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Revista Exitus

versión On-line ISSN 2237-9460

Rev. Exitus vol.9 no.4 Santarém oct./dic 2019  Epub 15-Mayo-2020

https://doi.org/10.24065/2237-9460.2019v9n4id1010 

Dossiê

(DES)ENCONTROS PARA UM CURRÍCULO AFROCENTRADO NO ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL TÉCNICA DE NÍVEL MÉDIO INTEGRADA AO ENSINO MÉDIO

(DES) MEETINGS FOR AN AFROCENTRATED CURRICULUM IN PORTUGUESE LANGUAGE EDUCATION IN AVERAGE EDUCATIONAL TECHNICAL EDUCATION INTEGRATED TO MIDDLE SCHOOL

(DES) ENCUENTROS PARA UN CURRICULUM AFROCENTRADO EN LA ENSEÑANZA DEL IDIOMA PORTUGUÉS EN LA EDUCACIÓN TÉCNICO PROFESIONAL INTEGRADA A LA ESCUELA MEDIA

Mariana Fernandes dos Santos1 
http://orcid.org/0000-0003-2296-3767

Flavio Biasutti Valadares2 
http://orcid.org/0000-0001-5399-6612

Yuri Miguel Macedo3 
http://orcid.org/0000-0003-0926-6553

1 Doutora em Ensino, Filosofia e História das Ciências (UFBA). Mestra em Estudo de Linguagens (UNEB). Docente do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia- IFBA, campus Eunápolis. E-mail: marianafernandes.ifba@gmail.com

2 Pós-doutorado em Letras (Estudos Lusófonos)/Universidade Presbiteriana Mackenzie-SP. Doutor em Língua Portuguesa/PUC-SP. Docente no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo- IFSP-campus São Paulo. E-mail: flaviovaladares2@gmail.com

3 Especialista em História e Cultura Afro-Brasileira. (Faculdade Vale do Cricaré, FVC, Brasil).Mestrando em Ensino e Relações Étnico-raciais. Professor Bolsista na Universidade do Estado da Bahia (UNEB)(CAPES). Pesquisador do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e indígenas - NEABI-UFES. E-mail: yuri.macedo@educador.sedu.es.gov.br


RESUMO

Os processos de construção dos currículos na educação brasileira, historicamente, têm como referência o centralismo epistemológico eurocêntrico e ocidental institucionalizado e naturalizado desconsiderando as diferenças culturais. No que concerne ao currículo da língua portuguesa nos diversos níveis de ensino, predomina o monolinguismo, monoculturalismo, referência literária colonialista, protagonismo de apenas uma etnia, purismo linguístico, entre outros aspectos que ocasionaram o racismo cultural, instaurando a normatização e limitação de sentidos e significados das práticas linguageiras no ensino de língua portuguesa na educação básica. Diante disso, vemos a importância de problematizações em torno dessa realidade, em especial, quando se trata da educação básica profissional (Ensino Médio Integrado ao Técnico), considerando a necessidade do enfrentamento que há contra as práticas educativas tecnicistas, consolidadas em muitas das instituições que ofertam esses cursos. Nessa perspectiva, neste artigo, nos ocupamos do objetivo de analisar como se constitui o currículo de Língua portuguesa (LP) no curso Ensino Médio Integrado ao Técnico em Informática do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia (IFBA), Campus Eunápolis, em relação à promoção da igualdade racial, tendo como referenciais teórico-metodológicos os estudos de base intercultural e de(s) colonial. Os resultados demonstram que o currículo de LP estudado não contempla nem mesmo o marco legal para promoção da igualdade racial. Nesse aspecto, ressaltamos a necessidade constante de problematizar os currículos escolares, considerando o paradigma da afrocentricidade como um caminho para via intercultural, de descolonização epistemológica, de descentralidade colonial e, ao mesmo tempo, a proposição de outras formas de vivências com as diferenças culturais.

Palavras-chave: Ensino de Língua Portuguesa; Descolonialidades; Afrocentricidade

ABSTRACT

The processes of building curricula in the Brazilian education historically have as reference the Eurocentric and Western epistemological centralism institutionalized and naturalized, disregarding cultural differences. As far as the curriculum of the Portuguese language is concerned at different levels of education, monolinguism, monoculturalism, colonialist literary reference, protagonism of only one ethnic group, linguistic purism, among other aspects that caused cultural racism, establishing normalization and limitation of senses and meanings of language practices in Portuguese language teaching in basic education. In view of this, we see the importance of problematizations around this reality, especially when it comes to basic professional education (Integrated Technical High School) considering the need to counteract the educational practices consolidated in many of the institutions that offer these courses. Thus, in this article we focus on the objective of analyzing how the Portuguese Language curriculum (LP) is built in the Integrated Secondary Education course at the Federal Institute of Education, Science and Technology of Bahia (IFBA), campus Eunápolis, in in relation to the promotion of racial equality, having as theoretical-methodological reference the studies of intercultural and colonial (s) basis. The results demonstrate that the LP curriculum studied does not even contemplate the legal framework for the promotion of racial equality. In view of this, we emphasize the constant need to problematize school curricula, considering the Afrocentricity paradigm as a path to intercultural pathways, epistemological decolonization, colonial decentralization and, at the same time, the proposition of other forms of experiences with cultural differences.

Keywords: Teaching of Portuguese Language; Discolonialities; Afrocentricity

RESUMEN

Los procesos de construcción de los currículos en la educación brasileña históricamente tienen como referencia el centralismo epistemológico eurocéntrico y occidental institucionalizado y naturalizado, desconsiderando las diferencias culturales. En cuanto al plan de estudios de la lengua portuguesa en los distintos niveles de la educación, el monolingüismo predominante, monoculturalismo de referencia literaria colonial, el papel de un solo purismo étnica, lingüística entre otras cosas que causaron el racismo cultural, estableciendo la regulación y limitación de los significados y significados de las prácticas lingüísticas en la enseñanza del idioma Inglés en la enseñanza primaria. En este sentido, se trata de la educación básica profesional (enseñanza media integrada a la técnica) considerando la necesidad del enfrentamiento que hay contra las prácticas educativas tecnicistas consolidadas en muchas de las instituciones que ofrecen estos cursos. Por lo tanto, en este artículo nos preocupa analizar cómo es el plan de estudios de idioma Inglés (LP) en el curso de la Escuela Integrada de la educación técnica en computación del Instituto Federal de Educación, Ciencia y Tecnología de Bahía (IFBA), Campus Eunápolis, en relación con la promoción de la igualdad racial, teniendo como referencial teórico-metodológico los estudios de base intercultural y colonial. Los resultados demuestran que el currículo de LP estudiado no contempla ni siquiera el marco legal para promover la igualdad racial. En este sentido, se resalta la necesidad constante de problematizar los currículos escolares, considerando el paradigma de la afrocentricidad como un camino hacia la vía intercultural, de descolonización epistemológica, de descentralidad colonial y al mismo tiempo, la proposición de otras formas de vivencias con las diferencias culturales.

Palabras clave: Enseñanza de Inglés; Descolonialidades; Afrocentricidad

Recriar uma sociedade é um esforço político, ético e artístico - é um ato de

conhecimento. Trabalho pacientemente impaciente, como diria Amílcar Cabral.

Paulo Freire, em “Por uma pedagogia da pergunta”.

PALAVRAS INICIAIS

A escola, em especial a pública, em uma perspectiva mais ampla, tem se configurado na contemporaneidade como um espaço complexo e desafiador para a promoção de uma educação que se proponha democrática. Quanto a isso, Bin (2012) nos alerta que a vivência democrática solicita uma forma diferente de interpretar o mundo e a vida, de maneira não autoritária e excludente, sobretudo porque protagoniza um aprendizado harmonioso da cidadania.

Nesses termos, educação escolar e não escolar têm sido convocadas a tratar sobre a diversidade cultural existente em sociedade e que reverbera nas instituições de ensino de diferentes níveis. Historicamente, na educação brasileira, o acesso ao processo de escolarização era restrito à elite branca da população, excluídos sistematicamente negros e índios (SANT’ANA; LOPES, 2015). Entretanto, nas últimas décadas, houve um significativo aumento do número de matrículas nas escolas do país, de sujeitos diversos.

Essa diversidade na sociedade adentra a escola, evidenciando diferenças culturais, epistemológicas e individuais, contudo, a instituição escolar, essencialmente excludente na sua história de concepção não tem correspondido no que tange à efetivação de uma convivência entre e com essas diferenças, ou seja, de maneira intercultural. Atrelado a isso, com o aumento da ocupação de vagas escolares, mesmo com as evidentes desigualdades estruturais e estruturantes em relação ao acesso à escolarização atualmente, a escola torna-se, mais do que nunca, um lugar heterogêneo e múltiplo nos aspectos físicos, étnico-raciais, religiosos, econômico, cognitivo, familiar, de gênero, entre outros.

Em meio a isso, muitos sujeitos sociais passam a reivindicar seus espaços não aceitando posições historicamente instituídas. Nessa via, urge a necessidade de protagonizar novas posições com vistas à legitimação e reconhecimento de outros povos, de outras formas de ensinar e de aprender. Nessa perspectiva, é “indispensável imaginar outras possibilidades de ser, de agir, de dialogar, de viver” (MOREIRA; SILVA JÚNIOR, 2016, p. 47) questionando então, o projeto posto de colonialidades que reflete nas práticas e na construção curricular escolar, nas diferentes áreas do conhecimento.

Justifica-se, dessa maneira, a necessidade de problematizar os currículos historicamente consolidados nos espaços escolares no centralismo epistemológico eurocêntrico e que silencia outros povos e outras formas de saberes. Em outros termos, refletir sobre o currículo envolve pautas tão relevantes, quanto imprescindíveis para uma investigação de aspectos subjetivos concernentes à concepção de currículo que temos instituído ao longo da história da educação brasileira e, a depender dos lugares que ocupamos, das visões e posições ideológicas a que aderimos, é possível direcionar e materializar um currículo que contemple ou não as normas das legislações educacionais e/ou protagonize a vida dos/as estudantes, suas habilidades e competências e suas narrativas.

Nesta esteira, no currículo da língua portuguesa, nos diferentes níveis de ensino, ocorre o predomínio do monolinguismo, monoculturalismo, referência literária colonialista como, clássica e canônica, protagonismo de apenas uma etnia, purismo linguístico, entre outros aspectos que fortaleceram/fortalecem o racismo cultural (GROSFOGUEL, 2011), instaurando a normatização e limitação de sentidos e significados das práticas linguageiras no ensino de língua portuguesa na educação básica. Diante disso, vemos a necessidade de problematizações em torno dessa realidade, em especial, quando se trata da educação básica profissional (Ensino Médio Integrado ao Técnico) considerando a importância do enfrentamento que há contra as práticas educativas tecnicistas, consolidadas em muitas das instituições que ofertam esses cursos.

Nesse contexto, focamos a discussão sobre afrocentricidade como possibilidade de construção de um currículo antirracista e menos colonial. Em relação ao conceito de afrocentricidade, Mazama (2009) afirma que os estudos referentes à afrocentricidade se originam em decorrência do processo de tomada da conscientização política e dos direitos civis da população negra, que se encontrava à margem dos processos históricos orientados pela experiência eurocêntrica. Nessa via, é urgente que se resgatem positivamente a presença negra em nossa sociedade, mas longe do olhar limitador do colonizador, que por vezes, creditou ao povo afro-brasileiro um status de cultura menor, “popular”, selvagem, bárbara, fetichista, folclorizada e inferior ao mundo europeu (SILVA, 2014).

Dessa forma, neste artigo, temos como objetivo analisar como se constitui o currículo de Língua portuguesa, do curso Ensino Médio Integrado em Informática, do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia (IFBA), Campus Eunápolis, em relação à promoção da igualdade racial, tendo como referenciais teórico-metodológicas, os estudos de base intercultural e de(s)colonial1, visando à reflexão e combate à perspectiva colonial do currículo escolar para a (re)construção de sentidos dos sujeitos sobre o mundo, as pessoas e as coisas, por meio de práticas linguageiras que se aproximem da realidade das/dos estudantes, apontando um plano prático conceitual e epistemológico que descolonize os currículos.

(DES)PENSAR A COLONIALDIADE DO CURRÍCULO DE LÍNGUA PORTUGUESA

Perspectivas contemporâneas que sinalizam descentramentos oriundos da discussão sobre “giro decolonial” (MIGNOLO, 2006) surgem como uma importante crítica às formas de colonialismo ainda preponderantes em diversos espaços. Essas discussões reverberam conceitos como “des-pensar” (SANTOS, 2010), “descolonizar o saber, o conhecimento e o poder” (QUIJANO, 2000; GROSFOGUEL, 2011a, 2011b), “desinventar as línguas” (MAKONI; PENNYCOOK, 2007).

Nesse aspecto, sob a ótica de Mignolo (2006), a problematização e a crítica às formas de colonialismo vigentes devem seguir processos de questionamento de verdades e certezas da modernidade em geral, além disso, níveis de colonialidade: “colonialidade do poder” (economia e política); “colonialidade do saber” (posicionamento epistêmico-filosófico-científico e visão da relação entre línguas e conhecimento); e “colonialidade do ser” (subjetividade e controle da sexualidade e dos papeis atribuídos aos gêneros), como explica o autor.

Diante disso, refletir sobre o ensino de línguas atrelado às políticas linguísticas é uma necessidade emergente, afinal a política linguística compreende o campo da política e é o instrumento pelo qual as leis e mudanças linguísticas são elaboradas, pensadas e efetivadas. A política linguística refere-se à “determinação das grandes decisões referentes às relações entre as línguas e a sociedade e à sua implementação” (CALVET, 2012, p. 11), a sua “transformação em realidade” (OLIVEIRA, 2005, p. 1). A política linguística é um conjunto de escolhas conscientes referentes às relações entre língua(s) e vida social, o planejamento linguístico que reflete diretamente nas escolhas que a escola faz nos respectivos currículos para o ensino de línguas, bem como nos documentos curriculares nacionais para esse fim.

Para Rajagopalan (2013), a política linguística deve ser planejada com vistas a atender realmente às necessidades da comunidade ou ao grupo a que se destina, intensificando a participação dos cidadãos nas escolhas e determinações linguísticas, permitindo que as avaliações quanto à viabilidade e necessidade decididas pelas autoridades, durante o planejamento linguístico, não sejam consideradas de maneira secundária, visto que, intervenção “significa então: trabalho conjunto com as comunidades linguísticas que conformam o país” (OLIVEIRA, 2005, p. 87).

Sob tal perspectiva, aludimos ao fato de que o currículo de Língua Portuguesa no Ensino Médio tem sido pautado nas gramáticas normativas tradicionais, nas quais, a língua é vista como um código estático, externo aos sujeitos e descontextualizada, em que a dicotomia do falar certo ou errado, do privilégio da norma culta em detrimento de outras variantes linguísticas, entre outros aspectos reducionistas da língua. Contudo, os estudos linguísticos, em especial da Linguística Aplicada (LA), vêm problematizando essa realidade, solicitando a tomada de rupturas no ensino e aprendizagem do português, considerando que o uso da linguagem implica a existência de sujeitos com identidades, histórias, narrativas, dotados de emoções, intenções e vivências, visto que a significação constroi-se na e pela enunciação, correspondendo a um processo de permanente negociação de sentidos (GERALDI, 1996).

Desse modo, salientamos o que Bohn (2013) e Duarte (2006) indiciam no sentido de nos distanciarmos das normatizações, dos enquadres compulsórios, dos modelos impostos por uma educação economicista pautada pelo lucro e pelo bem-estar do Estado e, particularmente, pelo exercício do poder sobre as mentes e os corpos dos estudantes, tão a gosto da perspectiva escolanovista, que tanto prejudicam o processo de aprendizagem da língua que utilizamos no Brasil.

Nesse ponto, é importante destacarmos que paira na construção do currículo de ensino de Língua Portuguesa (LP), um discurso monolíngue instituído pelo eurocentrismo ocidental consolidado no século XVIII. Em vertente foucaultiana, esse seria um discurso que se baseia apenas em uma mesma formação discursiva, criando sentidos que produzem determinados efeitos de verdades (FOUCAULT, 2008). Isso muito tem constituído os currículos formativos dos cursos de Letras no Brasil (ZOLIN-VESZ; JESUS, 2007) e refletido na postura e ação docente na educação básica, bem como na construção dos currículos de LP nesses níveis de ensino.

A concepção de que uma língua serve, principalmente, para comunicar, perdura sobre o próprio conceito de comunicação - para que seja eficiente e bem-sucedida, uma língua comum, com normas compartilhadas, deve ser empregada - tem contribuído de maneira determinante para a construção da conjectura, de que um texto deve ser escrito (ou falado - grifo nosso) em apenas uma língua (CANAGARAJAH, 2013).

Essa visão amparada no discurso monolíngue “concorre para a manutenção da concepção de língua como um conceito monocêntrico, demarcando-a como um sistema único, separando inclusive geograficamente de outras línguas, o que determina a eficácia da comunicação” (ZOLIN-VESZ; SANTOS, 2017, p. 79-80). Esse monolinguísmo está presente nos currículos de LP.

Aqui, cabe indicar que currículo, numa visão dos estudos dos gêneros discursivos/textuais, é um gênero secundário oriundo de outros gêneros (BAKHTIN, 1997); em função disso, muitos gêneros funcionam com muitas vozes, diante dos interesses e relações de poder que constituem o currículo escolar. Apesar da polifonia existente no currículo, predomina um discurso monolíngue dos que historicamente detêm o poder.

Em sua etimologia, currículo é uma palavra de origem latina, curriculum, e que inicialmente era um substantivo derivado do verbo currere (correr), o que apontava para a ideia de mobilidade. Segundo Saraiva (2000), curriculum em Roma designava “lugar onde se corre”, sentido esse, que vem se modificando, em decorrência de os sentidos serem sócio-historicamente construídos (BAKHTIN, 1997). A atual noção de currículo, entretanto, é justamente oposta. Alude à falta de mobilidade, ou seja, constitui um conceito que deixou de correr livremente por espaços sociais abertos para, em outra direção, restringir e aprisionar determinados saberes (CARVALHO; CASTRO, 2017).

Nesse ponto, as discussões de Bakhtin (1997), relacionadas à filosofia da linguagem, têm contribuído de forma importante para as rupturas, ao postular uma concepção de linguagem dialógica, enunciativa e interacionista a partir da fala, em que se destacam aspectos axiológicos e éticos. Bohn (2013) assim explica a respeito disso:

Estabelece-se uma autoria indisfarçável, uma singularidade de criação de sentidos irrepetíveis que exige uma resposta do interlocutor. A enunciação gera uma responsividade compulsória que entra numa interação dialógica com a historicidade de vozes que constituem os interlocutores. Com isso, prioriza-se o singular em vez do universal, o evento, o individual, a vida, em oposição ao sistemático, à estrutura (BOHN, 2013, p. 87).

Essas postulações bakhtinianas atreladas aos estudos dos letramentos e da Linguística Aplicada (LA) têm sido importantes meios para um repensar da formação docente e para o ensino de línguas. No caso da LA, os estudos indentitários, bem demarcados nos escritos de Moita Lopes e Bastos (2010), questionam as diferenças marcadas e determinadas entre as identidades, com um único espaço entre elas, focadas em binarismos fechados, homogeneizados e delineados sobre quem somos e linguagens de significados permanentes. Como observa Bohn (2013),

Por que, apesar dos extremismos religiosos, da luta desesperada de sobrevivência de etnias ameaçadas pela globalização, não procuramos os entrecruzamentos, a mistura, a mudança, hibridez constitutiva das culturas e das línguas num mundo orientado para a diversidade e a multiculturalidade? Percebo algumas das tensões entre os atores da sala como fruto da rigidez epistemológica das ciências, de uma educação alinhada com o poder, em vez de caminharmos para a emancipação de uma teoria crítica (BOHN, 2013, p. 89-90).

Um importante caminho para uma educação emancipatória é o paradigma da afrocentricidade para a construção dos currículos, que Molefi Asante postulou na década de 1980. Nogueira (2010) afirma que as raízes mais profundas da afrocentricidade estão localizadas no projeto político pan-africanista, formulado a partir do século XIX, além dos estudos pós-colonialistas e da nítida inspiração de teorias e ativismo social pelos direitos civis dos anos de 1960, nos Estados Unidos da América. Nesse sentido, Rabaka (2009) explicita:

Em certa medida, a afrocentricidade conta com um vasto legado de diversas(os) autoras(es) e muitos ativistas como Marcus Garvey, “W.E.B. Dubois, Anna Julia Cooper, Cheikh Anta Diop (...) Franz Fanon (...) Kwame Nkrumah, Malcom X, Amilcar Cabral, 2009, p. 131).Walter Rodney, Ella Baker e Maulana Karenga” (RABAKA,

Nogueira (2010) aponta também que os primeiros trabalhos de Asante relacionados à ideia afrocêntrica são: Afrocentricidade (1980), Ideia afrocêntrica (1987) e Kemet, afrocentricidade e conhecimento (1990). Para Asante (2009, p. 93), a “afrocentricidade é um tipo de pensamento, prática e perspectiva que percebe os africanos como sujeitos e agentes de fenômenos atuando sobre sua própria imagem cultural e de acordo com seus próprios interesses humanos”.

Nogueira (2010) indica que, entre os diversos elementos constitutivos da afrocentricidade, está a “localização” e explica que afrocentricidade consiste em um paradigma, em um referencial prático e conceitual epistêmico e também num método que procura encarar quaisquer fenômenos por meio de uma devida localização, promovendo a agência dos povos africanos em prol da liberdade humana.

Tendo como referência Asante, ele afirma que pensar um currículo afro referenciado é uma tomada de decisão de protagonizar a cultura e história africana como referencial de todas as atividades. Trata-se, segundo ele, “de uma ideia fundamentalmente perspectivista” (Asante, 2009, p. 96), sem relação com qualquer tipo de fundamentalismo, etnocentrismo ou visão reducionista e nem muito menos tem a ver com religião.

Alinhados à concepção de currículo como construção social (GOODSON, 1995) e às identidades como movimento híbrido na concepção de Hall (2011), trazemos a Pretagogia para essa discussão, como mais uma possibilidade de afro referenciar um currículo. Petit (2015) nos apresenta os princípios da Pretagogia que tem como base a cosmovisão africana embasada em autores como Bâ (1982), Munanga (2009), Oliveira (2006) dentre outros e outras.

Entre os princípios, temos o auto reconhecer-se afrodescendente, assumindo uma postura auto afirmativa e lembrando sempre a importância da raiz africana para nossa constituição como pessoa. A apropriação da ancestralidade é outro princípio, considerando que fazemos parte de linhagens que envolvem os antepassados e os mortos. Isso implica, segundo a autora, valorizar os antepassados, a história dos mais velhos e o aprendizado dos seus ensinamentos, é ainda o que nos fornece uma identidade coletiva, propiciando um sentimento de pertencimento.

A religiosidade de matriz africana no referencial da Pretagogia se institui como base e entrelaçamento de todos os saberes e de todas as dimensões do conhecimento, gerando uma forma de pensar, de estar e de agir no mundo, marcada pela fé inquebrantável na força vital que perpassa o universo (axé). Outro princípio é o reconhecimento da sacralidade como dimensão que perpassa todos os saberes das culturas de matriz africana, levando a uma postura de identificação, respeito e espiritualidade para com a natureza: “[...] afinal, o que dá identidade a um grupo são as marcas que ele imprime na terra, nas árvores, nos rios” (SODRÉ, 1988, p. 22).

Petit(2015) apresenta o corpo como fonte primária de conhecimento e produtor de saberes, altar espiritual que faz parte do território natureza, sendo ele elemento da sacralidade; a tradição oral valorizando o conhecimento que é repassado de modo transversal por meio da oralidade, da vivência e da experiência e por todas as formas de falar e vibração dos seres da natureza.

A autora trata também do princípio de circularidade na relação entre os seres, os tempos e as coisas, a interconectividade do ethos ubuntu reforça esse princípio, afirmando a relação comunitária que nos perpassa, pois nas palavras de (LOUW, 2010), uma pessoa é uma pessoa por meio de outras pessoas. A pretagogia de Petit trata sobre o entendimento da noção de território como espaço-tempo socialmente construído e perpassado da história de várias gerações e formado por uma complexa rede de relações sociais, espaço este perpassado de sacralidade; a compreensão do lugar social historicamente atribuído ao negro, marcado pelo racismo estrutural, o que nos exige posturas de desconstrução do estigma forjado secularmente (PETIT, 2015).

Nessa esteira, acreditamos que a efetivação de uma educação igualitária questione e enfrente os postulados vigentes na construção curricular na escola, e que isso seja uma constante, pois os saberes produzidos pelos nossos ancentrais e os Movimentos Sociais, ainda se fazem ausentes nas políticas curriculares e educacionais (GOMES, 2008).

A CONSTITUIÇÃO DO CURRÍCULO DE LÍNGUA PORTUGUESA NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL TÉCNICA DE NÍVEL MÉDIO INTEGRADA AO ENSINO MÉDIO

Com a ampliação das instituições de ensino técnico e tecnológico (os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia), a Educação Profissional e Tecnológica (EPT) tornou-se o foco das atenções no país, especialmente pelo fato de um dos propósitos na criação dos institutos ser a oferta de uma ''formação profissional e tecnológica plena na perspectiva de uma inclusão social emancipatória'' (MOLL, 2010, p. 19).

No que concerne ao ensino técnico, a ''integração'' deste com o ensino médio, estabelecida a partir do Decreto nº 5.154, de 23 de julho de 2004, visa à potencialização de uma sociedade justa (FRIGOTTO et al, 2005). Em meio a isso, a Lei nº 11.892, de 29 de dezembro de 2008, que cria os Institutos Federais, prevê a oferta de, no mínimo, 50% de suas vagas para a educação profissional técnica de nível médio, prioritariamente, na forma de cursos integrados.

Os Institutos Federais figuram como uma instituição de Ensino Superior, equiparada às Universidades, com atribuições que articulam “educação superior, básica e profissional, pluricurricular e multicampi, especializada na oferta da educação profissional e tecnológica em diferentes níveis e modalidades de ensino” (BRASIL, 2010, p. 18).

O componente curricular Língua Portuguesa na educação profissional integrada de nível médio, nos Institutos Federais funciona como componente do núcleo comum, sendo que, em alguns cursos, ela possui uma carga horária maior ou menor diante das escolhas curriculares do processo formativo. Um dos grandes desafios da educação profissional nos Institutos Federais é efetivar, de maneira integrada, as disciplinas do núcleo comum com as disciplinas da área técnica. Nesse aspecto, é importante ressaltar, como indicia Ciavatta (2005, p. 85), que

a ideia de formação integrada sugere superar o ser humano dividido historicamente pela divisão social do trabalho entre a ação de executar e a ação de pensar, dirigir ou planejar. Trata-se de superar a redução da preparação para o trabalho ao seu aspecto operacional, simplificado, escoimado dos conhecimentos que estão na sua gênese científico-tecnológica e na sua apropriação histórico-social. Como formação humana, o que se busca é garantir ao adolescente, ao jovem e ao adulto trabalhador o direito a uma formação completa para a leitura do mundo e para a atuação como cidadão pertencente a um país, integrado dignamente à sua sociedade política. Formação que, nesse sentido, supõe a compreensão das relações sociais subjacentes a todos os fenômenos (CIAVATTA, 2005, p. 85).

A língua portuguesa é um componente objeto de estudo e de ensino dos dois primeiros autores deste artigo, ambos docentes e pesquisadores dos institutos e parceiros em pesquisas que envolvem os cursos do ensino médio integrado do IFBA e IFSP. No caso específico do estudo que resultou neste trabalho, tivemos a participação de um colega pesquisador do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e indígenas - NEABI, da Universidade Federal do Espírito Santo, uma parceria que muito contribuiu para diferentes leituras sobre o currículo de LP no curso Técnico de Informática Integrado ao Médio do IFBA, Campus Eunápolis.

A escolha do curso de informática se deu por conta da primeira autora atuar como docente já há algum tempo no IFBA, no Campus Eunápolis, onde está sua lotação funcional. Essa vivência no curso tem provocado reflexões e inquietações por parte da docente em relação ao currículo que se apresenta para o determinado curso. Inquietações que geraram pesquisas envolvendo os dois institutos citados, mas que, para esse trabalho, o recorte feito apresenta os resultados relacionados ao currículo de LP no que tange às questões da diferença e da promoção da igualdade racial. Mobilizamos as teorias discutidas até aqui para realização das análises da ementa do curso nos quatros anos, bem como da bibliografia referente a cada ementa.

Apesar de não focarmos na análise de todas as partes do projeto, entendemos ser pertinente observar o perfl do egresso, pois esse é um sul para compreendermos muitos outros aspectos que os currículos dos componentes trazem. O PPC traz o seguinte texto sobre o perfil profissional:

O profissional concluinte do Curso Técnico em Informática da Educação Profissional Técnica de Nível Médio na modalidade Integrada precisa estar capacitado a interpretar as necessidades do usuário, especificar adequadamente os Sistemas de Informação a ser desenvolvido, instalar e manter os sistemas dentro dos padrões de qualidade aceitáveis. O perfil de conclusão a ser alcançado no Curso Técnico em Informática é voltado principalmente para área do desenvolvimento de sistemas de informação das organizações em geral. A computação para esse profissional é, essencialmente, atividade-meio, atuando como profissional de desenvolvimento e suporte de sistemas, responsável pelo desenvolvimento de aplicações e de sistemas de banco de dados. O profissional pode atuar como consultor independente ou pode fazer parte de equipes técnicas em organizações de diversos tipos, sejam elas de pequeno, médio e grande porte. (PPC do curso Técnico em Informática Integrado ao Médio, 2010, p. 13).

É possível afirmarmos que, no projeto, apesar de ser mencionada a integração que deve existir no curso, não figura refletida no perfil do concluinte, sendo o foco apenas na formação técnica e no mercado de trabalho. Não há menção no perfil sobre o mundo do trabalho e nem na formação curricular das disciplinas do núcleo comum ou na articulação formativa da área técnica com o núcleo comum. Tudo isso demonstra a dificuldade que ainda há nos institutos em efetivar a formação curricular integrada e interdisciplinar, com vistas à inclusão social emancipatória dos sujeitos, propostas para os IFs.

Constatamos que as ementas de língua portuguesa do primeiro ao quarto ano (figuras 1, 2, 3 e 4), do projeto de curso atualizado em 2010, disponível no site oficial do campus2 apresentam os conteúdos conceituais contemplando um trabalho articulado entre as três áreas do ensino de LP (Prática textual, Literaturas e Análise linguística). Referimos-nos à análise linguística por percebermos o uso da palavra “Erro” com as aspas e a obra “Preconceito linguístico” do linguista Marcos Bagno, o que sinaliza uma preocupação com a variação linguística, ainda que a referência utilizada não esteja ancorada em estudos variacionistas mais efetivos.

Apesar da Lei nº 10.639/2003, o projeto não faz menção alguma à população negra na parte da LP, uma problemática que sinaliza a ausência de compromisso com essa população, considerando que o projeto foi atualizado no ano de 2010. A Lei 10639/03 foi de fato a primeira forma de enfrentamento oficial ao racismo no âmbito educacional, uma vez que, ao alterar a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional-LDBEN, determinou que as instituições escolares introduzissem no currículo de todos os níveis de educação o ensino sobre História e Culturas Afro-brasileiras e Africanas.

Esse é resultado de um longo processo histórico de lutas dos movimentos negros, que se fortaleceram ao longo do tempo, principalmente a partir da criação da Frente Negra Brasileira, em 1931, e de outros grupos de resistência interessados em buscar equidade social e racial.

Esse marco legal possui um relevante dialogismo com todas essas vozes que reivindicavam, há muito tempo, a valorização da população negra e da cultura e memória de seus ancestrais (CAETANO, 2013) contribuindo para uma educação antirracista, uma vez que procura democratizar o processo de ensino por meio da incorporação e valorização de aspectos dos vários grupos socioculturais presentes no mundo escolar, assim como enfrentar ações e ideias racistas. O mesmo se aplica à Lei nº 11.645, que alterou a Lei nº 10.639/2003, por ter incorporado a valorização da cultura afro-brasileira, a história e a cultura dos povos indígenas.

É possível afirmarmos também que, na parte dos conteúdos literários, seja possível contar outra história sobre o período colonial que não configure os colonizadores como centro, mas sim, a população negra e indígena como sujeitos protagonistas, principalmente por meio de escritores e escritoras marginalizados, silenciados e invizibilizados na história, entretanto o fato de isso não estar posto de modo explícito nas ementas de nenhum dos quatros anos acaba por se tornar uma ação facultativa ao docente, o que não deveria acontecer.

As Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações Étnico Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana (2004) nos convocam a refletir sobre a importância de conhecimento e vivência com povos diferentes de maneira positiva, visto que consta no documento que a educação das relações étnico-raciais impõe aprendizagens entre brancos e negros, trocas de conhecimentos, quebra de desconfianças, projeto conjunto para construção de uma sociedade, justa, igual, equânime (BRASIL, 2004).

Dispomos neste artigo da bibliografia apenas do primeiro ano, já que ela se repete nas ementas dos outros anos. Do que analisamos, nas indicações bibliográficas, não há referência de autoras/es não brancos, o foco das ementas é em uma literatura acadêmica, muito voltada para o ensino superior e para a formação docente em Letras.

Praticamente não há indicação de obras didáticas para a formação dos estudantes da faixa etária e nível de ensino em questão, contrariando, inclusive, o que preceituam os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio - PCNEM, restando apenas, quanto aos PCNEM, algumas inferências sobre diversidade cultural, mas que também não garante a participação das diferentes etnias no currículo de LP.

As competências e habilidades apresentadas nas quatro ementas apenas fazem referências às questões conceituais do currículo, não é mencionado sobre questões que envolvam diretamente as relações racias.

Fonte: Projeto de curso Técnico Integrado em informática-IFBA-Eunápolis.

FIGURA 1 Ementa do 1º ano do Curso Técnico em Informática Integrado ao Ensino Médio do IFBA-Eunápolis 

Ainda sobre os PCNs, é importante ressaltarmos que, apesar das contribuições em relação a uma nova perspectiva de ensino de língua portuguesa para o ensino médio, há uma visão monolíngue nessas orientações curriculares nacionais que vem se repetindo, mesmo diante das suas atualizações, como ocorre na Base Nacional Curricular Comum atual. Esses documentos muito contribuem para o suleamento das ações pedagógicas nas escolas, mas é necessário saber que são parâmetros e não determinantes, ao mesmo tempo, como são documentos oficiais e representativos do Ministério da Educação, deveriam ser indutores da visibilidade da diversidade cultural em seus mais diversos aspectos.

As ementas do curso se debruçam no foco da escrita, um viés eurocêntrico que desconsidera no currículo a tradição oral que valoriza o conhecimento que é repassado de modo transversal por meio da oralidade, da vivência e da experiência e por todas as formas de falar e vibração dos seres da natureza (PETIT, 2015). Como ressalta Bâ (1997):

Entre as nações modernas, onde a escrita tem precedência sobre a oralidade, onde o livro constitui o principal veículo da herança cultural, durante muito tempo julgou-se que povos sem escrita eram povos sem cultura. Felizmente, esse conceito infundado começou a desmoronar (Bâ, 1997, p.1).

Fonte: Projeto do curso Técnico Integrado em Informática-IFBA-Eunápolis.

FIGURA 2 Bibliografia do 1º ano do Curso Técnico em Informática Integrado ao Ensino Médio do IFBA- Eunápolis 

Bâ (1977) vai ao encontro da nossa reflexão, explicitando as nossas origens de supervalorização à escrita, em detrimento da oralidade que se reflete em nossos currículos escolares, de maneira que muitas vezes as atividades escritas nas práticas pedagógicas têm peso avaliativo maior que as orais.

Fonte: Projeto do curso Técnico Integrado em Informática-IFBA-Eunápolis.

FIGURA 3 Ementa do 2º ano do curso técnico em informática integrado ao ensino médio do IFBA-Eunápolis. 

Nogueira (2010) propõe a retomada de um currículo para o ensino de línguas via debate sobre os conflitos de linguagens, os processos de colonização e transposição das línguas europeias para os países africanos. Indica que sejam problematizadas a noção de “dialeto”, uma designação discriminatória e eurocêntrica que desumaniza os povos africanos, negando o estatuto de língua para idiomas como Yorubá, Swahili, Tonga, Quimbundo, Benguela, entre tantas outras existentes e menosprezadas.

O mesmo autor ainda indica a leitura da tradição griot, situando o papel da palavra e aponta para a possibilidade de articular língua oral e língua escrita, buscando avaliá-las sem hierarquizações. Afinal, nada prova, a priori, “que a escrita resulta em um relato da realidade mais fidedigno do que o testemunho oral transmitido de geração a geração” (BÂ, 1977, p. 1).

Recuperar por meio de textos literários e de diversos gêneros os contextos africanos e afrodiaspóricos e suas diversas significações, buscando o imaginário e o patrimônio legado por autoras e autores afro-perspectivistas (permeados ou constituídos por pontos de vista de matriz africana). Enfim, explorar relações entre a oralitura e a literatura. Outra questão relevante nesta grande área está no debate do sexismo e racismo linguístico, desnaturalizando o significado das palavras e apontando suas construções históricas e sociais. Por exemplo, a palavra “denegrir” deveria significar, apenas, se tornar negra e negro; mas, o caráter social da significação imerso dentro de um imaginário e modelo societário racistas carregam o termo de sentidos pejorativos. É neste sentido que o termo “enegrecimento” pode ser reinventado e usado como sinônimo de intensificação da compreensão ao longo deste texto. Ou seja, identificar enegrecer (NOGUEIRA, 2010, p. 8).

Fonte: Projeto do curso Técnico Integrado em Informática-IFBA-Eunápolis.

FIGURA 4 Ementa do 3º ano do Curso Técnico em Informática Integrado ao Ensino Médio do IFBA-Eunápolis 

É importante enfatizarmos que o Ministério da Educação tem papel responsável segundo o Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações Etnicorraciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana que está na via da Resolução 001/2004 do CNE, que instituiu as Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações Etnicorraciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana em junho de 2009.

O documento citado reverbera que, no currículo de todos os componentes, devem constar conteúdos de História e Cultura Afro-brasileira e Africana; a indicação das disciplinas de História, Educação Artística, Língua Portuguesa e Literatura Brasileira não significa a exclusividade disciplinar delas no processo de combate ao racismo antinegro no sistema educacional brasileiro, ao contrário essa deve ser uma ação transversal em todas as áreas.

O documento evidencia, ainda, que todos os Níveis de Educação (Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio) e Modalidades de Ensino (Educação de Jovens e Adultas (os) e Educação Tecnológica e Formação Profissional) devem caminhar ao encontro da Lei 10639/03 e da Lei 11645/08, que dá a mesma orientação quanto à temática indígena.

Fonte: Projeto do curso Técnico Integrado em Informática-IFBA-Eunápolis.

FIGURA 4 Ementa do 4º ano do Curso Técnico em Informática Integrado ao Ensino Médio do IFBA-Eunápolis 

Mesmo que não represente um ensino prescritivo de LP, o currículo proposto para o Curso Técnico em Informática Integrado ao Ensino Médio não se apresenta como meio para erradicar preconceitos e desconstruir ideologias reacionárias, provocando mudanças por meio das práticas sociais de linguagem, ou ainda de contemplar diferentes identidades (MOITA LOPES, 2013; HALL, 2011) e letramentos (KLEIMAN, 2007) - e não somente o escolar, com vistas à promoção da igualdade racial por meio de um currículo afro referenciado que contemple, em sua bibliografia, autoras e autores africanos.

Para além, que possa tratar da literatura de África, africana e afro-brasileiras, que relacione e problematize as línguas ancestrais em relação às línguas coloniais e que possamos estabelecer uma interação, em lugar de um ensinamento cuja hierarquia insiste em determinar um “dono” para a língua e todas as dimensões que ela envolve em nosso cotidiano de uso, na relação com a língua falada no Brasil e em seus usos nos mais diversos ambientes formais e informais da sociedade.

Assim, a ideia de que se possa oportunizar nas escolas o conhecimento da tradição oral, outras narrativas, outros discursos, perpassa noções muito caras aos que tiveram/têm/terão suas culturas massacradas por uma ideologia que combate a diferença, ou seja, precisamos (des)constituir e (des)construir o discurso monolíngue do colonizador para que ele não seja mais a única história contada.

POR UMA EDUCAÇÃO LINGUÍSTICA AFROCENTRADA

Para este artigo, observadas as limitações que o gênero textual contempla, realizamos uma problematização sobre o currículo de Língua Portuguesa no curso do Ensino Médio Integrado ao Técnico em Informática, do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia(IFBA), Campus Eunápolis, em relação à promoção da igualdade racial.

Uma das principais contribuições deste texto é demonstrar alguns subsídios teóricos e conceituais em prol do enriquecimento do debate sobre educação e diversidade etnicorracial, trazendo a agenda afro centrada para uma educação antirracista e para o centro da construção dos currículos de Língua Portuguesa, não mais a portuguesa, no Ensino Médio.

Uma proposta de educação que combata o racismo antinegro na sociedade brasileira pode ampliar as possibilidades de aprendizagem com a inclusão da leitura de autoras e autores afro centrados, diante do fato de viabilizar a representatividade de muitos/as estudantes que se sentem silenciados ou invizibilizados. Contudo, do que podemos constatar com as análises é que o currículo de LP no curso estudado ainda se inscreve em uma perspectiva descentrada e decolonial, visto que nem mesmo a integração curricular é posta como indutora, de fato, como deveria ser.

Apesar disso, as resistências à afrocentricidade não devem ser desconsideradas, mas repensadas. Charles Finch III (2008) de forma sistemática traz contribuições enegrecedoras necessárias sobre fundamentos africanos na antiguidade da ciência médica, além de estudos comparativos entre mito, religião e antropologia: “É importante sublinhar que os rumos da afrocentricidade estão abertos e que os caminhos até agora explorados são pontos de partida; não a linha de chegada” (NOGUERA, 2010, p.13).

Nessa esteira, ainda referenciando o autor citado acima, é emergencial lembrar que o projeto moderno se manteve fiel à ideia de que dominar e controlar o meio ambiente compõe o papel da humanidade. Dito de outro modo, o conhecimento, numa perspectiva moderna e ocidental hegemônica, deve ser produzido em função deste domínio, aprender para controlar, explorar o meio.

Por conta disso, a ausência de um currículo de LP representado para a justiça e igualdade social não deve ser recurso para culpabilizar os sujeitos envolvidos no processo, mas de pautar debates para um (re)pensar a caminho de um movimento que se ocupe pelo menos da obediência à legislação específica do Ensino de História e Cultura Afro-brasileira na rede regular de educação, por exemplo, e entender que isso requer uma ampliação no plano conceitual e epistemológico do que significa construir um currículo sob a perspectiva racial, considerando, ainda, para todas as áreas de conhecimento, as epistemologias africanas afrocentradas (como a Pretagogia) que potencializam a descolonização deste artefato cultural e, em sua prática, garantam o reconhecimento dos diferentes sujeitos com suas vidas social e cultural, sua/nossa história e narrativas.

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1Apesar de sabermos da diferença que há entre decolonial e desclonial, neste trabalho a nossa reflexão perpassa pelas as duas reflexões.

2http://portal.ifba.edu.br/eunapolis/curso-de-informatica , acesso em 03 de abril de 2019.

Recebido: 06 de Fevereiro de 2019; Aceito: 26 de Agosto de 2019

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