir de então, a temática da diversidade tem assumido posição de destaque na política educacional brasileira, a exemplo das conquistas registradas no texto da Constituição Federal (CF)/1988, denominada de “Constituição Cidadã”, da promulgação da LDB n. 9394/1996 - e dos Planos Nacionais de Educação (PNE) 2001-2010 e 2014-2024 e demais documentos legais. Nos limites deste texto, recorremos apenas à CF de 1988, à LDB n. 9394/96 e ao PNE 2014-2024, por considerarmos fundamentais para as reflexões aqui desenvolvidas.

A perspectiva sinalizada é de que a sociedade brasileira, na qual um dos desafios a serem enfrentados são a diversidade de gênero, etnia, religião e opção política, entre outros, crie condições de convivência em um ambiente em que prevaleça o respeito às etnias, à diversidade e a tolerância, por meio da superação de práticas discriminatórias e preconceituosas, de modo a sobrepujar os discursos dominantes que, às vezes procuram escamotear e dá pouca visibilidade à questão e, às vezes reforçam os discursos de tolerância e respeito aos direitos humanos, sem contextualizá-los no âmbito das lutas de classes.

A partir dos novos marcos legais, tais como a CF de 1988, a LDB nº. 9394/1996 e os PNEs, entre outros documentos, temas como a diversidade e a inclusão passaram a fazer parte das ações desenvolvidas pelo governo brasileiro, mediante as políticas compensatórias e ações afirmativas voltadas para atendimento das camadas populacionais historicamente excluídas, sob o argumento da necessidade de compensar ou reparar direitos negados no passado.

Análises desenvolvidas sobre essa questão ressaltam alguns aspectos que podem ser destacados destas políticas: o respeito à igualdade na diferença - tratamento igualitário sob o ponto de vista dos direitos humanos e da justiça social e o respeito à diferença na igualdade – e a individualização de tratamentos. Tal como disposto no capítulo II da LDB n. 9394/1996, que dispõe sobre os princípios e fins dos que orientam a organização da educação nacional:

Artigo 2º - A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Artigo 3º - O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:

I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;

II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber;

III - pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas;

IV - respeito à liberdade e apreço à tolerância;

VIII - gestão democrática do ensino público, na forma desta Lei e da legislação dos sistemas de ensino;

XI - vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais;

XII- consideração com a diversidade étnico-racial (BRASIL, 1996, p. 02).

Constata-se, desse modo que a partir da CF de 1988 e da LDB n.9394/1996, na organização da educação nacional brasileira, o componente democrático representado pela universalização foi uma conquista que legitimou a educação como direito de todos e dever do Estado, a fim de garantir a universalização da educação de qualidade para todos, tal como destacado na LDB:

VIII - gestão democrática do ensino público na forma desta lei e da legislação dos sistemas de ensino;

IV-respeito à igualdade e apreço à tolerância.

Decorridos vinte anos da promulgação da LDB 9394/96, em relação ao princípio que dispõe sobre “igualdade de condições para acesso e permanência na escola”, proposto por esse instrumento normativo, destaca-se que embora tenhamos alguns avanços, a exemplo da universalização do atendimento no ensino fundamental que já se aproxima da concretização, ainda é necessário várias ações para garantir a permanência do aluno na escola, com aprendizagens significativas. Nesse sentido, destaca-se o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério (Fundef), implantado a partir de 1997, no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, transformado em Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização do Magistério (Fundeb) em 2006, no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Estes fundos estabeleceram um custo mínimo por aluno, visando assegurar a qualidade do ensino. E, apesar de terem alterado a realidade dos sistemas municipais de educação, ainda é necessário a ampliação de recursos, considerando cada nível ou modalidade de ensino, bem como as condições e especificidades de cada região, estado e município.

Destacam-se, ainda, outros programas, tais como: Programa de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica Modalidade de Educação de Jovens e Adultos (Proeja)4, Programa de Inclusão de Jovens (Projovem)5, Programa Mais Educação (PME)6, implementados pelo Governo Federal, visando ao cumprimento dos dispositivos legais de melhoria das condições de funcionamento da escola, na perspectiva da construção de uma educação de qualidade que, contribua para o respeito às diferenças e às diversidades culturais. Todavia, tais programas ainda, são necessários para diminuição dos índices de vulnerabilidade social, considerando os retrocessos que a sociedade brasileira vivencia em função da redução dos gastos com as políticas públicas, sobretudo a partir do final de 2016.

Dados do Relatório “As Desigualdades na Escolarização no Brasil”, do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (BRASIL, 2014), mostram que a melhoria dos indicadores educacionais é caracterizada por crescimentos lentos e ainda persistem os problemas no acesso, permanência e desempenho educacional na alfabetização, na educação infantil, nos ensinos fundamental, médio e superior que, evidenciam níveis de desigualdade que desfavorecem as populações da zona rural, os mais pobres, os pretos e os pardos e os índios. Tais afirmações decorrem a partir da análise dos indicadores atuais, construídos com informações da PNAD/IBGE, do EducaCenso do INEP/MEC e de outras fontes oficiais.

O Relatório revela avanços e identifica problemas recorrentes, indicando a manutenção de altos níveis de desigualdade. Aprofundar e acelerar as mudanças nos nossos indicadores educacionais depende de esforços integrados de atores e instituições nas três esferas de governo e em toda a sociedade (BRASIL, 2014a, p. 11).

Reafirma-se, desse modo, a necessidade de enfrentamento do desafio de promover de forma intensificada, equânime e mais acelerada o aumento do nível de escolaridade da população brasileira e da qualidade da educação, principalmente da população pertencente às minorias negras e índios, em que são apresentados os maiores indicadores de desigualdade social, portanto, são necessárias medidas que impliquem em mudanças substanciais nesses indicadores. Ao nosso ver, uma das principais mudanças envolve o aumento significativo do investimento público em políticas sociais e o controle social sobre a aplicação obrigatória dos recursos destinados à educação pública, o que representa a necessidade de organização e fortalecimento das lutas em defesa da educação pública, gratuita e de qualidade social.

Outra questão, não menos importante, contemplada no PNE 2014-2024, é a necessidade de regulamentação do regime de colaboração entre os entes federados, na divisão das responsabilidades estatais na educação, sobretudo no que se refere à complementação financeira da União, conforme previsto na Constituição Federal de 1988, mas que ainda não está concretizada efetivamente. Caso seja viabilizado, pode-se avançar na construção de um sistema nacional de educação. A falta dessa regulamentação impede uma repartição efetiva das responsabilidades entre os entes federativos, no sentido de proverem “uma educação com o mesmo padrão de qualidade a toda população” (SAVIANI, 2017, 52-53).

O relatório “As Desigualdades na Escolarização no Brasil”, destaca, ainda outros desafios, entre os quais apontamos os relativos à gestão da educação, tal como destacado a seguir:

No nível da gestão pública da educação nos municípios, nos estados e na União, a complexidade do desafio envolve a avaliação e o direcionamento da atenção gerencial para as redes e escolas que mais necessitam de apoio técnico e financeiro e na identificação dos principais eixos de ação pró-equidade.

O objetivo a ser perseguido é o de garantir o direito de acesso, permanência e sucesso de todos, em um sistema educacional de qualidade, eliminando o analfabetismo e formando cidadãos letrados e informados, inseridos em uma cultura de formação continuada e que lhes permita acompanhar as mudanças tecnológicas e contribuir com o aumento da produtividade da economia (BRASIL, 2014a, p.18).

Fica explicitada a necessidade da promoção de mudanças, não apenas nos “indicadores educacionais, baseados em estatísticas que nem sempre retratam a complexidade das situações, mas, principalmente, no ideário social, a respeito do valor do trabalho educacional e do que é esperado na formação das novas gerações” (BRASIL, 2014a, p. 18). Nesse sentido, é fundamental a educação tome como referência “a forma de organização da sociedade atual, assegurando sua plena compreensão por parte de todos os educando” (SAVIANI, 2017, p.60).

Nesse sentido,

[...] a contribuição da escola para a democratização está no cumprimento da função que lhe é própria: a transmissão/assimilação ativa do saber elaborado. Assume-se assim, a importância da escolarização para todos e do desenvolvimento do ser humano total, cujo ponto de partida está em colocar à disposição das camadas populares os conteúdos culturais mais representativos do que de melhor se acumulou, historicamente, do saber universal, requisito necessário para tomarem partido no projeto histórico-social de sua emancipação humana (LIBÂNEO, 1987, p. 75).

Ressalta-se, ainda, que o respeito às diversidades, implica na compreensão do princípio da gestão democrática, conforme previsto no artigo 2006 na Constituição de 1988, que conforme já se destacou anteriormente, foi influenciada pelo clima de defesa das liberdades, da defesa da garantia dos direitos civis, bandeiras levantadas pelo movimento que lutava pela redemocratização do país, de modo a suplantar o regime militar instaurado no final dos anos 60 do século passado.

Nesse contexto, segundo Dourado (2008, p. 79):

As discussões sobre a gestão democrática implica resgatar os vínculos e compromissos que norteiam a presente reflexão, pois convivemos com um leque amplo de interpretações e formulações reveladoras de distintas concepções acerca da natureza política e social da gestão democrática e dos processos de racionalização e participação, indo desde posturas de participação restrita e funcional atrelada às novas formas de controle social (qualidade total) até as perspectivas de busca de participação efetiva e, consequentemente, de participação cidadã.

Acrescenta-se também que esses debates, concepções e formulações situaram-se no âmbito das reformas políticas e econômicas orientadas tanto para a redemocratização política como para a liberalização e à privatização de instituições públicas. Sob o argumento do governo na década de 90 do século passado de que o Estado brasileiro, em razão do seu gigantismo, era inoperante, gastava mal e não conseguia implementar as políticas sociais voltadas para o atendimento da população, portanto, era necessário reduzir o seu tamanho.

Tais argumentos eram pautados nos princípios neoliberais que, defendem a adoção dos princípios de racionalidade técnica que orientam o funcionamento das empresas privadas nas instituições públicas. A educação não ficou fora das premissas neoliberais, cujas reformas envolveram proposições pautadas nos resultados, na eficiência, eficácia, gerencialismo e produtivismo, embora, com discursos sedutores da participação e gestão democrática.

A esse respeito, considera-se importante assinalar que embora com alguns avanços e retrocessos registrados nesses 27 anos de promulgação da Constituição de 1988 e 20 da LDB nº 9394/1996, é significativo o debate desenvolvido no cenário educacional brasileiro, nos fóruns realizados, com a finalidade de discutir a necessidade da adoção de mecanismos e estruturas para concretizar a gestão democrática, norteada pelos princípios de autonomia, participação, controle social e decisão coletiva.

Nessa perspectiva o documento referência da Conferência Nacional de Educação – CONAE (2010) pontua que:

[...] a gestão democrática dos sistemas de ensino e das instituições educativas constitui uma das dimensões que possibilitam o acesso à educação de qualidade como direito universal. A gestão democrática como princípio da educação nacional sintoniza-se com a luta pela qualidade da educação o e as diversas formas e mecanismos de participação encontrados pelas comunidades local e escolar na elaboração de planos de desenvolvimento educacional e projetos político-pedagógicos, ao mesmo tempo em que objetiva contribuir para a formação de cidadãos críticos e compromissados com a transformação social (BRASIL, 2010, p. 110).

Essa percepção torna urgente a necessidade de se ampliar o debate acerca da gestão democrática do ensino público como um caminho possível para a concretização dos demais princípios da LDB, tais como o de respeito à diversidade e à tolerância, e o combate às desigualdades sociais e econômicas. Para tanto, Cury (2007) considera que o acolhimento da gestão democrática pela Constituição Federal de 1988 significou um importante avanço para a construção da vivência de práticas gestoras, orientado pelo conceito de democracia em nossos estabelecimentos e para os próprios sistemas de ensino.

Para Cury (2007), a construção da gestão democrática implica a participação cidadã dos interessados e a necessidade de prestação de contas por parte dos dirigentes e dos próprios docentes quanto aos objetivos da educação escolar e o significado da escola para quem ela destina-se.

Para a construção da gestão escolar democrática possa ser de fato implementada nas escolas públicas brasileiras, muitos desafios precisam ser superados, pois ainda se presencia, em alguns estados, práticas clientelistas e de apadrinhamento político de indicação dos gestores escolares. Tais práticas se refletem no compromisso do gestor com os objetivos do projeto educacional da escola e, consequentemente, no que se refere ao respeito às diversidades, considerando que se convive com práticas, ações e atos que afetam as relações interpessoais entre os membros da comunidade escolar. Desse modo, são necessárias novas ações de combate e enfrentamento do desrespeito às diferenças que, devem ir além do reconhecimento de que os alunos são sujeitos de direito, para os quais devem ser voltadas atenções com vistas a atender às suas necessidades de aprendizagem, construção de conhecimentos, socialização, acesso aos bens culturais produzidos pela humanidade, troca de experiências que os auxiliem a desvendar novas possibilidades para suas vidas e, principalmente, a afirmação positiva da diversidade.

A gestão da escola deve reconhecer que esses sujeitos têm suas características individuais, portanto, suas ações deverão:

[...] permitir a criação de estruturas e processos democráticos pelos quais a vida escolar realiza-se, representada pela participação geral nas questões administrativas e políticas, pelo planejamento coletivo na escola e na sala de aula, pelo atendimento às preocupações, expectativas e interesses coletivos e pela posição firme contra o racismo, a injustiça, o poder centralizado e quaisquer formas de exclusão e desigualdade presentes na escola e na sociedade (HORA, 2007, p. 50).

Nesse sentido, a concepção de diversidade cultural deve ser considerada e articulada às temáticas que envolvem a relação entre educação, diversidade e inclusão social. Assim, para melhor compreendermos a ideia de diversidade cultural, recorremos à concepção de Gomes (2007, p. 133), que a define na seguinte perspectiva:

Do ponto de vista cultural, a diversidade pode ser entendida como a construção histórica, cultural e social das diferenças. As diferenças, por sua vez, são construídas pelos sujeitos sociais ao longo dos processos histórico e cultural, nos processos de adaptação do homem e da mulher ao meio social e no contexto das relações de poder. Sendo assim, mesmo os aspectos tipicamente observáveis que aprendemos a ver como diferentes desde o nosso nascimento só passaram a ser percebidos dessa forma porque nós, seres humanos e sujeitos sociais, no contexto da cultura, assim os nomeamos e identificamos.

Face ao exposto, a implementação de políticas que considerem as diversidades representa novos desafios para educadores e gestores escolares, tendo em vista que esses sujeitos precisam ampliar a sua compreensão sobre as finalidades da educação e o papel da escola e dos sujeitos da comunidade escolar e local. É neste sentido, que se faz necessária na escola a construção de processos de gestão democrática que valorizem todos os segmentos presentes nela, que superem as práticas orientadas pelo autoritarismo, centralismo, clientelismo e relações verticalizadas, fazendo com que as culturas das diversidades, de uma forma geral, sejam valorizadas neste âmbito.

A gestão democrática “[...] é, portanto, atitude e método”. A atitude democrática é necessária, mas não suficiente. “Precisa-se de métodos democráticos, de efetivo exercício da democracia. Ela também é um aprendizado: demanda tempo, atenção e trabalho” (GADOTTI, 2000, p. 3). Deve-se, buscar construir práticas gestoras que valorizem o respeito ao outro, estimulem o diálogo, a participação, a decisão coletiva, ou seja, a adoção de práticas democráticas nas decisões sobre as prioridades da escola, dando oportunidade aos membros da comunidade escolar exporem opiniões, ideias sobre os assuntos e demandas da escola.

O gestor escolar exerce um papel fundamental nesse processo de valorização das diferenças, para o aperfeiçoamento das relações que se estabelecem na escola. “A gestão escolar é responsável por disseminar no âmbito da escola esta perspectiva, porque é a partir dela que as práticas pedagógicas são exercidas” (GADOTTI, 2000, p. 3).

No Plano Nacional de Educação (PNE) Lei nº 13.005/2014 - com vigência para o decênio 2014-2024, a temática da gestão democrática e diversidade foi objeto de discussões acaloradas nas Conferências Municipais, Regionais e Estaduais de Educação, que antecederam a CONAE - Conferência Nacional de Educação - realizada em novembro de 2014. Depois de intenso debate e relativo atraso na sua aprovação, o atual PNE contempla 20 metas e suas respectivas estratégias. Mesmo com toda luta dos movimentos sociais e dos educadores, não foi possível ampliar o conceito e as estratégias da gestão democrática nos sistemas de ensino, incluindo, também as instituições privadas de ensino. A Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação CNTE destaca que: “Caberá a cada sindicato lutar por esses direitos, à luz da correlação de forças nos estados e municípios” (CNTE, 2014, p. 13).

A temática da diversidade, também foi muito discutida nas etapas municipais, regionais e estaduais que antecederam a realização da CONAE-2014, teve suas propostas diluídas em diferentes metas/estratégias do PNE, com destaque para as metas de 1 a 10, entre outras.

Com relação à Meta 4 (educação especial), que trata do atendimento educacional especializado “preferencialmente na rede pública” (expressão adotada na LDB), no debate entre atores que defendiam a educação inclusiva na rede pública e os que reivindicavam um atendimento educacional especializado complementar, foram bem-sucedidas as Associações de Pais e Amigos dos Excepcionais – APAES - que, ao apoiarem o último grupo, conseguiram que fosse mantida a expressão “preferencialmente”.

Outras polêmicas também foram registradas, com destaque para aquela de maior repercussão, que diz respeito à alteração da diretriz que previa a superação das desigualdades educacionais (inciso III do art. 2º do substitutivo da Câmara).

O Senado alterou esse dispositivo, retirando a ênfase na promoção da “igualdade racial, regional, de gênero e de orientação sexual”, expressão substituída por “cidadania e na erradicação de todas as formas de discriminação”. A contenda terminou favorável ao Senado, com a aprovação do destaque para manter seu texto (BRASIL, 2014a, p. 22).

Destaca-se, ainda, outro ponto relevante na discussão da temática da diversidade relativa à questão cultural e de religiosidade, que perpassa o âmbito das instituições escolares, onde a opção religiosa de matriz africana é frequentemente criticada, fazendo emergir tensões e discordâncias confessionais, que provocam situações de conflitos, disputas e situações de desrespeito, que ainda prevalecem em nosso dia a dia.

Considerando que os mediadores desses conflitos na escola são os profissionais da educação, cabe a eles saber conduzir essas questões de modo a encontrar alternativas para a convivência de ideias diferentes, de “respeito à diversidade e apreço à tolerância”, de modo a permitir que todos os envolvidos sintam-se respeitados nas suas especificidades e tenham os seus direitos reconhecidos. Essa questão deve levar em consideração o disposto na LBD Nº 9.394 de 1996, que em seus artigos dispõe de forma direta e indiretamente sobre a diversidade em várias dimensões. Já todo o conteúdo da Lei 10.639, de 2003, trata da questão da promoção da diversidade e estabelece o estudo da história da Cultura Afro-Brasileira. Posteriormente alterado pela Lei 11.645, de 10 de março de 2008, o art. 26 da Lei nº 9.394 e da Lei nº 11.645, de 10/03/2008 e 20/12/1996, passa a vigorar com a seguinte redação:

Art. 26-A

Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena.

§ 1º O conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá diversos aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação da população brasileira, a partir desses dois grupos étnicos, tais como o estudo da história da África e dos africanos, a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena brasileira e o negro e o índio na formação da sociedade nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas social, econômica e política, pertinentes à história do Brasil.

§ 2º Os conteúdos referentes à história e cultura afro-brasileira e dos povos indígenas brasileiros serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de educação artística e de literatura e história brasileira.

Assim, a história dos povos indígenas, em termos culturais e históricos, passa a ter obrigatoriedade no ensino de história e cultura indígena no âmbito escolar. A referida lei reforça, ainda, que se deva ensinar a história e a cultura africana e afro-brasileira, preceitos antes estabelecidos com a Lei 10.639/03.

O conhecimento desses dispositivos legais poderá contribuir com a superação de ideias e práticas fundamentadas no senso comum e nas ideologias midiáticas, de que o reconhecimento das diferenças pode ser o único caminho para superar as desigualdades sociais. Devemos reconhecer as diferença e as diversidades, sem desconsiderar que são aspectos importantes para suplantar a exclusão, mas sem deixar de reconhecer a dinâmica das relações sociais que causam tais diferenças, sobretudo de origem econômicas e sociais.

Portanto, se o foco das políticas públicas tem sido direcionado para o princípio da gestão democrática, com mecanismos que permitam a ampliação da participação dos sujeitos no processo de discussão das decisões sobre. Assim como Carvalho (2012), compreendemos que em nome do princípio da diversidade, considerado agora a própria condição da igualdade, entram no jogo múltiplas formas de desigualdade, como se a defesa antiga do direito universal à educação estivesse ultrapassada. O que estamos querendo enfatizar é que “não mais do que a uniformidade, a diversidade não cria a igualdade” e que a defesa política da igualdade não implica que as práticas pedagógicas e organizacionais não possam vir a ser diferentes, mas sim que a “diferença seja sempre subordinada à missão de universalização dos saberes” (LAVAL, 2004, p. 255).

Desse modo, Laval enfatiza que:

[...] a política democrática aplicada à educação não pode ser somente uma política de compensação das desigualdades crescentes nas sociedades de mercado, mas, em razão das próprias contradições sociais que se manifestam no sistema educativo, é necessário reafirmar a igualdade, ou seja, a igualdade deve voltar a ser o princípio diretor: a educação deve ser reconhecida como direito de todos (2004, p. 321).

Consideramos que, para um maior respeito às diferenças, é necessário que as políticas educacionais e a gestão da diversidade, considerem a educação uma cultura e a escola um lugar de convivências de culturas plurais. Ou seja, que considerando as diversidades, crie processos democráticos que valorize a participação, a formação para a cidadania e a construção de uma sociedade mais humana e igualitária.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Essa reflexão nos possibilitou aprofundar a compreensão sobre a complexidade da temática da gestão democrática da educação e da gestão da diversidade no atual contexto e a identificar que as políticas educacionais necessitam ser redimensionadas, tendo em vista que na educação se identificam as desigualdades sociais, econômicas e culturais. E, o espaço educativo, que pode contribuir para o respeito às diferenças e as diversidades, sem perder de vista a noção de igualdade.

Reafirmamos que a educação, ou seja, suas políticas e programas devem ser direcionados para contribuir com a diminuição das desigualdades sociais e, isto implica em ações específicas para determinados segmentos e minorias que historicamente foram excluídos das ações dos poderes públicos. No âmbito das escolas, em especial, as públicas, objeto das ações governamentais, as práticas democráticas e a descentralização do poder, baseadas em princípios participativos e coletivos, poderão fomentar o combate aos preconceitos, intolerâncias e discriminações.

Ressaltamos que o Relatório sobre “As Desigualdades da Escolarização no Brasil” (BRASIL, 2014a) demostrou que a expansão do acesso à escola ainda não apresentou resultados desejáveis para o resgate da dívida histórica do país com os segmentos historicamente marginalizados. Mesmo os avanços recentes - universalização do ensino fundamental e expansão das matriculas no ensino médio e superior - não foram capazes de redirecionar as políticas educacionais, no sentido da oferta de uma educação de qualidade, para a população como um todo, em especial para a valorização das diversidades. Nesse sentido, as políticas educacionais necessitam continuar priorizando “o acesso aos segmentos ainda não atendidos e dar prioridade equivalente para a eficácia dos conteúdos e metodologias que orientam o processo pedagógico, assim como à formação continuada de professores para atualização permanente das abordagens às disciplinas e aos estudantes” (BRASIL, 2014a).

Na tentativa de contribuir com as reflexões sobre essa importante temática, cujo enfrentamento necessita ser assumido pelo Estado brasileiro, destacamos que as atuais políticas propostas e em implementação para gestão da diversidade cujo enfoque é o “compromisso de todos” apenas como retórica. Em termos práticos, a operacionalização de tais políticas é transferida para outras instâncias, responsabilizando as instituições da sociedade civil e os indivíduos que integram segmentos que tradicionalmente têm ficado à margem da ação do Estado, reduzindo o seu papel na implementação de políticas, programas e projetos que contribuam para alterar de fato essa realidade e, de fato, promover a gestão democrática e o respeito às diversidades em nossa sociedade e nas escolas brasileiras.

Em síntese, reafirmamos a importância de reconhecimento das políticas e ações em favor das diversidades e das diferenças, mas lembramos, também da necessidade de que essas ações não deixe de considerar a questão da igualdade entre os indivíduos e o direito a uma educação de qualidade social para todos os seres humanos.

3Segundo Nildo Viana geralmente as minorias são definidas quantitativamente, ou seja, é uma minoria da população ou do Estado-nação. Essa definição de minorias é apenas descritiva e não possui relevância teórica. Não é essa noção de minoria que o discurso jurídico e algumas concepções políticas vêm retomando ultimamente. Esse significado quantitativo e meramente descritivo também é usado para se tratar de outras “minorias”, relativas a outros processos comparativos (pois minoria sempre é comparada com “maioria”), tal como quando é o caso de minoria parlamentar, minorias revolucionárias, etc. É importante considerar que o discurso sobre as “minorias” é produto de uma necessidade política e não mera necessidade intelectual ou simplesmente produto da falta de rigor e cientificidade. Sem dúvida, também existem aqueles que usam tais termos sem maior reflexão ou com boa intenção, mas sem a suficiente reflexão crítica necessária no caso da produção intelectual. Ver: Texto em https://informecritica.blogspot.com.br/2016/08/o-que-sao-minorias.html

4Instituído pelo Decreto nº 5.498 de 24 de junho de 2005, o qual foi posteriormente revogado pelo Decreto 5.840 de 13 de julho de 2006. No primeiro decreto o Proeja recebeu a denominação de - Programa de Integração da Educação Profissional ao Ensino Médio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos.

5Instituído pela Medida Provisória nº 238 de fevereiro de 2005, em resposta às demandas por políticas para a juventude recomendadas pelos organismos internacionais, em especial o Banco Mundial, mediante iniciativa da Secretaria Geral da Presidência da República, através da Política Nacional da Juventude. O programa foi formulado a partir de três ações: criação da Secretaria Nacional da Juventude, institucionalização do Conselho Nacional da Juventude e implantação do Projovem.

6O Programa Mais Educação foi estruturado no âmbito do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) pela da Portaria Normativa Interministerial nº 17, de 24 de abril de 2007, posteriormente, regulamentado pelo Decreto nº 7.083, de 27 de janeiro de 2010.

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Recebido: Agosto de 2017; Aceito: Novembro de 2017

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