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Revista Exitus

versão On-line ISSN 2237-9460

Rev. Exitus vol.8 no.3 Santarém set./dez. 2018  Epub 05-Jun-2019

https://doi.org/10.24065/2237-9460.2018v8n3id649 

Artigos

HISTÓRIA DE VIDA DE IDOSOS NO ENSINO SUPERIOR: percursos inesperados de longevidade escolar

LIFE STORY OF ELDERLY IN HIGHER EDUCATION: unexpected pathways of school longevity

HISTORIA DE VIDA DE ADULTOS MAYORES EN LA ENSEÑANZA SUPERIOR: recorridos inesperados de longevidad escolar

Sônia Maria Alves de Oliveira Reis1 

Anita Monik Teixeira Meira2 

Cleidemar Ramos Moitinho3 

1Professora Adjunta do Departamento de Educação – DEDC/Campus XII da Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Pedagoga, especialista em Psicopedagogia e Alfabetização; mestre e doutora em educação pela FaE/UFMG. Professora externa do programa de Pós-Graduação em educação (PPGEd/UESB). É líder do Núcleo de Estudos, Pesquisa e Extensão Educacional Paulo Freire – NEPE/CNPq, onde é membro da linha de pesquisa Educação do campo, Educação de Jovens e Adultos e Movimentos Sociais. E-mail: sonia_uneb@hotmail.com

2Graduada em Pedagogia pelo Departamento de Educação – DEDC/Campus XII da Universidade do Estado da Bahia (UNEB). E-mail: anita2teixeira@gmail.com

3Graduada em Pedagogia pelo Departamento de Educação – DEDC/Campus XII da Universidade do Estado da Bahia (UNEB). E-mail: cleidemar688@gmail.com


RESUMO

Este texto objetiva analisar o perfil sociodemográfico dos idosos e os elementos que possibilitaram suas trajetórias escolares tardias no ensino superior, ao mesmo tempo destaca a rotina desses sujeitos, seus sentimentos, suas atitudes diante dos estudos e suas perspectivas. Elaborou-se um levantamento de produções acadêmicas que revelou poucas pesquisas direcionadas à inserção do público idoso nos cursos de graduação do ensino superior. A metodologia adotada neste trabalho foi de caráter qualitativo. Para a coleta e a análise dos dados, utilizou-se: entrevista semiestruturada, análise de documentos de dados institucionais, histórias de vidas e análise de conteúdo. Os participantes da pesquisa foram três alunos de ensino superior com 60 anos ou mais. O estudo revela que os motivos que levaram os entrevistados a buscar o ensino superior se vinculam à realização profissional e pessoal, ao prazer de elevar a autoestima e a participação nas atividades da sociedade contemporânea. Para esses sujeitos, o apoio e o incentivo da família para o ingresso no ensino superior, a própria mobilização e as referências sociais e institucionais foram determinantes. Apesar de um número crescente de idosos, no Brasil, mais ativos e conscientes de seu papel, os resultados deste trabalho demonstram que a presença destes no ensino superior é muito reduzida, representando apenas 0,57% das matrículas. Conclui-se que há necessidade de pesquisas sobre o acesso e a permanência dos idosos no ensino superior, as quais devem discutir as políticas e as estratégias educacionais adequadas a essa população, cada vez mais presente no cenário social e educacional.

Palavras-chave:  Idosos; Trajetórias escolares; Ensino Superior

ABSTRACT

This paper aims to analyze the sociodemographic profile of elderlies and the elements which made possible their late school trajectories in higher education, while at the same time emphasizing their routine, feelings, attitudes towards the course and their perspectives. A search for academics productions was carried out and it revealed few researches directed to the insertion of elderly public in undergraduate courses of higher education. A qualitative methodology was adopted in the research. For data collection and analysis, it was used: semi-structured interview, analysis of institutional data documents, life stories and content analysis. The research participants were three higher education students with 60 years or more. The study pointed out that the reasons which lead the interviewees to pursue higher education are linked to professional and personal achievement, to the pleasure of raising self-esteem and participation in activities of contemporary society. For these subjects, the support and encouragement of the family to their admission in higher education, their own mobilization and the social and institutional references were decisive. In spite of an increasing number of more active and aware of their role elderly people in Brazil, the results of this study show that their presence in higher education is very reduced, representing only 0.57% of enrollments. Therefore, it is concluded that there is a need for researches about the access and permanence of elderly people in higher education, which should discuss the appropriate policies and educational strategies to this population increasingly present in the social and educational scenario.

Keywords:  Elderly. School trajectories. Higher education.

RESUMEN

Este texto tiene como objetivo analizar el perfil sociodemográfico de los adultos mayores y los elementos que posibilitan sus trayectorias escolares tardías en la enseñanza superior, al mismo tiempo destaca la rutina de esos sujetos, sus sentimientos, sus actitudes ante los estudios y sus perspectivas. Se elaboró ​​un relevantamiento de producciones académicas que reveló pocas investigaciones dirigidas a la inserción del público anciano en los cursos de graduación de la enseñanza superior. La metodología adoptada en este trabajo fue de carácter cualitativo. Para la recolección y el análisis de datos, se utilizó: entrevista semiestructurada, análisis de documentos y datos institucionales, historias de vidas y análisis de contenido. Los participantes de la encuesta fueron tres alumnos de enseñanza superior de 60 años o más. El estudio revela que los motivos que llevaron a los entrevistados a buscar la enseñanza superior se vinculan a la realización profesional y personal, al placer de elevar la autoestima y la participación en las actividades de la sociedad contemporánea. Para estos sujetos, el apoyo y el incentivo de la familia para el ingreso en la enseñanza superior, la propia movilización y las referencias sociales e institucionales fueron determinantes. A pesar de un número creciente de ancianos, en Brasil, más activos y conscientes de su papel, los resultados de este trabajo demuestran que la presencia de ellos en la enseñanza superior es muy reducida, representando apenas el 0,57% de la matrícula. Se concluye que hay necesidad de investigaciones sobre el acceso y la permanencia de los ancianos en la enseñanza superior, las cuales deben discutir las políticas y las estrategias educativas adecuadas a esa población, cada vez más presente en el escenario social y educativo.

Palabras claves:  Perfil. Personas de edad avanzada. Trayectorias escolares. Enseñanza superior.

1 INICIANDO O DIÁLOGO

A terceira idade é a fase das experiências amadurecidas, na qual todo o percurso de vida se faz presente em recordações de muitas histórias e de muitos sentimentos ― dores, alegrias, angústias, decepções e expectativas. Desse modo, os idosos veem na velhice uma plenitude para rebater os desafios, arriscar outras experiências que proporcionem mais significações a sua própria existência. Ao pensar sobre a vida dos idosos e sobre o tanto que ainda queremos aprender a respeito de seus anseios e de suas expectativas para a vida futura, nos propomos compreender casos poucos prováveis de idosos inseridos na educação superior, indagando sobre as motivações e as expectativas que os influenciaram a ingressarem no ensino superior, destacando os caminhos percorridos e os desafios superados em sua trajetória escolar, especificamente da educação básica à universidade.

Ao observarmos a relação entre idosos e educação nos cursos oferecidos pelo Campus XII da Universidade do Estado da Bahia e em outras instituições de ensino superior, públicas e privadas, no município de Guanambi/BA, supomos que há pouca demanda de idosos no ensino superior. Isso pode decorrer da inexistência de uma política educacional específica para a terceira idade no Brasil. De acordo com Peres (2010), a não contemplação, em leis como a LDB (BRASIL, 1996) e o Estatuto do Idoso (BRASIL, 2003), da educação como um problema social que afeta principalmente os idosos, assim como o descaso do Estado brasileiro no que se refere ao direito à educação, que é (ou deveria ser) universal e, portanto, não deveria excluir os sujeitos da terceira idade, de certa forma, pode dificultar o acesso deles ao ensino superior e a permanência deles neste.

Sabemos que, segundo o IBGE (2010), a maioria da população com pouca ou nenhuma escolarização no Brasil é composta por pessoas de idade mais avançada, ou seja, idosos e adultos acima de 50 anos, especialmente as mulheres, os negros e afrodescendentes, os indígenas e seus descendentes, e os residentes na zona rural. Sabe-se que existem escolas destinadas às crianças e outras voltadas aos jovens e adultos, como é o caso da EJA. Mas não há instituições de ensino dirigidas aos idosos que atendam especificamente suas necessidades e suas peculiaridades enquanto sujeitos sociais (PERES, 2010).

De acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais (INEP), no relatório Mapa do analfabetismo no Brasil, publicado em 2003, também vemos que o maior contingente de analfabetos (48,7%) se encontrava nos grupos etários mais idosos. Observamos que essa faixa etária é a que mais necessitaria de ações do governo na esfera da educação, uma vez que é a mais prejudicada pelo que podemos chamar de “exclusão educacional”. Contudo, os idosos são exatamente o único grupo etário da população que não é assistido pelo Poder Público nas políticas educacionais hoje vigentes (PERES, 2010).

Este estudo problematiza o acesso ao ensino superior público e privado de alunos idosos, a fim de analisar a presença deles na universidade e a constituição de trajetórias escolares desenvolvidas e percorridas por esses sujeitos para superar as adversidades da faixa etária e ter acesso a esse segmento da educação. Desse modo, analisamos dados secundários do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Nacionais Anísio Teixeira (Inep), catalogados pelo Censo da Educação Superior de 2015, referentes ao número de matrículas, em instituições brasileiras de ensino superior, de idosos ingressantes e concluintes. Consideramos as faixas etárias a partir de 60 anos, com o intuito de sistematizar os dados e identificar a presença de idosos nessa etapa de ensino e o modo como as práticas educativas atendem ou não às singularidades e às demandas da população idosa que está na universidade.

Com isso, buscamos apresentar os principais motivos que levaram os idosos ao ensino superior, as expectativas deles em relação a este e o modo como estas vêm sendo atendidas, pontuando dificuldades e conquistas enfrentadas no decorrer da graduação. Ademais, procuramos destacar como esse público vive, sente e age em relação aos estudos, como se julga, compreende-se e revela-se. E tencionamos conhecer quais são seus sonhos e seus ideais no que se refere à permanência na universidade.

2 CAMINHOS METODOLÓGICOS

Para compreender os caminhos e os desafios vivenciados pelos idosos ao ingressarem no ensino superior, utilizamos uma abordagem de natureza qualitativa, que, do ponto de vista de Minayo (2010, p. 22), “se ocupa das ciências sociais em um nível de realidade que pode ou não ser quantificada, trabalha o universo dos significados, dos motivos, das aspirações, das crenças, dos valores e das atitudes”. Segundo a autora, essa abordagem tem características naturalistas, pois recolhe espontaneamente os dados, em função de um contato aprofundado com os indivíduos em seu contexto natural, e usa o espaço de vivência do sujeito, o local em que mora, estuda e trabalha.

Nossa pretensão na pesquisa foi construir como etapa inicial da investigação um panorama geral que nos informasse sobre a presença de idosos no ensino superior. Analisamos os dados estatísticos disponíveis no IBGE sobre alunos com mais de 60 anos que ingressaram na universidade no Brasil a partir do Censo de Educação Superior de 2015.

Os dados analisados demonstram que a presença dos idosos no ensino superior no Brasil, em comparação ao número de idosos, é muito reduzida, pois corresponde a aproximadamente 0,57% das matrículas. No caso da Bahia, o número de matrículas no ensino superior de alunos idosos equivale a quase 0,91%. Os dados mostram a necessidade de garantir o acesso da população idosa não só aos ambientes de saúde e lazer, mas também ao meio educacional. Observamos a importância de pesquisas sobre o acesso e a permanência dos idosos na universidade que discutam as políticas e as estratégias educacionais adequadas a essa população, cada vez mais presente no cenário social e educacional.

Iniciamos o trabalho de campo, visitando todas as Instituições de Ensino Superior do município de Guanambi que ofereciam cursos de graduação, presenciais e à distância. Com isso, buscávamos identificar idosos estudantes dessas unidades de ensino.

Os dados apresentados no Quadro 1 demonstram que a presença dos idosos no ensino superior no município de Guanambi-BA é muito reduzida. Ela correspondia a aproximadamente 0,07% das matrículas em 2015.

Quadro 1  Instituições de ensino superior e cursos ofertados em Guanambi/BA 

Categoria Instituição Modalidade Cursos Matrículas
Pública
Estadual
Universidade do Estado da Bahia (Uneb) Presencial Pedagogia
Educação Física
Enfermagem
Administração
925
1 idoso
Pública
Federal
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Baiano (IFbaiano) Presencial Engenharia Agronômica
Química
Tecnologia em Agroindústria
Tecnologia em Análise e Desenvolvimento de Sistemas
477
Nenhum idoso
Privadas Faculdade de Guanambi Presencial Administração; Biologia; Biomedicina; Ciências Contábeis; Direito; Educação Física; Enfermagem; Engenharia Ambiental e Sanitária; Engenharia Civil; Engenharia Elétrica; Engenharia de Produção; Farmácia; Fisioterapia; Gestão da Tecnologia da Comunicação; Jornalismo; Medicina; Medicina Veterinária; Nutrição e Psicologia. 3.397
2 idosos
Universidade Salvador (Unifacs)
Polo EAD
Educação à distância Administração; Comunicação e Marketing; Matemática; História; Pedagogia; Serviço social; Ciências Contábeis e Sistema de Informação. 189
1 idoso
Universidade Norte do Paraná
(Unopar- Virtual)
Educação à distância Administração de Empresas, Análise e Desenvolvimento de Sistemas, Ciências Contábeis e Serviço Social. 427
Nenhum idoso
Universidade Paulista (Unip) Educação à distância Administração; Administração Pública; TI e Computação; Ciências Biológicas; Ciências Contábeis; Economia; Matemática; Pedagogia; Ciências Sociais; Logística; Geografia; História; Letras; Gestão Hospitalar; Serviço Social. 36
Nenhum idoso
Total de estudantes matriculados no ensino superior, no município de Guanambi 5451
Total de matrículas de idosos no ensino superior, no município de Guanambi 4

Fonte: Adaptado de Inep (2015).

Depois de coletar essas informações, foram realizadas conversas informais com os gestores, os coordenadores de curso, a secretaria acadêmica, os professores, os alunos e os funcionários para saber se eles conheciam algum aluno na instituição que tivesse 60 anos ou mais de idade. Feito isso, identificamos quatro estudantes idosos do ensino superior, três homens e uma mulher, entre 60 e 76 anos que estavam concluindo a graduação nos cursos de Educação Física na Uneb, Ciências Contábeis na Unifacs e Direito na FG. A única mulher (63 anos) aluna do curso de Direito da FG não aceitou participar da pesquisa, apesar de muita insistência.

Tabela 1  Perfil dos sujeitos entrevistados 

IES/Guanambi Matrículas Idosos Idade Curso Semestre
Campus XII da Uneb 925 1 76 Educação Física
Unifacs 189 1 60 Ciências Contábeis
FG 3397 1 60 Direito

Fonte: Elaborado pelas pesquisadoras.

Após a identificação dos sujeitos e a obtenção da autorização, da concordância e da liberação das instituições, adquirimos o e-mail e o telefone dos idosos para marcarmos um contato inicial com eles, no intuito de ter uma conversa informal, na qual apresentaríamos os objetivos e nossa intenção de pesquisa. Depois desse diálogo inicial, com a receptividade positiva dos sujeitos, agendamos outros encontros para a realização de entrevistas e devolutivas.

Além do uso da análise documental para conhecer o perfil dos sujeitos da terceira idade que chegaram ao ensino superior, realizamos a entrevista semiestruturada, utilizando procedimentos previamente estabelecidos e informados aos sujeitos participantes. O local, a data e a hora da entrevista foram decididos por eles, de modo que se sentissem confortáveis para o diálogo. Observando esses critérios, a pedido deles, duas entrevistas foram realizadas no Campus XII da Uneb e uma na Faculdade de Guanambi (FG).

Depois de transcritas, as entrevistas foram devolvidas a eles para a validação de seu conteúdo, foi dada a liberdade de eles pontuarem o que acharam dessas falas, o que teriam a mais para acrescentar. É importante salientar que as expressões, os comentários ou qualquer outra referência direta aos sujeitos de pesquisa foram usados com a autorização expressa por eles.

Após as transcrições, reconstituímos as trajetórias escolares de sujeitos da terceira idade que tiveram acesso tardio ao ensino superior. Delas, depreendemos configurações singulares que tornaram possíveis esses percursos inesperados de longevidade escolar. Para Chizzotti (2005), a história de vida, ou o relato de vida, é um instrumento de coleta de dados que contém elementos essenciais da vida pessoal dos sujeitos, no qual se valorizam a oralidade e as histórias vividas que estão encobertas. No que se refere à análise dos dados qualitativos coletados, embasamo-nos na Análise de Conteúdo proposta por Bardin (1995).

3 INSERÇÃO DA TERCEIRA IDADE/IDOSOS NO ENSINO SUPERIOR: O QUE REVELAM AS PESQUISAS?

O levantamento bibliográfico aqui apresentado se justifica pela necessidade de conhecermos o que se tem pesquisado e publicado sobre a inserção da terceira idade/idosos no ensino superior. O recorte temporal escolhido envolveu a produção disponibilizada entre os anos de 2003 e 2017. Tal escolha se justifica porque em 2003 foi aprovada a Lei Estatuto do Idoso (BRASIL, 2003), com o objetivo de reforçar o acesso à educação como direito social a essa parcela da população.

Com os descritores e com o recorte temporal definidos, iniciamos as buscas, tomando como referência os títulos das produções. Todavia, esse campo precisou ser ampliado e optamos pela leitura dos resumos; e, à medida que a leitura era realizada, ratificávamos a definição pelo descritor “terceira idade, idosos e ensino superior”. Quase na maioria dos casos, apareciam estudos relacionados à Universidade Aberta da Terceira Idade (Uati), que não se enquadra com nosso objeto de estudo.

No levantamento realizado nos anais das reuniões nacionais da Anped, entre os anos de 2003 (26ª Reunião) a 2017 (38ª Reunião), não houve nenhum trabalho referente ao tema “terceira idade, idosos e ensino superior”. Fizemos buscas nas modalidades de comunicação oral e pôsteres em todos os GTs, usando os descritores “terceira idade, idosos e ensino superior”. Apenas no GT 18 (Educação de Pessoas Jovens e Adultas) achamos quatro trabalhos que discutiam questões relacionadas ao idoso. No entanto, nenhum deles atendia aos critérios da seleção.

Os quatro trabalhos apresentam discussões sobre a escolarização de idosos na Educação Básica, especificamente sobre a legislação educacional que regulamenta os direitos da pessoa idosa, sobre as práticas de alfabetização e letramento na terceira idade, sobre a relação dos idosos com as novas tecnologias, sobre os modos de acesso à escola e a permanência dos idosos nesta e sobre os sentidos e significados que eles atribuem ao processo de escolarização. É importante destacar que esse levantamento permitiu-nos perceber que há uma lacuna de estudos sobre o acesso da terceira idade/idosos no ensino superior.

Identificamos, no banco de teses e dissertações da Capes apenas uma dissertação de mestrado e uma tese de doutorado, ambas realizadas na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) por Leandra Costa, que abordam a presença do idoso no ensino superior.

Ao usar os descritores “terceira idade, idosos e ensino superior”, foi encontrado apenas um trabalho na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD) do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT), como mostra o quadro a seguir:

Os Quadro 2 e 300 mostram que existem poucas pesquisas que discutem sobre a inserção do idoso no ensino superior. Desse modo, vimos uma grande dificuldade em encontrar temas que se vinculem ao foco de nossa pesquisa. Essa conjuntura nos dá margem a dizer que muito ainda precisa ser estudado na área da educação. Esta última busca, na qual foi encontrado apenas um trabalho relevante para a análise e a discussão de nosso objeto de estudo, é um exemplo disso.

Quadro 2  Produções científicas do banco de teses e dissertações da Capes 

AUTOR TÍTULO INSTITUIÇÃO ANO
COSTA, Leandra Costa da. Acadêmico idoso no ensino superior: características de altas habilidades/superlotação? Universidade Federal de Santa Maria (UFSM)
Dissertação de mestrado.
2012
COSTA, Leandra Costa da. Altas habilidades/superdotação e acadêmicos idosos: o direito à identificação. Universidade Federal de Santa Maria (UFSM-RS)
Tese de doutorado.
2016

Fonte: Elaborado pelas autoras com os dados da pesquisa.

Quadro 3  Produção científica encontrada na BDTD/IBICT 

AUTOR TÍTULO INSTITUIÇÃO ANO
TAVARES, Dirce Encarnacion. A presença do aluno idoso no currículo da universidade contemporânea: uma leitura interdisciplinar. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Tese Doutorado. 2008

Fonte: Elaborado pelas autoras com os dados da pesquisa.

Na busca no Portal de Periódicos da Capes, com os descritores “terceira idade, idosos e ensino superior”, foram elencados 1.851 textos com os mais diversos títulos, os quais sinalizavam discussões sobre a alfabetização de idosos, a legislação, a qualidade de vida, a saúde, a atividade física do idoso, a Uati e a assistência aos idosos. Entretanto, apenas uma das produções pesquisadas dialoga com o nosso objeto de estudo.

Quadro 4  Produção científica do Portal de Periódicos da Capes 

AUTOR TÍTULO INSTITUIÇÃO ANO
GIMENES, Maria Clara Cardosos de Mattos . O imaginário de um grupo de alunos com sessenta anos ou mais, que cursam licenciaturas em uma Instituição de Ensino Superior no entorno do Distrito Federal. Universidade Católica de Brasília (UCB).
Dissertação de Mestrado.
2005

Fonte: Elaborado pelas autoras com os dados da pesquisa

Durante a busca criteriosa, realizada no Google Acadêmico foram encontrados três artigos científicos publicados recentemente (2016 e 2017) e um TCC defendido em 2001 que discutem o processo de envelhecimento e a inserção dos idosos na universidade. Tal levantamento encontra-se explicitado no Quadro 5.

Quadro 5  Publicações encontradas no Google Acadêmico 

AUTOR TÍTULO PUBLICAÇÃO ANO
SILVEIRA, Clarita Souza Baroni; MOCELIN, Cássia Engres. “Processo de envelhecimento e Serviço Social: a inserção do idoso no ensino superior” Anais de evento da Universidade Estadual de Londrina (UEL) 2017
OLIVEIRA, Luciana Lucci de et al. “A presença do idoso no ensino superior brasileiro e os rumos dos modelos de ensino-aprendizagem” Revista Perspectivas do Desenvolvimento: um enfoque multidimensional v.4, n. 5 2016
AREOSA, Silvia Virginia Coutinho et al . “Envelhecimento ativo: um panorama do ingresso de idosos na universidade” Revista Reflexão e Ação da Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC) 2016
WOWCZYK, Jair. Ensino superior e Terceira Idade Trabalho de Conclusão de curso em Docência Superior na Universidade Candido Mendes (UCM) 2001

Fonte: Elaborado pelas autoras com os dados da pesquisa

Os três artigos apresentados (2016 a 2017) referem-se a duas publicações em revista e a uma apresentação em anais de eventos. Esses três materiais e o TCC abordam discussões sobre a presença do idoso no ensino superior. É importante destacar que esse levantamento permitiu-nos perceber que há uma lacuna de estudos, visto que a maioria dos textos discorre sobre a Uati. Essas poucas produções encontradas nos comunicam sobre a carência de referências sobre o tema.

Após verificarmos as produções bibliográficas sobre o tema na biblioteca do Campus XII da Uneb, identificamos 27 estudos sobre terceira idade e idosos, 2 do curso de Pedagogia4 e 25 do Curso de Educação Física5. No entanto, nenhuma das pesquisas discute a temática em estudo.

Ao analisarmos a produção acadêmica acerca do acesso da Terceira Idade/Idosos à universidade e das expectativas e motivações dos idosos em relação a esta, com a finalidade de situar essa temática no universo científico, observamos que todas discutem a inserção dos idosos no ensino superior e abordam o processo de envelhecimento, bem como as políticas públicas voltadas ao idoso. Nelas, o envelhecimento ativo é um dos temas mais discutidos. Assim, os estudos fazem uma reflexão mais ampla sobre a longevidade dos idosos e sobre o modo como estes estão desafiando o tempo e superando as dificuldades da idade com atitudes saudáveis.

É importante refletir sobre a inserção dos idosos no ensino superior, identificando seus motivos e suas perspectivas. A partir da leitura das produções bibliográficas, podemos observar que todas ressaltam que esse direito é pouco usufruído pelo público idoso, pois este não tem seguridade, há poucos investimentos, há poucos olhares para essa situação. Outros aspectos que analisamos na maioria dos textos relacionam-se à inserção da terceira idade no ensino superior, porque esses indivíduos procuram evoluir em níveis de aprendizagem e retomam os estudos em busca de novas possibilidades.

4 HISTÓRIAS DE VIDA DE IDOSOS NO ENSINO SUPERIOR: casos pouco prováveis

Tratar dessas histórias de vida não é apenas falar sobre o que aconteceu no passado é também delinear o perfil dos sujeitos da terceira idade/idosos, em suas respectivas fases da vida. Ao adentrar nas narrativas desses sujeitos que, depois de algum tempo fora da escola, decidem ingressar em uma universidade, ficamos instigadas a identificar, além de traços pessoais, o lugar que cada um ocupa em seus respectivos espaços de convivência, explicitando seus modos de atuação e participação no meio em que eles vivem e trabalham e, ainda, suas escolhas de vida e escolarização.

Este estudo apresenta o perfil de cada sujeito entrevistado a partir de dados sobre sua situação social e econômica, a escolaridade de seus familiares, sua faixa etária, sua ocupação, seu pertencimento religioso e étnico, na intenção de explicar o fenômeno e reconhecer os elementos que possibilitaram essas trajetórias escolares tardias no ensino superior. Além disso, destacaremos as principais expectativas dos idosos em relação à universidade e o modo que elas vêm sendo atendidas, pontuando dificuldades e conquistas enfrentadas no decorrer da graduação.

A seguir, apresentaremos a história de vida de três idosos estudantes do ensino superior no município de Guanambi/BA. Serão abordados aspectos da trajetória escolar e da vida cotidiana que os impulsionaram a retornar aos estudos após um longo tempo afastados dos bancos escolares. Conhecer suas histórias, seus passados, seus amores e seus dissabores, seus trajetos profissionais, suas inserções sociais e profissionais bem como uma parte de seus cotidianos, permitirá que enxerguemos, com um olhar mais cauteloso e complacente, as particularidades coincidentes de seus percursos de vida no ensino superior. Desse modo, supomos que essa descrição nos possibilitará conhecer marcas singulares de cada idoso universitário e, ainda, suas regularidades com o trabalho assumido e com sua formação educacional e profissional.

4.1 Sr. João6 6: “Nunca é tarde para realizar um sonho”

João nasceu em 1941, em Salvador, capital da Bahia, tem 76 anos, é divorciado, tem dois filhos. Há 15 anos, devido aos estudos do filho mais novo mudou-se para Guanambi/BA. Entretanto, seu filho passou em dois concursos em cidades um pouco distantes de onde o entrevistado mora e foi residir sozinho em uma casa alugada. Declarou-se de cor preta. Disse que não tem religião, mas se considera simpatizante do Espiritismo.

João tem 14 irmãos, 4 homens e 10 mulheres. Todos estudaram em escola pública e concluíram ensino médio. Apenas uma de suas irmãs, a mais velha, tem nível superior e atua como professora. Sua mãe biológica (in memoriam) era dona de casa e analfabeta. Já sua mãe de criação, a partir dos 6 anos, também era dona de casa e não sabia ler nem escrever e, por estímulo do marido, frequentou a escola por alguns anos. Seu pai (in memoriam) era professor formado em escola normal, mas não podia seguir sua profissão devido à perseguição política, visto que era um militante de esquerda fichado no Dops7. Ele participou de manifestações contra o governo de Getúlio Vargas na década de 1929, por isso não podia exercer sua profissão. Desse modo, trabalhou como pedreiro e cabeleireiro até o final de sua vida.

Sr. João teve uma infância muito conturbada, pois seus pais viviam fugindo da repressão política, tiveram que queimar alguns documentos para não ser pegos. A família teve sua casa cercada, seus membros não podiam se expor ou exercer cargos públicos para não ser identificados. Seu pai sempre estimulou seus filhos nos estudos. Quando o entrevistado era criança, seu pai o pôs para estudar em casa, seus brinquedos eram papel e caneta. Ao falar da figura paterna, Sr. João deixa transparecer seu orgulho e sua admiração por esse homem, que foi, para ele, um grande incentivador de seu crescimento pessoal e profissional.

Sobre o percurso escolar, João relatou que entrou na escola com 7 anos de idade e frequentou uma escola pública de classe multisseriada8. Após concluir o ensino primário9, aos 9 anos, fez o exame de admissão, ação necessária para que, pelo regimento escolar, ele cursasse o ginasial10. Com sua aprovação, estudou no ginásio chamado Instituto Central de Educação Isaías Alves (Icea) até concluir o ensino médio aos 18 anos.

Já que teve a oportunidade de estudar sem precisar trabalhar durante o ensino médio fez três cursos, cada um em turno diferente. Fez o ensino médio na modalidade normal, que tinha como objetivo formar o professor para atuar nas escolas de educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental. Cursou também o científico e o técnico em Contabilidade.

Após concluir o ensino médio, prestou o vestibular para o curso de História na Universidade Católica. Infelizmente, não conseguiu a nota desejada, ficou para a segunda chamada. Como trabalhava naquela época, acabou desistindo e não teve mais estímulo para prestar outro vestibular.

Com 22 anos, fez uma prova para concorrer a uma vaga de trabalho em uma indústria petroquímica em Salvador, 1.940 pessoas concorriam para 90 vagas. Ele foi contemplado e trabalhou por 25 anos até se aposentar. Comentou que, durante o período em que exerceu seu ofício, não tinha como estudar, pois, seu horário era irregular ― às vezes trabalhava à noite, às vezes, o dia todo. Desse modo, não tinha como fazer uma faculdade, por isso não prestou outros vestibulares.

Durante o período em que atuou na empresa, teve que mudar para outros lugares para atender às demandas da indústria e às mudanças de cargos. Aos 26 anos, teve seu primeiro filho, com quem tem uma relação amigável. Logo depois, veio o segundo filho. Viveu com a mãe de seus filhos por algum tempo, até passarem por alguns desentendimentos, que os levaram à separação.

Os filhos foram criados pelo entrevistado. Inicialmente, como trabalhava o dia todo, contratou uma babá para ajudá-lo a cuidar deles. Algum tempo depois, Sr. João encontrou uma mulher que tinha dois filhos eles se casaram e se mudaram para Uberaba/MG e, juntos, cuidaram dos filhos. Com o tempo, separaram-se. Ele relatou que, depois dessa mulher, teve outras relações esporádicas e passageiras.

Seus filhos biológicos têm aproximadamente entre 38 e 40 anos. O mais novo é formado em Educação Física pelo Campus XII da Universidade do Estado da Bahia e trabalha como professor em duas instituições de ensino da rede pública. O mais velho está em Uberaba/MG e se formou em Engenharia Mecânica. Os outros dois filhos não biológicos, um homem e uma mulher, foram criados por ele desde pequenos. Sr. João contou-nos que um trabalha como sargento no corpo de bombeiros e que sua filha se formou em Agronomia e abriu um negócio de jardinagem em São Paulo. Ele revelou que todos os filhos estudaram em escola pública, não fizeram cursinho preparatório para passar no vestibular e são seu motivo de orgulho.

Sr. João contou que seu processo de inserção no ensino superior se deu por conta de seu filho mais novo, que passou no vestibular do Campus XII da Uneb. Para evitar pagar dois aluguéis, veio com o filho para a cidade de Guanambi, há 15 anos. Após concluir o curso superior em Educação Física, seu filho trabalhou nos municípios de Matina e Malhada, depois fez um concurso em Brumado, passou e acabou se mudando para lá. Para não ficar parado, decidiu prestar o vestibular para o curso de Educação Física, como fez seu filho. Foi aprovado e atualmente encontra-se na reta final do curso. Relatou que já apresentou o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), só faltam algumas disciplinas que ficaram para trás no decorrer do processo.

Sr. João ressaltou que a motivação específica para voltar a estudar era apenas o desejo de não continuar “parado e ocioso em casa”. Disse que não estudou nem se preparou para fazer a prova de vestibular e expressa sua alegria por ter conseguido o acesso ao ensino superior após os 70 anos de idade.

Dentre os cursos existentes no Campus XII da Uneb, escolheu Educação Física, porque era o único que mais se aproximava de seu perfil. Entretanto, destacou seu desejo de fazer o curso de História, sua primeira paixão. É notório destacar que ele busca, por meio dos estudos, preencher seu tempo, dinamizar sua vida e estar com outras pessoas que querem aprender coisas novas.

Sr. João refletiu também sobre as políticas de acesso ao ensino superior público. Para ele, todas as pessoas precisam ter a oportunidade de ingressar em uma universidade pública. Para ele a política de cotas, por exemplo, contribui para que a sociedade em geral ― negros, índios entre outros sujeitos ― possam ter acesso ao ensino superior gratuito, a uma boa universidade. Comentou: “A universidade cresceu muito, tá? Nesse ponto de vista de abrir caminho para todo mundo que deseje melhorar de vida, porque gente de cor só sobe na vida trabalhando ou estudando” (Sr. João, 76 anos, 14 set. 2017).

Para ele, a universidade melhorou bastante sua vida em vários aspectos: conheceu pessoas e está interagindo com os colegas, os professores e os funcionários. A experiência na universidade, na condição de estudante, tornou sua vida mais intensa e plena. Considerou, ainda, que adquiriu prestígio, amizades, conhecimento. Frisou que todos os momentos que vivenciou durantes esses anos foram muito bons e valeram a pena.

Um dos aspectos que, para ele, deveria mudar é a questão de acessibilidade. Asseverou que, no Campus XII da Uneb, há muitos anos, existe o segundo andar, mas não tem uma rampa ou um elevador de acesso. Isso dificulta o ingresso e a circulação de eventuais alunos cadeirantes ou de estudantes que estejam com a perna machucada, como foi o seu caso.

No que se refere aos desafios para permanecer no ensino superior, Sr. João destacou a dificuldade de entender e interpretar os textos e os termos acadêmicos. Outro desafio apontado por ele se refere à didática do professor universitário: “a forma do professor ministrar aula era muito complicada, mas, a partir de algumas conversas com eles, alguns melhoraram e tornaram os conteúdos mais compreensíveis” (Sr. João, 76 anos, 14 set. 2017). Com o esforço dos docentes em ouvir os alunos e usar uma linguagem mais acessível e com a familiaridade com os textos acadêmicos por parte dos alunos, afirmou que foi possível entender mais os conteúdos propostos.

Segundo Sr. João, durante o curso, teve apoio total da família e dos amigos. Evidenciou que, ao fazer o curso superior na terceira idade, deixou seus amigos felizes com sua conquista: “Nunca é tarde para realizar um sonho” (Sr. João, 76 anos, 14 set. 2017). Já na reta final do curso, Sr. João faz planos para o futuro. Como já foi dito anteriormente, pretende cursar História. Almeja ampliar seus conhecimentos, não quer ficar parado, ocioso.

Ao perguntarmos sobre o que sabia em relação à Universidade para a Terceira Idade (Uati), assinalou que a conheceu no ensino superior. Contou-nos que, para a obtenção de carga horária de estudos complementares, participou como monitor voluntário nas atividades realizadas na Uati da Uneb/ Campus XII. Avaliou que essa foi uma experiência bem significativa.

Revelou que atualmente não participa de grupos específicos para a terceira idade, devido à falta de tempo, mas tenta sempre se manter engajado nos meios sociais como forma de diversão e entretenimento. Sr. João mostrou ser uma pessoa ativa e disse que considera a universidade um espaço importante de aprendizagem, formação, lazer, interação, convivência e produção de novos conhecimentos.

4.2 Sr. dos Santos: “a gente pensa que a universidade é um bicho de sete cabeças, só faz quem tem o QI elevado”

Dos Santos é um senhor de 60 anos de idade, morador da cidade de Guanambi, filho e neto de agricultores e graduando em Ciências Contábeis pela Unifacs. Nascido em 1956, na cidade de Candiba-Bahia, viveu nesta até 1970. Como naquela época os estudos não eram gratuitos nem garantidos pelo poder público, seus pais contrataram um professor para fazer a alfabetização dele e de seus irmãos em casa. As aulas particulares aconteciam em casarões das fazendas de Caldeirão e Moreira.

Anos depois, mudou-se para a cidade de Candiba, estudou em um grupo escolar, possivelmente no Grupo Escolar Estadual Antônio Batista, tendo como diretora a Professora Délia e como professora do 4.o ano do primário Neuza. A partir de 1970, passou a residir em Guanambi e fez o exame de admissão para o ginásio. Explicou que era uma prova que os alunos faziam para verificar se atendiam os pré-requisitos para ingressar nesse segmento. Com a aprovação, entrou no Colégio São Lucas, hoje conhecido como Colégio Luís Viana Filho, onde cursou do ensino fundamental até o médio.

Sr. dos Santos não fala muito, considera-se muito tímido. Conversa sem muitas delongas e é bastante claro e objetivo. Sobre sua religião, disse que é católico, mas não praticante, pois participa pouco de atividades religiosas. Quanto à cor, declarou-se pardo. Trabalha como analista de Recursos Humanos na Faculdade Guanambi, posto que assume há cinco anos. É casado, pai de duas filhas ― uma tem 35 anos, e outra, 37. Considera sua educação de extrema importância, relatou que sempre priorizou a formação de suas filhas. Afirmou, com orgulho, que uma é graduada em Medicina e que a outra se formou em Administração de Empresas. As duas trabalham na área de formação. Tem uma neta de um ano de idade, que é a alegria da família, e informou que sua esposa é diretora administrativa da Receita Federal.

De família extensa, Sr. dos Santos tem 11 irmãos: 6 mulheres e 5 homens. Segundo ele, todos fizeram o ensino médio, mas apenas 3 irmãos obtiveram o ensino superior. Ele elencou as profissões de seus irmãos ― motorista de caminhão, professora, vereadora, comerciantes, pastor e eletricista ― e disse que todos já estavam bem encaminhados na vida. Ressaltou que é o mais velho de todos e, como já trabalha na área de Contabilidade, preferiu fazer o curso superior relacionado a esse campo. Ao indagarmos se já havia pleiteado ingressar no ensino superior, comentou: “Eu fiz o cursinho pré-vestibular particular. Aí fiz vestibular naquela época, em 1979, no curso de Agronomia, não conseguir aprovação; então, desisti, adiei o sonho” (Sr. dos Santos, 60 anos, 2 out. 2017).

A não aprovação no vestibular para Agronomia levou-o abandonar os estudos naquele momento e trabalhar em um escritório de Contabilidade. Em 1992, fez um curso técnico de Contabilidade no Colégio Anísio Teixeira, em Caetité, pois seu trabalho exigia a formação e o registro no Conselho Regional de Contabilidade (CRC). Ele contou ainda que, mesmo sem ter atingido a meta do vestibular naquele tempo, considerava fácil obter uma vaga na faculdade, porque não tinha muita concorrência como hoje.

Sr. dos Santos sempre foi contador, antes de trabalhar na empresa Faculdade Guanambi (FG), atou por 10 anos como administrador em um hospital, depois na prefeitura de Pindaí-Bahia. Há 5 anos, recebeu o convite da FG para trabalhar como contador e permaneceu lá.

Sua esposa possui ensino superior incompleto em Administração, também pela Unifacs. Por incentivo dela e pela necessidade de acompanhá-la, Sr. dos Santos resolveu dar continuidade a seus estudos, tentou o vestibular e foi aprovado. Está cursando graduação em Contabilidade, mas sua esposa decidiu trancar. Ele relatou que houve um momento de desânimo e quis desistir, mas suas filhas não deixaram. No momento da entrevista, ele estava no oitavo semestre, já concluindo o curso superior. Evidenciou a importância do apoio familiar para permanecer na universidade.

Por conta de já ser contador há muito tempo e conviver diariamente com esse tipo de atividade, escolheu o curso de Contabilidade. Essa opção, para o entrevistado, facilita a compreensão, aprimora os conhecimentos e o qualifica como profissional da área. Essas são estratégias para continuar os estudos. Além disso, julga como ponto positivo o incentivo da família e o desejo de uma realização pessoal. Apesar das dificuldades, o estímulo dos entes queridos tem contribuído para que ele permaneça no curso e deseje concluí-lo. Sr. dos Santos acredita que a instituição em que estuda já vem contribuindo em sua qualificação profissional e na vida pessoal. Espera que, com os conhecimentos e os aprofundamentos adquiridos em sua área de atuação e com o acesso ao diploma de ensino superior, terá melhores oportunidades de trabalho e maiores incentivos financeiros.

Sr. dos Santos contou que o ensino superior faz com que o indivíduo interaja mais com as pessoas, atualize as informações, discuta situações atuais. Disse que encontrou no curso superior o que realmente desejava. De sua vida como estudante, gosta muito das palestras, que sempre lhe proporcionam novos conhecimentos, com momentos de interação com seus colegas da área. Uma de suas maiores dificuldades está nas disciplinas em que tem de escrever dissertações ou textos, pois não leva muito jeito para a parte escrita. Relatou que tem complicações com Português.

Por conta de seus estudos serem no período noturno, Sr. dos Santos assinalou que estes não alteram em nada sua rotina de trabalho ou a convivência com a família e com os amigos, com exceção dos momentos em que ele tem uma aula ou uma atividade no período diurno, mas a empresa em que trabalha é bem compreensiva e o libera para participar desses eventos.

No decorrer da entrevista, Sr. dos Santos revelou que o ensino superior é fundamental para obter novos conhecimentos e aprimorar o que já se tem. Ele falou muito de Contabilidade e destacou o vínculo do curso com sua profissão. Além disso, reconheceu as contribuições do curso superior não só para o trabalho, mas principalmente para a socialização. Apesar de não gostar de falar em público, demonstra que gosta muito de conviver em grupo, pois aprende muitas coisas com os colegas que podem ser utilizadas para melhorar ainda mais sua prática profissional e sua vida pessoal.

4.3 Sr. Raimundo Nonato: “estar no ensino superior é um sentimento de dever cumprido”

Raimundo Nonato, é um senhor de 60 anos, concluinte do curso de Direito pela Faculdade de Guanambi. É filho de pai agricultor (in memoriam), com pouca escolarização, e de mãe professora de primário11 (in memoriam). Nasceu em Salvador e reside na cidade de Caetité/BA. É muito consciente de seu papel político e social, não suportando situações de injustiça. É casado e pai de três filhos. A primogênita é fruto de seu primeiro relacionamento, tem 35 anos, é médica e reside em São Paulo. Os outros dois filhos, um de 5 e o outro de 2 anos, são de seu casamento atual.

Quanto à cor, Sr. Raimundo Nonato se declarou pardo. Afirmou não ter religião, disse que busca apenas fazer o bem a todos. Informou que iniciou sua atividade profissional em 1977, em uma refinaria de petróleo, como funcionário da Petrobras e posteriormente atuou no polo petroquímico de Camaçari/BA. Há 11 anos é servidor público federal na Indústria Nuclear do Brasil (INB). Justificou que ainda não se aposentou para não perder algumas vantagens e se vê em plenas condições de trabalho.

Sr. Raimundo Nonato demonstrou ser uma pessoa aberta ao conhecimento, sempre disposta a aprender. É um homem bem instruído, culto, conectado com a realidade, com o dia a dia. Observamos que é um leitor assíduo, gosta de assistir jornais televisivos nos diversos canais, no intuito de se manter informado e poder comparar as notícias publicadas para depois tirar as próprias conclusões.

Estudou sempre em escola pública, por conta de não existirem escolas particulares na década de 1960. Iniciou o processo de escolarização com 8 anos de idade, em uma classe de alfabetização da Escola Manoel Florêncio em Salvador, local em que estudou até a 4.a série primária. Seguiu para o ginásio e depois para a Escola Técnica Federal, hoje IF Bahia. Logo após, estudou no Complexo Escolar Marquês de Maricá onde fez o ensino médio e o curso técnico de Química Industrial. Por sempre se dedicar aos estudos, foi escolhido para ir trabalhar na Petrobras, isso porque, segundo ele mesmo, naquela época, a empresa não realizava concurso. Esta selecionava os melhores alunos dos cursos técnicos e convocava-os para trabalhar, pois havia muita carência de formação técnica qualificada em Salvador e em todo o Brasil.

Sr. Raimundo Nonato relatou que trabalha desde os 13 anos de idade. Isso porque seu pai foi preso político durante a ditadura militar e desapareceu, reaparecendo somente seis meses depois. Nesse contexto, seu irmão mais velho assumiu a responsabilidade e os cuidados dele e de seus outros irmãos. Todos tiveram que trabalhar desde a adolescência para garantir o sustento da família.

Como o Sr. Raimundo Nonato começou a trabalhar na infância e nunca gostou de ver pessoas sendo injustiçadas, muito cedo também começou a se envolver com causas sindicais e trabalhistas, enfrentou o patronato e, por conta disso, foi demitido.

Argumentou que está fazendo o curso de Direito devido a sua afinidade e o seu envolvimento com as lutas populares e sociais e às demandas de seu trabalho. Além disso, ressaltou que é uma oportunidade para adquirir conhecimentos e manter a mente em constante atividade. Sr. Raimundo Nonato sempre se mantém informado; aliás, sempre leu muito e considera o conhecimento essencial para a vida de qualquer pessoa. Está estagiando em um escritório de advocacia e alegou que sua vida melhorou bastante, até mesmo em relação às amizades. Afirmou que hoje, muita gente vem conversar com ele, fazer consultas jurídicas, e isso é por conta de sua formação acadêmica.

Ele esclareceu com prazer, que é muito bom ter uma visão do mundo ampliada, pois isso possibilita saber e poder explicar para seus colegas vários conteúdos de forma contextualizada. Em decorrência disso, recebe muitos elogios, principalmente, em atividades acadêmicas de seminários. Quanto às estratégias usadas para estar e permanecer no ensino superior, relatou que é extremamente perfeccionista, disciplinado e radical consigo mesmo. Explicou que querer é poder e que as dificuldades devem ser enfrentadas. Ressaltou que tem um sentimento de prazer e muita satisfação por estar no ensino superior: “é um sentimento de dever cumprido” (Sr. Raimundo Nonato, 60 anos 26 out. 2017).

Relatou que foram muitos os caminhos percorridos e os desafios enfrentados para chegar e permanecer no ensino superior. Em relação às dificuldades, evidenciou que a saúde da esposa e a mudança de estado foram as principais, mas nada impossível de ser solucionado.

Narrou que sua rotina fora da escola dificulta a dedicação aos estudos, pois não é fácil conciliar trabalho e estudo: “atrapalha um pouco, mas não a ponto de prejudicar, às vezes perde uma aula importante; contudo, dá pra ajeitar e contornar, o trabalho não me impede estudar” (Sr. Raimundo Nonato, 60 anos, 26 out. 2017). Defendeu que o ensino superior deve ser presencial, e não virtual, disse que deve haver mais cobranças, com provas abertas, dissertativas para que os estudantes escrevam e leiam mais, adquirindo mais informações.

Sr. Raimundo Nonato informou que tem oito irmãos e se relaciona bem com eles. Cinco já estão aposentados, e os mais novos ainda trabalham como: eletricista, projetista, supervisor de plataforma de petróleo e engenheiro eletricista. Todos têm uma vida profissional e econômica estável, alguns tiveram formação em cursos técnicos profissionalizantes, outros terminaram ensino médio e um deles fez curso superior. O entrevistado relatou que sempre teve o apoio de seus familiares e que, quando começou o curso de Direito, todos comemoraram e acharam excelente a decisão de ele continuar estudando. Esse episódio o ajudou a melhorar sua relação com a família, ele inclusive aprendeu a se importar mais com os acontecimentos desta.

Acrescentou que os jovens devem buscar se inteirar mais sobre a política e a economia: “É preciso saber sobre tudo que acontece em nosso país e no mundo, pois nosso país, a cada dia, é vendido suas partes para o povo lá fora, e o brasileiro não faz nada” (Sr. Raimundo Nonato, 60 anos, 26 out. 2017). E ressaltou: “muitos desses jovens pedem para que volte a ditadura militar, mas eles não sabem o que foi ditadura militar; desse modo, não sabem nem o que estão falando” (Sr. Raimundo Nonato, 60 anos, 26 out. 2017). Por fim, expressou sua preocupação com os jovens e indicou a necessidade de estes estudarem com mais criticidade para saberem por qual motivo estão lutando.

4.4 Perfil dos idosos e elementos que possibilitaram trajetórias escolares tardias no ensino superior

Ao analisar as histórias de vida dos senhores João, dos Santos e Raimundo Nonato, identificamos alguns elementos que possibilitaram a inserção tardia deles no ensino superior. Nessas histórias, os conteúdos apresentaram convergências e divergências que serviram como suportes para que esses sujeitos pudessem estudar novamente.

Suas narrativas têm contextos muito parecidos perante as dificuldades sofridas durante a infância. Identificamos, no relato de Sr. dos Santos, que a maior dificuldade enfrentada por ele quando criança foi o acesso físico à escola, pois, como morava no campo, não tinha transporte. Então, o entrevistado foi forçado pelas circunstâncias a mudar-se para a cidade com seus pais e seus irmãos para que, com estes, pudesse frequentar a escola.

Os senhores João e Raimundo, viveram sempre na cidade. Desse modo, contaram que passaram por situações difíceis, principalmente financeiras, pois seus pais eram perseguidos políticos durante o período da ditadura militar e, com isso, não podiam trabalhar em cargos elevados, restando-lhes apenas ocupações menores ou contratação como mão de obra barata. Nesse sentido, esses sujeitos da pesquisa apresentaram uma intensa formação política, devido à experiência da repressão e, por isso, sempre se esforçaram para ter uma boa educação e criticidade, na esperança de ter uma vida melhor do que a de seus pais.

As dificuldades enfrentadas durante a infância, para os três, não foram um empecilho, mas sim uma aprendizagem, pois eles batalharam muito para adquirir sua autonomia tanto na carreira profissional como na vivência pessoal e financeira. Os entrevistados buscaram, mediante estudos e cursos profissionalizantes, melhorias nas condições de trabalho, além de experiências que garantiram sua entrada na universidade. Além disso, ressaltaram que, mesmo com os preconceitos da sociedade diante de sua condição etária, acreditam em suas capacidades, sentem-se jovens e veem seu envelhecimento como bem-sucedido e ativo.

Essa autonomia apresentada pelos três senhores foi, na verdade, um dos fortes elementos de fundamentação para que eles pudessem ingressar no ensino superior, o que envolve a possibilidade de arcar com os gastos gerados durante o curso e as condições físicas e intelectuais de sair de suas rotinas pessoais e de se locomoverem a outros espaços de socialização. Com relação a isso, os três gostam de participar das atividades da faculdade e se sentem satisfeitos em estar nesses ambientes de aprendizagem, pois adquirem experiências essenciais, que podem ser utilizadas tanto no trabalho como na vida cotidiana, e até mesmo fazem novas amizades. Outro suporte importante é o apoio e o incentivo dos familiares e dos amigos para o fortalecimento da autoestima do idoso. É notório observar, nas falas dos sujeitos, o quanto se sentem encorajados a retornar à escola quando percebem a confiança em suas potencialidades por parte das pessoas próximas a eles. Constatamos que a experiência de uma educação básica qualificada proporcionou aos entrevistados uma aprendizagem significativa.

Nas histórias de vida apresentadas, os sujeitos falam da escola como um meio de realização profissional e pessoal. Os senhores João, dos Santos e Raimundo Nonato ressaltaram que estudaram em escolas públicas e, além de terem o segundo grau completo, possuem cursos técnicos profissionalizantes, que serviram de suporte para a entrada no mercado de trabalho. Neste, apresentam uma forte consolidação profissional. Enfatizaram que tal consolidação e a independência econômica proporcionaram segurança e tranquilidade para ingressarem no ensino superior.

Os sujeitos demonstram, em suas falas, a valorização do ensino superior como meio de valorização profissional e pessoal e de respeito social. Essa atitude de buscar, adquirir novos conhecimentos e somá-los com suas experiências vividas foi relatada nas falas de Sr. João e de Sr. Raimundo: “[...] no sentido de aprimoramento pessoal, manter ativo os meus conhecimentos” (Sr. João, 76 anos, 14 set. 2017); “[...] deixar a mente sempre em movimento e exercício, porque, se parar, vai enferrujar, e você esquece”. (Sr. Raimundo Nonato, 60 anos, 26 out. 2017). Os entrevistados retrataram a entrada na universidade como um forte processo de potencialização de suas capacidades e de sua socialização, o qual favorece sua inclusão na sociedade contemporânea.

Os idosos buscam no ensino superior a valorização, seja ela pessoal, profissional ou financeira. O Sr. Raimundo foi muito claro quando afirmou: “O escritório, a cada dia, move mais processos, por conta de minhas experiências vividas no ensino superior” (Sr. Raimundo Nonato, 60 anos, 26 out. 2017). Suas aprendizagens no ensino superior não só valorizam o sujeito, mas também seu ambiente de trabalho, dando mais credibilidade a este. Sr. dos Santos, por sua vez, estima que, após concluir o curso de Ciências Contábeis, será mais valorizado.

Tavares (2008, p.87), salienta “que o mundo moderno pode oferecer oportunidades para o exercício da cidadania na velhice”. A entrada no ensino superior contribui para escolhas mais significativas, as quais podem reconstruir a representação da realidade social do idoso. Isso é a valorização da pessoa por meio do ensino superior tão buscada pelos sujeitos desta pesquisa.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este texto apresentou as narrativas de vida de sujeitos idosos que buscaram ressignificar suas vidas e suas histórias, as quais, de alguma forma, foram mudadas, esquecidas ou deixadas para trás. Procuramos, com este trabalho, compreender como se deu a inserção de sujeitos, já na terceira idade, na universidade e entender suas motivações e suas expectativas diante da realização de um sonho, abdicado no passado, mas concretizado no presente.

Ao analisarmos o perfil dos sujeitos da pesquisa, identificamos que os senhores João, dos Santos e Raimundo Nonato mostraram um forte revigoramento tanto físico como intelectual. Isso os tornou seres ativos nos processos de socialização e aprendizagem.

As histórias de vida dos três sujeitos revelam que eles têm boas bagagens, provenientes de suas trajetórias escolares, como o incentivo dos pais que, mesmo sem formação (qualificação) superior, estimularam e apoiaram os esforços de seus filhos para lhes oferecer um bom estudo. Tiveram uma educação básica qualificada, o que lhes garantiu a possibilidade do acesso, ainda que tardio, ao ensino superior. Isso mostra que o apoio recebido na infância lhes deu sustentação para buscarem a realização de seus sonhos e lutarem para que estes acontecessem.

Outro processo que também possibilitou o acesso desses idosos ao ensino superior foi a experiência profissional consolidada. Desse modo, eles apresentam condições financeiras que durante a juventude não tiveram, pois tinham que trabalhar e cuidar da família e, a partir da melhora em sua qualidade de vida, buscam se qualificar em cursos de graduação.

Esses sujeitos estão no ensino superior para reafirmar suas capacidades pessoais e melhorar tanto sua vida como seu trabalho. Veem, nesse espaço, uma forma de garantir e conhecer seus direitos perante a sociedade, que tanto os excluiu desse processo. Por fim, buscam envelhecer de forma ativa e participativa e procuram se relacionar com outras pessoas, o que amplia seus conhecimentos e ainda beneficia a aproximação com outros, a qual lhes proporciona afetividade, disposição e incentivo para enfrentar o dia a dia.

Para os idosos, ingressar e permanecer no ensino superior representa um dever cumprido, uma grande satisfação. Isso lhes provê o reconhecimento de que também são capazes, mesmo com as dificuldades de compreensão das normas acadêmicas e com a conciliação do trabalho e da família. Tal conciliação, que antes os impediu, hoje, não configura como empecilho para os estudos.

O ponto importante que é preciso destacar é que esses acessos não só garantiram a melhoria de suas vidas como fortaleceram as perspectivas de futuro desses sujeitos, pois eles tencionam, mediante a aprendizagem, realizar seus sonhos como fazer outros cursos e consolidar novos saberes para o campo profissional. De maneira geral, vemos que os idosos, a cada dia, buscam integrar-se à sociedade, realizar suas aspirações e aumentar sua autoestima.

Esperamos que este estudo possa contribuir para a reflexão sobre as histórias de sujeitos na terceira idade, de maneira que eles possam enfrentar seus desafios e realizar seus anseios. Sugerimos que sejam realizadas novas pesquisas nessa área, pois as produções acadêmicas sobre o idoso na universidade são quase inexistentes. Assim, é necessário haver mais atenção e maiores investimentos e políticas públicas que assegurem o ensino superior aos idosos e que os conduzam mais a ele, só dessa forma veremos muitos sonhos sendo realizados.

4Os trabalhos apresentam contribuições para o ensino destinado aos idosos em espaços de educação popular e de inclusão digital.

5São discutidas temáticas sobre atividade física, saúde e qualidade de vida, que se focam no modo de vida dos idosos e mencionam meios de beneficiar e garantir o bem-estar tanto físico como social desses sujeitos.

7O Departamento de Ordem e Política e Social foi um órgão histórico de repressão aos movimentos sociais e populares, foi também centro de tortura durante a ditadura do Estado Novo, retomando essa prática no regime militar. Nos períodos ditatoriais, as vítimas preferenciais eram os militantes de partidos de esquerda (MOTTA,2010).

8As classes multisseriadas são salas com alunos de diferentes idades e níveis educacionais. Nessas escolas, um único professor atua em múltiplas séries concomitantemente, reunindo estudantes da pré-escola e dos anos iniciais do ensino fundamental em uma mesma sala de aula; sendo obrigado a assumir outras funções, além da docência, ficando responsável pela confecção e distribuição da merenda, limpeza da escola, realização da matrícula e demais atividades de secretaria e de gestão (HAJE, 2010) .

9O ensino primário corresponde hoje aos anos iniciais do ensino fundamental (1.º ao 5.º ano).

10O ginasial corresponde hoje aos anos finais do ensino fundamental (6º ao 9º ano).

11O ensino primário constitui os primeiros anos da educação escolar, atualmente corresponde ao ensino fundamental (1º ao 5º ano).

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Recebido: Janeiro de 2018; Aceito: Junho de 2018

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