SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.9 número1MODELOS CONSTITUTIVOS DE SECUENCIAS DIDÁTICAS: enfoque en la Teoría de las Situaciones DidácticasJUVENTUDES Y REDES SOCIALES: interacciones y orientaciones educativas índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Servicios Personalizados

Revista

Articulo

Compartir


Revista Exitus

versión On-line ISSN 2237-9460

Rev. Exitus vol.9 no.1 Santarém ene./marzo 2019  Epub 17-Jul-2019

https://doi.org/10.24065/2237-9460.2019v9n1id720 

Artigos

METODOLOGIA DA PROBLEMATIZAÇÃO: o uso de situações-problema no ensino de Astronomia

METHODOLOGY OF PROBLEMATIZATION: the use of problem-situations in Astronomy education

METODOLOGÍA DE LA PROBLEMATIZACIÓN: el uso de situaciones-problema en la enseñanza de Astronomía

Elisangela Barreto Santana1 

José Alexandre da Silva Valente2 

Nadia Magalhães da Silva Freitas3 

1Doutoranda em Educação em Ciências e Matemática. Programa de Pós-graduação em Educação em Ciências e Matemática da Universidade Federal do Pará, Belém-PA. E-mail: elisangela.santana.bs@hotmail.com

2Doutor em Educação em Ciências e Matemática (UFPA). Professor da Universidade Federal do Pará, Belém-PA. E-mail: alexvalt@ufpa.br

3Doutora em Desenvolvimento Sustentável (UFPA). Professora do Programa de Pós-graduação em Educação em Ciências e Matemática da Universidade Federal do Pará, Belém-PA. E-mail: nadiamsf@yahoo.com.br


RESUMO:

O presente trabalho compõe parte da pesquisa doutoral da primeira autora que tem a seguinte questão norteadora: “Em que medida o uso de situações-problema influencia o ensino de Astronomia, no contexto da abordagem CTS, notadamente no que se refere aos aspectos didáticos e pedagógicos?”. A pesquisa envolveu professores que ensinam Ciências, no âmbito de um curso de formação continuada. Para este trabalho, nos concentramos em apresentar os aspectos teóricos, históricos e epistemológicos da Metodologia de Problematização, dando ênfase às situações-problema como estratégia didática e pedagógica. Foi possível, com essa pesquisa, delinear caminhos que contribuem para a elaboração de situações-problema no ensino de Astronomia, enfatizando as relações entre Ciência, Tecnologia e Sociedade.

Palavras-chave:  Ensino de Astronomia; Abordagem CTS; Formação de professores

ABSTRACT:

This paper is part of the first author's doctoral research that has the following guiding question: “To what extent does the use of problem-situations influence the teaching of Astronomy in the context of the STS approach, especially with regard to didactic and pedagogical aspects?”. The research involved teachers who teach science as part of a continuing education course. For this work, we focus on presenting the theoretical, historical and epistemological aspects of the Problem-Solving Methodology, emphasizing problem-situations as didactic and pedagogical strategy. It was possible with this research to delineate ways that contribute to the elaboration of problem situations in the teaching of Astronomy, emphasizing the relations between Science, Technology and Society.

Keywords:  Teaching of Astronomy; STS approach; Teacher education

RESUMEN

El presente trabajo recupera parte de la investigación doctoral de la primera autora, la cual posee la siguiente cuestión orientadora: ¿en qué medida el uso de situaciones-problema influye en la enseñanza de Astronomía en el contexto del enfoque CTS, especialmente en lo que se refiere a los aspectos didácticos y pedagógicos? “. La investigación involucró a profesores que enseñan Ciencias, en el marco de un curso de formación continuada. Para este trabajo, nos concentramos en presentar los aspectos teóricos, históricos y epistemológicos de la Metodología de Problematización, dando énfasis a las situaciones-problema como estrategia didáctica y pedagógica. Es posible, con esa investigación, delinear caminos que contribuyen a la elaboración de situaciones-problema en la enseñanza de Astronomía, enfatizando las relaciones entre Ciencia, Tecnología y Sociedad.

Palabras clave:  Enseñanza de Astronomía; Enfoque CTS; Formación de profesores

INTRODUÇÃO

O Brasil tem apresentado um cenário animador na educação com a inserção da alfabetização científica e tecnológica, na prática pedagógica (BEHRENS, 2005). As mudanças pelas quais a escola vem passando, possibilitam a constituição de cenários de transformação, cujo espaço de “reprodução do conhe cimento”, reconfigura-se como um ambiente de construção e elaboração de novas possibilidades (AULER; BAZZO, 2001; AULER, 2003; 2011).

A abordagem de ensino Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS) vem apresentando novas possibilidades, uma vez que se configura como alternativa à formação cidadã, ambientando o professor em um cenário dialético em que o estudante faz parte do processo de ensino e aprendizagem, como protagonista e transformador de sua própria realidade, refletindo uma ação social responsável, consoante com uma sociedade alfabetizada cientificamente (SANTOS; MORTIMER, 2001).

Muitos desafios ainda precisam ser vencidos e, dentre eles, os que estão presentes no ensino de Astronomia. Seu caráter eminentemente conceitual, geralmente de difícil compreensão, torna sua abordagem pouco atrativa. Contudo, acreditamos ser possível a elaboração de uma metodologia que envolva professores em um processo de reconfiguração de sua prática pedagógica e, com isso, nos propomos a um novo referencial, a saber: o uso da problematização, por meio de situações-problema, como estratégia didática e pedagógica no ensino de Astronomia. Nesse sentido, investigaremos “Em que medida o uso de situações-problema influencia o ensino de Astronomia, no contexto da abordagem CTS, notadamente no que se refere aos aspectos didáticos e pedagógicos?”.

Neste ensaio teórico, pretendemos conceituar tal termo, e definir em que base epistemológica situamos nossas colocações, bem como, estabelecer os critérios que norteiam seu uso e de que forma tal utilização pode contribuir para professores que ensinam Ciências, em especial ao tratarem dos componentes curriculares relativos à Astronomia. Apresentaremos, ainda, possibilidades do uso das situações-problema no ensino de Astronomia que compõem a pesquisa doutoral em andamento.

Esse trabalho está organizado em seis sessões. Na primeira; apresentamos a relevância e caracterização da metodologia da problematização. Na sequência, apontamos a visão Freiriana do tema. A seguir, discorremos sobre a estrutura de elaboração das situações-problema e seu uso no ensino de Astronomia. Por fim, apontados as conclusões que o trabalho nos permitiu fazer.

METODOLOGIA

Metodologia da problematização (MP): caracterização do termo

O uso da problematização não parece ser novidade, em especial no Ensino de Matemática (COSTA, 2010; SOUZA, 2012; VARGAS, 2013; SOUSA, 2015 ). No entanto, referente ao ensino de Ciências, percebemos alguns equívocos quanto ao uso do termo ou mesmo a polissemia presente em sua utilização (SAMPAIO, 2005; LIMA; NETO, 2012; VARGAS, 2013; POFFO, 2015; SANTANA, 2015; SILVA et al., 2015).

Nossa análise dos trabalhos desenvolvidos nesse campo, nos levou à conclusão de que todos os termos apresentados em artigos e pesquisas de teses e dissertações se ajustam a duas grandes categorias, a saber, a Metodologia da Problematização e a Aprendizagem Baseada em Problema. Em virtude das muitas especificidades apresentadas em ambas as abordagens, pretendemos esclarecer em que categoria se enquadram as situações-problema construídas para esse trabalho, a fim de não deixar dúvidas quanto a que significado damos ao termo, em se tratando do ensino de Astronomia.

Muitos dos termos que estão associados à problematização no ensino, tais como: situações-problema, situações problematizadoras, resolução de problemas e problematização, comumente estão relacionados à Metodologia da Problematização, embora nem sempre isto esteja especificado (SAMPAIO, 2005; LIMA; NETO, 2012; VARGAS, 2013; POFFO, 2015; SANTANA, 2015; SILVA, et al. 2015;). A Metodologia da Problematização parece ter inspiração na concepção histórico-crítica da Educação, com uma forte influência de Paulo Freire, que defende uma educação problematizadora (BERBEL, 1999; FREIRE, 1983; 2000).

Ao associar Paulo Freire, José Carlos Libâneo e Dermeval Saviani, com o uso da Metodologia da Problematização, ainda que em uma concepção embrionária, verifica-se que seus fundamentos aparecem oriundos de várias pedagogias, especialmente, as que estão situadas na Pedagogia Libertadora Problematizadora e concepção histórico-crítica da Educação (BARBEL, 1999; VASCONSELLOS, 1999).

A Metodologia da Problematização é ainda apontada como uma manifestação do construtivismo pedagógico por apresentar, como princípios fundamentais, características que o aproximam de tal abordagem, ou seja: partir da realidade, utilizar-se do que o estudante já sabe sobre a realidade e o fato de o estudante ser o protagonista de sua aprendizagem (BORDENAVE; PEREIRA, 2015).

Tal metodologia está associada à fenomenologia, ao existencialismo e ao materialismo histórico-dialético, apontando sua essência na problematização, o que pressupõe uma atitude filosófica, visto ser necessário o exercício crítico e a reflexão diante do enfrentamento do problema apresentado (VASCONSELLOS, 1999). A autora afirma, ainda, que a Metodologia da Problematização existe desde a Grécia antiga e apoia sua afirmação na maiêutica4 de Sócrates (469-399 a. C.), que se apropriava da dialética para “[...] demonstrar que o conhecimento era a base de toda ação virtuosa e de indicar que o conhecimento devia ser desenvolvido pelo próprio indivíduo” (VASCONSELLOS, 1999, p. 41). Nessa visão, o uso do método dialético objetivava gerar o pensamento, uma vez que, para Sócrates e Platão, o progresso mental não era favorecido pela mera transmissão de conhecimentos (VASCONSELLOS, 1999).

Quanto à fenomenologia, sua associação se deve ao fato de ter como postulado básico a noção de intencionalidade (VASCONSELLOS, 1999). A esse respeito, destacam-se as vantagens do uso da Metodologia da Problematização como,

[...] poderoso recurso metodológico, para concretizar os princípios teóricos e filosóficos de uma educação progressista e humanizadora, desde que estes princípios façam parte da intencionalidade e do modo de ser do educador, pois não será o mesmo se ela for utilizada como apenas mais uma técnica (BARBEL, 1999, p. 10).

Dessa forma, a intencionalidade deve conduzir à busca e à exploração exaustiva do mundo, em uma perspectiva de incompletude, o que conduz ao “[...] contínuo e progressivo desvelamento da realidade” (VASCONSELLOS, 1999, p. 44), tal qual a fenomenologia pressupõe.

Referente ao existencialismo, Vasconsellos (1999, p. 46) afirma que “[...] a essência do homem precede a existência e isso significa que primeiramente o homem existe, se descobre, surge no mundo; e só depois se define”. Portanto, o que diferencia o homem das outras coisas é o fato de ser livre e ter condições de ser seu próprio projeto, ou seja, ter a capacidade de pensar em sua própria existência e escolher que direções trilhar.

No que diz respeito à Metodologia da Problematização, essas características possibilitam ao estudante ser sujeito de sua própria educação, interagir com o mundo, integrando o conhecimento com o que é vivido. Possibilita a tomada de consciência crítica, diante da realização de um trabalho, desvelando progressivamente sua realidade. Permite se construir como sujeito, situado no tempo e no espaço, inserido em um contexto histórico, refletindo sobre si próprio e se definindo como sujeito criador, capaz de modificar sua realidade por meio da ação e da reflexão (VASCONSELLOS, 1999).

Quanto ao materialismo histórico dialético, este constitui a base filosófica do marxismo e se apresenta como forte influência na Metodologia da Problematização. A dialética possui, por princípios básicos, o princípio da totalidade, tudo se relaciona; o princípio do movimento, tudo se transforma; o princípio da mudança qualitativa, as ações dos indivíduos somam-se ao ponto da ruptura gerando uma nova ordem; e o princípio da contradição, unidade e luta dos contrários (GADOTTI, 1995 apud VASCONSELLOS, 1999, p. 50-51).

Esses princípios podem ser aplicados à Metodologia da Problematização, pois

Faz parte dos procedimentos da Metodologia da Problematização ir direto à realidade, para perceber suas contradições e as inter-relações dos fenômenos procurando apreender o movimento inerente dos processos e intervir nesta realidade para transformá-la. O método dialético, de que se utiliza a metodologia, ao estudar uma determinada realidade objetiva, analisa, metodicamente, os aspectos e os elementos contraditórios dessa realidade, exigindo constantemente o reexame da teoria e a crítica da prática (VASCONSELLOS, 1999, p. 52).

A Metodologia da Problematização apoia-se, portanto, no materialismo histórico-dialético em sua base, o que fundamenta, juntamente com a Teoria Crítica da Escola de Frankfurt, a filosofia da práxis humana. Citamos a práxis humana por ser um dos conceitos centrais da filosofia de Marx.

A Escola de Frankfurt foi inaugurada na década de 1920 por Felix Weil (1898-1975), com a colaboração de Kurt Albert Gerlach (1886-1922) e Carl Grümberg (1861-1940), que foi o seu primeiro diretor. Seu objetivo era aprofundar, fortalecer e difundir o arcabouço teórico marxista, em uma perspectiva crítica em relação ao processo de alienação que se instaurou na década de 1930, com a expansão do nazismo, o avanço da tecnologia e a monopolização da economia (SILVA; PADILHA; VIANA, 2015).

Os membros da escola de Frankfurt eram assíduos estudantes de Marx e, por conseguinte, eram antipositivistas e antidogmáticos, se ocupando com questões sócio-políticas. Dos mais destacados membros, citamos Max Horkheimer (1895-1973), Theodor Adorno (1903-1969) e Herbert Marcuse (1898-1979).

Max Horkheimer assumiu a direção da Escola de Frankfurt em 1931, após a saída de Grümberg, o que modificou substancialmente sua estrutura e ampliou o leque teórico e as discussões no campo científico. Sua maior contribuição, em associação com Adorno, foi a crítica severa à burguesia e à razão técnica, de origem iluminista (FULLAT, 1994), de forma que a Escola de Frankfurt “[...] tem inspirado a construção de uma filosofia da educação fundamentada na práxis humana” (VASCONSELLOS, 1999, p. 53). O conceito de práxis adotado na Metodologia da Problematização foi apontado por Berbel (1998), a qual nos diz que a práxis implica uma relação consciente entre pensamento e ação, entre teoria e prática. Freire (1997) nos diz, ainda, que a práxis humana é a unidade indissolúvel entre a ação e a reflexão sobre o mundo e é essa capacidade que nos diferencia como “homens” ao afirmar que apenas nós somos capazes de nos distanciar do mundo, observá-lo e formar juízo de valores.

Assim, a Metodologia da Problematização, na forma como vem sendo apresentada por Bordenave e Pereira (2015), Berbel (1999) e Vasconsellos (1999), apoia-se em muitos conceitos do marxismo, principalmente os relacionados com a dialética e a práxis. No entanto, a Metodologia da Problematização tem sido ainda apresentada como alternativa à educação problematizadora, com inspiração em Paulo Freire, o qual defendia uma educação libertadora em contraposição ao que chamava de educação bancária.

Quanto aos aspectos metodológicos, alguns trabalhos no Brasil têm se apropriado do método do arco de Charles Maguerez, apresentado por Bordenave e Pereira (2015), especialmente na Universidade Estadual de Londrina (BARBEL, 1998), o qual descreve um esquema pedagógico que parte da realidade física ou social do estudante e a ele retorna após a análise e discussões desta realidade.

O esquema do arco proposto por Charles Maguerez (Figura 1), apresentado por Bordenave e Pereira (2015, p. 53), é constituído por etapas distintas que visam esquematizar a problematização e conduzir à esfera da ação.

Fonte:Bordenave e Pereira (2015, p. 53).

FIGURA 1 - Esquema do Arco - proposto por Charles Maguerez 

Essas etapas são configuradas de forma a apresentar um arco de ação que parte da observação da realidade e conduz à transformação da realidade, quais sejam:

  • 1 – Observação da realidade – os estudantes são expostos a um problema, que pode envolver uma realidade física ou social, o que lhes confere uma visão global do que pretende ser ensinado, o que Maguerez chama de síncrese;

  • 2 – Construção de uma maquete – consiste em identificar as variáveis do problema, os mais centrais ou medulares e que, de alguma forma, possam influenciar na solução do problema proposto. Os pontos-chave do problema são enumerados para facilitar a construção de um modelo simplificado da estrutura do problema;

  • 3 – Discussão sobre a maquete – nesta etapa, os estudantes são estimulados a investigar que contribuição teórica há para a solução do problema. Assim, recorrem ao estudo sistemático das Ciências envolvidas, a fim de buscar esclarecimentos do assunto em pauta, no intuito de elaborarem a resolução, sendo, portanto, a etapa de teorização;

  • 4 – Execução na maquete – etapa em que os estudantes envolvidos apresentam as propostas ou hipóteses de resolução do problema, as quais passam a ser confrontadas com a maquete do problema, a fim de validar ou invalidar a proposta e seguir a construção de outra mais apropriada, se necessário;

  • 5 - Execução efetiva – última etapa, na qual os conhecimentos adquiridos são aplicados à realidade a fim de modificá-la. Dessa forma, volta-se à realidade, finalizando o arco.

Bordenave e Pereira (2015) nos apresentam uma adaptação desse esquema, o qual chamam de “O Método do Arco” (Figura 2), constituído por iguais etapas que eles denominam de:

Fonte:Bordenave e Pereira (2015, p. 130).

FIGURA 2 - O Método do Arco - Apresentado por Bordenave e Pereira, adaptado do Esquema do Arco proposto por Charles Maguerez 

  • 1 – Observação da realidade;

  • 2 – Observação do modelo - Pontos-chave;

  • 3 – Discussão do modelo - Teorização;

  • 4 – Aplicação do modelo - Teste de hipóteses e

  • 5 – Aplicação sobre a realidade - Solução prática.

Os trabalhos que apresentam o Método do Arco estão baseados nessa adaptação feita por Bordenave e Pereira (2015).

Em nosso entendimento, o Método do Arco é uma alternativa consistente com uma proposta de problematização no ensino, uma vez que se dispõe a criar situações problematizadoras que mobilizam os estudantes à construção de conhecimentos e alternativas de solução ao problema apresentado.

O que nos parece mais característico da problematização é o fato de tanto o Esquema do Arco, apresentado por Charles Maguerez (execução efetiva), quanto o Método do Arco, apresentado por Bordenave e Pereira (solução prática), disporem de uma etapa de retorno ao problema inicial, no intuito de modificar a realidade por meio da aplicação do conhecimento construído durante o processo.

A problematização em Paulo Freire

Paulo Freire se apresenta como mobilizador de saberes que questionam a formação bancária, pautada na mera transmissão de conhecimentos. Em tal modelo, o estudante é visto como uma tábula rasa, cujo depósito do conhecimento se faz possível, por meio de mera transmissão inquestionável de conhecimentos.

Freire, contudo, defendia a formação crítica, no sentido de favorecer a autonomia e a conscientização. A esse respeito, nos cabe abrir um parêntese. Em uma visão moderna de educação, acredita-se que ninguém conscientiza ninguém, contudo, é possível sensibilizar os estudantes para que, por meio do questionamento da sua realidade social, estes sejam capazes de refletir e questionar sua própria vida, sua comunidade e sua realidade, propondo ações e se posicionando criticamente. Nesse sentido, dizemos que o indivíduo foi sensibilizado e que está consciente de sua participação como agente social.

Contudo, no contexto em que Paulo Freire discursou sobre conscientização, a realidade social era bastante ímpar e a conscientização a que Freire se refere ia além do questionamento dos problemas sociais do indivíduo. Ela estava impregnada das condições históricas e ideológicas que lhe davam origem. As particularidades desse contexto devem ser compreendidas se intentarmos fazer de Freire um referencial apropriado em nosso atual cenário educacional (FREIRE, 1997).

As preocupações de Paulo Freire iam além da esfera pedagógica, ou seja, da alfabetização de seus educandos. O cunho político estava impregnado em seu discurso e suas ações, o que o levou a uma abordagem crítica da educação, deixando de lado o modelo tradicional de transmissão de conteúdos. Podemos perceber essas preocupações quando afirma,

O que teríamos de fazer, uma sociedade em transição como a nossa, inserida no processo de democratização fundamental, com o povo em grande parte emergindo, era tentar uma educação que fosse capaz de colaborar com ele na indispensável organização reflexiva de seu pensamento. Educação que lhe pusesse à disposição meios com os quais fosse capaz de superar a captação mágica ou ingênua de sua realidade, por uma dominantemente crítica. [...] Estávamos, assim, tentando uma educação que nos parecia a de que precisávamos. Identificada com as condições de nossa realidade. Realmente instrumental, porque integrada ao nosso tempo e ao nosso espaço e levando o homem a refletir sobre sua ontológica vocação de ser sujeito (FREIRE, 1997, p 113).

A educação instrumental, a que Freire se refere, envolvia a conscientização política de seus educandos que, segundo ele, levaria os sujeitos a ações preponderantemente críticas. No contexto histórico em que Freire discursava, o exercício da cidadania dependia do poder do voto, limitado aos cidadãos alfabetizados, o que correspondia, na década de 1960, a 15,5 milhões de eleitores, em uma população de 34,5 milhões com 18 anos de idade ou mais (FREIRE, 1997). A sua busca por uma educação conscientizadora o levou a um modelo metodológico de alfabetização que incluía cinco etapas, a saber:

1 - Levantamento do universo vocabular dos grupos com quem se trabalharia:

Nessa etapa, ocorria uma série de encontros e entrevistas informais que tinham por objetivo identificar, no vocabulário local, um conjunto de palavras que tinham maior significado para o grupo. “[...] os vocábulos mais carregados de sentido existencial e, por isso, de maior conteúdo emocional, mas também os falares típicos do povo. Suas expressões particulares, vocábulos ligados à experiência dos grupos” (FREIRE, 1997, p.111).

2 – Escolha das palavras, selecionadas do universo vocabular pesquisado:

Essa etapa ocorria entre os coordenadores, após as entrevistas com o grupo local. Ela seguia três critérios básicos: identificar vocábulos com maior riqueza fonêmica; classificar os vocábulos segundo a dificuldade fonética, o que incluía elaborar uma sequência de palavras que gradativamente iam apresentando uma dificuldade fonética maior; e, por último, escolher vocábulos que permitiam explorar seu teor pragmático, ou seja, apresentar o engajamento daquele dado vocábulo com a realidade social, cultural e/ou política dos educandos.

3 - Criação de situações existenciais típicas do grupo com quem se vai trabalhar:

Nessa etapa, desafios são apresentados ao grupo no intuito de gerar debates entre os participantes. De acordo com Freire (1997), são as situações-problema que irão dar aos sujeitos o conceito antropológico de cultura, viabilizando a conscientização e, por conseguinte, a alfabetização dos mesmos. Os desafios apresentados dizem respeito a situações locais que, para serem resolvidos, devem necessariamente abrir perspectivas de discussões que envolveram problemas regionais e/ou nacionais. Portanto, a problematização, conforme proposta por Freire, visa ampliar a visão de mundo do sujeito e inseri-lo num ambiente democrático de participação social.

4 - Elaboração de fichas-roteiro:

Momento em que os coordenadores elaboram as fichas que serão usadas durante as reuniões com o grupo. Essas fichas-roteiro não eram prescritivas, tampouco eram usadas indiscriminadamente Brasil afora; por isso, sua elaboração só se dava após debate com o grupo, apresentação de um problema e discussões que permitissem aos coordenadores terem uma clara visão do grupo e quais recursos vocabulares seriam mais apropriados e, consequentemente, mais bem-sucedidos em se tratando daquele grupo específico.

5 - Feitura de fichas com a decomposição das famílias fonêmicas correspondentes aos vocábulos geradores:

Esse é o momento de ação. Os coordenadores e supervisores se reúnem para a confecção dos materiais que serão utilizados durante os encontros, que incluíam materiais em slides, stripp-filmes ou cartazes. Os vocábulos selecionados para essa etapa já haviam sido treinados nos debates das situações-problema apresentadas ao grupo. Vencidas todas as etapas, dava-se início ao trabalho de alfabetização do grupo.

A nós interessa examinar, com mais cuidado, a terceira etapa, a de criação de situações existenciais típicas do grupo. Essa etapa, usada por Freire para a problematização, é o que faz, de sua metodologia, um método ativo, tirando o sujeito da posição passiva de aprendizado proporcionada pelo modelo de educação tradicional.

Para Freire (1997, p.113-114),

Estas situações funcionam como desafios aos grupos. São situações-problemas, codificadas, guardando em si elementos que serão descodificados pelos grupos, com a colaboração do coordenador. O debate em torno delas irá, como o que se faz com as que nos dão o conceito antropológico de cultura, levando os grupos a se conscientizarem para que concomitantemente se alfabetizem. São situações locais que abrem perspectivas, porém, para a análise de problemas nacionais e regionais. Nelas vão se colocando os vocábulos geradores, na gradação já referida, de suas dificuldades fonéticas. Uma palavra geradora tanto pode englobar a situação toda, quanto pode referir-se a um dos elementos da situação.

Freire entendia a problematização como uma forma de apresentar problemas reais aos educandos, na perspectiva de lhes proporcionar uma visão crítica do mundo. Nesse sentido, a problematização objetiva proporcionar mais que a leitura de palavras. Para Freire, a leitura que realmente tem significado é a que permite ao sujeito ter leitura do mundo.

Ao lidar com sujeitos alfabetizandos, a problematização era apresentada por meio da palavra geradora. Os estudantes eram levados a refletir sobre as múltiplas dimensões que a palavra escolhida por eles poderia apresentar a social, econômica, ecológica, dentre outras, o que os conduzia a problematizar sua realidade a partir de tal palavra.

Em seguida, era projetada a representação da expressão oral da percepção do objeto, na forma de figuras ou ilustrações, o que gerava debates que levavam à discussão de um problema pertinente ao seu cotidiano. A ocorrência dessa análise era o que Freire chamava de decodificação da situação dada ou análise da realidade. A partir daí, os sujeitos eram apresentados visualmente à palavra geradora e, em seguida, à ficha da descoberta5.

Esse processo de alfabetização dava aos educandos a oportunidade de desenvolver autonomia e criticidade. Segundo Freire (1997, p. 119),

“[...] à medida em que um método ativo ajude o homem a se conscientizar em torno de sua problemática, em torno de sua condição de pessoa, por isso de sujeito, se instrumentalizará para as suas opções. [...] Aí, então, ele mesmo se politizará”.

O processo de problematização, conforme proposto por Freire, respondia as suas demandas e lhe dava o suporte necessário, para a realização de suas atividades, respeitadas as limitações impostas pelas condições sociais as quais seus educandos estavam sujeitos. A esse respeito, consideramos Freire um precursor apropriado do que chamamos atualmente de Metodologia da Problematização, embora seu método ativo não tenha estabelecido um modelo ou descrito um padrão de desenvolvimento de situações-problema, até por que, para Freire, cada grupo deveria ser considerado único e era a análise individual de cada grupo local que dava aos coordenadores ou supervisores as ferramentas necessárias para a seleção, no universo vocabular, das palavras geradoras, que seriam utilizadas no Círculo de Cultura6 para a alfabetização dos educandos.

Contudo, o processo de problematização em Freire nos reporta ao método ativo, o que se torna apropriado, quando apresentamos uma abordagem de ensino de Astronomia que busque a formação crítica dos estudantes e contribua para a formação de cidadãos conscientes e capazes de interagir com os problemas vivenciados, propondo soluções reais, práticas e condizentes com sua realidade. Compreendemos, assim, que a Metodologia da Problematização possui características próprias que a distingue de qualquer outra.

É necessário um cuidado ao tratarmos tal termo, para não incorrermos no erro de usá-lo de forma “clichê”, contribuindo para sua polissemia e equívocos referentes ao seu uso. Em nosso entendimento, a Metodologia da Problematização contribui para a contextualização no ensino de Ciências, em específico, para o ensino de Astronomia, o que nos conduziu a apresentar a Metodologia da Problematização como alternativa para um ensino problematizador e engajado com a proposta de uma educação crítica.

A elaboração de estratégias com o uso das situações-problema

Em nossa pesquisa, elaboramos situações–problema como estratégia didática e pedagógica de problematização, no intuito de fomentar discussões CTS e possibilitar aos professores o engajamento com uma nova proposta ao ensino de Astronomia. Alguns aspectos foram levados em consideração e contribuíram para um roteiro que envolveu as seguintes etapas:

1 – As condições que antecedem as situações–problema: a elaboração da proposta de ensino deve partir de uma indagação, de um problema sóciocientífico ou sóciocultural, controverso ou não, que faz parte da realidade local ou global dos estudantes, mas que seja real e potencialmente problematizadora, promotora de discussões CTS.

2 – Instituição das situações–problema: momento de identificar o que torna a situação um problema, de delimitar os possíveis contornos, limites e horizontes da investigação e das discussões que podem ser desenvolvidas com a temática escolhida. Visualizar que aspectos da abordagem CTS têm maior potencial de discussão. São os aspectos científicos, tecnológicos ou sociais? O entendimento claro desses aspectos orientará as ações dos professores e as atividades dos estudantes.

3 – Elaboração das situações–problema: escolha da estratégia que será adotada para apresentar a problematização aos estudantes. A situação–problema pode ser apresentada por meio de uma controvérsia, um júri simulado, um vídeo, uma reportagem que apresente um problema local, uma entrevista etc. O importante é tratar de um problema real, ainda que a proposta ou ação seja simulada. A situação–problema deve ter relação com os elementos curriculares a serem apresentados aos estudantes, estimular a produção do conhecimento científico e proporcionar discussões que extrapolem as condições de aprendizado usuais, uma vez que a abordagem de ensino CTS viabiliza discussões no intuito de desenvolver a criticidade e autonomia dos estudantes.

4 – A sistematização do conhecimento: momento de utilização de métodos ou estratégias de ensino que levem à sistematização do conhecimento, ao reconhecimento das relações CTS na proposta apresentada, à elaboração de discussões e à condução ao amadurecimento da proposta. Nesse momento, é necessária a maior exploração dos aspectos científicos, pertinentes à elaboração de uma proposta de ação CTS que vise à elucidação da problemática. Preferencialmente, os conhecimentos devem ser construídos com/pelos estudantes e, se necessário, intermediado pelo professor para que não haja prejuízo dos componentes curriculares. A abordagem de ensino CTS requer ações conscientes e a elaboração de propostas consistentes com a tomada de decisão. Para que os estudantes consigam apresentar uma proposta pertinente com a abordagem CTS, estes precisam exercitar seu desenvolvimento intelectual e de habilidades e competências que valorizem suas propostas e decisões.

5 – A tomada de decisão: após a conclusão do passo anterior, os estudantes devem ser capazes de se posicionar criticamente, apresentar uma solução ao problema ou propor ações reais ou simuladas que mostrem o grau de comprometimento com a proposta de ensino e a compreensão de todos os aspectos CTS envolvidos. O ideal é que a proposta de ação parta dos estudantes, por meio de diálogo e discussão com o grupo de estudantes. Estes podem se reunir e apresentar uma proposta única ou organizados em grupo, desde que sejam elaboradas e desenvolvidas por eles. Algumas ações podem ser desenvolvidas na forma de uma carta aberta à sociedade, na elaboração de um projeto de lei, em uma petição pública, em uma ação social ou mesmo uma feira / culminância, que apresente a proposta à comunidade escolar.

Para a conclusão dos trabalhos em sala de aula, é necessário o retorno ao problema inicial. E, com isso, se propõe aos estudantes que apresentem suas propostas de solução condizentes com a problemática. Esta, contudo, não deve ter sido desconsiderada em nenhuma das etapas anteriores, o que fará com que os estudantes, à medida que amadureçam em suas atividades, compreendam todos os aspectos envolvidos em uma proposta de resolução do mesmo.

Dessa forma, a situação-problema ganha significado para os estudantes e os estimula a buscar, dentro de suas limitações, uma gama de referenciais, o conhecimento científico e tecnológico pertinente à problemática e elaboração de propostas condizentes com a realidade a qual estão inseridos. A figura 3 apresenta um resumo das etapas de elaboração das situações-problema.

Fonte: O autor.

FIGURA 3 - As etapas de elaboração de uma situação-problema 

Nesse sentido, a abordagem de ensino CTS contribui para a elaboração da tomada de decisão, uma vez que amplia a visão de mundo dos envolvidos, fornece base para as discussões e subsidia as propostas de solução do problema.

A elaboração de situações–problema no ensino de Astronomia

Acreditamos que uma educação crítica seja possível na abordagem de elementos curriculares eminentemente conteudistas e propedêuticos, como em geral é apresentado no ensino de Astronomia. Contudo, a compreensão do papel do professor como transformador nesse processo é fundamental, orientando seus estudantes, fornecendo um cenário dialógico e propício a novas experiências.

Nesse respeito, a abordagem de ensino CTS favorece um ambiente transformador, uma vez que assumiu um aspecto mais disciplinar, foi ganhando espaço e se estabelecendo no meio acadêmico, desde as experiências vivenciadas na Europa, por meio de programas CTS, enquanto que nos EUA apresentava duas dimensões, a saber: (1) conquistar uma maior participação social nas discussões envolvendo C&T e (2) buscar por mudanças no ensino de Ciências, a fim de superar o modelo tradicional, assumindo, assim, um caráter mais pragmático e ativista (GARCIA et al., 1996).

O engajamento de discussões que apresentam os efeitos sociais do desenvolvimento científico e tecnológico orientam atividades que superam o caráter conceitual no ensino de Astronomia. Estar atento a essas potencialidades permite ao professor criar roteiros de discussões e a elaboração de atividades que apresentam aos estudantes a oportunidade de desenvolver criticidade, autonomia e tomada de consciência em temas que, antes, talvez nem fosse de seu conhecimento (SANTOS; MORTIMER, 2001).

Tentar articular CTS quando tratamos de saberes científicos de Astronomia parece desafiador, visto que muitas vezes os componentes curriculares são abordados segundo um caráter histórico ou relacionados meramente aos conteúdos, tais como as fases da Lua, as estações do ano, os movimentos de rotação e translação da Terra, entre outros, mas de forma puramente conceitual.

Esquece-se, porém, que os fenômenos astronômicos têm relação estreita com acontecimentos que nos afetam diretamente, como as comuns enchentes em nossa região Amazônica, nos períodos de marés de sizígia7; as dificuldades em se fazer observações astronômicas, devido a condições climáticas de nossa região, além da poluição luminosa resultante do desenvolvimento urbano; as limitações tecnológicas associadas à transmissão de sinal de satélites, também devido a condições climáticas, dentre outros. Esses são alguns aspectos em que uma abordagem CTS poderia contribuir para uma visão mais ampla no ensino de Astronomia.

Algumas dessas potencialidades foram exploradas em nossa formação com os professores, o que ampliou o leque de conhecimentos deles e nos permitiu experienciar as situações-problema como estratégia da MP no ensino de Astronomia.

Desenvolvimento Aeroespacial

Um aspecto que favorece a formação cidadã no ensino de Astronomia são as informações disponibilizadas na mídia sobre os rápidos avanços na pesquisa científica e no desenvolvimento tecnológico relacionado às pesquisas espaciais. No Brasil, o Programa Espacial Brasileiro (PEB) vem se articulando com outros países na tentativa de avanços e desenvolvimento tecnológico, o que vai ao encontro das tendências de países de primeiro mundo que veem, na cooperação internacional, um caminho mais curto ao desenvolvimento tecnológico e científico no campo das pesquisas espaciais.

O Brasil assinou, em 1988, um acordo de cooperação mútua para o desenvolvimento do projeto CBERS (China-Brazil Earth Resources Satellite/Satélite Sino-Brasileiro de Recursos Terrestres), que visa implementar um sistema completo de sensoriamento remoto competitivo e compatível com as necessidades internacionais atuais (INPE, 2014). Tal cooperação internacional já resultou no lançamento de cinco satélites de sensoriamento remoto, com vistas à construção e lançamento de mais um até 2019 (EBC, 2017).

Em outubro de 2011, a Agência Espacial Brasileira (AEB) e a Agência Espacial Norte-Americana (NASA) assinaram um acordo de cooperação científica para estudos sobre o clima e a camada de ozônio, possibilitando, ao Brasil, o acesso aos dados do programa nipo-americano de acompanhamento de chuvas, do projeto Medidas Globais de Precipitação (MGP), o que permite ao Brasil, o monitoramento e a prevenção de desastres naturais. O acordo possibilitou, ainda, às instituições, firmarem a intenção de desenvolver um satélite em parceria, uma sonda com atenção à região tropical, chamado de Observatório Global do Ecossistema Terrestre (GTEO) (VEJA, 2011).

Então, podemos nos indagar: que implicações sociais derivam desses acordos internacionais? De que forma esse monitoramento influencia as políticas públicas e ações preventivas em áreas de risco de desastres naturais? Até que ponto a população é informada dessas ações e das respectivas consequências? Como os professores de Ciências abordam esses temas em sala de aula? Tais assuntos são tão negligenciados nas escolas que o desenvolvimento científico e tecnológico do Brasil não parece uma realidade para um grande número de estudantes de escolas públicas. O conhecimento científico ainda está restrito a uma elite intelectual e os professores de Ciências não se sentem à vontade para abordar tais temas em sala de aula com segurança.

Centro de Lançamento de Alcântara - CLA

Um tema com bastante potencial para discussões CTS é o presente nas propostas do Programa Espacial Brasileiro (PEB), se formos analisar o que vem sendo feito desde a década de 1980 para a implantação do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA) e suas implicações científicas, tecnológicas, econômicas e sociais.

Os impactos dessa implantação para as populações tradicionais que ali habitavam, a saber, os quilombolas, podem ser discutidos pelos professores e os pormenores relativos aos aspectos legais, ambientais, políticos e outros, também devem ser levados em consideração (SANTANA, 2015).

Os oito mil e setecentos hectares já desocupados para instalação da primeira fase do Programa Nacional de Atividades Espaciais, onde está o CLA, correspondem à parte significativa das terras tradicionais das comunidades quilombolas do município de Alcântara. Dali, foram retiradas 32 comunidades, realocadas em sete agrovilas, num formato que tem comprometido sua lógica tradicional. Esses impactos sociais, relativos à C & T, favorecem discussões e apreensão de conhecimentos e habilidades que desenvolvem, nos estudantes, perspectivas de aprendizados diferenciados dos vivenciados em seu cotidiano.

Enchentes na região Amazônica

Um problema real que faz parte do cotidiano amazônico, a saber, as frequentes enchentes, geralmente relacionadas ao alto índice pluviométrico das cidades, e que se agrava nas marés de sizígia, apresenta fortes características argumentativas. Uma das potencialidades da abordagem de ensino CTS é a contextualização com problemas reais, que dizem respeito a um problema local. Trazer um problema que faz parte do cotidiano dos estudantes, aguça seu interesse e estimula a discussão e elaboração de propostas de solução para um problema com o qual convivem em seu cotidiano.

Poluição Luminosa

A poluição luminosa é um problema ambiental real e presente nas grandes metrópoles, porém, pouco discutida e até mesmo desconhecida para a maioria das pessoas. Em virtude dessa realidade, é possível problematizar essa questão ambiental relacionada ao ensino de Astronomia. Tal problemática presente no cotidiano dos estudantes pode estimular discussões e desenvolvimento de estratégias que visem sanar o problema. Dessa forma, os professores podem apresentar desafios que estimulem a criticidade e a autonomia dos estudantes, por meio de investigação e elaboração de ações, o que contribui para o exercício da cidadania.

Transmissão de TV por assinatura

A assinatura de TV fechada é um problema para muitas cidades com condições climáticas desfavoráveis à transmissão de sinal por satélite. Comumente se discute a superioridade do sinal transmitido por fibra ótica em detrimento do sinal de satélite. De acordo com o código de proteção e defesa do consumidor, um produto não pode ser considerado defeituoso pelo fato de outro de melhor qualidade ter sido disponibilizado no mercado. Assim, a temática apresenta um potencial para as discussões CTS, cujos aspectos sociais, científicos e tecnológicos podem ser abordados.

CONCLUSÕES

O ensino de Astronomia apresenta um potencial para as discussões CTS em vários sentidos e a elaboração de propostas aos estudantes estimula a criticidade e a autonomia. Quanto às discussões desenvolvidas, estas devem levar em consideração os conhecimentos científicos, os componentes curriculares e os impactos sociais e ambientais do desenvolvimento científico e tecnológico.

As estratégias desenvolvidas no espaço escolar são naturalmente limitadas aos componentes curriculares. Entretanto, é possível desenvolver os aspectos CTS em um ambiente de construção de novas possibilidades. Quando são levadas em consideração as limitações dos estudantes e dos espaços de elaboração de propostas de ensino, as novas possibilidades vão se adaptando à realidade do ambiente no qual se desenvolvem as ações de sala de aula. Os professores são responsáveis pelo desenvolvimento de estratégias transformadoras, em que o estudante é apresentado como sujeito no processo de ensino e aprendizagem, em vez de objeto dele.

A tomada de decisão compreende a elaboração de propostas de ações sociais condizentes com as problemáticas apresentadas e valoriza as proposições dos estudantes, incentiva o crescimento intelectual e a tomada de consciência diante dos desafios sociais enfrentados em sua realidade. Os aspectos da abordagem de ensino CTS são construtos de novas discussões, novas aprendizagens e abrem possibilidades aos estudantes de vivenciar experiências que valorizam a criatividade, autonomia e o exercício da cidadania.

Nossa experiência a partir desta pesquisa, nos apontou que, quando incluímos na perspectiva CTS a problematização, em específico, com o uso de situações-problema, desafiamos os estudantes a expandirem seus conhecimentos, suas potencialidades e a capacidade de desenvolver estratégias de ações que contribuirão para o exercício da cidadania.

Como professores, precisamos de um suporte teórico que contribua para a ampliação de horizontes. Nesse sentido, compreendemos que a abordagem de ensino CTS, associada à problematização, por meio de situações-problema, faça essas articulações, de modo a garantir uma aprendizagem que vá além de preparar para o trabalho, uma vez que ao formarmos cidadãos alfabetizados cientificamente, estamos contribuindo para a sociedade e para a vida de cada estudante que for afetado por ações diferenciadas de ensino.

Dessa forma, tornamos a sala de aula não apenas um espaço de aprendizagem de conceitos, mas, o que realmente deve ser - um local onde se formam cidadãos, pessoas conscientes dos desafios presentes na sociedade, conhecedoras dos seus direitos e deveres enquanto cidadãos participativos de transformações e decisões, no intuito de garantir uma sociedade mais justa e consciente, capaz de transformar sua realidade, seja por meio de decisões, de ações ou pela interação com as discussões apresentadas, nos diversos aspectos em que se faça necessária sua intervenção.

Contudo, cabe-nos questionar: em que medida os professores estão aptos a lidar com a problematizaçao em sala de aula? Como podem contribuir para a formação crítica de seus estudantes? Caminhamos no sentido de experienciar novas estratégias de ensino. A esse respeito, o uso de situações-problema tem-se apresentado promissor no ensino de Ciências, em específico, no ensino de Astronomia.

4A maiêutica é a arte de fazer nascerem as ideias por meio da problematização, do diálogo com um interlocutor, por meio de perguntas e respostas.

5A ficha da descoberta se referia a uma ficha com as famílias silábicas da palavra geradora. Assim, após observarem visualmente a palavra “TIJOLO”, eles recebiam a ficha com as famílias silábicas do T, J e L, dispostas uma abaixo da outra. Após uma leitura em horizontal e outra em vertical, os educandos começam a formar palavras com as combinações possíveis à disposição.

6Eram assim chamados os locais de reuniões dos grupos locais de alfabetização, compostos por cerca de 20 a 25 pessoas que se reuniam durante um período de um mês e meio a dois meses. Um círculo de cultura se montava com um projetor, um stripp-film e um quadro negro de baixo custo. Antes do golpe militar, o governo brasileiro havia investido na aquisição de trinta e cinco mil desses aparelhos, a fim de disseminar a alfabetização de adultos no país.

7Quando o Sol, a Terra e a Lua estão alinhados, as marés produzidas pelo Sol e pela Lua coincidem, o que resulta em marés altas acima da média, e maré baixa abaixo da média. Essas são as chamadas Marés de Sizígias.

REFERÊNCIAS

AULER, D. Novos caminhos para a educação CTS: ampliando a participação. In: Santos e Auler (org.). CTS e educação científica: desafios, tendências e resultados de pesquisa. Brasília: Editora Universidade de Brasília, p. 73 – 97. 2011. [ Links ]

AULER, D. Alfabetização científico-tecnológica: Um novo “Paradigma”? Ensaio: Pesquisa em educação em Ciências, v. 5, No 1, p. 1-16, 2003. [ Links ]

AULER, D.; BAZZO, W. A.Reflexões para a implementação do movimento CTS no contexto educacional brasileiro. Ciência & Educação, v.7, n.1, p.1-13, 2001. [ Links ]

BARBEL, N. A. N. A Metodologia da Problematização e os ensinamentos de Paulo Freire: uma relação mais que perfeita. In: BARBEL, N. A (org.). Metodologia da problematização – fundamentos e aplicações. Londrina: Ed. UEL, 1999. [ Links ]

BARBEL, N. A. N. A Problematização e a Aprendizagem Baseada em Problemas: diferentes termos ou diferentes caminhos? Interface - Comunicação, Saúde, Educação, v.2, n.2, 1998. [ Links ]

BORDENAVE, J. D.; PEREIRA, A. M. Estratégias de ensino aprendizagem. 33. ed. - Petrópolis: Vozes, 2015. [ Links ]

COSTA, M. DA. Resolução de Problemas na formação continuada do professor dos anos iniciais do Ensino Fundamental: contribuições do pró-letramento no município de Cubatão. 2010. 188f. Dissertação (Mestrado em educação em Ciências). Universidade Bandeirante de São Paulo / UNIBAN. São Paulo.2010. [ Links ]

EBC. Satélite sino-brasileiro Cbers-4A deve ser lançado em 2019, diz executivo chinês. URL: <http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2017-09/satelite-sino-brasileiro-cbers-4a-deve-ser-lancado-em-2019-diz-executivo> Acesso: 16/09/2017. [ Links ]

FREIRE, P. Pedagogia da indignação: cartas pedagógicas e outros escritos. São Paulo. Editora UNESP, 2000. [ Links ]

FREIRE, P. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro, RJ: Editora Paz e terra, 1997. [ Links ]

FREIRE, P. Educação e mudança. 12 ed. Rio de Janeiro, RJ: Editora Paz 1983. [ Links ]

FULLAT, O. Filosofias da Educação. Trad. Roque Zimmemam. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994. [ Links ]

GARCÍA, E. M.; CALBARTE, J. C. G.;LÓPES CEREZO, A.; LUJÁN, J. L.; GORDILLO, M. M.; OSÓRIO, C.; VALDÉS, C. Ciência, Tecnologia y Sociedad. Uma introducion al estudio social de la ciência y la tecnologia. Madrid: Tecnos, 1996. [ Links ]

LIMA, M. V. DE S.; NETO, J. E. S. O uso de Situações-Problema como estratégia didática para o ensino de Ciências no nível fundamental. In: XVI Encontro Nacional de Ensino de Química (XVI ENEQ) e X Encontro de Educação Química da Bahia (X EDUQUI). Anais do XVI Encontro Nacional de Ensino de Química (XVI ENEQ) e X Encontro de Educação Química da Bahia (X EDUQUI). Salvador: Universidade Federal da Bahia, 2012. P. 1 – 12. [ Links ]

POFFO, E. M. A resolução de problemas como metodologia de ensino: uma análise a partir das contribuições de Vygotsky. URL: <http://docplayer.com.br/9891150-A-resolucao-de-problemas-como-metodologia-de-ensino-uma-analise-a-partir-das-contribuicoes-de-vygotsky.html> Acesso: 06/08/2017. [ Links ]

SAMPAIO, M. L. F. B. O trabalho com Situações-problema: um processo de conscientização. 2005. 231f. Dissertação (Mestrado em ensino de ciências). PUC do Rio Grande do Sul. Porto Alegre. 2005. [ Links ]

SANTANA, E. B. Abordagem CTS no ensino de Astronomia: formação de professores mediada pela Situação-problema “Centro de Lançamento de Alcântara”. 2015. 125f. Dissertação (Mestrado em Ensino de Ciências e Matemática). Universidade Federal do Pará, Belém, PA.2015. [ Links ]

SANTOS, W. L. P. e MORTIMER, E. F. Tomada de decisão para ação social responsável no ensino de ciências. Revista Ciência e educação, Bauru, v.7 No1, p 95-111, 2001. [ Links ]

SILVA, S. F.; NUÑES, I. B.; RAMALHO, B. L. O pensamento do professor: o trabalho com problemas no ensino de Ciências. 2015. URL: <http://www.comperve.ufrn.br/conteudo/observatorio/uploads/publicacoes/artigos_05022013082333.pdf> Acesso: 02/05/2017. [ Links ]

SILVA, L. B. O.; PADILHA, A. M. L.; VIANA, N. A educação na perspectiva do marxismo e da escola de Frankfurt: teoria crítica e humanismo. São Paulo: Editora da física, 2015 [ Links ]

SOUSA, A. B. DE. A resolução de problemas como estratégia didática para o Ensino da Matemática, 2015. URL: <https://www.ucb.br/sites/100/103/TCC/22005/ArianaBezerradeSousa.pdf> Acesso: 14/05/2017. [ Links ]

SOUZA, E. K. DE. Análise de estratégias utilizadas para resolução de Situações-problema envolvendo raciocínio multiplicativo. In: IX ANPED SUL. Seminário de Pesquisa em Educação da Região Sul. Anais do IX ANPED SUL. Seminário de Pesquisa em Educação da Região Sul, Rio Grande do sul: Universidade de Caxias do sul, 2012. p. 271 – 284. [ Links ]

VARGAS, G. G. B. A metodologia da resolução de problemas e o ensino de estatística no nono ano do Ensino Fundamental. 2013. 165p. Dissertação (Mestrado em ensino de Ciências). Centro Universitário Franciscano de Santa Maria. Santa Maria- RS, 2013. [ Links ]

VASCONSELLOS, M. M. M. Aspectos pedagógicos e filosóficos da Metodologia da Problematização. In: BERBEL, N. A. N. (org.). Metodologia da problematização – fundamentos e aplicações. Londrina: Ed. UEL, 1999. [ Links ]

VEJA. NASA e INPE assinam acordo para pesquisa espacial, 2011. URL: <http://veja.abril.com.br/noticia/ciencia/nasa-assina-acordo-sobre-pesquisas-espaciais-com-o-brasil> Acesso: 11/04/2013. [ Links ]

Recebido: 29 de Janeiro de 2018; Aceito: 31 de Agosto de 2018

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto (Open Access) sob a licença Creative Commons Attribution Non-Commercial, que permite uso, distribuição e reprodução em qualquer meio, sem restrições desde que sem fins comerciais e que o trabalho original seja corretamente citado.