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Revista Exitus

versión On-line ISSN 2237-9460

Rev. Exitus vol.9 no.2 Santarém abr./jun 2019  Epub 19-Jul-2019

https://doi.org/10.24065/2237-9460.2019v9n2id853 

Artigos

HISTÓRIA PARA A EDUCAÇÃO MATEMÁTICA: apontamentos sobre as pesquisas brasileiras

HISTORY FOR MATHEMATICAL EDUCATION: notes on Brazilian research

HISTORIA PARA LA EDUCACIÓN MATEMÁTICA: apuntes sobre las investigaciones científicas brasileras

Iran Abreu Mendes1 

1Professor Titular do Instituto de Educação Matemática e Científica da Universidade Federal do Pará. Possui graduação em Licenciatura em Matemática pela UFPA; Mestrado e Doutorado em Educação pela UFRN. Professor dos Programas de Pós-graduação em Educação em Ciências e Matemáticas (IEMCI/UFPA), REAMEC - Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemática. Pesquisador 1C do CNPq.. E-mail: iamendes1@gmail.com.


RESUMO

Diversas pesquisas relativas às conexões entre história e educação matemática no Brasil têm gerado importantes resultados que apontam temáticas, fundamentações epistemológicas, abordagens metodológicas e experimentações didáticas que podem contribuir para a formação de professores que ensinam matemática. Durante uma década (2008-2018) desenvolvi uma pesquisa sobre a produção científica brasileira nessa área, considerando as dimensões histórico-epistemológica, pedagógica e histórico-educacional. Neste artigo, faço uma descrição comentada dos resultados obtidos na pesquisa, tomando base em questões como: Qual o formato epistemológico das pesquisas sobre história da educação matemática? De qual pesquisa se trata? Que histórias são focalizadas nas pesquisas sobre história da educação matemática? De que maneira essas histórias são produzidas por pesquisadores, quais seus significados pedagógicos e até que ponto podem ser utilizadas pelos professores de Matemática em suas aulas? Minhas indagações foram fundamentadas em autores como Michel Serres (2008), Ludwick Fleck (2010), Mauro Condé (2012), Bruno Latour (1994; 2000), Peter Burke (2016) e Maurice Caveing (2004), para situar os campos em que essas pesquisas estão localizadas, propor sua inserção na formação de professores que ensinam Matemática e apresentar uma agenda de trabalho a ser implementada como política de formação conceitual e didática de professores que ensinam matemática.

Palavras-chave: História e Educação Matemática; Pesquisa histórica; Metodologia da pesquisa

ABSTRACT

Several researches related to the connections between history and mathematical education in Brazil have generated important results that point to themes, epistemological foundations, methodological approaches and pedagogical experiments that can contribute to the education of teachers who teach mathematics. During a decade (2008-2018) I conducted a study on Brazilian scientific production in this area, considering the historical-epistemological, pedagogical and historical-educational dimensions. In this paper, I make an annotated description of the results obtained in the research, based on questions such as: What is the epistemological format of research on the history of mathematics education? What is the focus of the research? What stories are focused on research on the history of mathematics education? In what ways are these stories produced by researchers, what are their pedagogical meanings, and to what extent can they be used by teachers of mathematics in their classrooms? These questions were based on authors such as Michel Serres (2008), Ludwick Fleck (2010), Mauro Condé (2012) Bruno Latour (1994; 2000), Peter Burke (2016) and Maurice Caveing (2004) to situate the fields in which these studies are located; to propose their insertion in the education of teachers who teach mathematics and to present a work agenda to be implemented as a policy of conceptual and pedagogical education of teachers who teach mathematics.

Keywords: History and Mathematics Education; Historical research; Research methodology

RESUMEN

Diversas investigaciones relativas a las conexiones entre historia y educación matemática en Brasil han generado importantes resultados y apuntan temáticas, fundamentos epistemológicos, enfoques metodológicos y ensayos didácticos que pueden contribuir a la formación de profesores que enseñan matemáticas. Durante una década (2008-2018) desarrollé una investigación sobre la producción científica brasileña en esa área, considerando las dimensiones histórico-epistemológica, pedagógica e histórico-educativa. En este artículo hago una descripción comentada de los resultados obtenidos en la investigación, basado en cuestiones como: ¿Cuál es el formato epistemológico de las investigaciones sobre historia de la educación matemática? ¿De qué investigación se trata? ¿Qué historias se enfocan en las investigaciones sobre historia de la educación matemática? ¿De qué manera estas historias son producidas por investigadores, cuáles sus significados pedagógicos y hasta qué punto pueden ser utilizados por los profesores de Matemáticas en sus clases? Mis indagaciones se basaron en autores como Michel Serres (2008), Ludwick Fleck (2010), Mauro Condé (2012) Bruno Latour (1994; 2000), Peter Burke (2016) y Maurice Caveing (2004) para situar los campos en que esas investigaciones están localizadas, proponer su inserción en la formación de profesores que enseñan matemáticas y presentar una agenda de trabajo a ser implementada como política de formación conceptual y didáctica de profesores que enseñan matemáticas.

Palabras clave: Historia y Educación Matemáticas; Investigación histórica; Metodología de la investigación

CONSIDERAÇÕES GERAIS: porque a temática

Os estudos relacionados às conexões entre história e educação matemática no Brasil têm gerado importantes resultados que apontam temáticas, fundamentações epistemológicas, abordagens metodológicas e experimentações didáticas que podem conferir importantes contribuições para a formação de professores que ensinam matemática. Em pesquisas que realizei sobre esse tema, desde 1995, identifiquei uma diversidade de focos de pesquisa baseados em informações sobre o desenvolvimento histórico da matemática, adaptados para o ensino de conteúdos matemáticos escolares.

Entretanto, considero de extrema importância para a formação de professores e pesquisadores da área de Educação Matemática, esclarecer sobre a necessidade de uma análise mais criteriosa, acerca da dimensão pedagógica dada às informações concernentes à história da Matemática em sua formação e para a utilização desse tipo de informação em suas futuras práticas como professores, principalmente a respeito daquelas advindas das pesquisas realizadas no Brasil, uma vez que há uma produção em crescimento nessa área, originada principalmente dos estudos e pesquisas sobre história da educação matemática, mas que precisam de disseminação em benefício de uma interação útil à formação profissional que torne efetiva uma abordagem pedagógica na escola.

Com base nessas inquietações, neste artigo, faço uma abordagem do tema, centrada nas seguintes questões: qual o formato epistemológico das pesquisas sobre história da educação matemática? De qual pesquisa se trata? Que tipos de histórias são focalizadas nas pesquisas sobre história da educação matemática? De que maneira essas histórias são produzidas por pesquisadores, quais seus significados pedagógicos e até que ponto podem ser utilizadas pelos professores de Matemática em suas aulas?

Minhas indagações se fundamentam principalmente em autores como Michel Serres (2008), Ludwik Fleck (2010), Mauro Condé (2012), Bruno Latour (1994; 2000), Peter Burke (2016) e Maurice Caveing (2004), para fazer situar os campos em que essas histórias da educação matemática estão localizadas, visando propor sua inserção na formação e ação dos professores que ensinam Matemática e apresentar uma agenda de trabalho a ser implementada, para uma inserção dessa dimensão histórica na formação de professores como política de formação conceitual e didática de professores de Matemática.

A respeito de um formato definido de produção de conhecimento por meio da pesquisa histórica, Michel Serres (2008) assevera que epistemologicamente, o termo refere-se

a homens e coisas, à natureza e à cultura... assim como ao acontecimento, que é seu oposto. Se alguém advinhar rapidamente o poder que o conhecimento propicia, poderá também perceber seus inconvenientes. Preservar a uniformidade do mensurável certamente permite a eficácia, uma vez que elimina qualquer acidente, mas exclui o acontecimento e impede a novidade (SERRES, 2008, p. 19-20).

Além disso, o autor reforça, ainda, que o formato prospera sem inventar, imita sem inovar. Assim, nenhuma invenção consegue transpor esse rigor do formato, quando elimina impurezas e uniformiza o imprevisível, impedindo, portanto, o surgimento da novidade. Como poderemos, então, criar uma história da educação matemática seguindo um formato quando nossas intenções não estão centradas no processo de historiação, mas em busca de explicações para processos de aquisição de conhecimento, de ensino e de aprendizagem?

Há, portanto, uma necessidade de se compreender, como surgem os ramos de conhecimento pelas pesquisas, ou seja, as bifurcações dos formatos de produção de conhecimento, fazendo surgir novos formatos (formato filho) que, embora, não se desliguem do tronco representado pelo formato-pai, se constituem em processos independentes, mas de certa forma dependentes. Para Serres (2008) significa, portanto, o surgimento da ciência filha, ou seja, a produção de um ramo de conhecimento, cuja ciência, tem características da raiz e do tronco original, mas com novos direcionamentos intencionalizados pelo que se quer alcançar.

Assim, a pesquisa em história da educação matemática, já apresenta claramente definidas suas afiliações filosóficas e intenções epistêmicas. Para poder se configurar em um conhecimento novo que pode ser utilizado na formação do professor que ensina matemática, a fim de levá-lo a refletir, sobre a multiplicidade de procedimentos adotados, no processo de ensino e aprendizagem matemática, no decorrer dos tempos. Essas são algumas das preocupações que me fizeram percorrer um caminho de volta, no desenvolvimento das pesquisas materializadas em dissertações, teses, artigos e outras produções científicas, geradas em grupos de estudos e pesquisas em história da Matemática, história para o ensino da Matemática e história da Educação Matemática do Brasil.

Uma trajetória de investigação da temática

Desde 2008, desenvolvo uma pesquisa sobre a produção científica na área de História da Matemática no Brasil em suas três dimensões (História e Epistemologia da Matemática (HEpM), História da Educação Matemática (HEdM) e História para o Ensino da Matemática (HEsM)2. Inicialmente, investiguei as publicações dos Anais dos Seminários Nacionais de História da Matemática, no período de 1995 a 2007, classificando as produções da pesquisa nessa área, em três dimensões que se classificaram em várias outras, cada uma (MENDES, 2008; 2012). Entre 2010 e 2013 tomei como recorte de pesquisa, as dissertações e teses, produzidas nos programas de pós-graduação stritu senso do Brasil, desde 1990 até 20103, cujos resultados apontaram um crescimento das abordagens sobre vida e obra de matemáticos e professores de Matemática; história das instituições; história das disciplinas escolares, dentre outras aspectos sociais e culturais, relacionados à História da Matemática, com destaque maior para o aumento dos trabalhos na área de história da Educação Matemática.

Das produções pesquisadas, identifiquei que a origem da diversidade de métodos de pesquisa historiográfica, vem de áreas correlatas como a História, a Antropologia e a Sociologia. Caracterizando-se pela construção de múltiplas histórias da Matemática e de práticas matemáticas, no contexto da sociedade e da cultura, bem como, de seus desdobramentos, na produção de propostas metodológicas e materiais didáticos, para a inserção de uma abordagem didática, para o ensino de matemática, na Educação Básica. Adquirindo características próprias e seguindo qualitativamente, em direção a uma exploração dos aspectos epistemológicos da Matemática nas abordagens didáticas, para a sala de aula. Centrando o foco do ensino, nos aspectos conceituais e didáticos para e pelos professores, baseados nas informações identificadas no desenvolvimento histórico de conceitos matemáticos, adaptados para o ensino dos conteúdos matemáticos escolares. Posteriormente, esses estudos foram ampliados para as dissertações e teses produzidas até 2015.

Entre 2014 e 2017, a pesquisa teve continuidade, fundamentada nas relações entre genealogia e história da Matemática e da Educação Matemática4, com a finalidade de compreender as origens, transformações e disseminações das teorias e práticas, experienciadas nos grupos de pesquisas do Brasil (registrados no diretório dos grupos do CNPq), que pesquisam sobre história da Matemática; história da Educação Matemática e história para o ensino da Matemática, a fim de caracterizar suas origens, seu crescimento, suas dimensões, seus desmembramentos e ramificações teórico-práticas em pesquisa, bem como, a identificação de redes de conexões entre pesquisadores, estudantes de mestrado e doutorado, suas respectivas linhas de pesquisas e produções geradas durante a pós-graduação e após a sua inclusão no sistema de pesquisa na área de história da matemática no Brasil.

A partir de cada uma das três subáreas de estudos estabelecidas na pesquisa, os trabalhos foram reorganizados em onze categorias:

  1. Investigação sobre a vida de matemáticos ou educadores;

  2. Investigação sobre a evolução de algum conceito ou teoria;

  3. Investigação sobre uma área de conhecimento;

  4. Investigação sobre história de instituições;

  5. Investigação sobre o contexto cultural de uma criação;

  6. Investigação sobre uma época determinada;

  7. Investigação sobre um grupo específico;

  8. Investigação sobre as relações da Matemática com outras áreas do conhecimento;

  9. Investigação sobre as aplicações da História da Matemática;

  10. Investigação sobre livros didáticos;

  11. Investigação sobre o desenvolvimento de produções acerca da História da Matemática.

Conforme foi mencionado anteriormente, neste artigo, a pesquisa se estendeu à investigação das dissertações e teses produzidas em programas de pós-graduação, relacionados à área de Educação Matemática ou afins. Apoiando-me na análise realizada com os anais dos seminários de história da Matemática, me propus realizar uma investigação documental, no banco de dissertações e teses da CAPES e dos programas de pós-graduação, existentes no país, que focam as relações entre história e Educação Matemática. Meu objeto de pesquisa, portanto, foi a produção gerada na área de história da Matemática no Brasil, nos programas de pós-graduação em Educação, Educação Matemática, Ensino de Ciências e Matemática e áreas afins, no período de 1990 a 2010.

Após o levantamento, organização e uma primeira análise do material de pesquisa, percebi que surgiram contribuições importantes, relacionadas aos estudos sobre as dimensões HEpM, HEdM e HEsM, que poderiam levar outros pesquisadores a compreender o processo de construção metodológica dessa área de estudos e pesquisas, bem como, a produção originada dessas pesquisas no Brasil e suas contribuições para a organização do patrimônio da Matemática e da Educação Matemática Brasileira. Verifiquei, também, que após ampliar o período de abrangência da pesquisa, as dissertações e teses em HEpM, HEdM e HEsM, defendidas entre 1990 e 2017, se configuraram em tendências conforme o quadro 01, apresentado a seguir.

Quadro 01: Produção das Dissertações e teses em HEpM, HEdM e HEsM (1990-2017) 

Dimensão Mestrado Doutorado Total Geral
Acadêmico Profissional
HEpM 105 6 48 159
HEdM 91 8 69 168
HEsM 76 56 21 153
Total Geral 272 70 138 480

Fonte: Dados da pesquisa

De acordo com os dados do quadro 01, apresentado anteriormente, podemos perceber o nível e crescimento quantitativo de trabalhos em todas as subáreas da pesquisa em História da Matemática, com um destaque maior para a HEdM, com 35% do montante de trabalhos produzidos (mestrado e doutorado). Outro grupo que apresenta crescimento representativo é a HEsM, com 32% da produção, uma vez que até 2010 estava com indicativo de crescimento, mas muito incipiente em relação à HEdM. Quanto à HEpM, apresenta uma produção de 33%, que se mostra aproximadamente constante em relação ao período de 1990-2010. O que aumentou em todas as três subáreas foram os resultados do mestrado profissional com 14% da produção, uma vez que poucos resultados eram evidenciados até 2010, principalmente nas áreas e HEpM e HEdM. Além disso, percebemos, também, que de modo geral a produção do mestrado acadêmico representa 57% da produção total enquanto o doutorado refere-se a 29% do total produzido. Seguindo nossa descrição comentada, mostraremos a seguir, o avanço em relação à produção e minicursos, sobre história da Matemática nas três modalidades HEpM, HEdM e HEsM.

Sobre os livros de minicursos publicados nos SNHM 2001-2017

Os livros de minicursos publicados nos Seminários Nacionais de História da Matemática, investigados por nós, foram classificados nas mesmas três dimensões HEpM, HEdM e HEsM, distribuídas ao longo do período de 2001 a 2017, conforme o quadro a seguir.

Quadro 02: Produção de Minicursos em HEpM, HEdM e HEsM (2001-2017) 

Dimensão 2001 2003 2005 2007 2009 2011 2013 2015 2017 Total
HEpM 5 4 5 4 8 6 6 2 4 44
HEdM 1 1 - 6 2 3 - 4 3 20
HesM 3 6 6 2 9 3 1 4 3 37
Total Geral 9 11 11 12 19 12 7 10 10 101

Fonte: Dados da pesquisa

Conforme os resultados apresentados no quadro 02, podemos destacar, que ao longo dos nove seminários, em que foram produzidos livros de minicursos, há uma particularidade a ser destacada, que é o número de máximo de livros publicados em 2009 (19 livros) e um mínimo em 2013. As outras edições dos SNHM mantiveram um número aproximado em equilíbrio, que está entre 9 e 12 livros. Percebemos, ainda, que ao longo desses nove seminários analisados, 44% dos livros publicados foram referentes e HEpM e 20% concernentes a HEdM. Os outros 36% do total, ao longo do período de 2001 a 2017, referem-se à HEsM. Outro dado que nos chamou bastante a atenção, foi o fato de percebemos a ausência total de livros voltados a HEdM em 2005 e 2013. Parece bastante estranho esses dois resultados, principalmente, porque em 2005, já se apresentava um número bastante expressivo de dissertações, orientadas em HEdM na PUCSP, na UNICAMP e na UNESR de Rio Claro. Mais desafiador, é o fato de que, em 2013, a área de HEdM, já estar consolidada e não ter, novamente, nenhum livro produzido e publicado na modalidade de minicurso.

A produção nos ANAIS dos ENEMs

Com relação à produção em HEpM, HEdM e HEsM, os Encontros Nacionais de Educação Matemática (ENEMs), também apresentam resultados, que oferecem oportunidade, para compreendermos melhor o processo de produção e disseminação da pesquisa na área de História da Matemática, em suas três dimensões. Neste sentido, verificamos que nos anais do I ENEM, estão somente os títulos das comunicações, nas edições de II a V, consta os títulos e resumos, no VI ENEM, as comunicações, são textos de uma a três páginas e nos anais das demais edições, estão os artigos completos referentes às comunicações.

Assim, para selecionar e classificar os textos analisados em nossa pesquisa, foram lidos, os títulos, os resumos e, em alguns casos, os textos completos, quando somente os títulos e resumos, não foram suficientes para identificar o que queríamos. Para tanto, buscamos, inicialmente, as comunicações sobre história da matemática, ou seja, aquelas que tinham como objeto principal de pesquisa, a história da matemática, tendo em vista que, algumas comunicações que mencionam a história ou que trazem alguns aspectos da história da matemática, não a têm como elemento principal, e sim, outros aspectos ou tendências da educação matemática. A partir desse critério, procedemos à seleção, cujo resultado conta no Quadro 03.

Quadro 03: Comunicações de história da matemática nos anais do ENEM 

Encontros Comunicações científicas Comunicações de história da matemática Porcentagem relativa
I ENEM 77 4 5%
II ENEM 92 4 4%
III ENEM 81 1 1%
IV ENEM 61 8 13%
V ENEM 152 9 6%
VI ENEM 287 18 6%
VII ENEM 95 7 7%
VIII ENEM 165 8 5%
IX ENEM 278 6 2%
X ENEM 514 44 9%
XI ENEM 770 84 11%
XII ENEM 971 84 9%
Total Geral 3543 277 8%

Fonte: Dados da pesquisa

As informações presentes no quadro 03 evidenciam relações entre o número de trabalhos sobre história da matemática e total de textos de comunicações científicas publicadas nos anais dos XII ENEM, pois dos 3543 trabalhos, somente 277 (8%), teve como foco, a história da matemática. Percebe-se, porém, que nas três últimas edições do evento, os percentuais ficaram mais altos que a média geral dos trabalhos de história da Matemática, publicadas nas 12 edições do evento.

Talvez esses últimos valores percentuais, possam nos indicar o crescimento dos interesses dos pesquisadores, em publicar resultados de seus trabalhos no ENEM, ou talvez, esses eventos tenham oportunizado maiores possibilidades de congregação dos estudiosos sobre essa temática, para mostrar, como essa subárea da Educação Matemática, está se desenvolvendo, em termos de pesquisas nos últimos anos, desde a criação da SBHMat, em 1999. Para que se pudéssemos compreender melhor a trajetória dessa área nos ENEM, os 277 textos de história da matemática publicados, foram classificadas, conforme as três dimensões já estabelecidas, para os textos dos Anais dos SNHM e dos Minicursos, ou seja, HEpM, HEdM e HEsM.

Assim, foram classificados na dimensão HEpM, os textos cujo foco central, era o desenvolvimento histórico-epistemológico da matemática, como conteúdo e como disciplina científica, a produção acadêmica de matemáticos, com contribuições para o desenvolvimento da matemática. Na dimensão HEdM, foram incluídos artigos, que têm o objetivo de recuperar ou reconstruir a memória da educação matemática brasileira; como a biografia de matemáticos e professores de matemática; a história de disciplinas escolares; a história de conteúdos e do currículo escolar de matemática; a história dos movimentos ligados à matemática e suas implicações para a matemática escolar e a história de instituições escolares. Por fim, foram classificados como HEsM, os textos que focam a história da matemática, como fonte de informações, a serem utilizadas para o ensino de matemática escolar, para a elaboração de atividades de ensino. Salientamos, que essa chave de classificação, foi originada dos trabalhos de MENDES (2008, 2012, 2014, 2015), que, posteriormente, foram ajustados para as pesquisas de Mello (2013), Gonçalves (2015) e Barros (2016).

Quadro 04: Dimensões da história da matemática nos anais do ENEM 

Eventos HEpM HEdM HEsM TOTAL
I ENEM 1 1 2 4
II ENEM 0 1 3 4
III ENEM 0 0 1 1
IV ENEM 3 2 3 8
V ENEM 3 2 4 9
VI ENEM 1 12 5 18
VII ENEM 1 6 0 7
VIII ENEM 3 5 0 8
IX ENEM 0 4 2 6
X ENEM 5 30 9 44
XI ENEM 3 61 20 84
XII ENEM 4 58 22 84
TOTAL 24 182 71 277

Fonte: elaborado pelos autores

Os dados do quadro 04 mostram os percentuais das três dimensões da pesquisa em história da matemática, nas comunicações do ENEM. Pode-se perceber, que das 277 comunicações de história da matemática, 182 (66%), são da dimensão HEdM e que somente 24 (8,5%), são de HEpM, o que evidencia a preocupação predominante, do campo da história da matemática, em recuperar ou reconstruir a memória da educação matemática, ao passo que, o desenvolvimento histórico-epistemológico da matemática como conteúdo e como disciplina científica, tem ocupado menos espaço no cenário nacional da pesquisa no que tange ao ENEM. À dimensão HEsM, centro focal do nosso estudo, correspondem 71 comunicações, 25,5% do total, o que mostra, a necessidade de serem realizadas mais pesquisas de história da matemática, voltadas para o ensino de matemática e para a formações de professores de matemática, tendo em vista, a necessidade de se praticar um ensino de matemática de melhor qualidade, sendo este um dos objetivos da educação matemática.

Sobre os resultados alcançados

Os resultados alcançados no decorrer da pesquisa, nos mostraram os níveis de avanço da produção de uma epistemologia sobre a pesquisa em HEsM e HEdM, em uma ramificação, potencializada nos grupos de pesquisa dessas áreas, no Brasil. Entretanto, a respeito das relações teórico-práticas, que impliquem nas ações didáticas, do professor de matemática em sala de aula, percebemos, que ainda há necessidade de muitos esclarecimentos, acerca de processos de introdução efetiva, da dimensão pedagógica, na história da matemática, com vistas à formação licenciada e nas práticas dos professores, em relação às produções advindas das pesquisas realizadas no Brasil.

Todavia, a pesquisa apontou, que há uma produção em crescimento significativo nessa área, que é estimulada pelos mestrados profissionais em Educação Matemática, Ensino de Ciências e Matemática e pela Sociedade Brasileira de História da Matemática (SBHMat), mas, que precisam de maiores informações sistematizadas, bem como, da criação de um espaço ampliado de disseminação e interação profissional, para contribuir na formação inicial e continuada dos professores de matemática.

Diante desse quadro, percebi a necessidade de se fazer uma análise mais pormenorizada da produção brasileira, na área de HEpM, HEdM e HEsM, de modo, a poder melhor identificar e caracterizar, as bases epistemológicas que fundamentam as pesquisas, que originam essas produções, quais seus direcionamentos à formação e ação dos professores, para o ensino de matemática, bem como, classificar e caracterizar, em níveis de abrangência, as propostas metodológicas para o ensino de Matemática, advindas das informações históricas, identificadas nos trabalhos pesquisados (dissertações, teses, livros de minicursos, artigos e trabalhos publicados em anais de congressos).

Por uma epistemologia da pesquisa em História da Matemática

Das pesquisas operacionalizadas e identificadas na produção brasileira em história da Matemática, identificadas até o presente estágio da pesquisa, correspondente à produção em pesquisa no período de 1990 a 2017. Percebi nas dissertações, teses e trabalhos publicados em anais de eventos científicos sobre o tema, que não há uma posição bem definida, sobre fundamentos e métodos norteadores, das pesquisas realizadas nesta área. Fica muito evidente que, emergem algumas tendências teórico metodológicas, conforme as afiliações filosóficas e epistemológicas dos pesquisadores em seus grupos de pesquisa, o que pode ser justificado, pelas proposições de Ludwick Fleck, quando discorre sobre as ideias concernentes aos coletivos e estilos de pensamento, estabelecidos na/pela comunidade científica, para a estruturação das bases epistemológicas das pesquisas produzidas e validadas, nas academias de Ciência.

Em busca de uma ampliação para as bases de compreensão desse movimento constitucional e institucional, dos princípios e métodos relacionados à pesquisa em HEdM, enveredei na leitura de Fleck, em busca de esclarecimentos, sobre os significados e sentidos, atribuídos aos princípios e métodos de pesquisa em HEdM, em relação ao papel que essa dimensão da pesquisa ocupa no ambiente científico. A partir daí, fiz algumas reflexões sobre o recorte dos estudos realizados nessa subárea da história da Matemática.

Para questionar e refletir sobre a posição adotada nas pesquisas em história da educação Matemática, considerei tomar as discussões de Fleck e investigar tais pesquisas em três posições: a histórica, a epistemológica e a pedagógica; que, em uma primeira estruturação, se mostram enquadradas às pesquisas brasileiras, na área da história da educação Matemática. Daí meu questionamento: qual a posição de cada um dos enfoques de pesquisa dados aos estudos sobre história da educação matemática e quais os papeis dessas histórias na formação do professor de matemática, uma vez que cada uma dessas posições implica em ações e situações que poderão influenciar a formação e o desenvolvimento profissional do professor para a docência.

Trata-se de adotar o formato pai ou o formato ciência filha, conforme argumenta Michel Serres (2008), com implicações no estilo de pensamento estabelecido em um coletivo, conforme conexões epistemológicas implícitas nas argumentações de Ludwick Fleck (2010), ao tratar da gênese e desenvolvimento de um fato científico.

Assim, considerei decisivo, colocar a pesquisa em história da educação matemática, como centro da discussão e daí, analisar as posições das pesquisas dessa área de conhecimento, em relação ao problema dos seus objetos de pesquisa. Tal decisão foi tomada por mim, ao perceber a necessidade de se pensar a respeito da incorporação de diversos conceitos advindos de outras áreas de conhecimento, para fundamentar e dirigir as pesquisas em história da matemática, em suas três dimensões, como geradoras de criatividade, em práticas com pesquisa ou em pesquisas com práticas na formação e ação docente (MENDES, 2014).

Sobre os princípios teóricos sustentadores das pesquisas

Nos meios acadêmicos, relacionados à área de Educação Matemática, muito se tem discutido, acerca das tendências híbridas, nas quais, a pesquisa em História da Matemática tem se constituído nas últimas cinco décadas (1990 A 2018). Nos últimos vinte e cinco anos, meus estudos e pesquisas focaram na pesquisa em formatos de histórias que pudessem contribuir para o ensino da Matemática, com vistas à concretização e organização de métodos de ensino, cujas abordagens didáticas apostassem na formação de um estudante mais pensante, criativo e autônomo em seu processo intelectual.

Para avançar nas reflexões sobre a questão anterior, me apoio nas discussões estabelecidas por Maurice Caveing (2004), acerca da problemática dos objetos no pensamento matemático em sua historicidade. Para o autor, essa historicidade da matemática, pode ser evidenciada, na busca de compreensão da problemática da origem e na atenção dada pela história, em sua relação com uma ilusão do começo dos fatos, os movimentos de inovação, os autos movimentos e as críticas de interpretações a respeito do devir matemático.

Nessa direção, Caveing (2004, p. 49-50) considera que o privilégio epistemológico é também um privilégio histórico, porque foi durante a elaboração desse conhecimento, que a Matemática foi encontrando suas formas de organização representativa como pensamento, linguagem e prática, para compor seu acervo escrito sobre a organização do pensamento e das práticas matemáticas, em conexões teóricas, e cujo caráter manteve-se duradouro, de modo a permitir sua transmissão histórica, possibilitando, assim, o aumento da produção matemática, em sua universalidade, com característica de uma ciência teórica pura.

Para Caveing, quando se trata da historicidade da matemática, em geral, é permissível questionar a própria noção de facilidade. Sem dúvida, é verdade que a matemática, como um fato cultural, assim como na história da cultura intelectual e, portanto, das sociedades, contribui para a facticidade histórica, mas seria necessário elucidar seu modo de pertencer a esta história.

Em consequência dessa elucidação, um modelo didático investigatório para a matemática escolar emergiu de meus estudos, evidenciando a possibilidade de exercitar um ensino de matemática, que utilize a história da matemática, como um agente de cognição no ensino e na aprendizagem da matemática escolar5, ou como um mediador didático e conceitual6, nas aulas dessa disciplina. O sentido dado, tanto ao agente de cognição, quanto ao termo mediador didático e conceitual, diz respeito à necessidade de se tomar a história como uma possibilidade de dar aos estudantes, uma oportunidade de se desafiarem a estabelecerem um processo de criatividade Matemática, na sua aprendizagem diária, durante o processo educativo, mediado pelo professor (MENDES, 2006; 2007; 2009; 2015).

Com base nos estudos, ações e reflexões realizadas ao longo desse período, defendo como princípio prioritário da atuação docente em matemática, que uma abordagem didática investigatória nas aulas de matemática, apoiada nas informações históricas, pode contribuir na concretização de um ensino e de uma aprendizagem da matemática com significado, ao envolver situações históricas problematizadoras, que conduzam os estudantes, em busca de sua aprendizagem matemática. Trata-se, portanto, de uma pesquisa em história que oferece aportes didáticos para os professores e para os alunos.

Para sustentar a validade do princípio enunciado anteriormente, fundamento-me nas atividades desenvolvidas, durante a minha experiência docente na Educação Básica e Superior, na minha formação pessoal e profissional e nos resultados das minhas pesquisas realizadas desde 1995, cujos estudos, centraram-se nas relações entre história e educação matemática. Nesse sentido, destaco que, durante meu exercício da docência e pesquisa, foquei meus estudos, na construção de uma epistemologia que pudesse explicar o valor didático de uma abordagem de ensino, fundamentada no uso das informações conceituais, advindas da história da matemática, de modo que fosse possível utilizá-las pedagogicamente nas aulas de matemática.

A respeito dessa construção epistemológica, aprofundei minhas reflexões acerca da dimensão histórica, a ser incluída nas atividades didáticas, voltadas à matemática escolar. Esbocei, testei e reformulei atividades, apontei teorias sobre essa temática, com base nas minhas reflexões e exercícios dinâmicos de reorganização e reinvenção, que se ampliaram com a inclusão de princípios relacionados às epistemologias defendidas por autores, como Michel Serres (2008) e Bruno Latour (2000), dentre outros, que influenciaram meus focos de olhar para o processo de estabelecimento de uma dimensão histórico-cultural, para a matemática escolar.

Para descrever o início dessa trajetória epistemológica, considero necessário esclarecer uma questão interrogativa sobre o tema. Quando alguém se depara pela primeira vez com a expressão o uso da história para o ensino da matemática, quase sempre se confunde por pensar que se trata do uso de narrativas que se referem a datas, nomes, locais e feitos heroicos, relacionados à matemática, e muitas vezes, desvinculados dos conteúdos que os professores se propõem a ensinar a seus estudantes. No entanto, o que sempre procuro esclarecer é que, quando menciono o uso da história para o ensino da matemática, me refiro às explorações didáticas, da história das ideias produzidas, no tempo e no espaço e como, atualmente, elas podem ser refletidas na matemática que ensinamos. Portanto, essa configuração é uma das mais recorrentes na pesquisa brasileira sobre a temática.

No caso da prática que se denominou matemática, é possível considerar, que têm suas histórias contadas, registradas e validadas por quem fez ou faz essas histórias e por quem produziu tais matemáticas. Assim, é importante enfatizar, que se trata da história das ideias produzidas socialmente, de modo a caracterizar a matemática, produzida pelas sociedades ao longo do tempo e em múltiplos espaços socioculturais.

Contribuições das pesquisas realizadas no Brasil para a formação de professores de Matemática

Conforme já mencionei anteriormente, os estudos em história da matemática, história da educação matemática e história para o ensino da matemática, têm gerado importantes resultados que apontam novos caminhos e focos de abordagem didática para a melhoria do processo de formação e ação docente no ensino da matemática, de modo a poder contribuir na formação conceitual dos estudantes e na superação de obstáculos encontrados, na trajetória dos sujeitos da aprendizagem matemática, na educação básica. Particularmente, as análises realizadas por mim, a respeito das pesquisas sobre história, para o ensino da matemática no Brasil, demonstraram que há nos estudos realizados em dissertações e teses, uma ampla abrangência epistemológica, sociológica e pedagógica, permeada por diferentes linhas de abordagem, intimamente ligadas e que caracterizam os fundamentos e métodos de pesquisa utilizados nos grupos de pesquisa, de modo a caracterizar os estilos de pensamento e os coletivos de pensamento (FLECK, 2010), que são disseminados após as conclusões dos estudos pós-graduados, apontando a constituição genealógica adquirida nessa formação, possibilitando assim, ramificações e bifurcações dos formatos pai ou ciência filha, conforme assevera Serres (2008).

A esse respeito, é possível caracterizar o movimento científico/acadêmico, relacionado à história da educação matemática no Brasil, como um campo de pesquisa em busca de estruturação de um coletivo de pensamento, que começou sua germinação a partir de 1990 com as conclusões das primeiras dissertações e teses, seguindo com o surgimento de uma raiz mais evidente, em 1995 com a realização do 1º Seminário Nacional de História da Matemática I SNHM), no qual surgiram, as primeiras apresentações de resultados de pesquisas sobre essa temática, na Universidade Federal Rural de Pernambuco e se intensificou com o surgimento do tronco comum, fundado na criação da Sociedade Brasileira de História da Matemática (SBHMat), durante o III Seminário Nacional de História da Matemática, ocorrido em março de 1999, na cidade de Vitória, no Espírito Santo.

Portanto, a pesquisa deixou evidenciado que, foi somente a partir de 2001, durante a realização do IV SNHM, ocorrido em Natal (RN), que foram formalizadas diversas ações, relacionadas à valorização da produção sobre história para o ensino da matemática, por meio da promoção da produção impressa da primeira série de livros de minicursos, voltados para o uso da história da matemática, para o ensino da matemática, na modalidade de formação inicial e continuada dos professores de matemática, sob um enfoque conceitual e didático, cujo processo, originou a produção de nove livros relacionados a diversos assuntos referentes ao ensino de matemática escolar e suas histórias. Todavia, essas ações já haviam se iniciado em Recife/PE no I SNHM, com ausência em 1997 em Águas de São Pedro/SP, mas voltando em seguida com o II SNHM em Vitória/ES. Percebe-se que, mesmo sem a publicação de um livro efetivamente produzido para esse tipo de ação formativa, ocorrida nesses dois momentos antes da criação a SBHMat, a intenção já estava clara.

Pode-se considerar, portanto, que com a continuidade da produção desses livros nos seminários nacionais, promovidos pela SBHMat em 2003 (Rio Claro/SP), Brasília/DF (2005), Guarapuava/PR (2007), Belém/Pará (2009), Aracaju/SE (2011), Campinas/SP (2013), Natal/RN (2015) e Itajubá/MG (2017). Uma primeira verificação, deixou evidente que alguns dos livros de minicursos propostos, representavam estudos isolados, relacionados a essa temática, tal como, ocorriam no início na década de 1990, quando a área estava em processo de organização, e que se ampliou no decorrer dos anos, a partir do retorno de pesquisadores, que concluíram seus doutoramentos em outros países da Europa e dos Estados Unidos, e trouxeram para nosso país, um conjunto de princípios e métodos que contribuíram, com seus estudos e trabalhos seguintes, para se delinear essa área de estudos em nosso país.

Outros resultados de meus estudos e pesquisas, que estão relacionados a essa temática, enfatizaram sobre a genealogia dos grupos de estudos e pesquisas cadastrados no diretório do CNPq e suas relações com a organização de coletivos de pensamento e o surgimento de estilos de pensamento, que se disseminaram dentro dos próprios grupos, bem como, em suas ramificações e bifurcações, após a formação pós-graduada de pesquisadores em história da matemática, história da Educação Matemática e história para o ensino da Matemática.

Esse estudo sobre as genealogias dos grupos me mostrou de que maneira um processo similar ao que ocorreu com os pesquisadores que se pós-graduaram no exterior. Um tipo de mobilização de princípios e métodos está ocorrendo na formação de pesquisadores nessa área, mas com um destaque, para o fato de que a formação está sendo feita dentro do país, o que tem fortalecido essa área de estudos e pesquisas e ampliando a abrangência das discussões, de modo a inserir dimensões loco-regionais no trabalho de formação do professor, também fundamentada nos estudos sobre história da matemática e suas dimensões pedagógicas.

Considerações finais: contribuições para ações futuras

O que proponho para encaminhamento dos estudos sobre a constituição da pesquisa em História da Matemática, em suas dimensões epistemológicas, patrimoniais e pedagógicas, com vistas a suas inserções na escola e nas licenciaturas, neste momento, corresponde para mim, a uma meta profissional complementar, com relação às pesquisas que desenvolvi desde 2008, conforme já mencionei anteriormente, que é mostrar como o cenário histórico, epistemológico e pedagógico da área de História da Matemática se configurou no país, desde o início da década de 1990 e direcionou os estudos e pesquisas para a formação de profissionais nesta área, na promoção dos seminários nacionais de história da Matemática, na inserção do Brasil em eventos realizados em outros países, com o propósito de realizar um investimento longo na formação em pesquisa referente à história da Matemática e suas implicações para o ensino da Matemática, visando à melhoria do desenvolvimento conceitual e didático do professor em formação. É, portanto, com base nessas reflexões e perspectivas destacadas anteriormente, que apresento aqui meu objeto de estudo e o problema de pesquisa para os próximos quatro anos.

Como já mencionei anteriormente, os resultados obtidos em pesquisas anteriores, realizadas por mim entre 2011/2013 e 2014/2017, apontaram o avanço dos estudos e pesquisas em direção a uma produção epistemológica sobre história da Matemática e história da Educação Matemática em ramificação multiplicativa no Brasil, enquanto que as informações concernentes às relações teórico-práticas dessas pesquisas, com implicações nas práticas didáticas dos professores de Matemática em sala de aula, ainda não evidenciam o nível de crescimento de sua efetivação nas práticas dos professores em formação ou em ação nas escolas. Daí a necessidade de se investigar em que modos e sentidos as modalidades de abordagem histórica, propostas para uso didático nas aulas de Matemática, estão sendo produzidas por pesquisadores e educadores e até que ponto são utilizadas pelos professores de Matemática em suas aulas, nas escolas públicas da Educação Básica. Dessas indagações, pretendemos fazer uma análise epistemológica da produção gerada nas pesquisas da área, especificamente aquelas direcionadas ao ensino de Matemática, bem como, analisar em que níveis de abrangência as propostas metodológicas de ensino de Matemática, apoiadas nas informações históricas são contempladas nos livros didáticos adotados nas escolas do Brasil e de que modo os professores recebem essas produções advindas desses estudos, que são disseminados, principalmente, por incentivo da Sociedade Brasileira de História da Matemática (SBHMat).

Atualmente, organizamos um inventário da produção de teses, dissertações, livros, artigos, materiais didáticos e outras produções didáticas, relacionados à história da Matemática, visando tomá-lo como apoio à formação inicial e continuada de professores que ensinam Matemática. Para concretizar tal meta, classificamos e agrupamos todos os materiais levantados, para compor um inventário temático organizado, de acordo com as tendências enfatizadas nos materiais produzidos.

Posteriormente, organizaremos e disponibilizaremos à comunidade acadêmica, a produção organizada no inventário. Igualmente, estamos descrevendo os modelos teóricos advindos das pesquisas em história para o ensino da Matemática que estejam focalizados diretamente na formação didática do professor de Matemática, com base no uso das informações históricas.

Outra ação importante para a constituição do perfil da pesquisa brasileira é a análise pormenorizada das produções sobre história para o ensino de Matemática, geradas nos grupos de pesquisa do Brasil, que tratam dessa temática de pesquisa, como por exemplo, as publicações produzidas para os Seminários Nacionais de História da Matemática (SNHM), destinadas aos minicursos oferecidos no evento entre 2001 e 2017, considerando que essa modalidade de trabalho surgiu no IV SNHM, ocorrido em Natal/RN em 2001. Pretendemos ainda, produzir material informativo para os professores: na forma de bibliografia comentada e na forma de indicativos didáticos, para uso em sala de aula e organizar material digital, com base na pesquisa realizada e disponibilizar à comunidade acadêmica, em um espaço virtual de pesquisa e de interação, que denominamos Centro Virtual de Referência em pesquisa sobre História da Matemática.

Na fase atual, das pesquisas que estou realizando nessa temática, a organização das informações levantadas no material pesquisado, será tomada, parcialmente, como parâmetro para analisarmos as contribuições das pesquisas e da formação pós-graduada, que envolve estudos sobre história e epistemologia da matemática, história para o ensino de matemática história da educação matemática, em suas produções para o ensino de matemática no Brasil, a partir das produções levantadas e analisadas.

Os resultados que obtive até agora em minha pesquisa com meus orientandos, serão extremamente importantes para a comunidade de educadores matemáticos em geral, uma vez que, pretendo tomar a produção gerada na pesquisa para que a mesma se constitua em contribuições importantes, para que os pesquisadores em história da matemática e da educação matemática possam contar com um acervo de informações descritivas e analíticas sobre os produtos gerados nas pesquisas em história da matemática para o ensino da matemática no Brasil.

Referências

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SERRES, M. Ramos. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2008. [ Links ]

2As siglas HEpM, HEdM e HEsM foram criadas para melhor organizar os dados da pesquisa.

3Trata-se do projeto de pesquisa intitulado Cartografias da produção em História da Matemática no Brasil: um estudo centrado nas dissertações e teses defendidas entre 1990-2010. Pesquisa financiada pelo CNPq na modalidade de Bolsa Produtividade em Pesquisa, com vigência entre 2011 e 2013.

4Trata-se do projeto de pesquisa intitulado Grupos de Pesquisas em História da Educação Matemática do Brasil: Genealogias, Conexões e Difusões. Pesquisa financiada pelo CNPq na modalidade de Bolsa Produtividade em Pesquisa, com vigência entre 2014 e 2017.

5Essa noção conceitual originou-se de minha tese doutoral intitulada Ensino de matemática por atividades: uma aliança entre o construtivismo e a história da matemática, defendida em 2001 no PPGEd/UFRN, sob a orientação e John Andrew Fossa. Tal noção conceitual é ampliada em Mendes (2006, 2009; 2015), referenciadas no final deste artigo.

6A história da matemática como mediador didático e conceitual é uma noção conceitual que surge na ampliação de meus estudos sobre o uso da história para o ensino da matemática e que teve sua discussão ampliada na tese de doutorado intitulada Ateliês de História e pedagogia da Matemática: contribuições para a formação de professores que ensinam Matemática nos anos Iniciais, defendida por Lucia Helena Bezerra Ferreira, sob minha orientação no PPGEd/UFRN em 2011.

Recebido: 28 de Setembro de 2018; Aceito: 30 de Janeiro de 2019

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