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Revista Exitus

versión On-line ISSN 2237-9460

Rev. Exitus vol.9 no.4 Santarém oct./dic 2019  Epub 15-Mayo-2020

https://doi.org/10.24065/2237-9460.2019v9n4id1025 

Artigos

AVALIAÇÃO EXTERNA: conceitos, significados e tensões

EXTERNAL EVALUATION: concepts, meanings and tensions

EVALUACIÓN EXTERNA: conceptos, significados y tensiones

Luziane Said Cometti Lélis1 
http://orcid.org/0000-0002-7870-9023

Dinair Leal da Hora2 
http://orcid.org/0000-0002-3278-3914

1Mestre em Currículo e Gestão da Escola Básica pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Coordenadora Pedagógica na Secretaria Municipal de Educação de Belém (SEMEC) e professora da Educação Básica na Secretaria Estadual de Educação do Pará (SEDUC). E-mail: luziane.bim@gmail.com

2Doutora em Educação pela Universidade de Campinas (UNICAMP). Professora Adjunta da Universidade Federal do Pará (UFPA) - Campus de Abaetetuba e professora Permanente do Programa de Pós-Graduação em Currículo e Gestão da Escola Básica (PPEB/UFPA) e do Doutorado em Rede em Educação na Amazônia. E-mail: tucupi@uol.com.br


RESUMO

O estudo discute a relação existente entre a avaliação externa e a prática pedagógica, as compreensões adquiridas pelos profissionais que atuam no ambiente escolar, as apropriações dos resultados, as tensões e as estratégias utilizadas para a melhoria do ensino. As significações construídas a respeito da avaliação externa são provenientes de revisão bibliográfica e pesquisa de campo realizada em uma escola pública municipal de Belém/PA. As análises acerca dos resultados indicam dois movimentos/posicionamentos concomitantes: o dos gestores pedagógicos, que não privilegiam os resultados dos testes externos e nem o índice de qualidade nacional na realização da organização do trabalho pedagógico; e o dos professores que estão modificando “naturalmente” seus fazeres em busca de resultados preconizados pelo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB).

Palavras-chave: Avaliação externa; Prática pedagógica; Regulação; Responsabilização

ABSTRACT

This study discusses the relationship between external evaluation and pedagogical practice, the understandings acquired by professionals working in the school environment, appropriations of results, tensions and strategies used to improve teaching. The meanings built with respect to external evaluation come from bibliographic review and field research carried out at a municipal public school in Belém/PA. The analyzes of the results indicate two concomitant movements/ positions that of the pedagogical managers who do not favor the results of the external tests, nor the national quality index in the organization of the pedagogical work; and that of the teachers who are "naturally" modifying their work in search of results recommended by the Basic Education Development Index (IDEB).

Keywords: External evaluation; Pedagogical practice; Regulation; Accountability

RESUMEN

El estudio discute la relación existente entre la evaluación externa y la práctica pedagógica, las comprensiones adquiridas por los profesionales que actúan en el ambiente escolar, las apropiaciones de los resultados, las tensiones y las estrategias utilizadas para la mejora de la enseñanza. Las significaciones construidas con respecto a la evaluación externa proceden de revisión bibliográfica e investigación de campo realizada en una escuela pública municipal de Belém/PA. Los análisis sobre los resultados indican dos movimientos/posicionamientos concomitantes: el de los gestores pedagógicos, que no privilegian los resultados de las pruebas externas y ni el índice de calidad nacional en la realización de la organización del trabajo pedagógico; y el de los profesores que están modificando "naturalmente" sus esfuerzos en busca de resultados preconizados por el Índice de Desarrollo de la Educación Básica (IDEB).

Palabras clave: Evaluación externa; Práctica pedagógica; La regulación; La responsabilización

Introdução

A relação existente entre a avaliação externa e a prática pedagógica é marcada por incertezas, limites e possibilidades latentes no debate educacional atual, dada a centralidade atribuída à avaliação na última década do século XX, eleita como eixo estruturante das políticas públicas pós-reforma administrativa ocorrida em nível internacional.

A política de avaliação externa integra uma tendência mundial de fortalecimento das políticas públicas de cunho mercadológico, sustentada pelos princípios e métodos utilizados na gestão gerencial em educação. A aplicação dos princípios e métodos utilizados na gestão gerencial, pautados na racionalidade econômica, prioriza a eficiência, os resultados e a otimização de recursos, o que exige uma postura controladora e fiscalizadora sobre o processo educativo, tornando-o dissociado da efetivação de valores mais humanizadores, como propõe uma concepção democrática de educação que traz como princípio a participação na decisão dos processos educativos.

O modelo de gestão gerencial implementado no serviço público brasileiro, desencadeou uma série de reformas na condução da política educacional, subordinando a escola aos interesses econômicos e à lógica da competitividade do mercado globalizado. A tentativa de transplantar a forma de gestão gerencial para a escola pública busca uma revalorização das práticas de gestão do domínio privado e empresarial, visto que, amplia-se a racionalidade técnica e vai-se despolitizando a vida social.

Hypólito e Leite (2012) argumentam que as políticas gerencialistas se propagam pela construção de discursos de cunho político hegemônico, prometendo soluções técnicas e científicas para a educação pública, que reduz o poder decisório dos docentes relativos aos processos de ensino e às políticas curriculares, provocando alto grau de precarização do trabalho docente (desvalorização profissional e salarial, más condições de trabalho, formação mecanizada, etc.) e submetendo as escolas aos preceitos neoliberais, com regras rígidas de avaliação externa.

Os mecanismos legais de avaliação externa e em larga escala envolvem todo o processo de reestruturação produtiva, com vistas a monitorar a formação do trabalhador para as demandas do mercado, “cujas repercussões colocam toda a ênfase nos resultados, em detrimento da reflexão sobre o cotidiano dos processos de ensino e de aprendizagem” (Fischer, 2010, p.38).

Begnault (2014) ressalta que antes, a avaliação padronizada, focada nas medidas educacionais, centrava-se no aluno e que, atualmente, configura-se num escopo mais amplo, ligando o pedagógico com o político, tornando-se uma ferramenta de controle. Isso faz com que os profissionais da educação, (especialmente os professores), sejam responsabilizados pelos resultados produzidos pelos alunos nos testes externos, não só perante os pais, mas também, à sociedade e ao Estado.

Para Maués,

[...] uma nova regulação de políticas educacionais é estabelecida: a avaliação de resultados, sendo este imputado à escola e, sobretudo ao professor. Em função disso, a formação e o trabalho docente precisam se adaptar a essa nova regulação, tendo em vista que o currículo e as estratégias de ensino serão, doravante, orientados pelos parâmetros estabelecidos por órgãos externos, que criam os indicadores considerados adequados para atender a demanda dessa etapa da internacionalização do capital (2010, p. 725).

De acordo com essa lógica, as avaliações externas e em larga escala têm se revestido do discurso da qualidade, implementadas com políticas de responsabilização, em que o ônus pelos esforços de melhoria dos resultados é transferido aos gestores das escolas e, consequentemente, aos professores, isentando o Estado de sua responsabilidade com a educação (Maués, 2010).

Esquinsani ressalta que,

[...] ao gosto do neoliberalismo, a tendência de comparar, medir, ranquear acabou por promover uma pressão externa sobre as escolas que, em geral, não corresponde à pressão por democracia no seu interior, ou sequer pela melhoria das relações entre os membros da comunidade educativa ou das condições de trabalho docente. (2012, p. 219).

Assim, as escolas são pressionadas a apresentarem bons resultados nas avaliações externas, realizadas em âmbito federal, através da Avaliação Nacional do Rendimento Escolar (ANRESC), conhecida como “Prova Brasil”. Consequentemente, isso interfere no direcionamento do currículo escolar e na formação docente, priorizando a obtenção de bons resultados nos testes padronizados sobre o processo de aprendizagem em si.

Bonamino e Sousa (2012), ao caracterizarem experiências de avaliação na educação básica e sua possível relação com o currículo, identificam três gerações de avaliação em larga escala no Brasil:

a) a primeira geração tem como marca a avaliação diagnóstica da qualidade da educação, sem a atribuição de consequências diretas para a escola e para o currículo. São aquelas avaliações de caráter amostral realizadas pelo Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB) a partir do final dos anos de 1980;

b) a segunda geração articula o resultado da avaliação às políticas de responsabilização branda (simbólica) para os profissionais da educação, sem atrelar a ela, prêmios e sanções. Além da divulgação pública, os resultados serviam para auxiliar os governantes no direcionamento de recursos (técnicos e financeiros), bem como no estabelecimento de metas e ações (pedagógicas e administrativas), visando a qualidade do ensino. Essas avaliações tomam o Indicador de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) como referência, definem o currículo (ensinado e aprendido) e estimula a comparação entre as escolas e redes de ensino. São efetivadas pela realização da Prova Brasil, constituída em caráter censitário, a partir de 2005;

c) a terceira geração referencia políticas de responsabilização forte (simbólica e material), contemplando sanções ou recompensas em função dos resultados (a qualidade da educação está atrelada ao compromisso dos gestores). Adotam a matriz de referência do SAEB e da Prova Brasil para o alcance das metas projetadas por meio do IDEB.

Analisando as três gerações de avaliação em larga escala no Brasil elencadas por Bonamino e Sousa (2012), percebe-se que a 1ª geração de avaliação em larga escala realizava o diagnóstico da qualidade da educação por meio de amostras, que não possibilitava uma interferência direta sobre a escola, ao contrário das avaliações de 2ª e 3ª geração, que acontecem num contexto de globalização da economia e de reconfiguração do papel do Estado, requerendo mudanças na concepção da política educacional, como a vinculação do resultado da avaliação à política de responsabilização e à competição, além da definição e do estreitamento curricular.

Esquinsani (2012) reconhece que as práticas de competição estimulam a despolitização dos profissionais que trabalham na escola; porém, acredita que as avaliações realizadas pelo SAEB possam assumir os dois pilares da modernização: o caráter da regulação como representação do Estado (por homogeneizar os currículos, interferir em indicadores, etc.) e o caráter da emancipação (como instrumento de política educacional que poderá forçar um redimensionamento dos paradigmas da avaliação e sucesso escolar).

A literatura sobre a política de avaliação nacional apresenta uma diversidade de análises e sentidos empregados pelos pesquisadores da área sobre a avaliação externa e em larga escala, referindo-se por vezes, ao SAEB e/ou ao IDEB, evidenciando-se basicamente três posições.

A primeira posição refere-se a uma visão favorável à criação de um sistema eficiente de informação e de avaliação externa, pois serve de parâmetro para orientar políticas educacionais em todos os níveis de governo (PESTANA, 2016; CASTRO 2016); edificada na descentralização da oferta dos serviços públicos, critérios de financiamento definidos pela federação e avaliação centralizada (FERNANDES, 2016), que subsidiam os gestores a intervirem para promover melhorias no ensino (CASTRO, 2016).

A segunda posição aponta seus limites e possibilidades, argumentando que as avaliações externas facilitam uma apreensão, mesmo que parcial, da realidade educacional brasileira, articulando o aumento da aprovação e o aumento do desempenho (MACHADO e ALAVARSE, 2014); reconhecendo-as como instrumentos de medida e, dependendo das formas como são utilizados seus resultados, apresentam possibilidades de melhoria da qualidade educacional (RONCA, 2013; ESQUINSANI, 2012; BONAMINO; SOUSA, 2012).

O terceiro posicionamento fomenta críticas aos sistemas de avaliação, reconhecidos como instrumentos de regulação das políticas públicas, orientados pelas organizações internacionais, consubstanciando o estado avaliador (OLIVEIRA, 2010); instituindo avaliações padronizadas, contrárias aos princípios democráticos (CAMINI, 2013), imputando riscos às escolas, como competição, premiação, punição, estreitamento curricular, etc. (FREITAS, 2012).

Assim, este artigo trata das compreensões, significações e tensões construídas pelos profissionais que atuam no ambiente escolar a respeito das avaliações externas, as apropriações dos resultados e as estratégias utilizadas para a melhoria do ensino.

Método

As significações construídas a respeito da avaliação externa são provenientes de revisão bibliográfica e pesquisa de campo realizada em uma escola pública municipal de Belém/PA em 2017. É um estudo de caso, pois a investigação concentra-se em um caso particular, significativo e bem representativo, para fundamentar uma generalização a situações análogas, realizando inferências.

O critério de escolha da instituição escolar, inicialmente, foi definido a partir de uma pesquisa exploratória no site do Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais (INEP), entre as escolas municipais de ensino fundamental que apresentasse participação em todos os eventos (Prova Brasil) realizados pelo SAEB e não necessariamente que tivesse atingido todas as metas projetadas. No segundo momento, como identificou-se mais de uma escola neste perfil, selecionou-se a escola que obteve o maior índice de desempenho no IDEB em 2007 e uma progressiva queda do índice nos anos subsequentes.

Esse critério buscou centrar o olhar para a importância do processo avaliativo, além de compreender as formas pelas quais a equipe pedagógica e os professores decidem e realizam a apropriação dos índices de desempenho, a favor da melhoria da qualidade da aprendizagem para uma formação consistente, crítica e criativa. Até porque questiona-se o modelo de avaliação que se traduz por meio de índice, uma vez que apresenta uma visão estreita de qualidade, silencia as diferenças e produz a homogeneidade dos sistemas educativos.

A pesquisa respalda-se numa abordagem qualitativa, que compreende a relação dinâmica dos processos de interioridade e exterioridade como constitutivas dos fenômenos, por propiciar ao pesquisador a compreensão de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes presentes numa realidade investigada (MINAYO, 2001). A definição da abordagem qualitativa nesta investigação justifica-se pela necessidade de se obter em campo, junto aos sujeitos escolares (direção/coordenação pedagógica e professores), suas percepções sobre a existência da avaliação externa e do processo de apropriação de seus resultados e do IDEB.

Para o desenvolvimento da investigação, utilizou-se a entrevista semiestruturada como técnica de coleta de dados, com 02 gestores, 02 coordenadores pedagógicos e 04 professores da escola estudada, com a compreensão de que esta, entre outras técnicas de enfoque qualitativo, oferece possibilidades para o informante alcançar a liberdade e a espontaneidade necessárias, enriquecendo a investigação, bem como trazer amplo campo de interrogativas, fruto de novas hipóteses que vão surgindo à medida que se recebem as respostas do informante.

Como estratégia de identificação da compreensão dos sujeitos informantes (gestores pedagógicos e professores) no momento da entrevista, foram definidas as seguintes unidades de análise: a) gestão pedagógica, que trata das concepções e ações realizadas pelas equipes pedagógicas no processo de organização e orientação da aprendizagem no interior da escola; b) avaliação externa, como estratégia de acompanhamento e controle do desempenho dos alunos e da gestão escolar; c) melhoria da qualidade do ensino representada pelos aspectos referentes à formação humana integral e, d) apropriação do IDEB como índice nacional da qualidade do ensino.

Foram realizadas as entrevistas de natureza individual, por meio de uma comunicação livre entre pesquisador e entrevistado, o que, de certa forma, favoreceu o enriquecimento dos dados necessários para a compreensão do objeto investigado. Sistematizou-se os dados coletados organizados em um quadro, de acordo com as unidades de análise, os desdobramentos das unidades e os elementos explicativos, captados nos depoimentos dos profissionais entrevistados.

Na análise dos dados buscou-se caracterizar a forma pela qual a equipe gestora e os professores da escola locus do estudo se apropriam dos resultados das avaliações externas e do IDEB no direcionamento de suas ações. Desta forma, os resultados evidenciaram dois movimentos e/ou posicionamentos concomitantes, que ocorrem no interior da escola: o dos gestores pedagógicos, que não privilegiam os resultados dos testes externos e do índice de qualidade nacional na realização da organização do trabalho pedagógico; e o dos professores que estão modificando “naturalmente” seus fazeres em busca de resultados preconizados pelo IDEB.

Resultados e discussão

A definição do termo “avaliação externa” é fundamental para o entendimento do que possa implicar no desenvolvimento do trabalho pedagógico e no redimensionamento da gestão escolar. Para Werle (2011), as avaliações externas “são estratégias implementadas por outros atores, não pertencentes ao dia a dia da escola” (p.23), podendo abranger “[…] todo o escopo ou apenas parte das ações institucionais” (p.22).

A avaliação externa pode ou não ser de larga escala (tipo e abrangência) e não invalida e nem substitui as outras formas que acontecem dentro do ambiente escolar. Ainda, de acordo com Werle (2011), no discurso dos que promovem tais avaliações:

os dados são produzidos para a prestação de contas à sociedade, transparência do emprego de recursos públicos em relação ao trabalho realizado pelos sistemas, assim como orientação de políticas e planos de ação de sistemas e de escolas (p.25)

No posicionamento dos sujeitos que estão no cotidiano da escola, encontrou-se uma diversidade de opiniões sobre a avaliação externa de âmbito nacional:

[…] eu gosto da avaliação. Quando a gente olha o indicador, a gente faz uma avaliação de como está o trabalho da escola. Não só isso, claro, que não é só isso que vai influenciar, mas eu acho que a avaliação do IDEB é válida, porque são vários: Prova Brasil e mais o resultado de evasão (D.1);

[…] tem favorecido o empenho maior do professor porque se esforçando mais o aluno vai se esforçar, vai ter um empenho, o nosso IDEB vai aumentar e trazer recursos para a escola (C.1);

[…] essa implicação da avaliação externa indica responsabilidade, significa que eu como professor sou responsável por um resultado […] (P.1);

[…] eu faço uma pequena crítica porque são avaliações pensadas a nível nacional, minha avaliação não chega ser positiva com relação a Prova Brasil porque eu acharia que ela deveria sim ser de uma forma regionalizada (P.2);

[…] o concurso que fiz em 2012 já foi voltado para a Prova Brasil, […] e eu trouxe isso para a prática e também não é nada do outro mundo, eu não entendo porque algumas pessoas têm tanta resistência (P.3);

[…] as avaliações externas influenciam na rotina da escola, principalmente porque elas têm uma finalidade, e a finalidade não é apenas comprovar o aprendizado do aluno, a finalidade é medir o índice nacional que vai implicar até mesmo no recebimento de recursos para a escola (P.4).

Identificou-se, de modo geral, uma boa aceitação dos atores escolares entrevistados em relação à Prova Brasil, permeada de observações positivas, principalmente da diretora, que consegue enxergar nos números que essa avaliação contribui para gerar - o IDEB - uma possibilidade de avaliar o trabalho da escola e da coordenadora pedagógica, ao afirmar o favorecimento da avaliação externa para o maior empenho do professor, o que retrata, também, a assimilação da cultura de responsabilização por parte da coordenação pedagógica em relação ao docente.

Freitas (2012) contrapõe-se a essa visão, argumentando haver uma política de responsabilização pressionando os professores para a obtenção de melhores rendimentos dos alunos nos testes e em outros sistemas de ensino1 esse resultado mantém relação direta com o salário desses profissionais.

A vinculação entre resultado e salário, ou mesmo a atribuição de prêmios2 e sanções, classificada por Bonamino e Sousa (2012) como política de responsabilização forte, constituinte da terceira geração de avaliação em larga escala, não foi comentada por nenhum entrevistado, mas existe uma política de meritocracia no município de Belém que privilegia a entrega de prêmios às escolas destaques do IDEB e, também, uma reunião pedagógica geral com os Diretores e Coordenadores Pedagógicos a fim de parabenizar publicamente as escolas que conseguiram alcançar a meta projetada, assim como, chamar atenção daquelas que não conseguiram alcançar o índice previsto.

No posicionamento dos professores, destacaram-se três das características citadas: a) de concordância com a Prova Brasil sem demonstrar dificuldade para trabalhar com seus alunos, uma vez que realizou concurso recente da rede municipal, que abordou os conteúdos da referida prova; b) crítica seguida de proposição, alegando que a avaliação, que é organizada para aplicação nacional, deveria ser regionalizada e, c) aceitação natural do processo de responsabilização, em que o próprio professor absorve o discurso dominante e se coloca como responsável pelo resultado do aluno nas avaliações, desobrigando o Estado de seu papel com a educação.

Uma análise atenta permitiu identificar a percepção que alguns sujeitos têm sobre a relação entre atingir a meta projetada no IDEB para a escola receber mais recursos e, diante de um espaço de trabalho carente de recursos financeiros, equivocadamente, faz surgir a crença em um maior desempenho dos profissionais como solução para os supostos problemas educacionais. A adoção dessa conduta revela, segundo Paro (2011), uma visão acrítica do processo de produção capitalista e um desconhecimento da especificidade do processo pedagógico. É como se a relação estabelecida entre um maior desempenho docente representasse automaticamente aumento do resultado no IDEB, e não é isso que acontece porque os fins do processo de produção capitalista diferem dos fins pedagógicos.

Nesse processo, a avaliação exerce um papel de regulação e reforça valores mercadológicos, como o estabelecimento de prestação de contas e responsabilização “branda ou forte” (Bonamino e Sousa, 2012) em função do desempenho profissional, entre outros desdobramentos na organização do trabalho pedagógico.

Na percepção dos sujeitos entrevistados existem interferências das avaliações externas no trabalho desenvolvido, sendo constantemente tensionados pelos representantes da SEMEC, por ocasião das reuniões pedagógicas e nas horas pedagógicas coletivas realizadas com professores e gestores pedagógicos, para pressionar o aumento do IDEB, como o expresso no depoimento a seguir:

[…] a diretriz curricular da SEMEC é similar aos descritores da avaliação externa, porque ela quer acompanhar o índice. É campanha política. Fala o tempo todo com isso. Tem a questão do fluxo. Porque tem vários tópicos que atingem esse determinado número e isso é falado nas formações (P.2).

Outros professores e a coordenação pedagógica, em depoimento, confirmaram o poder regulador exercido pela Secretaria na implementação da política de resultados:

[…] na formação de professores, nós somos orientados a não ter tanta preocupação com o conteúdo, mas sim com o entendimento dos alunos naquela parte mais básica da matemática e quando a gente vê uma Prova Brasil em que os conteúdos são levados muito em consideração, a gente passa a trabalhar aquelas questões (P.4);

[…] as formações recentes focam no resultado, focam na Prova Brasil em algumas situações e nesse foco eles nos orientam a não nos preocuparmos tanto com o conteúdo e sim preparar os alunos para fazer aquele nível de questão (P.4);

[…] atualmente existe uma preocupação maior da SEMEC com uma formação específica para o professor para a aplicação da Prova Brasil, também os conteúdos trabalhados, a questão dos descritores e faz uma formação específica para os coordenadores (C.1).

Os depoimentos revelaram que as formações continuadas promovidas pela SEMEC, ao invés de oferecer instrumentos teóricos de apoio à ação docente, dedicam-se a orientações instrumentais, focadas no produto e não no processo de ensino e aprendizagem. Ao preparar os alunos para responder a um determinado nível de questão cobrada nas avaliações externas, demonstra o caráter autoritário e excludente da política de resultados implementada pela Rede Municipal de Ensino - RME.

Para Canário (2005), as transformações registradas ao nível dos sistemas de ensino, materializadas pela emergência de novas formas de regulação, incidem um “mal-estar3” sobre a profissão docente, que ao nível dos estabelecimentos de ensino, pode ser traduzidos numa “proletarização” do seu ofício, “a quem escapa o controle sobre o exercício do seu próprio trabalho” (p.122).

Os professores teceram críticas contundentes ao direcionamento dado pela Secretaria Municipal em priorizar o treinamento de questões similares à Prova Brasil em detrimento a outras dimensões do currículo, principalmente quando está próximo de ocorrer o exame, como desabafa o professor:

[…] nas formações coletivas, eles (os técnicos da SEMEC) não têm uma preocupação no sentido de cronograma de conteúdos. Eles querem que a gente trabalhe aquele nível de conteúdo, o que para nós professores é um pouco problemático porque a gente sabe que o aluno aprende em uma sequência de conteúdos cronológica. Eu não posso ensinar equação de segundo grau se ele não sabe potência. Então há uma cronologia de conteúdos que para eles não tem tanta importância. Eles querem que a gente prepare. Eles estão preocupados em a gente atender aqueles critérios e por isso que eu digo que perto dessas provas a rotina da escola muda e a gente passa a fazer um curso preparatório literalmente (P.4).

A falta de importância atribuída ao percurso metodológico utilizado pelo professor em sala de aula, explícito no conteúdo da entrevista, demonstra claramente o limite da formação coletiva imposta aos docentes da RME, conduzindo os processos formativos para aquilo que é determinado pelos processos avaliativos padronizados. Essa postura reduz a atuação reflexiva do professor a uma mera aplicação de procedimentos ditados pelo órgão superior, que “formar um professor não costuma ser considerada uma tarefa mais complexa do que a de treinar um preparador de hambúrgueres”, numa sociedade de modernização conservadora (Gentilli, 1996, p.55).

Na escola, a lógica da avaliação externa está sendo incorporada à organização do trabalho pedagógico, no Projeto Político Pedagógico (PPP), nos momentos de planejamento na jornada pedagógica, nos períodos que antecedem a aplicação dos testes externos e algumas ações isoladas, principalmente com os professores de Língua Portuguesa e Matemática que, por razões pessoais e profissionais, direcionam sua prática para aquilo que é cobrado nos testes externos.

[…] não houve mudanças na organização do trabalho escolar, o professor é que vai direcionando o trabalho pensando na prova que os alunos irão fazer (P.3);

[…] nós ainda não implementamos essa mudança no trabalho e na maioria das escolas não percebo que tenha mudado realmente voltado para a Prova Brasil (D.1);

[…] o trabalho para a avaliação externa foi introduzir no planejamento, durante a jornada pedagógica, a questão do simulado e como passar as respostas para o cartão resposta (C.2).

Os relatos pareciam, por vezes, contraditórios, afirmando que não existem mudanças na organização do trabalho, mas, ao mesmo tempo, indicam elementos introduzidos no planejamento, como o simulado e a adequação dos conteúdos, voltados para a preparação dos alunos para as diversas provas que acontecem na escola:

[…] a gente trabalha uma determinada realidade e as provas vêm com os conteúdos nacionais aos quais a gente tem que se adequar, até por conta dessa pressão do número (P.2);

[…] a gente passa a pegar questões de provas anteriores para preparar os alunos, a gente passa a ter aquela preocupação de familiarizar o aluno com aquele tipo de questão, o que muitas vezes não ocorre no cotidiano das aulas de matemática (P.4);

[…] procuro trazer atividades semelhantes à Prova Brasil, eu costumo fazer simulados com eles, eu volto mais as minhas aulas para a questão textual, porque eu sei que a gramática não vai imperar nesse tipo de avaliação (P.3);

[…] os descritores são trabalhados aqui desde o começo do Ciclo (P.1).

Por mais que a coordenadora pedagógica diga que “[…] os professores têm autonomia para fazer o planejamento” (C.1), as falas expressaram um sentido oposto, por conta da Prova Brasil e das implicações causadas no direcionamento do currículo escolar, “[…] a prova acaba tirando a autonomia do professor, ficando refém da questão do índice” (P.2).

Conforme Hypólito e Leite (2012), a fabricação de uma nova lógica e mentalidade docente é criada no modo de gestão gerencial, “a fim de introduzir um outro reordenamento, baseado na reorganização do processo de trabalho escolar e docente, distante de um discernimento profissional, de uma autonomia pedagógica […]” (p.141).

Por esta razão, os professores vão adequando os conteúdos aos definidos nacionalmente e modificando a sua metodologia de modo a preparar os seus alunos para a referida prova o que, segundo Paro (2011, p. 118), “os exames e provas podem ser também nocivos para a própria qualidade da educação, quando eles passam a ser o balizador de todo o sistema de ensino”, ou seja, o ensino, ao invés de contribuir para a formação humana, forma seres para responderem exames.

Alguns professores deixaram transparecer uma certa tensão existente em sua prática educativa sobre a que projeto de educação servir, pois estão inseridos em um sistema educacional referenciado na concepção de Ciclos de Formação e, paradoxalmente, recebem orientações marcadas por critérios questionáveis do ponto de vista de uma educação cidadã.

Sobre essa questão, Libâneo, Oliveira e Toschi (2012, p. 416) contribuem com o diálogo, ressaltando que os professores, como responsáveis pela formação intelectual, afetiva e ética dos alunos, “necessitam ter consciência das determinações sociais e políticas, das relações de poder, implícitas nas decisões administrativas e pedagógicas do sistema e da maneira pela qual elas afetam as decisões e ações levadas a efeito na escola e nas salas de aula”. Para os autores, as determinações legais não podem ser ignoradas, mas podem ser rediscutidas para uma melhor apropriação no contexto da escola.

A ação pedagógica do professor frente às avaliações externas encontra-se nas possibilidades de participação e nas limitações impostas pelas políticas de avaliação nacional, que vão interferindo, diretamente, no cotidiano da sala de aula. Entre as possíveis dificuldades encontradas pelos profissionais entrevistados na relação com a Prova Brasil, é possível perceber duas visões: a de quem desempenha a função de gestão pedagógica na escola e a de quem faz a gestão do pedagógico em sala de aula, sendo representativas nos seguintes diálogos:

[…] muitos professores ainda não estão habituados a trabalhar com os descritores, numa educação diferenciada, de interpretação, da leitura, da escrita, da criticidade, não repetitiva, mas já tem uma geração nova que está (D.1);

[…] mas eu não vejo assim a avaliação externa como uma facilitadora, eu acho que você acaba fazendo tipo como eu trabalhava há muito tempo atrás nas escolas que preparavam para as turmas militares […] o descritor veio para trabalhar competência e habilidade (P.2).

A percepção da diretora, mesmo atuando há pouco tempo na escola, sinalizou que há professores que trabalham numa linha pedagógica mais tradicional e outros numa concepção de educação diferenciada, que na sua interpretação, estão alinhadas aos descritores4 definidos pela Prova Brasil. A percepção do professor vai na direção de evidenciar que o descritor relaciona a competência com a habilidade e, em suas palavras, o conteúdo está por trás do descritor, o que requer uma exigência maior em torno do conteúdo, comparando sua metodologia pedagógica àquela utilizada nas turmas preparatórias para as escolas militares.

A visão de uma educação diferenciada, associada à noção de competência e habilidade, não se coaduna com uma concepção de educação emancipatória. A utilização da pedagogia das competências é reproduzida como um novo discurso sobre a formação humana, e oportuna para medir a eficiência do aluno na proposição de solução ao problema apresentado, porém, seleciona determinado conhecimento considerado importante do ponto de vista mercadológico. Nesse sentido, a pedagogia das competências, longe de garantir uma formação compatível com a emancipação humana, ancora-se no individualismo e no pragmatismo, visando a manutenção da dominação capitalista na sociedade, uma vez que só dispõe ao ato educativo aquilo que é útil ao mercado (ARAÚJO; RODRIGUES, 2010), motivo que leva o professor a comparar a sua metodologia a um ensino mecânico, de treinamento para questões de testes padronizados.

A pesquisa mostrou uma aceitação maior entre os professores de Língua Portuguesa na utilização de descritores em sua prática pedagógica, como podemos demonstrar pelo comentário de um professor dessa área: “trabalhar os descritores da Prova Brasil, não vejo dificuldade e os alunos gostam” (P.3); em detrimento da posição dos professores de Matemática, ao dizer que “em relação a minha metodologia, a avaliação externa não me favorece” (P.2), devido ao seu extenso programa.

Para fundamentar a nossa argumentação diante da posição dos professores, consultamos a matriz de referência da ANRESC (Prova Brasil), que toma como base os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s), para analisarmos os descritores e o nível de conhecimento requerido. Os descritores cobrados na prova de Língua Portuguesa estão distribuídos nos seguintes tópicos: I. Procedimentos de Leitura; II. Implicações do Suporte, do Gênero e/ou do Enunciador na Compreensão do Texto; III. Relação entre Textos; IV. Coerência e Coesão no Processamento do Texto; V. Relações entre Recursos Expressivos e Efeitos de Sentido; VI. Variação Linguística. Enquanto os descritores definidos na matriz da prova de Matemática, estão distribuídos nos seguintes temas: I. Espaço e Forma; II. Grandezas e Medidas; III. Números e Operações /Álgebra e Funções; IV. Tratamento da Informação, de acordo com o Quadro 1.

Fonte: Matriz de referência do 9º ano do Ensino Fundamental/Prova Brasil.

Quadro 1 Tópicos/temas da Matriz de Referência - Língua Portuguesa e Matemática 

O Quadro 1 mostra que os tópicos definidos pela matriz de referência em Língua Portuguesa estão vinculados, em sua maioria, à leitura e interpretação de texto, ramificados em 21 descritores, diferente daqueles definidos na matriz da prova de Matemática, visivelmente relacionados a conteúdos específicos em maior quantidade (37 descritores) e complexidade. Este fato é melhor visualizado quando analisamos individualmente os descritores, como fizemos com o tópico/tema I de cada disciplina, conforme o Quadro 2 a seguir.

Fonte: Matriz de referência do 9º ano do Ensino Fundamental/Prova Brasil.

Quadro 2 Descritores da Matriz de Referência - Língua Portuguesa e Matemática 

Os dados do Quadro 2 demonstram um diferente grau de complexidade entre as disciplinas, que se apresentando de forma mais acentuada nos descritores de Matemática. Enquanto os descritores da Língua Portuguesa permitem a possibilidade de serem desenvolvidos em outras disciplinas, com adaptações; paradoxalmente os descritores da Matemática, exigem um nível de conhecimento prévio e uma linearidade que vai além da resolução de cálculo (operações básicas) e interpretação.

A constatação de que os descritores de Matemática exigem uma quantidade maior de conteúdos para que o aluno adquira a competência necessária na resolução das questões da Prova Brasil, faz-nos compreender a aceitação da avaliação externa menor entre os professores dessa disciplina, já que não favorece autonomia no desenvolvimento do seu trabalho.

Quanto à organização do ambiente escolar para a realização da Prova Brasil, as entrevistas indicaram pouco movimento por parte da gestão pedagógica em relação à preparação da comunidade escolar para a sua aplicação:

[…] parece que só eu estou preocupada com a Prova Brasil. Só se preocupam na semana porque tem que organizar a sala, a escola (P.3);

[…] na véspera da prova, a coordenação avisa para os alunos não faltarem porque é importante para a organização da escola, para o IDEB da escola, para a escola ter condições de ter benefícios (C.1).

Segundo a coordenadora pedagógica, a escola toma conhecimento da aplicação da prova no início do ano, geralmente com previsão para o mês de novembro, efetuado por uma pessoa desconhecida, e que, somente na véspera, recebe uma comunicação oficializando da data exata de realização. A partir desse momento, a coordenação pedagógica entra nas salas de aulas para fazer a comunicação aos alunos e o apelo para não faltarem, pois, dependendo do desempenho dos estudantes, a escola poderá receber benefícios.

Todo o processo é executado por profissionais externos contratados para o certame, o que dificulta a compreensão das etapas e não favorece uma maior participação dos membros da escola, excetuando os questionários que devem ser preenchidos pelo Diretor e pelos professores de Língua Portuguesa e Matemática.

De acordo com Andrade (2010), as avaliações da Prova Brasil constituem um processo bastante complexo,

[...] por sua abrangência e interveniência de diferentes atores (INEP, firma terceirizada, aplicadores, professores, diretores, escolas, Secretarias Municipais de Educação, Secretarias Estaduais de Educação, quase todos os municípios do país), […] ausência de informações claras para as equipes escolares e Secretarias Municipais de Educação, […] a divulgação da Prova no início do ano e sua aplicação no final do ano; a agendamento descentralizado, realizado diretamente pelo aplicador; as múltiplas escolas que precisam ser percorridas pelo aplicador e os calendários escolares diferenciados de cada estabelecimento (p.178).

Por um lado, é compreensível o porquê da atuação da gestão pedagógica se realizar somente às vésperas da aplicação da prova; por outro lado, é possível apreender, por meio dos depoimentos, que supostamente não existe no plano da escola uma ação voltada para o estudo e discussão dos aspectos pedagógicos dessas avaliações externas que estão presentes no seu interior, constam no seu calendário, modificam a metodologia dos professores e interferem no seu cotidiano. Essa realidade, citada anteriormente por alguns professores, é confirmada pela gestão da escola:

[…] a SEMEC que sempre procura trabalhar essa questão das metas nas reuniões de coordenadores, mas a escola em si não tem um trabalho preciso, voltado para atingir a meta, é o compromisso do professor, é o trabalho da coordenação que faz o ambiente que não é favorável, desenvolver as ações na sala de aula. A gestão (coordenação e gestor) ainda discute o quadro dos resultados, mas não com propostas precisas para a busca de resultados […] e nós enquanto coordenadoras, apresentamos para os professores (C.2);

[…] eu ainda não vi pelas escolas que passei algo voltado para a Prova Brasil, a gente no ensino fundamental menor trabalha no ALFAMAT com os descritores, mas no fundamental maior, aqui pelo menos, não percebi esse trabalho (D.1);

[…] eu nunca me preocupei com a questão do IDEB, mesmo quando estava na direção, a única referência do IDEB que veio refletir na escola foi a premiação que a gente foi se tocar para a questão (D.2).

Os posicionamentos evidenciaram que os gestores, diferentemente dos professores5, não privilegiam os resultados dos testes externos e nem do indicador de qualidade nacional na realização da gestão pedagógica realizado nesta escola, o que não significa que os mesmos não desenvolvam ações consequentes voltadas para a aprendizagem dos alunos.

Se os gestores entendem que as várias avaliações externas realizadas na escola não contribuem para a qualidade do ensino e, portanto, devem focar o seu trabalho para a melhoria da aprendizagem é salutar, mas não dá para ignorá-las6, mesmo considerando as críticas (estreitamento curricular, pressão sobre o desempenho, competição entre os profissionais, precarização da formação docente, etc.) feitas por estudiosos do assunto, como Freitas (2012) e Bonamino e Souza (2012).

Para Sordi et al (2016), os “ índices podem ser aperfeiçoados e possibilitar leituras mais inteligentes sobre a qualidade educacional, mas precisam ser apropriados, reconvertidos pelos atores da escola”, portanto, prescindem de tempo e espaço específicos na organização do trabalho pedagógico na escola para essa finalidade.

Quanto às metas projetadas para o IDEB, as entrevistas revelaram que dentro da escola não existe estímulo no sentido de serem cobrados para o alcance do índice, de receberem premiações ou sanções, como relata uma coordenadora pedagógica.

[…] não temos uma premiação, não temos aquela exigência como direção e coordenação em cima dos professores, eu vejo que os nossos professores são muito conscientes de suas responsabilidades, então existe uma parceria muito grande entre eles na hora da H.P trocando ideias, informações e sugestões (C.1).

Corroborando com essa afirmação, a outra coordenadora pedagógica reforça que o estímulo dado ao professor é subjetivo, para mostrar-lhe que, mesmo estando em um ambiente desfavorável, é capaz de realizar um bom trabalho com os alunos, considerando que desenvolve suas tarefas no limite de suas possibilidades. Por um lado, essa postura é positiva e coaduna-se com o pensamento de Paro (2011, p. 165) ao afirmar que “a natureza específica do trabalho docente exige um motivo intrínseco à própria atividade: o professor deve desejar o aprendizado do aluno, este é seu motivo para ensinar”; por outro lado, apresenta-se como um risco à retirada de responsabilidade do sistema municipal em garantir condições objetivas de trabalho aos sujeitos da escola.

Os comentários dos professores entrevistados vão ao encontro do relato das coordenadoras pedagógicas quanto a premiações e sanções, porém apresentam posições divergentes quanto ao estímulo subjetivo recebido na escola:

[…] os professores são estimulados na nossa convivência, que apesar de ser difícil, apesar das pessoas sentirem um peso, que existe um peso subjetivo individual, cada um lê do seu jeito, de acordo com o seu subjetivo (P.1);

[…] não percebo esse estímulo aqui na escola na questão do IDEB, é um trabalho mais individual de cada um (P.2);

[…] não há discussão e estímulo para alcance de metas na escola, apesar da preocupação com a questão da aprendizagem. Poderia ter porque como são evidenciadas apenas português e matemática, os outros professores acham que não tem obrigação no alcance das metas, mas os descritores de língua portuguesa podem ser trabalhados em todas as disciplinas, contribuindo para a formação do aluno e no resultado do IDEB. Essa discussão é mais evidente nas formações continuadas realizadas pela SEMEC para se trabalhar os descritores da Prova Brasil que estão contemplados nas Diretrizes Curriculares da SEMEC (P.3);

[…] essa questão é livre para todos nós, somos orientados pela equipe da Coordenação Pedagógica que está próximo da Prova Brasil e ficamos livres para trabalhar com os alunos, pegando questões de provas anteriores, enfim, preparando aquela turma para o que eles vão fazer, para que eles entendam que aquilo ali não é uma mera avaliação, para que eles entendam a seriedade da avaliação também no sentido de recursos para a escola, enfim tem toda uma questão aí que sai da questão do IDEB, então a gente vai preparando os alunos nesse sentido, a gente vai trabalhando o aluno conforme o nosso entendimento mesmo (P.4).

Diante dos registros, é possível notar que, assim como existe professor que percebe a existência de um estímulo subjetivo em sua convivência para aumentar o IDEB, existem outros que não percebem nenhum tipo de estímulo e entre esses, aquele que menciona a necessidade de tê-lo entre os professores de todas as disciplinas.

Ainda sobre os registros, pode-se confirmar a pouca relevância atribuída pela gestão pedagógica da escola aos processos avaliativos externos, no sentido de propiciar e coordenar as discussões, estudos e encaminhamentos voltados para a prática escolar. Cada professor vai direcionando o seu trabalho, conforme o seu entendimento, a partir do que é orientado nas formações continuadas fornecidas pelo sistema de ensino, o que não favorece a apreensão de elementos positivos que podem servir para a avaliação da escola.

Essa atitude vai de encontro ao que Esquinsani (2010) defende sobre a figura do coordenador pedagógico, como um dos responsáveis pela articulação das políticas de gestão em nível escolar. Para a autora, a este profissional, caberia mobilizar e trazer os resultados das avaliações como elemento de planejamento, e cotejamento destes elementos com os documentos escolares.

Esquinsani (2010) faz referência ao trabalho de Santos (2015) sobre o papel de regular e emancipar, que o coordenador pedagógico poderá assumir em face dos resultados das avaliações de larga escala:

Se reguladora, a função do coordenador cobrará resultados de acordo com a lógica do mercado e de aferição dos resultados, tal qual o esperado pelo Estado Avaliador […], se emancipadora, a atuação do coordenador pedagógico assumirá um espaço de organização dos elementos dispostos ao trabalho docente no interior das escolas, mediando a dimensão administrativa (documentos), a dimensão pedagógica e a dimensão política (p. 143).

Assim, comprometido com uma educação emancipadora, o coordenador pedagógico não poderá desprezar os dados advindos das avaliações externas na qualificação do trabalho escolar, perdendo a oportunidade de criar, na prática, a condução dos saberes e fazeres pedagógicos diante das circunstâncias. Na escola estudada, os coordenadores talvez não tenham adquirido novos saberes para uma condução emancipadora em relação aos resultados das avaliações padronizadas, contudo, certamente não assumem uma função reguladora, mediante a lógica do mercado.

Considerações finais

As compreensões, significações e tensões construídas pelos profissionais da escola pesquisada a respeito das avaliações externas e as apropriações dos resultados utilizados como estratégia de melhoria do ensino, corroboram com resultados apontados por outros estudos empíricos sobre a temática em questão - a nova lógica de organização orientada pela cultura de resultados, vem se consolidando nacionalmente e trazendo implicações para as instituições de ensino.

A preocupação exagerada dos sistemas de ensino em alcançar as metas projetadas pelo índice nacional, colabora com o risco de limitar o processo de ensino aprendizagem a treinos e repetições de questões padronizadas, reduzidas ao aspecto cognitivo de conteúdos curriculares relativos à leitura e ao cálculo matemático, como foi evidenciado na política de avaliação e de formação continuada do município de Belém/PA. O foco nesses conhecimentos atende à agenda orientada pelos mecanismos internacionais, de disseminar a cultura da comparação entre indivíduos, entre escolas, entre países, intensificados pela publicização de resultados e culpabilização dos professores.

A política de avaliação externa e a institucionalização do índice nacional de qualidade, vêm mitigando a autonomia e interferindo nos fazeres pedagógicos dos profissionais entrevistados, mais fortemente em relação aos fazeres docentes que os dos gestores, na busca de resultados mensuráveis, sem uma reflexão e apropriação dos dados, para a construção de novos saberes que contribuam para a melhoria da qualidade social do ensino, referenciada numa formação abrangente. Esta constatação pode ser atribuída aos processos formativos limitados e reduzidos a treinamentos voltados para as avaliações padronizadas, assim como ao controle exercido pelo órgão superior sobre o currículo que deve ser adotado pelos professores nas escolas.

O estudo contribui com a discussão propositiva para o processo de aprendizagem numa perspectiva emancipatória, sem ignorar os processos avaliativos padronizados instituídos legalmente e nem direcionar a prática escolar em função dos mesmos, mas dar sentido aos dados, contestar e até mesmo buscar outras formas alternativas de avaliação.

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1Em diversos sistemas estaduais e municipais, têm sido criadas formas baseadas na meritocracia com bonificação e premiação aos professores como forma de melhoria da qualidade do desempenho dos estudantes, bem como tem se transferido o modelo da Prova Brasil para o espaço local do município como forma de avaliação das redes, de controle e de administração dos processos educativos (Araújo, 2013).

2Os prêmios à produtividade são comparados ao modelo utilizado pela empresa McDonald’s: simbólicos (quadro de honra, empregado do mês, etc.) e materiais (aumento salarial, promoção de categoria, etc.).

3Refere-se ao “mal-estar docente”, materializados por diversas modalidades: desmotivação, absentismo, desinvestimento profissional, doenças ligadas ao exercício da profissão, refúgio em posturas profissionais defensivas (CANÁRIO, 2005).

4Os conteúdos associados a competências e habilidades desejáveis para cada série e para cada disciplina foram subdivididos em partes menores, cada uma especificando o que os itens das provas devem medir - estas unidades são denominadas "descritores". Esses, por sua vez, traduzem uma associação entre os conteúdos curriculares e as operações mentais desenvolvidas pelos alunos. Os descritores, portanto, especificam o que cada habilidade implica e são utilizados como base para a construção dos itens de diferentes disciplinas. Disponível em: <http://provabrasil.inep.gov.br/escalas-de-proficiencia>. Acesso em: 05 maio de 2017.

5Os professores dos Ciclos III e IV participam de formações continuadas por área de conhecimento.

6As resistências quanto a necessidade do uso pedagógico dos resultados das avalições ou a sua desconsideração, vêm gradualmente sendo substituídas pela busca de interpretação e uso de seus resultados, seja pelos que atuam em órgãos centrais ou intermediários das Secretarias de Educação, seja pelos profissionais que atuam na escola. Ver entrevista realizada com Sandra Sákia Souza em: Schneider; Rostirola; e Mozz (2011).

Recebido: 05 de Agosto de 2018; Aceito: 10 de Maio de 2019

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