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Revista Exitus

versão On-line ISSN 2237-9460

Rev. Exitus vol.9 no.1 Santarém jan./mar 2019  Epub 16-Jul-2019

https://doi.org/10.24065/2237-9460.2019v9n1id724 

Artigos

ANTÓNIO NUNES RIBEIRO SANCHES E AS PROPOSTAS DE REFORMA DO ENSINO EM PORTUGAL NO SÉCULO XVIII: análise das Cartas sobre a Educação da Mocidade (1760)

ANTÓNIO NUNES RIBEIRO SANCHES AND HIS PROPOSALS ON EDUCATIONAL REFORM IN 18th CENTURY PORTUGAL: analysis of the Cartas sobre a Educação da Mocidade (1760)

ANTONIO NUNES RIBEIRO SANCHES E LAS PROPUESTAS DE REFORMAEDUCATIVA EM PORTUGAL EM EL SIGLO XVIII: un análisis de las Cartas sobre a Educação da Mocidade (1760)

Maria do Carmo Gonçalves da Silva Lima1 

Célio Juvenal Costa2 

Sezinando Luiz Menezes3 

1Mestre em Educação. Universidade Estadual de Maringá. Professora da Rede Estadual de Ensino do Paraná, Maringá/PR. E-mail: mcgs.lima@hotmail.com

2Doutor em Educação. Universidade Estadual de Maringá. Professor do Departamento de Fundamentos da Educação e do Programa de Pós-graduação em Educação (mestrado e doutorado) da Universidade Estadual de Maringá, Maringá/PR. E-mail: celiojuvenalcosta@gmail.com

3Doutor em História. Professor do Departamento de História e do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Estadual de Maringá, Maringá/PR. E-mail: sl.menezes@uol.com.br


RESUMO:

Apresentar uma análise das propostas de reforma para o ensino em Portugal, no século XVIII, contidas nas Cartas sobre a Educação da Mocidade (1760), escritas por António Nunes Ribeiro Sanches (1699-1783), é o objetivo deste artigo. Trata-se do resultado de uma pesquisa documental e de utilização de textos historiográficos que versam sobre o autor. As Cartas foram escritas em 1759 e publicadas em 1760, no momento de efervescência das ideias iluministas disseminadas pela Europa. Intelectuais portugueses, que tiveram acesso a essas ideias, consideraram o ensino em Portugal atrasado, em comparação ao que ocorria em outras regiões da Europa. Quando o rei português D. José I ascendeu ao trono (1750) nomeou, como ministro da Secretaria do Exterior e da Guerra, Sebastião José de Carvalho e Melo, o futuro Marquês de Pombal. Em 1759, já como Primeiro Ministro, Marquês de Pombal expulsou a Companhia de Jesus do reino luso, considerando que os jesuítas, como monopolizadores do ensino em Portugal, eram um dos grandes entraves para a modernização e progresso do reino. Feito isto, Pombal reestruturou os estudos em Portugal. O médico português Ribeiro Sanches escreveu suas sugestões para o projeto de reforma do reino luso, por meio das Cartas sobre a Educação da Mocidade. Sanches elaborou sugestões para a reforma dos Estudos Menores, para os Estudos Maiores (Universidade), sugeriu a criação do Colégio dos Nobres, como, também, a secularização do ensino. Nesse sentido, as Cartas foram redigidas com o intuito de serem as diretrizes pedagógicas que embasariam as reformas pombalinas no ensino.

Palavras-chave:  António Nunes Ribeiro Sanches; Educação em Portugal; Reformas Pombalinas

ABSTRACT:

The purpose of this article is to present an analysis of the reform proposals for education in Portugal in the XVII century, contained in the Cartas sobre a Educação da Mocidade (1760) (Letters on the Education of Younth) by António Nunes Ribeiro Sanches (1699-1783). The Cartas (Letters) were written in 1759 and published the next year, precisely during the effervescent period of the Enlightenment in Europe. The Portuguese intellectual elite, who had access to the ideas of the Enlightenment, were convinced that teaching in Portugal was backward when compared to that in other European countries. When Joseph I became king in 1750, he appointed Sebastião José de Carvalho e Melo as his Foreign and War Minister, the future Marquis of Pombal. In 1759, Pombal, already as Prime Minister, expelled the Jesuits from the kingdom since he was convinced that they had the educational monopoly in their hands and they impaired the kingdom´s modernization and progress. Subsequently, Pombal restructured the studies in Portugal. The Portuguese physician Ribeiro Sanches suggested a reform project for the Portuguese kingdom and wrote his Cartas sobre a Educação da Mocidade. Sanches recommended reform for Basic Studies, for University Studies and suggested the establishment of the Royal Noble College. Moreover, he insisted on the secularization of studies. The Cartas targeted the pedagogical guidelines that would foreground Pombal’s teaching reforms.

Keywords:  António Nunes Ribeiro Sanches; Education of Protugal; Pombal´s reform

RESUMEN:

Ofrecer un análisis de las propuestas de reforma para la educación en Portugal en el siglo XVIII, en cartas Sobre a Educação da Mocidade (Acerca de la Educación de la Juventud) (1760), escritas por António Nunes Ribeiro Sanches (1699-1783), es el propósito de este artículo. Este es el resultado de una investigación documental y de textos históricos relativos al autor. Las Cartas fueron escritas en 1759 y se publicó en 1760, en el momento de efervescencia de las ideas de la ilustración que se propaga a través de Europa. Intelectuales portugueses, que han tenido acceso a estas ideas, consideran la enseñanza en Portugal atrasada en comparación con lo ocurrido en otras regiones de Europa. Cuando el rey portugués d. José I ascendió al trono (1750) há designado como Ministro de la Secretaría y de la guerra, Sebastião José de Carvalho e Melo, el futuro Marqués de Pombal. En 1759, como primer ministro, Marqués de Pombal expulsió a los jesuitas del imperio portugués, mientras que los jesuitas, como la educación en Portugal, eran uno de los mayores obstáculos para la modernización y el desarrollo del Reino. Hecho esto, Pombal hizo la restruturación en el estudios en Portugal. El médico portugués António Nunes escribió sus sugerencias para la reforma del Reino Portugués, a través de las cartas sobre la educación de los jóvenes. Sanches ha preparado sugerencias para la reforma de los estudios más pequeños, más grandes estudios (Universidad), sugirieró la creación de la escuela de los Nobles, como, también, la secularización de la educación. En este sentido, las Cartas fueron escritas con la intención de que las pautas educativas que las reformas pombalinas de embasariam en la educación.

Palabras clave:  António Nunes Ribeiro Sanches; Educación en Protugal; Reformas de Pombal

INTRODUÇÃO

O objeto deste texto é o escrito Cartas sobre a Educação da Mocidade, de autoria de António Nunes Ribeiro Sanches (1699-1782), como diretrizes pedagógicas para as reformas pombalinas no ensino português, na segunda metade do século XVIII. Publicadas em 1760, as Cartas tiveram como objetivo embasar as reformas pombalinas do sistema de ensino em Portugal, a partir da expulsão da Companhia de Jesus do reino e demais domínios ultramarinos administrados pela Coroa portuguesa.

Sebastião José de Carvalho e Melo (1699-1782), posteriormente denominado Marquês de Pombal, foi nomeado ministro da Secretaria do Exterior e da Guerra, em 1750, quando o rei D. José I ascendeu ao trono português. Em 1756, após o terremoto de Lisboa, Sebastião José assumiu o cargo mais importante da monarquia, o de secretário de Estado dos Negócios do Reino, que equivalia à função de Primeiro Ministro, administrando o reino português com mão forte, promovendo mudanças políticas, econômicas e, especialmente, educacionais, como a reforma dos Estudos Menores, a criação do Colégio dos Nobres e a reforma da Universidade de Coimbra. As ações enérgicas, empreendidas por Pombal, deram-se devido à concepção de uma parte da elite portuguesa, da qual ele fazia parte, que via o reino lusitano atrasado em comparação com os demais reinos da Europa, que passavam por mudanças e intensas transformações; atraso econômico, social, cultural e religioso. Intelectuais lusitanos, que tiveram contato com as ideias disseminadas no exterior, defenderam a formação de súditos capacitados para assumirem funções necessárias ao contexto português do período para a modernização de Portugal. Essas mudanças deveriam ocorrer não apenas nas funções administrativas, econômicas ou religiosas, mas também na própria mentalidade portuguesa.

As reformas empreendidas pelo Marquês de Pombal estavam alicerçadas nas ideias do movimento iluminista e, nesse sentido, era necessário separar Igreja e Estado para efetivação das mudanças propostas pelos intelectuais ilustrados e direcionadas por Pombal, com o intuito de fortalecer o poder do Estado.

Dentre os intelectuais que sugeriram mudanças para reformar o sistema de ensino do reino lusitano estava António Nunes Ribeiro Sanches que, por meio de suas Cartas sobre a Educação da Mocidade, propôs sugestões para a reforma da educação portuguesa. Os documentos que nortearam esta pesquisa foram fontes documentais e bibliográficas, como as Cartas sobre a Educação da Mocidade (1760), o Compêndio Histórico da Universidade de Coimbra (1770), entre outros, que nos auxiliaram a compreender as transformações ocorridas no século XVIII, que culminaram com as reformas pombalinas. Por meio do estudo das fontes e das interpretações dos principais biógrafos de Ribeiro Sanches, foi possível compreender as mudanças que se processaram em Portugal e o papel da educação na formação de um novo homem, que correspondia às necessidades econômicas e ideológicas de parte da elite da sociedade portuguesa, da qual Pombal era um dos mais ilustres representantes.

Por se tratar de uma pesquisa documental, as Cartas de Ribeiro Sanches foram analisadas a partir do contexto histórico em que foram escritas, relacionando as ideias sugeridas aos fatores políticos, econômicos, culturais e sociais em que o autor estava inserido. Na segunda metade do século XVIII, momento da publicação da obra, Ribeiro Sanches residia na França, onde se vivia um momento de efervescência de ideias iluministas, disseminadas por intelectuais que se preocupavam com o desenvolvimento econômico, científico e a modernização de seus reinos. Sanches escreveu suas propostas de modernização para o reino luso, a partir desse contexto de transformações que se espalhavam pela Europa e que caracterizavam o reino luso como atrasado em relação a essas mudanças.

Nesse sentido, analisar o projeto pedagógico contido nas Cartas, que embasou diretamente as reformas pombalinas de ensino, constitui um importante exercício de compreensão do contexto em que elas ocorreram, que culminaram, também, com as reformas da educação na sociedade brasileira. Assim, acreditamos que este artigo possa contribuir com o campo educacional, ao conhecer as transformações da sociedade e da educação lusitana que, consequentemente, resultaram nas mudanças ocorridas na educação do Brasil. Acreditamos, que compreender a trajetória da história da educação no ensino português, torna-se referência necessária para o estudo da história da educação brasileira, bem como suas permanências e mudanças.

As análises aqui reunidas procuram contemplar: A trajetória de António Nunes Ribeiro Sanches, as Reformas Pombalinas no ensino em Portugal e as propostas de reforma educacional contida nas Cartas sobre a Educação da Mocidade.

1 A TRAJETÓRIA DE ANTÓNIO NUNES RIBEIRO SANCHES

António Nunes Ribeiro Sanches nasceu em 7 de março de 1699, em Penamacor (região da Beira Baixa), Portugal. Seu pai era Simão Nunes, um comerciante de sapatos, e sua mãe, Anna Nunes Ribeiro, filha de Manuel Henriques de Lucena e de Maria Nunes. A família de Ribeiro Sanches fazia parte do grupo de famílias de cristãos-novos que habitavam a região das duas Beiras (Beira Alta e Beira Baixa) em Portugal. Maximiano Lemos (1911) afirma que, apesar da vigilância do Santo Ofício e das violências sofridas pelos inquisidores, havia uma grande comunidade cristã-nova em diferentes locais daquela região. Sanches pertencia a uma dessas famílias fortemente experimentada pela Inquisição. Simão Nunes apresentou-se ao Santo Ofício em 30 de maio de 1715. Em Penamacor, Sanches frequentou a escola de latim, manifestando grande interesse pela leitura. Pedia a todos livros emprestados, pois não havia muitos em sua casa.

Em 1712, aos 13 anos de idade, o pai mandou-o para a Guarda (cidade da Beira Alta em Portugal) onde morou com a tia paterna Leonor Mendes. Segundo Lemos (1911, p. 11): “A casa paterna só de fugida volvia, o que póde explicar-se porque foi essa a epocha das violencias inquisitoriais sobre os seus. O pae apresentava-se em 1715 no Santo Officio em Lisboa e provavelmente já antes lhe inspirava desconfiança”.

Em 1716, matriculou-se no Colégio das Artes em Coimbra e depois no curso de Direito Civil, na Universidade da mesma cidade. Victor de Sá (1980) afirma que Ribeiro Sanches não estava pessoalmente interessado num curso jurídico e que esta opção lhe fora dada por sugestões familiares; também não lhe agradou os métodos pedagógicos utilizados pelos padres jesuítas, como, também, os hábitos sociais dos estudantes.

Nos diversos escritos de Ribeiro Sanches há muitas informações a respeito da condição da Universidade naquele período, inclusive nas Cartas, cuja primeira parte do texto é todo sobre os infortúnios que os problemas apresentados na Universidade causavam na sociedade de seu tempo.

Assim, em 1719, António Nunes Ribeiro Sanches deixou a Universidade portuguesa e, em 1720, matriculou-se no curso de Medicina da Universidade de Salamanca. No período em que Sanches estudou na Espanha, passou suas férias na Guarda, realizando a prática da medicina com o Doutor Bernardo Lopes de Pinho, pois seu tio materno, Diogo Nunes Ribeiro (que também era médico), o havia indicado. Na Guarda, Ribeiro Sanches também conheceu Martinho de Mendonça de Pina e Proença (1693-1743), membro da Academia Real de História Portuguesa, que, de acordo com Victor de Sá (1980, p. 19), inculcou em Sanches “[...] além da curiosidade pelo mundo e pelas novidades culturais e sociais, as primeiras noções de filosofia moderna”.

Em 1724, Ribeiro Sanches foi aprovado nos exames de Medicina da Universidade de Salamanca e retornou para Portugal. Fixou-se em Benavente, cidade próxima a Lisboa, onde exerceu a prática da medicina, morando com os tios, João Nunes e Clara Henriques, por dois anos. Em 1726, Sanches saiu de Benavente, decidindo-se por deixar Portugal. Embarcou em Lisboa rumo a Gênova e, de lá, dirigiu-se a Londres (LEMOS, 1911).

A saída de Sanches de Portugal foi motivada pelo desejo que o médico português possuía por obter novos conhecimentos, e essa curiosidade científica o teria levado a buscá-los em cidades da Europa, onde as ciências eram mais desenvolvidas (RAMOS JÚNIOR, 2013). No entanto, na biografia escrita por Maximiano Lemos (1911), Sanches teria deixado a pátria devido às perseguições religiosas de que a sua família vinha sofrendo. Essa hipótese também é defendida nas análises de Victor de Sá, “[...] contando apenas 27 anos de idade, ausenta-se do país sem se despedir pessoalmente de ninguém. A sua retirada deve-se ao receio de perseguições da Inquisição” (SÁ, 1980, p. 20).

Entretanto, se a fuga de sua terra Natal se deveu às perseguições do Tribunal do Santo Ofício às comunidades de cristãos-novos, “[...] essa fuga também acarretou o contato com outras estruturas socioeconômicas e, principalmente, com variados aspectos de uma ‘comunidade científica’ em processo de consolidação” (RAMOS JÚNIOR, 2013 , p. 49).

Em Londres, segundo Victor de Sá (1980), o médico beirão também se integrou na comunidade judaica de portugueses, por dois anos, inclusive foi circuncidado. No entanto, o entusiasmo com que abraçara a prática da lei de Moisés, logo se converteu em dúvidas por não ter refletido seriamente na questão.

Segundo Victor de Sá (1980), ao deixar Londres, Ribeiro Sanches deu continuidade aos estudos na França, na Universidade de Montpellier, e depois visitou Paris, Marselha, Bordeaux, seguindo para a Itália e, depois voltou para Bordeaux. Em Marselha, Sanches conheceu o médico Jean Baptiste Bertrand (1670-1752) que, de acordo com Lemos (1911), teve uma influência decisiva na vida de Sanches, pois foi o primeiro que lhe falou sobre o grande médico Herman Boerhaave (1668-1783), mostrando a ele seus aforismos e o aconselhando a que fosse aprender com o médico holandês. Boerhaave tornou-se para Sanches o grande exemplo de médico, professor e reformador do ensino da medicina.

Em 1731, o Colégio dos Médicos do Império da Rússia solicitou, por meio da imperatriz Anna Ivanovna (1693-1740), que Boerhaave lhe enviasse três dos seus discípulos para servirem ao império, e Sanches foi um dos escolhidos. O contrato foi assinado no mês de julho em Amsterdam e, em outubro, o médico português estava em Moscou, como médico do senado e da cidade; logo se tornou Examinador de Médicos e Cirurgiões (SÁ, 1980).

Em 1734, Sanches foi promovido a médico do exército russo, transferindo-se de Moscou para São Petesburgo. Victor de Sá (1980, p. 22) afirma que “Foi nesta qualidade que Ribeiro Sanches participou na campanha da Crimeia (1735-1736) contra os Turcos e Tártaros, tendo estado presente no cerco e tomada de Azov. Este foi um período rico em experiências humanas e observações do mundo e da natureza”. Segundo Rômulo de Carvalho (1979, p. 22), “O prestígio que lhe permitiu a colocação nos serviços do exército, impusera-o, em pouco tempo, na sociedade russa em que se encontrava, e acentua-se nos convites que então recebeu para a realização de trabalhos de vulto e de responsabilidade”. Ainda, de acordo com Carvalho, teria sido nesse período que o médico português ingressou na Academia de Ciências de São Petesburgo (fundada em 1725 pelo imperador Pedro, o Grande). A associação de Sanches a essa academia rendeu-lhe contatos importantes com diferentes personalidades e sua influência cresceu gradativamente, obtendo, em 3 de março de 1740, a nomeação de médico da corte russa. De acordo com Victor de Sá, Sanches também foi eleito membro correspondente da Academia de Ciências de Paris. E, com isso,

[...] mantinha correspondência com muitos sábios, e exercia influência em diversos centros científicos, para alguns dos quais promovia o envio de livros: assim, por exemplo, livros de astronomia para os jesuítas na China, e outros para a Academia Real da História, em Lisboa (SÁ, 1980, p. 23).

A presença de Ribeiro Sanches como membro da Academia Imperial de Ciências de São Petesburgo favoreceu um intercâmbio cultural entre a Academia russa e a Academia Real de História de Lisboa (1720). Para Portugal, foram enviados dez ou doze livros que versavam sobre matemática, botânica, antiguidades de língua chinesa etc. Essas obras chegaram ao reino português em 1736 (CARVALHO, 1979). Antes de ter sido nomeado médico da corte russa, Sanches retornou da Crimeia para São Petesburgo, sendo nomeado também, em 1737 a médico do Corpo de Cadetes.

Ainda, em 1740, faleceu Anna Ivanovna, imperatriz da Rússia, que designou, como herdeiro, o sobrinho Ivan Antonovic, filho de Ana Leopoldovna. Entretanto, por ser menor de idade, sua mãe assumiu o governo do império. Com a nomeação de médico da corte em 1740, o médico português ocupa o cargo de segundo médico da imperatriz Ana Leopoldovna e de seu filho Ivan. No entanto, em 1741, uma revolta interna destituiu a nova imperatriz e o filho de suas funções, e o trono foi ocupado por Isabel Petrovna (1709-1762), filha de Pedro, o Grande (CARVALHO, 1978). De acordo com Lemos (1911), Isabel era antissemita e soubera que o médico português tinha afeição ao judaísmo, assim, temendo pela própria vida, Sanches pediu a exoneração de suas funções, alegando problemas de saúde, e conseguiu obtê-la por meio de protetores poderosos, que intercederam em seu favor.

Deixando a Rússia, em 1747, Ribeiro Sanches passou por Berlim, manteve contato com o rei da Prússia, Frederico II, abordando assuntos sobre Física e a História Natural, depois foi para Postdam e Estrasburgo. Em dezembro do mesmo ano, instalou-se em Paris (RAMOS JÚNIOR, 2013). Para se fixar em Paris, Sanches contou com o apoio de intelectuais que o estimavam e que mantivera contato quando ainda vivia na Rússia. Ainda, de acordo com Ramos Júnior:

Uma vez na capital francesa, [...]. O médico cristão-novo correspondera-se também com o grupo dos philosophes franceses, mais precisamente com Denis Diderot (1713-1748), Jean Le Rond d’Alembert (1717-1783) e outros membros da cotterie de d’Holbach (1723-1789) (RAMOS JÚNIOR, 2013, p. 67).

Da correspondência mantida com Jean le Rond d’Alembert, surgiu o convite para que o médico português colaborasse com a Enciclopédia. Sanches produziu os verbetes Maladie vénérienne chronique (Doença venérea crônica), em 1771, e Afections de l’âme (Afecções da alma), em 1787 (BOTO, 2017).

Foi, também, na capital francesa, que Sanches encontrou-se com D. Luís da Cunha (1662-1749), embaixador de Portugal. O diplomata D. Luís da Cunha passou a ser um dos mais firmes protetores de Ribeiro Sanches, tendo sido, por intermédio do embaixador, que o médico português conseguiu recomendações favoráveis para seguir a carreira médica na Rússia, quando indicado por Herman Boerhaave. D. Luís da Cunha é outro intelectual lusitano, chamado também de estrangeirado pela historiografia posterior, que utilizou sua pena com o intuito de alertar que Portugal deveria fazer uma reforma profunda na sociedade para deixar de ser um reino atrasado; um dos seus textos mais famosos neste sentido foi o Testamento Político, escrito em 1748/49, em que deixou recomendações para o príncipe que seria o futuro rei D. José I.

Ribeiro Sanches permaneceu em Paris pelo resto da vida. Foi lá que publicou a maior parte de seus escritos, deu consultas para a Rússia e para Portugal que, “[...] desde 1756, pelo menos, se empenhava por colocar a sua pena ao serviço do país que lhe fora berço” (SÁ, 1980, p. 26). Lemos (1911) relata, em sua biografia, que Sanches vivia sempre a escrever; escrevia sobre medicina, economia, religião e tudo o mais que tinha pesquisado.

Ribeiro Sanches manteve pouco contato com o reino português, enquanto permaneceu na Rússia. Após a vinda para Paris, os contatos portugueses se intensificaram e, a partir de 1750, com a ascensão de Sebastião José de Carvalho e Melo (1699-1782) ao cargo de Ministro do rei D. José I, Ribeiro Sanches foi consultado pelo governo português sobre a reforma do ensino médico que por lá se projetava (LEMOS, 1911).

O projeto de Ribeiro Sanches foi enviado para o reino por Pedro da Costa de Almeida Salema (representante português na França), em 3 de julho de 1758, obtendo a aprovação para dar continuidade aos trabalhos. Enquanto preparava o trabalho sobre as reformas médicas, Sanches também escrevia outra obra com assuntos bem diferentes: as Cartas sobre a educação da mocidade (1760). Destinadas ao Monsenhor Salema, as cartas foram escritas com o propósito de contribuir para a reforma pedagógica que estava ocorrendo na nação portuguesa (LEMOS, 1911).

Com o passar dos anos, as enfermidades foram se agravando e, de acordo com Lemos (1911, p. 143), Sanches se afastava lentamente da clínica. “Então, no silêncio do seu quarto, entre os seus livros, passou o resto da vida que tinha diante de si.” Ribeiro Sanches faleceu em 14 de outubro de 1783, aos 83 anos.

O pensamento reformador de Ribeiro Sanches e as produções por ele desenvolvidas foram grandemente influenciados pelo movimento de ideias que se espalhavam pela Europa no século XVIII, denominado “século das luzes”. Embasados nos ideais do racionalismo e do progresso, intelectuais que viveram em diferentes estados europeus refletiram de acordo com seus costumes, tradições, modos de pensar, a concepção de homem, a formação dos reinos e da sociedade naquele período. Esse movimento de ideias produziu diferentes modos de reflexão sobre a constituição humana e esses pensamentos foram transmitidos por meio dos escritos que circularam pela Europa, que também se fizeram sentir em Portugal, de certa forma, por meio das medidas reformadoras sugeridas por Ribeiro Sanches.

2 ANTÓNIO NUNES RIBEIRO SANCHES E AS REFORMAS POMBALINAS NO ENSINO EM PORTUGAL

António Nunes Ribeiro Sanches (2003) considerava a educação em Portugal, no período em análise, como atrasada em relação aos conhecimentos científicos avançados que se tinha em boa parte dos reinos europeus. A consequência desse atraso no ensino também era sentida nos demais setores da sociedade, como a política, a economia e a agricultura, o que inviabilizava o progresso e desenvolvimento do reino luso. O médico iluminista denominou de “reino cadaveroso” a condição de Portugal naquele período, e esse estado mórbido estava condicionado pelo forte domínio cultural e pelos entraves vistos no ensino ministrado nas escolas portuguesas. Ensino considerado por Sanches como “peripatético”, fechado a novas descobertas e preso ao pensamento e métodos escolásticos, que não mais atendia aos interesses e necessidades do Estado português, em comparação ao nível de desenvolvimento de outros reinos europeus. O termo peripatético, no contexto das críticas iluministas, se referia mais à filosofia medieval escolástica do que propriamente a Aristóteles; a filosofia de Tomás de Aquino ficou conhecida como aristotélico-tomista.

Para Ribeiro Sanches (2003), partilhando o ideal iluminista, a educação era aporte para a difusão de novas mentalidades que promoveriam o progresso do reino lusitano. E, portanto, essenciais e urgentes eram as reformas no sistema de ensino para promoção do avanço do reino. O médico português, mesmo distante da terra Natal, mantinha o olhar voltado para as necessidades da pátria e propôs, em suas Cartas, a constituição de um ensino público, administrado pelo Estado em substituição ao modelo de ensino organizado e ministrado pela Companhia de Jesus.

Essa nova proposta de educação, que contou com uma grande colaboração de Ribeiro Sanches (2003), preconizava um novo rumo dado à educação portuguesa, como formadora de indivíduos políticos e não somente morais e religiosos; a nova educação deveria ser destinada ao progresso da nação pela sua eficácia em transmitir os novos saberes. Nesse sentido, as propostas elaboradas por Ribeiro Sanches para a reforma do ensino no reino lusitano visavam encaminhar mudanças na concepção de trabalho da sociedade portuguesa, que proporcionassem uma situação favorável para o desenvolvimento e progresso da pátria. Para o médico português e os demais estrangeirados, essas mudanças deveriam acontecer nos diferentes segmentos da sociedade e a educação capacitaria a mocidade lusa no alcance desses objetivos. Além de Robeiro Sanches e D. Luís da Cunha, outro intelectual português citado como estrangeirado e, portanto, antenado com os ideias do Iluminismo, foi Luís Antonio Verney, que escreveum, em 1746, o Verdadeiro Método de Estudar.

As ideias de mudança, de reforma e progresso eram fortemente divulgadas por portugueses que viveram fora de Portugal e presenciaram diferenças entre a cultura científica europeia e o “aristotelismo escolástico” tão presente em Portugal (ARAÚJO, 2003, p. 32). Esses portugueses foram denominados, posteriormente, pela historiografia portuguesa, de “estrangeirados”, por terem resgatado as ideias vindas do exterior e, alguns, por terem obtido a educação no estrangeiro. A educação obtida no exterior era vista como “desnacionalizante, contrária à formação castiça” (FALCON, 1982, p. 320). Muitos desses portugueses eram judeus, que saíam da terra natal para fugirem das perseguições do Tribunal do Santo Ofício, como no caso de Ribeiro Sanches. Outros portugueses partiam para o estrangeiro em busca de conhecimentos científicos mais apurados, mas todos eles eram contrários à cultura tradicionalista, ao império do escolasticismo medieval e à intolerância defendida pela Inquisição.

Nesse contexto, “de contato com o mundo transpirenaico” emergiram, em maior número, os estrangeirados. Esse “processo de estrangeiramento aproxima-se da ideia de estranhamento” (RAMOS JÚNIOR, 2013, p. 27). Essa aversão foi provocada pelas diferentes culturas que os estrangeirados tiveram contato, estando mais próximos do modelo francês, perdendo a afinidade com a cultura portuguesa.

Para a elaboração e efetivação das reformas que se processaram na educação em Portugal, os estrangeirados constituíram o grupo colaborador das reformas de Sebastião José de Carvalho e Melo, justamente por terem tido contato com o exterior. Nesse sentido, os escritos produzidos por esses intelectuais embasaram o projeto de reformulação do sistema de ensino do reino e, posteriormente, as reformas na educação portuguesa (BOTO, 2017).

Sebastião José de Carvalho e Melo (1699-1782), era natural de Lisboa e provinha de uma família atuante no reino português e no império ultramarino lusitano. Maria Ana da Áustria, a rainha regente de Portugal, foi quem o convidou, em 1749, a ocupar a função de Ministro dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, em Lisboa (MAXWELL, 1996).

Carvalho e Melo tomou posse do cargo com muita experiência diplomática, obtida no exterior, e possuía também “[...] um conjunto de ideias bem formulado e um círculo de amigos e conhecidos que incluía algumas das figuras mais eminentes nas ciências, em especial dentro da comunidade dos expatriados [...]” (MAXWELL, 1996, p. 10), círculo no qual convivera durante anos. O Ministro se preocupava com as práticas mercantilistas desenvolvidas pela França e Grã-Bretanha e buscava compreender o engrandecimento desses reinos, por meio das estratégias que utilizaram. Nesse sentido, eram duas as preocupações do ministro: as questões ligadas à filosofia e à educação e as ligadas à economia política de Portugal.

Após o terremoto ocorrido em Lisboa, em 1755, Carvalho e Melo, ascendeu à Secretaria dos Negócios do Reino (1756), que equivalia ao cargo de Primeiro-Ministro e, “desde então, governou com plenos poderes, até a morte de D. José I, em 1777” (FRANCO, 2007, p. 5). O planejamento para reconstrução de Lisboa sintetizava os planos almejados pelo Ministro para o novo Estado português, dentre os quais estava a organização do sistema educacional do reino. Kenneth Maxwell postula que “as reformas educacionais de Pombal visavam a três objetivos principais: trazer a educação para o controle do Estado, secularizar o ensino e padronizar o currículo” (MAXWELL, 1996, p. 104). Esse objetivo o Marquês desempenhou com afinco e determinação, pois seu objetivo maior era criar a escola útil para servir ao Estado, uma escola que antes servia aos interesses da Igreja, e que, naquele momento, serviria ao despotismo da Coroa.

Assim, em 12 de janeiro de 1759 foram expulsos os jesuítas de todo o território português, por crime de lesa-majestade e confiscados todos os seus bens. O caminho estava, então, livre para o Primeiro Ministro desenvolver seus projetos de reforma. Feito isto, Pombal reestruturou os Estudos Menores, reformou os estudos nas Escolas Maiores (a Universidade) e criou o Colégio Real dos Nobres em Portugal (CARVALHO, 2001). O Alvará de 28 de junho de 1759 foi publicado cinco meses após a determinação da expulsão da Companhia de Jesus. Essa foi a primeira providência para organização do ensino e para reparar a lacuna deixada pela repentina expulsão do ensino jesuítico. O Alvará prescreveu o tipo de metodologia a ser utilizada nas Escolas Menores. Repudiava-se o ensino jesuítico e os compêndios usados por esses professores, exigindo-se outros métodos e novos compêndios, criando-se as Aulas Régias, sob a supervisão do Estado (CARVALHO, 1978).

Quando da promulgação do Alvará de 1759, o médico António Nunes Ribeiro Sanches vivia em Paris. Rômulo de Carvalho (2001) afirma que as reformas no ensino em Portugal foram motivo de grande interesse para Sanches e, quando soube da publicação do Alvará, propondo mudanças no ensino das Escolas Menores do reino, o médico ficou entusiasmado, aproveitando o ensejo para expressar as ideias que tinha sobre a educação da mocidade portuguesa. Endereçadas ao Monsenhor Pedro da Costa Almeida e Salema, representante português em Paris, Sanches redigiu uma obra em forma de cartas, com pensamentos pedagógicos próprios de um intelectual esclarecido que, mesmo vivendo distante da terra natal, almejava ver sua nação desenvolvida, progredindo e, assim, contribuiu com suas ideias de inovação e progresso, embasadas nos ideais iluministas disseminados pela Europa.

3 A PROPOSTA DE REFORMA EDUCACIONAL NAS CARTAS SOBRE A EDUCAÇÃO DA MOCIDADE

As Cartas sobre a educação da mocidade (1760) foi considerada pelo médico Maximiano Lemos como “[...] uma das obras raras, se não a mais rara, do grande sábio que se chamou António Nunes Ribeiro Sanches” (SANCHES, 1922, p. 2). Lemos a considerou assim por ter sido a mais importante produção do pensamento pedagógico e político de Ribeiro Sanches, e porque foram publicados apenas cinquenta exemplares do texto para circulação na corte portuguesa. Escritas em 1759, as Cartas foram publicadas em Paris, em 1760, e não em Colónia, como consta no frontispício da obra.

A obra foi endereçada ao Monsenhor Pedro da Costa Almeida e Salema, representante português em Paris, que mantinha contato com Ribeiro Sanches na França. Das conversas que mantinham, o médico português falava a respeito dos ideais que tinha para o ensino em Portugal. Salema remeteu a Sanches o Alvará régio de 28 de junho de 1759, que abolia as classes e colégios dos jesuítas e pediu-lhe que escrevesse suas sugestões de reforma. As Cartas foram enviadas ao reino luso, justamente quando da promulgação do Alvará régio, que retirava dos padres jesuítas tanto o controle dos colégios, como das aulas ministradas nesses estabelecimentos de ensino.

Assim, o médico iluminista introduziu suas Cartas, discorrendo sobre a história do ensino nas escolas medievais, desde sua gênese, até sua evolução. A obra foi dividida em duas partes. Na primeira, Ribeiro Sanches discorreu sobre a vinculação entre o Estado Civil e o Poder Eclesiástico, legislado por Constantino Magno, após sua conversão ao cristianismo, determinando que o Estado Civil fosse regido e governado pelas regras e constituições dos clérigos, introduzindo os chefes eclesiásticos nos serviços do império. Discorreu também a respeito dos excessos do clero na política e como esses se tornaram monopolizadores do ensino, especialmente das Universidades, e a natureza eclesiástica que prevaleciam nessas instituições (LEMOS, 1911). De acordo com Ribeiro Sanches, “confundiram os eclesiásticos a jurisdição espiritual com a jurisdição civil, e quiseram governar os reinos pela autoridade daquela” (SANCHES, 1952, p. 57). Na segunda parte do texto, o autor desenvolveu um extenso plano educativo, acerca das diretrizes pedagógicas que ele propunha e defendia.

Sanches defendeu que a educação eclesiástica foi necessária, enquanto a monarquia conquistou, pela guerra, o território estabelecido naquele período. Todavia, as circunstâncias de outrora acabaram e eram outros aqueles tempos, o que requeria a modernização do reino. Assim, de acordo com Maximiano Lemos: “A constituição gothica em que assentavam Portugal e Espanha veiu juntar-se a do trabalho e da indústria que não subsiste sem artes e sciencias. Há necessidade de desenvolver o ensino adaptado às novas condições da monarchia” (LEMOS, 1911, p. 262).

Compreendendo que a estrutura social e educacional portuguesa já não correspondia mais às necessidades do reino naquele período, Sanches defendeu a desvinculação da sociedade portuguesa, ao modelo estabelecido por séculos, disseminando a prerrogativa do direito natural inerente ao Estado e ao monarca como soberano absoluto. Como afirma Laerte de Carvalho, Ribeiro Sanches justificava “os direitos majestáticos da realeza e os interesses da ordem civil concebida” (CARVALHO, 1978, p. 91).

É importante ressaltar que, além dos apontamentos críticos, relacionados ao modelo de ensino jesuítico, Sanches também argumentou o fato de que a educação era destinada apenas à nobreza. Para o autor, a educação deveria também ser estendida para a sociedade mercantil de que necessitava o novo Estado. No entanto, Ribeiro Sanches defendeu que a educação nacional não deveria ser ofertada a todas as classes sociais, isto é, o direito à instrução dependeria da identidade social de cada indivíduo (ARAÚJO, 1984). Como eram “complexos e múltiplos”, os deveres do soberano tornavam necessária a divisão do trabalho, para que todos desempenhassem suas funções determinadas, dentro dos limites estabelecidos pela sociedade, sendo que, independentemente da “ascendência e da geração”, “todos os súditos pelo juramento de fidelidade são iguais” (CARVALHO, 1978, p. 93).

Segundo Carlota Boto, o modelo educacional, defendido por Sanches, tinha como propósito “[...] preparar súditos capazes de identificar e reconhecer como legítimos as leis e os costumes do Estado” (BOTO, 2004, p. 162). Dessa forma, ele defendeu a promoção de escolas públicas, coordenadas pelo Estado; uma educação laica, pois o dever dos eclesiásticos, a seu ver, era tão-somente cuidar de assuntos relacionados à fé dos súditos; e que essa educação promovesse as demandas e necessidades do Estado. Entretanto, como afirma a professora Carlota Boto, o ensino público e coletivo, traçado por Ribeiro Sanches, não poderia ser confundido “com democratização de oportunidades sociais” (BOTO, 2004, p. 162), pois, na concepção de Ribeiro Sanches, se a educação fosse ofertada a todas as camadas da sociedade, alguns ofícios, necessários ao reino, seriam suprimidos pelo abandono dessas atividades, não havendo no futuro quem desempenhasse as tarefas mais rudes. A educação era, então, voltada para a nobreza, assim como para a população plebeia, que trabalharia como médicos, comerciantes, engenheiros, artífices etc. Essa mesma concepção foi defendida por Voltaire, que argumentou que, a instrução afastaria a população dos trabalhos manuais, trazendo prejuízos para o equilíbrio econômico necessário à organização da sociedade (BOTO, 2004).

Diante disso, a escola proposta pelo médico português deveria capacitar o estudante para o exercício da vida civil e habilitado para exercer plenamente o ofício pretendido, como bom súdito e bom cristão. Para o autor, o propósito dos estudos era capacitar os estudantes para o conhecimento das “coisas naturais”, “e das coisas civis”, que aprendessem o que fosse útil para eles mesmos e para a pátria, “o que é lícito, o que é decente” (SANCHES, 2003, p. 21).

Vale ressaltar a distinção de Sanches acerca da questão hierárquica da população. Para o médico iluminista, o povo correspondia à camada mais baixa (os agricultores, lavradores), e a esses o ensino das letras não era necessário, mas apenas a educação cristã. “Nos domingos e dias de festa devia o pároco e o sacristão ensinar a doutrina cristã a estes meninos; e com a sua diligência ficaria o menino instruído na obrigação de cristão” (SANCHES, 2003, p. 34). Depois, os plebeus estavam restritos ao ensino das Ciências Úteis, destinadas ao serviço do reino, e à nobreza era delegada a aprendizagem das Ciências Civis, para a administração do Estado (CARVALHO, 1979).

Dessa forma, percebe-se que as reformas pedagógicas, elaboradas por Sanches, objetivaram a questão política portuguesa, que visava à produção do conhecimento, legitimada pela Coroa e não mais pelo clero, com o intuito de que a educação fosse útil ao reino, no cumprimento de seus propósitos políticos e econômicos. Sendo assim, o ensino não teria unicamente o objetivo de instruir, mas de cumprir os objetivos políticos do Estado que, até então, estivera dominado pela Companhia de Jesus. Tratava-se, portanto, de uma educação política, cuja finalidade seria formar os futuros detentores dos cargos administrativos do reino, como, também, dos demais ofícios, para conservação do Estado Político e Civil, ou seja, o pressuposto geral da boa educação era a utilidade pública (RAMOS JÚNIOR, 2013).

Desse modo, fica evidente que na idealização do pensamento reformador de Ribeiro Sanches, o monarca possuía total primazia acerca da educação e do ensino no reino, ficando a cargo do Estado Civil a elaboração e constituição de leis régias, que estabeleceriam os limites e funções dos poderes civis e eclesiásticos. Todavia, na consecução do projeto de reformas, que se pretendia estabelecer no reino luso, havia duas objeções que incomodavam o médico português: a escravidão e a intolerância. Pois, de acordo com Sanches: “Como a Escravidão causa distinção e preeminência entre os Súditos, assim a Intolerância Civil põe um muro de separação entre o Cristão da Religião dominante, e o persecutado, ou o intolerado” (SANCHES, 2003, p. 28, grifos no original).

De acordo com Maximiano Lemos (1911), Sanches não reprovava a escravidão em termos absolutos, mas criticava os abusos da nobreza em relação aos escravos, e pretendia que a mocidade portuguesa fosse educada em sentimentos de humanidade e justiça, pois a crueldade e a injustiça, no trato para com os servos, propiciariam a insubordinação contrária ao sentimento de patriotismo, que deveria ser consolidado nos súditos do reino lusitano;a insubordinação também traria empecilhos para o progresso social.

Para contribuir com o desenvolvimento do progresso do reino lusitano, o médico português elaborou um plano pedagógico, que atenderia as diferentes camadas da sociedade. No entanto, vale ressaltar que Sanches não defendia uma educação para as camadas mais pobres, pois o salário dos professores deveria ser pago em parte pelo Estado, e em parte pelos pais dos estudantes. Todavia, seu projeto educativo propunha um ensino que fosse útil para os súditos e para o reino português e, no contexto de utilidade, a educação para todos estava condicionada às funções que cada súdito desempenhava no reino.

Ribeiro Sanches entendia que as pessoas das camadas mais pobres da sociedade não necessitariam estudar. Nas aldeias ou vilarejos pequenos, Sanches afirmou que: “[...] em nenhuma Aldeia, Lugar, ou Vila onde não houvessem duzentos fogos, não fosse permitido a Secular, nem Eclesiástico, ensinar por dinheiro ou de graça a ler ou escrever” (SANCHES, 2003, p. 34). No entanto, até mesmo nas aldeias poderia haver lavradores ricos, que quisessem educar seus filhos a ler e escrever. Nesse caso, os pais deveriam pagar mestres para ensiná-los na própria casa, mas, se os pais não tivessem recursos o bastante para pagar um mestre, então, caberia ao Estado criar escolas nessas vilas ou em cidades próximas, denominadas de Pensões, pois os alunos deveriam permanecer em regime de internato, enquanto estivessem estudando (CARVALHO, 2001).

Para o médico português, a função dos mestres que ensinavam a ler e a escrever era um cargo público, que deveria ser organizado e dirigido pelo Estado. De acordo com Sanches (2003), naquele período, os mestres que exerciam a função não estavam preparados para o exercício do cargo e possuíam vícios notórios, que causavam escândalo. Para a contratação, eram obtidas informações de vita et moribus (vida e moralidade), do candidato e, algumas vezes, também requeriam as inquirições de sangue e, em sendo aprovados pelo Bispo, poderiam lecionar. No entanto, não eram feitas inspeções nessas escolas e também não eram pagos salários público aos mestres (MACHADO, 2001).

Sanches descreveu como o Estado Civil deveria organizar essas escolas: Os Mestres não deveriam ser casados e, para que fosse admitido, o candidato deveria fazer uma petição ao Diretor de Estudos e das Escolas da Província para ser examinado, e no exame deveria constar:

1. Que sabia a Língua Latina, e a Materna, com propriedade;

2. Que sabia bem escrever;

3. Como também a Aritmética, pelo menos as quatro Regras e seria conveniente com a de três, e as frações, ou dos quebrados;

4. Que sabia de que modo se tem pelo menos o livro de conta e razão, pelo do deve e há-de haver, com índex ou alfabeto, ou de caixa dos Mercadores (SANCHES, 2003, p. 35).

Além desses exames que comprovariam sua capacitação para o exercício da função, o mestre deveria, também, obter, do Bispo, um certificado que comprovaria seu conhecimento do catecismo. Devemos atentar ao fato de que, para Sanches, o quesito mais importante para a profissão docente era as competências científicas que o mestre devia possuir, em contraste com o que era requerido pelo Bispo, apenas as condições de vita et moribus, para o exercício da profissão (MACHADO, 2001).

As escolas menores seriam inspecionadas pelos Delegados dos lugares onde estivessem estabelecidas, sendo visitadas uma ou duas vezes ao ano. Os mestres também seriam supervisionados por essa equipe. O salário dos mestres seria pago pelos pais dos estudantes, como também, receberiam, do Estado o suficiente para terem suas necessidades supridas (SANCHES, 2003).

Ribeiro Sanches também propôs a reforma das escolas intermédias, preparatórias para o ingresso na Universidade. As recomendações foram as mesmas acerca da capacitação dos mestres para lecionarem. A respeito dos estudos, Sanches elencou, de forma processual, os saberes necessários à mocidade no período anterior ao ingresso na Universidade. Assim, defendeu o cultivo da memória nos estudos, por meio da observação das coisas que acontecem na vida diária; leitura, para o entendimento do que foi aprendido e experimentado; ensino dos mestres, de viva voz e face a face, em forma de diálogo; conversação, para troca de experiências; meditação, reflexão atenta sobre tudo o que foi realizado no percurso do aprendizado (SANCHES, 2003).

Segundo ele, a organização dos estudos começaria pelo ensino da História, mas esse estudo não deveria somente “incluir quantos reis teve uma monarquia, quantas vezes foi conquistada e quantos reis conquistou”. Seria, portanto, “o conhecimento das coisas naturais”. Em conjunto com esse estudo, estava o conhecimento da Geografia Universal e da Astronomia, “como disciplinas relacionadas com a história geral, pois a instruem e completam. Desse modo, os estudantes obtinham, do passado, aqueles exemplos que lhes servissem de orientação na idade adulta e não apenas a insípida enumeração de fatos bélicos” (SANCHES, 2003, p. 48).

A História Natural teria, em conjunto, o estudo da Botânica, Zoologia e Mineralogia. As aulas seriam práticas e as diferentes espécies ficariam expostas em mostruários, num museu apropriado para os estudos dos alunos (SANCHES, 2003).

A seguir, os alunos estudariam princípios da Física, em lugares separados, com aparelhagem para aprenderem os conceitos da Mecânica, da Estatística e da Ótica; fariam uso “do telescópio, do microscópio, do prisma, um modelo de moinho de vento, um relógio e uma pompa pneumática” (SANCHES, 2003, p. 48).

Por fim, Sanches achava indispensável o ensino da retórica e da poesia para que o estudante pudesse “dizer e representar por palavras, e pela escritura, o que queremos que outros saibam, e fiquem persuadidos, tanto pela arte de excitar as paixões da alma, como pela perspicuidade, elegância e urbanidade do discurso” (SANCHES, 2003, p. 49).

Nas escolas intermédias ou preparatórias, os alunos seriam classificados em dois grupos: uns pensionistas do rei e outros que teriam os estudos pagos pelas respectivas famílias. Seriam escolhidos quinze ou vinte estudantes talentosos, para serem adotados pelo Estado, cuja finalidade nos estudos era propagar o que aprenderam às novas gerações. Terminados os estudos, seriam matriculados na Universidade de Coimbra. Concluído os estudos na Universidade, quatro ou cinco desses estudantes seriam escolhidos para aprofundarem os estudos nas célebres Universidades da Europa (SANCHES, 2003). Depois que esses estudantes tivessem concluído os estudos no exterior, outros cinco seriam enviados e, assim, sucessivamente. A função desses estudantes era anotar tudo o que tivessem aprendido, para relatarem em Portugal os novos conhecimentos adquiridos. Sanches não aprovava a vinda de professores estrangeiros para lecionarem em Portugal, pois tinha como exemplo a Rússia, que preparava os próprios estudantes russos para serem os futuros Mestres das Universidades (LEMOS, 1911). O restante dos alunos, quando concluíssem os estudos nas Escolas Preparatórias, seriam matriculados nas Escolas Maiores ou Faculdades, onde aprenderiam ofícios úteis a eles mesmos, bem como, ao reino português. Seriam formados os juízes, advogados, médicos etc. (SANCHES, 2003).

Percebemos, após a leitura e análise do discorrido acima, que nas propostas educativas de Ribeiro Sanches há a predominância do conhecimento para a utilidade dos súditos e do reino, sendo esta a finalidade das suas propostas e que, se não foram totalmente colocadas em prática pelo Marquês de Pombal, coincidiram fortemente com as reformas que o diplomata estava organizando no reino luso.

Ao pensar nos Estudos Maiores ou Colégios Reais, Ribeiro Sanches discorreu primeiramente sobre como foram instituídas as Universidades, traçando uma linha do tempo, desde a época em que Carlos Magno ordenou que fossem ensinadas as ciências nas Igrejas Catedrais e nos Conventos. Considerou que os ensinamentos disseminados pelos clérigos tiveram sua validade até o momento em que a Monarquia Gótica necessitou dos preceitos religiosos para estabelecimento do reino, “onde o vencer, e ignorar as leis da humanidade, era o seu fundamento”, mas que naquele tempo, era necessária outra educação que promovesse “[...] o trabalho e a indústria, e derrogar ou ab-rogar aquelas que se estabeleceram no tempo que adquiriram com a espada” (SANCHES, 2003, p. 26).

Após discorrer acerca da educação nas Universidades, sob a égide eclesiástica, o médico português concluiu “[...] que toda a Educação que tivemos até os nossos tempos, foi conforme as máximas Eclesiásticas, tanto nas Escolas do Latim e Filosofia, como nas Universidades” (SANCHES, 2003, p. 23). Nesse sentido, a Universidade, proposta por Sanches, era de instituição régia, sem nenhuma influência eclesiástica (LEMOS, 1911).

Essas Escolas Maiores ou Faculdades seriam fundadas pelo Estado Civil, independentemente da intervenção da Santa Sé. As Faculdades de Teologia e de Direito Canônico, o médico iluminista propôs que fossem transferidas para Évora, Lisboa ou Braga, mas, mesmo afastadas, seriam inspecionadas por dois Fiscais Seculares, autorizados pelo rei, para reverem e aprovarem tudo o que fosse impresso ou decretado nessas Universidades, para que não refutassem as Leis do Estado. Em Coimbra estariam os Colégios de Filosofia e Matemática, Jurisprudência e Leis do Estado, Medicina e Cirurgia. Nenhum eclesiástico poderia ser matriculado na Universidade de Coimbra e nem exercer funções no ensino, exceto o de capelães, para realizarem o culto na capela da Universidade, caso não houvesse uma Igreja Paroquial (SANCHES, 2003).

O Colégio de Filosofia e Matemáticas serviria como ingresso ao estudante que pretendesse dar continuidade aos estudos de Medicina e Jurisprudência; caso não desejassem seguir com os estudos, a formação que adquiriram os capacitaria para o exercício de diferentes profissões (LEMOS, 1911). Quanto ao Colégio de Jurisprudência, Sanches não se achou competente para tratar do assunto, porque não tinha prática suficiente em Direito, como tinha na Medicina (LEMOS, 1911). Para o Colégio de Matemática, Sanches propôs o ensino elementar que, em sua visão, necessitava ser aprimorado.

As propostas, que o médico cristão-novo redigiu para a reforma dos estudos no Colégio de Medicina, foram especificadas mais detalhadamente em seu Méthodo para aprender e ensinar a Medicina (1763).No Méthodo, o médico estabeleceu que o quadro docente seria composto por quatro Lentes, com obrigação de lerem duas horas por dia, para saberem mais facilmente quais as matérias de Medicina ensinariam. Os cursos seriam divididos em dois: um curso de inverno com início em outubro e o outro de verão, iniciando em abril (SANCHES, 2003). Sendo distribuídos do seguinte modo:

Quadro 1 Lições desde o princípio do mês de outubro, até o fim do mês de março 

Manhã Das 7 até às 8. Lição no Hospital o Lente A
Das 8 até às 9. Cirurgia Prática, Anatomia, Hospital o Lente B
Das 9 até às 10. Química o Lente C
Das 10 até às 11. História da Medicina o Lente D
Tarde Da 1 até às 2. Os Aforismos de Boerhaave o Lente A
Das duas até às 3. Anatomia, Cirurgia Prática o Lente B
Das 3 até às 4. Matéria Médica, Química o Lente C

Autoria: adaptado pelos autores a partir de Sanches (2003, p. 16).

Quadro 2 Lições no Verão desde o princípio do mês de abril 

Manhã Das 6 ou das 7 até às 8. Botânica, Matéria Médica o Lente C
Das 7 ou 8 até às 9. Hospital o Lente A
Das 8 ou 9 até às 10. Institutiones Medicinae Boerhaave o Lente B
Das 9 ou 10 até às 11. História da Medicina. o Lente D
Tarde Das 3 ou 4 até às 5. Aforismos de Boerhaave o Lente A
Das 4 ou 5 até às 6. Instituições de Medicina Boerhaave o Lente B
Das 5 ou das 6 até às 7. Matéria Médica, Farmácia o Lente C

Autoria: adaptado pelos autores a partir de Sanches (2003, p. 16).

Quando analisamos as propostas de reforma da Universidade, é notório percebermos a ênfase que Ribeiro Sanches deu à dimensão prática e experimental nos estudos. Diferentemente do que ele havia presenciado, quando esteve em Coimbra, sua intenção foi “dar ao raciocínio um methodo philosophico differente da metaphysica aristotélica por tanto tempo conservada na Universidade” (LEMOS, 1911, p. 254).

Nesse sentido, o projeto pedagógico, delineado pelo médico português, para as Escolas Maiores, tinha como meta a formação de súditos aptos para gerirem a organização do reino e isso demandaria preparo acadêmico para especializá-los a diferentes funções requeridas pelo Estado Civil. Disto, portanto, haveria a necessidade de reforma do ensino na Universidade de Coimbra.

A educação da mocidade nobre foi tema de estudos pedagógicos no século XVIII na Europa. Essa classe social demandava dos governantes certa preocupação porque, por possuírem determinados privilégios, os filhos dos nobres eram criados pelos pais com demasiada permissividade, o que os levava a adotarem certos hábitos de ociosidade, orgulho, prepotência, arrogância, insubordinação, criando resistências frente à autoridade real (CARVALHO, 2001). Essa condição da mocidade nobre portuguesa também trouxe preocupações para o médico português e ele intencionava outra maneira de se educar essa mocidade. Os nobres deveriam exercer ofícios para obter ocupação útil. As profissões, destinadas à nobreza, deveriam proporcionar à classe o acúmulo de honrarias. Nesse sentido, restava-lhes o servir a pátria, com o conhecimento das ciências civis, necessárias para a administração do Estado. Com esse intuito, Sanches propôs a criação, em Portugal, do colégio denominado: “Corpo de Cadetes”, “Escola Militar” ou “Colégio dos Nobres”. Sanches revelou sua intenção, ao propor para Portugal a Escola Militar: “É educar súbditos amantes da Pátria, obedientes para mandar, e virtuosos para serem úteis a si, e a todos com quem devem tratar” (SANCHES, 2003, p. 55).

Com a proposta de estabelecimento do Colégio dos Nobres ao Marquês de Pombal, Sanches (2003) acreditava que Portugal teria um grupo de estadistas capacitados para defender e administrar o reino português. Assim, ele afirmou: “Que me concedam que os Generais, os Almirantes, os Magistrados, e todos os Cargos da Corte sejam administrados por homens educados em uma escola, como a que acabo de propor, estou certo que será um Reino bem governado [...]” (SANCHES, 2003, p. 62).

Sanches (2003) afirmou a importância que teve a criação desses colégios em diferentes regiões da Europa, salientando que, em Portugal, era necessária e urgente a criação do Colégio dos Nobres, diante dos gastos excessivos que se mantinha com os estabelecimentos de ensino do reino, cuja finalidade “[...] é para chegar a ser Sacerdote e Jurisconsulto” (SANCHES, 2003, p. 55), em detrimento da condição que se esperava possuir a mocidade nobre: o serviço à pátria para a utilidade do reino.

No ano seguinte ao da publicação das Cartas sobre a educação da mocidade, foi fundado em Lisboa, no dia 7 de março de 1761, o Colégio Real dos Nobres, juntamente com a publicação dos Estatutos para o funcionamento do Colégio. No entanto, a sua abertura só aconteceu em 19 de março de 1766. Assim, as propostas do médico português estavam atreladas às ideias de mudanças, modernidade e progresso do reino português, como pretendido pelo rei e pelo Marquês de Pombal. O médico português finalizou suas Cartas, argumentando sobre a utilidade que teria para o reino português o estabelecimento do Colégio dos Nobres.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo deste texto, procuramos analisar o projeto reformador do reino português a partir das Cartas sobre a educação da mocidade, escritas pelo médico António Nunes Ribeiro Sanches. Percebemos que, as propostas de reforma da educação para o reino luso, por ele defendidas, tinham como premissa a renovação dos métodos de estudo em Portugal, para que houvesse mudanças na sociedade, por meio da transformação da mentalidade portuguesa, e esse fator ocorreria por intermédio da educação, considerada alicerce para o desenvolvimento do reino luso. Diante disso, o principal objetivo de Sanches, com a renovação da educação em Portugal, era a formação de uma nova mentalidade da mocidade portuguesa, visando à produção, ao trabalho e à riqueza do reino, por isso, a sugestão da criação do Colégio Real dos Nobres.

As propostas de reforma, elaboradas por Ribeiro Sanches, estavam inseridas em um contexto de ideias que se espalhavam pela Europa no século XVIII. Eram as ideias iluministas, que se expandiam em diferentes setores da sociedade europeia. Em Portugal, as ideias iluministas tiveram, como principais divulgadores, D. Luís da Cunha, Luís António Verney, António Nunes Ribeiro Sanches e Sebastião José de Carvalho e Melo, dentre outros intelectuais, que objetivaram reestruturar Portugal, para adequá-lo às mudanças econômicas e sociais que estavam acontecendo na Europa. Esses estrangeirados portugueses, no contato que tiveram com o exterior, relacionaram a sociedade lusa às demais sociedades e concluíram que o reino português necessitava de mudanças urgentes, especialmente na educação, que até então tinha como mentores quase que exclusivos, os padres da Companhia de Jesus.

Para Sanches, reformar a educação em Portugal era também reformar a cultura portuguesa e para isso escreveu as Cartas, no intuito de propor um ensino que preparasse bons súditos, úteis ao rei e a pátria. E, para o médico português, o verdadeiro patriota não seria aquele que dá a vida pela pátria, mas o que lhe fosse útil, buscando engrandecer e servir o reino onde vive.

A partir da bibliografia consultada, verificamos que, ao longo dos anos, ocorreu uma ampla divulgação dos escritos de Sanches, acerca da diversidade dos temas escritos pelo autor. Isso significa inseri-lo num contexto de importância e lugar que ocupou ao longo da carreira médica e dos diferentes temas que abordou e, pela compreensão que temos hoje, da atualidade dos escritos que produziu em seu tempo.

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Recebido: 23 de Abril de 2018; Aceito: 19 de Julho de 2018

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