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Revista Exitus

On-line version ISSN 2237-9460

Rev. Exitus vol.10  Santarém  2020  Epub Mar 28, 2022

https://doi.org/10.24065/2237-9460.2020v10n1id1226 

Dossiê

INTEGRAÇÃO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO NAS COMUNIDADES DA ZONA RURAL, NO CONTEXTO DO PROJETO TECSOL – CDCR – BA

INTEGRATION OF DIGITAL INFORMATION AND COMMUNICATION TECHNOLOGIES IN THE COMMUNITIES OF THE RURAL AREA, IN THE CONTEXT OF THE TECSOL PROJECT - CDCR - BA

INTEGRACIÓN DE TECNOLOGÍAS DE INFORMACIÓN Y COMUNICACIÓN DIGITAL EN LAS COMUNIDADES DEL ÁREA RURAL, EN EL CONTEXTO DEL PROYECTO TECSOL - CDCR - BA

Silvar Ferreira Ribeiro1 
http://orcid.org/0000-0001-7036-7519

Sonia Maria da Conceição Pinto2 
http://orcid.org/0000-0001-7816-0280

1Doutor em Difusão do Conhecimento (UFBA). Professor do DMMDC/DCHTXIX-Universidade do Estado da Bahia. E-mail:sfribeiro@uneb.br

2Doutora em Difusão do Conhecimento (UFBA). Professora do DCHTXIX-Universidade do Estado da Bahia. E-mail:spinto@uneb.br


RESUMO

Apresenta o resultado de pesquisa realizada de 2013 a 2016 na zona rural do Estado da Bahia, envolvendo professores e estudantes de escolas de educação básica e técnicos vinculados ao projeto Tecnologias Sociais para a Inclusão Digital e o Desenvolvimento da Economia Solidária (TECSOL), desenvolvido em parceria entre a Universidade do Estado da Bahia e a Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação do Governo do Estado (SECTI), com o apoio da Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP). Incluiu 30 Centros Digitais de Cidadania Rural (CDCR), em escolas de famílias agrícolas ou espaços indicados pelos municípios, realizando ações educativas, voltadas para a inclusão digital. O objetivo foi propor e analisar o processo de integração de Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação (TDIC), compreendendo que essa integração envolve questões socioculturais, a operacionalização de práticas sociais, assim como os interesses dos sujeitos do processo educativo, bem como identificar a visão, opiniões e ideias dos sujeitos participantes sobre a integração destas tecnologias na suas comunidades. Os conceitos de inclusão digital (WARSCHAUER, 2006; CASTELLS, 2000; SANTOS, 2000), literacia digital (BUZZATO, 2006; LANKSHEAR e HNOBEL, 2006; SAITO e SOUZA, 2011) e tecnologia social (TS) (DAGNINO, 2010), foram estruturantes. Pesquisa qualitativa com observação participante e grupos focais, deu voz aos sujeitos, propiciando a criação de aplicativos para dispositivos móveis voltados para o seu cotidiano. Os resultados evidenciaram a participação efetiva, engajamento no processo e as comunidades de prática. Concluiu-se que as intervenções, permitiram o desenvolvimento de literacias, por meio de dispositivos digitais, possibilitando a pretendida integração da TDIC, nos processos educativos das comunidades da zona rural.

Palavras-chave: Literacia Digital; Tecnologia Social; Inclusão Sociodigital

ABSTRACT

It presents the results of a research carried out from 2013 to 2016 in the rural area of the State of Bahia, involving teachers and students from schools of basic education and technicians linked to the project Social Technologies for Digital Inclusion and the Development of the Solidary Economy (TECSOL), developed in partnership between the State University of Bahia and the State Government's Department of Science, Technology and Innovation (SECTI), with support from Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP). It included 30 Digital Centers for Rural Citizenship (CDCR), in schools of agricultural families or spaces indicated by the municipalities, developing educational activities, focused on digital inclusion. The objective was to propose and analyze the process of integrating Digital Information and Communication Technologies (TDIC), understanding that this integration involves socio-cultural issues, the operationalization of social practices, as well as identifying participants' views, opinions and ideas about the integration of these technologies in their communities. The concepts of digital inclusion (WARSCHAUER, 2006; CASTELLS, 2000; SANTOS, 2000), digital literacy (BUZZATO, 2006; LANKSHEAR and HNOBEL, 2006; SAITO and SOUZA, 2011) and social technology (TS) (DAGNINO, 2010), were structuring. Qualitative research with participant observation and focus groups, gave voice to the subjects, enabling the development of applications for mobile devices aimed at their daily lives. The results showed effective participation, engagement in the process and communities of practice. It was concluded that the interventions, allowed the accomplishment of a set of literacies, through digital devices, making possible the intended integration of TDIC, in the educational processes of the communities of the rural zone.

Keywords: Digital Literacy; Social Technology; Sociodigital inclusion

RESUMEN

Presenta los resultados de una investigación realizada entre 2013 y 2016 en el área rural del Estado de Bahía, en la que participaron docentes y estudiantes de escuelas de educación básica y técnicos vinculados al proyecto Tecnologías sociales para la inclusión digital y el desarrollo de la economía solidaria (TECSOL), desarrollado en asociación entre la Universidad Estatal de Bahía y el Departamento de Ciencia, Tecnología e Innovación (SECTI) del Gobierno del Estado, con el apoyo Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP). Incluyó 30 Centros Digitales para la Ciudadanía Rural (CDCR), en escuelas de familias agrícolas o espacios indicados por los municipios, desarrollando actividades educativas, enfocadas en la inclusión digital. El objetivo era proponer y analizar el proceso de integración de las Tecnologías Digitales de Información y Comunicación (TDIC), entendiendo que esta integración involucra problemas socioculturales, la operacionalización de las prácticas sociales, así como identificar los puntos de vista, opiniones e ideas de los participantes sobre la integración de estas tecnologías en sus comunidades. Los conceptos de inclusión digital (WARSCHAUER, 2006; CASTELLS, 2000; SANTOS, 2000), alfabetización digital (BUZZATO, 2006; LANKSHEAR y HNOBEL, 2006; SAITO y SOUZA, 2011) y tecnología social (TS), (DAGNINO, 2010), estaban estructurando. La investigación cualitativa con observación participante y grupos focales, dio voz a los sujetos, permitiendo el desarrollo de aplicaciones para dispositivos móviles dirigidas a su vida diaria. Los resultados mostraron una participación efectiva, participación en el proceso y comunidades de práctica. Se concluyó que las intervenciones, permitieron la realización de un conjunto de alfabetizaciones, a través de dispositivos digitales, posibilitando la integración prevista de TDIC, en los procesos educativos de las comunidades de la zona rural.

Palabras clave: Alfabetización Digital; Tecnología Social; Inclusión Sociodigital

INTRODUÇÃO

Esta pesquisa trata da integração de tecnologias digitais da informação e comunicação nas comunidades da zona rural da Bahia, realizada no período de 2013 a 2016, abrangendo 30 (trinta) localidades rurais no interior do estado da Bahia. Consistiu da coleta sistemática e da análise dos registros de campo, levada a efeito durante as fases de implantação e acompanhamento de uma das etapas do Programa de Inclusão Sociodigital (PISD), concebido e executado pelo governo do Estado, por meio da sua Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação – SECTI.

O foco na zona rural, decorreu da ampliação do Programa de Inclusão Sociodigital - PISD, que anteriormente atuava, predominantemente, nas áreas urbanas, buscando assim, alcançar o segmento da população rural, onde se concentram os maiores índices de exclusão digital, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD, 2001).

O PISD teve início no ano de 2003, quando a inclusão digital se tornou uma política pública na Bahia, estado da federação que apresentava, à época, os mais baixos índices de acesso à tecnologia e à Internet no Brasil, segundo pesquisa da Fundação Getúlio Vargas (NERI, 2003).

No início dos anos 2000, segundo Neri (2003), 5% da população baiana tinha acesso ao computador e apenas 3,5% à Internet. No Mapa da Exclusão Digital, publicado em 2003, o autor afirma ainda que, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD, 2001), em média, 12,46% da população brasileira dispunha de acesso ao computador e 8,31% à Internet, sendo estas “as principais aproximações de inclusão digital doméstica” (NERI, 2003, p.27).

Para compreender melhor esses dados acima, vale acrescentar que, no mesmo período estudado, o Distrito Federal, unidade da federação com maior índice de inclusão digital domiciliar (IDD), possuía 25,32% de taxa de acesso ao computador e 19,22% à Internet, números cinco vezes superiores aos do estado da Bahia, revelando assim uma acentuada desigualdade regional em nosso país.

Outro aspecto revelador desses dados, dá conta de que, mesmo na região nordeste, que figurava entre as menos incluídas, a Bahia estava à frente apenas do Maranhão, estado que apresentava 2,38%. Considerando as demais regiões e incluindo todos os estados da federação, a Bahia superava apenas Roraima e Tocantins, ocupando, portanto, a 22ª posição entre os vinte e seis estados (PNAD, 2003, p.43).

A partir de dados do PNAD (2001), Neri (2003) apresenta uma análise do que ele denominou de urbanização do acesso à tecnologia. Segundo esses dados,

Dos incluídos digitais, 97,24% encontram-se em áreas urbanizadas, enquanto que 1,55% estão em áreas rurais. Na população total esse diferencial não se mostra tão expressivo quanto se verifica entre os excluídos digitais. Da população de excluídos, 77,86% estão em áreas urbanizadas e 17,69% em áreas rurais; e da população total, 79,83% e 16,05%, respectivamente. Em termos de taxas de acesso ao computador, 12,42% da população que vivem em áreas urbanizadas estão incluídos; já nas áreas rurais, esse dado é de apenas 0,98% (NERI, 2003, p. 47).

Para enfrentar essa realidade e buscar a melhoria desses baixos índices de acesso à tecnologia das regiões do interior do estado a SECTI, em parceria com a Universidade do Estado da Bahia (UNEB), a Universidade Federal da Bahia (Ufba) e o Instituto Federal da Bahia (IFBA), com apoio financeiro da Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP), criou no âmbito do Programa de Inclusão Sociodigital, os Centros Digitais de Cidadania Rural (CDCR), implantados em trinta comunidades rurais, que teve como objetivo integrar esse segmento da população com o uso das tecnologias digitais de comunicação e informação, tornando-se ainda o campo de estudos para a realização desta pesquisa.

A questão principal desta pesquisa, consistiu em compreender a integração de tecnologias digitais de informação e comunicação nas comunidades rurais, no contexto do projeto CDCR, considerando-se os princípios da inclusão sociodigital, da atuação em comunidades de prática e da construção de tecnologias sociais, adotados no projeto. Buscou compreender ainda, como a apropriação das tecnologias digitais pelas comunidades, se refletiram na atuação dos sujeitos envolvidos nesse processo, contribuíram para a sua participação na construção de soluções novas e criativas para a sua comunidade, diante dos desafios de compreender e intervir na sua realidade local.

MARCO TEÓRICO

As atividades desenvolvidas neste projeto de pesquisa desde a sua concepção, estendendo-se a todas as etapas de realização, foram acompanhadas de estudos desenvolvidos pelos membros do grupo de pesquisa em Gestão, Educação, Ciência e Tecnologias para a Inclusão Social (GEC&TIS), sediado no Campus XIX da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), cujos estudos e discussões abordaram três conceitos teóricos basilares, que deram suporte às análises e parâmetros para todas as atividades. São eles os conceitos de Tecnologia Social, Inclusão Digital e Comunidade de Prática.

A tecnologia social (TS) consiste em uma concepção de atividade econômica voltada para necessidades sociais, tendo entretanto, como premissa básica a necessidade de participação dos sujeitos e comunidades aos quais se destinam as soluções tecnológicas para os seus interesses e carências, sem o costumeiro viés paternalista habitual, por meio do qual as ações de cunho inclusivo são desenvolvidas para os sujeitos e comunidades sem que estes sejam sequer consultados.

De acordo com Dagnino (2010, p.11),

...entende-se tecnologia social (TS) como compreendendo produtos, técnicas e/ou metodologias reaplicáveis, desenvolvidas na interação com a comunidade e que representem efetivas soluções de transformação social.

Este conceito nos leva a refletir algumas ideias fundamentais nele contidas. Observemos que, segundo essa concepção, os produtos, técnicas e/ou metodologias, requerem uma construção em interação com a comunidade e buscam em sua essência uma transformação social.

Para atender a esses propósitos, a TS reúne características que demarcam a sua orientação como uma tecnologia voltado para a inclusão social. Dentre estes aspectos inerentes à TS, Dagnino (2003), destaca que ela adapta-se a pequenos produtores e a consumidores de baixo poder econômico e, é orientada para a satisfação das necessidades humanas. Além disso, a TS busca liberar o potencial físico, financeiro e criativo do produtor direto, sem enfatizar a hierarquia patrão versus empregado. Ainda segundo o autor, a TS destina-se e é capaz de viabilizar economicamente, empreendimentos auto gestionários, cooperativas populares, assentamentos de reforma agrária, a agricultura familiar e as pequenas empresas.

Diante das características descritas, podemos deduzir que a TS se diferencia bastante da tecnologia convencional que predomina nos setores produtivos na nossa sociedade capitalista. Os valores que são caros a esse modelo convencional são diametralmente opostos àqueles que demarcam a TS. Esses são caracterizados pela segmentação do processo produtivo; minimização da mão-de-obra como fator de aumento da produtividade; orientação para os mercados externos e de alta renda; hierarquização e monopólio. Além disso, constitui-se um modelo alienante por não aproveitar o potencial do produtor direto, transformando-o num trabalhador assalariado.

Essa concepção de tecnologia social assumida pelo grupo de pesquisa como referência para as ações do projeto CDCR, complementou-se e se tornou mais apropriada ao juntar-se a outro conceito basilar também estudado e aplicado nesta ação. Trata-se da Inclusão Digital que, nesse estudo, adquiriu a abordagem de inclusão sociodigital.

Os anos que se seguiram às revelações do mapa da exclusão digital no Brasil foram marcados por intensas políticas voltadas para dar à população carente o acesso a estas tecnologias. De modo geral, estas políticas foram denominadas de inclusão digital. Entretanto, estudos como os de Castells (2001), Schwartz (2006), Silveira (2008), Warschauer (2006), dentre outros autores, apontaram que, incluir não significa apenas disponibilizar equipamentos e dar acesso à Internet.

Neste sentido, Schwartz (2006, p.1), propõe o conceito da emancipação digital, ao afirmar a necessidade de, para além do acesso, estas populações devem exercer o “controle dos processos produtivos de conteúdo digital”. Silveira (2008), por sua vez, denomina este processo de inclusão digital autônoma e reconhece a necessidade da implantação de políticas públicas para garantir o direito à comunicação informacional.

Outros autores, tais como Lankshear, Knobel e Peters (2008), segundo Pinto (2015), trazem o conceito de literacia digital e participação em redes sociais, buscando compreender a participação dos sujeitos, a partir de uma perspectiva sociocultural, como práticas de literacia digital, considerando as possibilidades de geração, comunicação e negociação de conteúdos e significados por meio de textos digitalmente codificados de vários tipos, por meio dos quais as pessoas interagem como membros de discursos em um contexto.

Este conjunto de conceitos sobre as diversas possibilidades de acesso às tecnologia são fundamentais para a compreensão da inclusão sociodigital, salientando-se que, a partir dessa concepção, as ações dos Centro Digitais de Cidadania Rural (CDCR), não se limitaram à disseminação de possibilidades de acesso gratuito aos computadores e à internet, pelas populações historicamente excluídas do mundo das tecnologias, por não estarem disponíveis em suas comunidades, muito menos em seus lares.

Os CDCR, neste projeto, se constituíam em comunidades de práticas, num espaço de formação e de cidadania, permitindo aos seus usuários uma ação protagonista, baseada na aprendizagem de conteúdos que surgiam das necessidades e interesses individuais e coletivos, com o objetivo de conceber e construir soluções práticas para as suas demandas reais. Para Wenger (2001), uma comunidade de prática se refere a um grupo de pessoas que compartilham uma inquietação ou uma paixão por algo que elas fazem, e aprendem como fazê-lo melhor, na medida que interagem regularmente, são parte do curso das nossas vidas.

Tomando como referência as categorias teóricas brevemente apresentadas acima, frutos dos estudos e discussões do grupo de pesquisa GEC&TIS, responsável pela sistematização dos estudos sobre a concepção e implementação do projeto, descrevemos a seguir o contexto da pesquisa, as características e os processos educativos de inclusão sociodigital desenvolvidos, a abordagem e o foco analítico para, em seguida, fazer a apresentação dos resultados e as suas análises.

O CONTEXTO E A ABORDAGEM DA INVESTIGAÇÃO

Os CDCR foram implantados com recursos da FINEP, por meio do projeto Tecnologias Sociais para a Inclusão Digital e o Desenvolvimento da Economia Solidária (TECSOL). Teve início no ano de 2010, fruto de um convênio entre a Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação do Estado da Bahia (SECTI), a Universidade do Estado da Bahia (UNEB), o Instituto Federal da Bahia (IFBA) e a Universidade Federal da Bahia (UFBA), conforme já explicitado anteriormente.

O objetivo do Projeto Tecsol foi apoiar o desenvolvimento socioeconômico das comunidades rurais, por meio de ações para promover a inclusão sociodigital, a estruturação e o fortalecimento das cadeias produtivas do Licuri e da Reciclagem. Sua estrutura consistiu de três subprojetos, sob a responsabilidade das universidades e do Instituto Federal.

A UNEB e a UFBA ficaram responsáveis pela implantação dos Centros Digitais de Cidadania Rural (CDCR), sendo a UNEB responsável também, pela cadeia produtiva da reciclagem nas áreas rurais, e o IFBA responsável pela cadeia produtiva do Licuri.

Neste estudo, foram priorizadas as ações voltadas para a inclusão sociodigital das comunidades rurais, por meio das ações dos CDCR, nas quais os autores estiveram diretamente envolvidos. Durante a realização do projeto foram implantados 30 CDCR, em 27 municípios, abrangendo todas as regiões do estado da Bahia, tendo sido incluídos neste estudo os resultados e registros de processos ocorridos em dez, destas trinta localidades.

Todos os programas de computador, navegadores e aplicativos utilizados nos CDCR são programas de licença livre, tendo em vista, proporcionar ao cidadão a oportunidade de conhecer essa alternativa de uso de tecnologias não proprietárias, pelas quais os usuários não são obrigados a pagar por licenças e direito de uso.

Os CDCR foram implantados, nas Zonas Rurais, prioritariamente em Escolas de Família Agrícola, bibliotecas públicas ou algum espaço cedido pela prefeitura local. A infraestrutura física do espaço era constituída de 10 computadores, um servidor e uma impressora. O cabeamento de internet, eletricidade e reforma do espaço, também foram realizados com recursos do projeto TECSOL. O projeto também custeou o pagamento de bolsas para um educador local, responsável pela gestão do espaço, como também para a equipe responsável pela gestão. O acesso à internet nos CDCR era responsabilidade da instituição que mantinha o espaço.

No CDCR eram desenvolvidas atividades educativas voltadas para potencializar o uso e o desenvolvimento de tecnologias sociais, para as comunidades rurais. Os educadores do projeto ficavam uma a duas semanas nas comunidades, eram responsáveis pela realização de cursos como APP inventor, informática básica, edição de vídeo e web design, além de oficinas de educação no campo. Participavam de atividades culturais da comunidade, se envolviam na dinâmica do espaço, buscando uma maior aproximação e compreensão da realidade.

Participantes

A participação na pesquisa foi inteiramente voluntária, e os sujeitos eram estudantes das Escolas de Famílias Agrícolas Rurais (EFA), que mantinham Centros Digitais de Cidadania Rurais (CDCR), pais de alunos, gestores públicos da região e da escola. Os participantes foram informados que se tratava de um projeto de pesquisa e que os produtos gerados nas atividades desenvolvidas, assim como todo o processo da sua construção seriam analisados e publicados, sem citar nomes e marcas que identificassem as pessoas ou a escola.

Fizeram parte desta pesquisa também, educadores sociais selecionados para realizar as atividades nos CDCR. Eram estudantes universitários, das diversas áreas do conhecimento, com experiência em projetos sociais e uso de tecnologias digitais.

A Figura 01 a seguir, apresenta os participantes do projeto realizando atividades na área externa da escola, um dos estudantes construindo o aplicativo, e um grupo de estudantes assistindo os vídeos produzidos, durante os encontros nas comunidades.

Fonte:https://pt.slideshare.net/felipenaumann/apresentacao-de-resultado-cdcr-58277634.

Figura 01 Estudantes das Escolas Rurais de Família Agrícola – Participantes do projeto TECSOL-CDCR 

Abordagem analítica

A pesquisa de natureza qualitativa utilizou a observação participante (MICHAEL, 2009) e a técnica de grupo focal (GATTI,2005) para o registro de visões, opiniões e ideias, dando voz ao sujeito, propiciando o uso de tecnologias e o desenvolvimento de aplicativos para dispositivos móveis, voltados para o seu cotidiano. A técnica de grupo focal permitiu compreender as divergências e diferenças, contraposições e contradições com relação a visão das comunidades, envolvidas direta ou indiretamente com o projeto, sobre a integração das tecnologias digitais da informação e comunicação na zona rural, assim como apoiou o desenvolvimento das práticas de uso das tecnologias nas comunidades, atendendo aos interesses locais. A escolha por esta técnica se justifica ainda por permitir, segundo Gatti (2005), compreender as práticas cotidianas de determinadas comunidades.

O trabalho analítico, detalhado, focalizou as possibilidades de uso das tecnologias digitais e as experiências vivenciadas no projeto TECSOL, para fortalecer as comunidades. A presença do educador social, membro da equipe de pesquisa, portanto, pesquisador com olhar atento, integrante do projeto, juntamente com o educador local e os demais participantes, constituiu-se como um ponto forte do processo de integração das tecnologias digitais da informação e comunicação, nas localidades da zona rural onde os CDCR foram implantados.

A atuação destes educadores se estendeu às diversas etapas do processo e abrangeu todas as localidades onde o projeto se concretizou, ao longo de todo o período da realização das suas ações. As atividades e observações realizadas durante o período que passavam na comunidade permitiram a definição das formas de uso das tecnologias digitais, que culminaram no desenvolvimento de aplicativos móveis, assim como outras formas de tecnologias, como a produção de vídeos em que as comunidades se viam representadas. Segundo Michael (2009), a observação participante não é um método de pesquisa, mas um estilo pessoal adotado pelo pesquisador em campo. Para o autor, a aceitação do pesquisador pela comunidade estudada, permite que este se utilize de uma variedade de técnicas de coleta de informações.

As reflexões nas reuniões do grupo de pesquisa, constataram o estabelecimento de vínculos entre os educadores sociais com as comunidades em que atuaram, por meio dos diversos sinais de confiança e de inserção deles nas localidades. Diversas vezes foram recebidas solicitações de que os mesmos educadores sociais retornassem para as etapas seguintes das atividades nas localidades que já haviam atuado, e sempre foram atendidas, até porque não existia a previsão de que eles fossem para locais diferentes a cada nova fase do projeto. Essas reivindicações e outras manifestações dos participantes locais, tais como elogios nas avaliações, presentes, fotos e depoimentos positivos de membros das comunidades demonstram claramente os vínculos estabelecidos entre eles e os educadores sociais.

O foco analítico

As análises apresentadas neste artigo enfatizam o processo de integração das tecnologias digitais da informação e comunicação na zona rural, de forma alternativa às estratégias convencionais de disseminação destas tecnologias, destoando das necessidades dos sujeitos que habitam a zona rural. Em vez de treinamentos voltados para o uso de programas de computador proprietários e hegemônicos, na maioria das vezes para capacitar mão de obra destinada a empregos formais, as atividades formativas do projeto buscaram o desenvolvimento da criatividade, do pensamento crítico, da capacidade de empreender coletivamente, soluções para as demandas locais.

Denominamos esta ação de integração das TDIC na zona rural, tomando como base o conceito da palavra integração, assumido nesse caso como a inserção de um novo elemento num todo. O novo elemento, nesse caso são as tecnologias digitais da comunicação e informação (TDIC) e o todo, faz referência às comunidades rurais, às quais estas tecnologias foram integradas. Esse processo de integração concebe as TDIC, não como um elemento estranho, imposto à população, como uma novidade a ser recebida de forma alienada e alienante, mas numa perspectiva mais ampla.

As TDIC foram apresentadas neste contexto como uma possibilidade de ter acesso, compreender as formas de uso e interpretar no processo de estudo as alternativas para que esses recursos tecnológicos, pudessem ser integrados às suas atividades cotidianas, potencializando a sua capacidade de resolver problemas e demandas reais da sua comunidade.

Neste sentido, o projeto enfatizou o uso de softwares livres, como o sistema operacional Linux, BrOffice e o App Inventor, o desenvolvimento de estudos da realidade local, a identificação das necessidades das comunidades, o estudo de soluções de problemas e o atendimento às demandas reais. A aplicação das TDIC, a partir de projetos coletivos, concebidos e executados pelos sujeitos locais, sob a orientação e supervisão de educadores sociais buscou, portanto, o desenvolvimento da autonomia destes sujeitos, para darem continuidade ao processo de estudos e desenvolvimento de soluções locais, após a conclusão desta etapa inicial do projeto.

As análises foram elaboradas, utilizando-se como fonte os relatórios finais de cada etapa dos períodos de atuação dos educadores sociais, considerando-se os resultados das atividades realizadas nos CDCR. Utilizou-se ainda, conteúdos dos grupos focais realizados pela equipe de pesquisadores do projeto, nos diversos locais e instituições onde as ações do projeto foram desenvolvidas. Os grupos focais permitiram identificar a visão, as opiniões e ideias dos sujeitos sobre a integração das TDIC nas comunidades.

DESCRIÇÃO DOS RESULTADOS E ANÁLISES

Os conhecimentos construídos no fazer das atividades de campo, os produtos desenvolvidos, os registros das reuniões de pesquisa, a cada final de etapa, os aúdios e transcrições e análises das reuniões de grupo focal, realizadas pelos autores, permitiram uma leitura mais consistente do processo e dos resultados alcançados pelo projeto em cada localidade.

As atividades desenvolvidas nos CDCR seguiram uma dinâmica concebida no seu processo de planejamento, fundamentada nos princípios teórico-metodológicos assumidos pelo grupo de pesquisa, conforme relatado anteriormente. Dessa forma, havia um fluxo de ações a serem desenvolvidas na etapa anterior ao início do processo de integração das TDIC, que ocorriam na sede do Tecsol, em Salvador.

Na primeira etapa foram selecionados os municípios, firmadas as parcerias e implantados os CDCR nas localidades onde o projeto foi realizado. Em seguida, houve o processo de seleção dos monitores ou educadores locais para que atuassem em suas comunidades. Estes educadores eram então integrados ao projeto e recebiam durante o período de implantação, uma bolsa da FINEP, intermediada pelo Projeto Tecsol.

As etapas seguintes foram realizadas com a presença dos educadores que faziam parte da equipe central do projeto CDCR e viajavam de Salvador para os diversos municípios, deslocando-se para a zona rural e ficando hospedado na comunidade durante o período de uma semana, a cada etapa do processo. O quadro 1, abaixo, apresenta as localidades onde as ações do projeto CDCR foram realizadas, como um todo, destacando-se que o desenvolvimento de aplicativos para dispositivos móveis, uma das tecnologias escolhidas e analisadas neste artigo, ocorreu em dez municípios dentre estes, destacados.

QUADRO 1 Quantidade de participantes por município 

Município Quantidade Município Quantidade
América Dourada 48 Igrapiuna 69
*Andaraí 94 *Ilheus 57
Antonio Gonçalves 70 Licínio de Almeida 73
*Araci 60 *Mundo Novo 67
Arataca 20 Nilo Peçanha 105
Caldeirão Grande 96 *Pintadas 25
*Seabra 99 Sobradinho 21
Canarana 100 *Paramirim 82
Campo Alegre de Lourdes 49 *Quixabeira 113
**Caculé 37 Rio Real 69
Condeúba 62 *Riacho de Santana I 40
Caraíbas 53 Riacho de Santana II 60
*Varzea Nova 62 Itaete 44

Total de participantes nas atividades de inclusão sociodigital – 1.932

*Localidades onde foram desenvolvidos aplicativos com o App Inventor

Fonte: Elaborado pelos autores (2016).

Nesse período, foram realizadas a capacitação dos educadores locais e diagnóstico das carências, necessidades ou problemas que a comunidade desejava que fossem resolvidos com o uso de alguma tecnologia.

As etapas da metodologia de trabalho dos educadores nas comunidades consistiram em buscar juntamente com os sujeitos as respostas para as seguintes perguntas:

  1. Quais são as tecnologias utilizadas no dia-a-dia da sua comunidade, e qual a forma de uso?

  2. O que é tecnologia e o que é tecnologia social?

  3. Quais as barreiras e preocupações em relação à tecnologia e seu uso na sua comunidade?

  4. Qual a avaliação individual e de grupo que se faz sobre as atividades realizadas e seus resultados?

Colocadas essas questões, os sujeitos da comunidade, usuários dos CDCR, juntamente com o educador local, debatiam as respostas possíveis em pequenos grupos, propunham respostas e soluções, que eram em seguida apresentadas ao grupão para debater, aperfeiçoar e pensar em ideias para resolver as demandas que foram colocadas em pauta na discussão.

Assim, os participantes do projeto CDCR, criavam aplicativos para dispositivos móveis, documentários, sites, filmes de longa metragem, exibições de produtos das oficinas, cursos, exposições, dentre outras formas de aplicação da tecnologia, no contexto das comunidades rurais, com a participação efetiva dos sujeitos residentes. São práticas e metodologias de um fazer tecnológico que muitas vezes se constituíam em tecnologias sociais, na perspectiva apresentada por Dagnino (2010), na medida em que apoiavam as escolas a divulgarem os seus produtos e as suas ações.

A tecnologia social consiste em uma concepção de atividade econômica voltada para necessidades sociais, tendo, entretanto, como premissa básica a necessidade de participação dos sujeitos e comunidades aos quais se destinam as soluções tecnológicas para os seus interesses e carências (DAGNINO, 2010).

Os aplicativos para dispositivos móveis foram concebidos por grupos de participantes e desenvolvidos durante o processo de integração das tecnologias, resultaram na criação de recursos tecnológicos inovadores, criativos e estreitamente voltados para as demandas das comunidades.

O programa adotado para o desenvolvimento destes aplicativos foi o App Inventor, um software livre, criado pelo Massachusetts Institute of Technology – MIT, uma universidade americana que desenvolveu um método de criação de aplicativos, uma ferramenta, cujo objetivo é permitir que pessoas sem formação em linguagem de programação possam aprender a desenvolver aplicativos para dispositivos móveis, sem escrever códigos, bastanto, para isso, empregar a lógica de programação (JACINTO et al., 2018), popularizando as competências técnicas para a resolução de problemas com o uso desta tecnologia.

Os aplicativos desenvolvidos tiveram como objetivo organizar torneios de futebol, orientações turísticas, voltados para as atrações locais, guias gastronômicos, balanceamento de ração animal e de adubação de terras para a plantação, exposição de mudas de plantas e animais para a comercialização, divulgação das escolas e suas atividades, bem como formas de acesso para matrícula, catálogos de plantas e animais. As escolhas dos temas, indicam como estes sujeitos refletiram sobre suas necessidades e buscaram formas de atendê-las, compreendendo as tecnologias como elemento de integração e de solução de problemas reais.

Fonte:https://pt.slideshare.net/felipenaumann/apresentacao-de-resultado-cdcr-58277634.

FIGURA 02 Aplicativos para dispositivos móveis 

A maioria desses aplicativos estão disponíveis na Internet, sendo alguns em lojas virtuais, outros em redes sociais e páginas web ainda acessíveis, utilizando-se as informações fornecidas neste texto.

Observa-se nesse processo de desenvolvimento dos aplicativos, a evidente implementação do conceito de inclusão sociodigital adotada no projeto, uma vez que, para além de disponibilizar acesso à internet e equipamentos para operar, as atividades foram baseadas no conceito de emancipação digital (SCHAWRTZ, 2006), proporcionando aos sujeitos o controle da produção, o domínio da tecnologia digital, a autonomia e o direito de escolha das suas formas de uso. Promoveu-se assim, o que chamamos neste artigo de literacia digital, que proporciona a negociação de conteúdos e significados, a partir do trabalho coletivo, da interação de discursos em um contexto (BUZZATO, 2006; LANKSHEAR e HONOBEL, 2006; SAITOS e SOUZA, 2011; PINTO, 2015).

Podemos afirmar ainda que, tanto os produtos, aplicativos para dispositivos móveis, quanto o processo colaborativo, grupal, contextualizado e autônomo de sua criação, assemelha-se ao que chamamos de tecnologia social, que faz referência à criação de soluções tecnológicas desenvolvidas na interação com a comunidade e que representam efetivas soluções de transformação social (DAGNINO, 2010). Outro conceito assumido nesta ação e que pode ser notado na sua implementação, bem como nos seus resultados, muito ligado à ideia de espaço de formação e de cidadania é o de comunidades de prática. Nestas, como visto nos trabalhos do projeto CDCR, os sujeitos têm ações protagonistas, compreendem suas necessidades coletivas, concebem e constroem soluções para as suas necessidades reais (WENGER, 2001).

A visão, opinões e ideias dos sujeitos participantes sobre a integração das TDIC em suas comunidades

Na comunidade quilombola de Mato Verde, zona rural do município de Canarana, interior da Bahia, 387 quilômetros distante de Salvador, as reuniões do grupo focal resultaram em debates sobre as tecnologias usadas pela comunidade. Participaram das reuniões 5 mulheres e 6 homens. Seus papéis na comunidade são diversificados, inclusive dois gestores públicos, um vereador e o secretário de educação do município fizeram parte de algumas reuniões. Os demais eram professores, a confeiteira da escola, uma agente de saúde e o educador local.

Dentre as tecnologias utilizadas, afirmaram que o telefone móvel já estava bastante difundido na comunidade e que havia uma preocupação muito grande com o uso da água. Observou-se nas discussões que a água potável distribuída nas casas por sistemas públicos de abastecimento era algo novo na comunidade e tinha sido instalada apenas há dois anos e meio. Preocupavam-se com a extração de água das barragens pelos irrigantes, como chamavam os grandes produtores rurais, que, segundo eles, colocavam bombas, retiram toda a água para as suas plantações e deixavam a comunidade em falta desse bem natural.

Debateram a criação de peixes em cativeiro, não nativos da região e sua consequência predatória, com a extinção de espécies locais, as quais não mais eram vistas nos rios, poços, veredas e barragens, além de demonstrarem preocupações com o uso de agrotóxicos que contaminam as águas.

Outra preocupação manifestada durante as discussões dos grupos focais, tratou da preocupação do que chamaram de “orientação mental direcionada que a televisão aberta possui sobre o cidadão”.

Esta comunidade de Mato Verde concluiu que com a Internet poderiam “abrir um leque maior para o acesso à informação”.

Decidiram que os CDCR deveriam priorizar no processo de integração das TDIC as seguintes medidas, construídas coletivamente para beneficiar a comunidade, por meio das seguintes ações:

  • Desenvolver atividades escolares sobre as TICs do dia a dia e alimentação orgânica;

  • Utilizar as águas do Rio para a criação de peixes para o consumo e comércio;

  • Criação de um núcleo de produção familiar, com orientação técnica para a comercialização;

  • Recuperação da mata ciliar do rio, utilizando mudas com plantas nativas (reparação) já que as que estão plantadas são predadoras;

  • Criar rádio, blog, site para a valorização da cultura local (comunidade quilombola, história está esquecida...a região precisa se auto reconhecer);

  • Petição do abaixo assinado nas comunidades ribeirinhas;

  • Manifestações, palestras, passeatas;

  • Criação de associação cooperativa de apicultura (porque a irrigação está matando as abelhas), a piscicultura, o turismo, o lazer, a criação de caprinos e ovinos);

  • Criação de projetos para viabilizar estas ações.

Na zona rural do município de Seabra, 370 quilômetros distante de Salvador, na região da Chapada Diamantina, os grupos focais contaram com a participação média de 7 pessoas, 6 mulheres e 1 homem. Dentre estes quatro professores, uma diretora da EFA, um estudante e a educadora local.

Refletiram durante as discussões livres do grupo focal, destacando as tecnologias que já utilizavam no seu dia a dia, tais como eletrodomésticos, mas reportando as dificuldades da continuidade do uso em virtude das instabilidades das redes elétricas, que dificultavam muito o uso pleno destas tecnologias.

Pensando ainda nas barreiras impostas para o acesso às tecnologias no local, falaram da necessidade de um laboratório para apoiar as atividades agrícolas, viabilizando as análises de solo e outras análises fundamentais para a formação do técnico agrícola na escola.

Neste grupo também emergiu a preocupação com a pressão sofrida pelo agronegócio na região. Segundo eles, muitos técnicos agrícolas formados na EFA, com o objetivo de apoiar a agricultura familiar terminavam sendo absorvidos como empregados nas fazendas de grandes produtores e isso prejudica a consolidação do programa de fomento à pequena produção rural.

Nos grupos focais de Seabra, a comunidade refletiu sobre o potencial da integração da TDIC e indicou as suas prioridades, propondo:

  • Reutilização e redução do uso da água (mecanismos para a reutilização e redução do uso da água) reutilização de água cinza;

  • Fomentar a criação de cooperativas com as famílias dos alunos voltadas para a produção e comercialização (as pessoas em cooperativa precisam de uma formação, conhecer a produção e comercialização do produto);

  • Implantação de laboratório de pesquisas para análises técnicas de atuação da escola;

  • Produção de flores;

  • Irrigação para a escola;

  • Implementação de rádio comunitária;

  • Reutilização da água;

  • Velocidade da internet (precisam de uma internet mais rápida);

  • Material didático inexistente (por isso o uso da internet como produtor de pesquisa, assim pontuaram o problema de conteúdo confiável na internet para o uso em suas aulas e atividades);

  • Criar página para divulgar as atividades desenvolvidas na escola;

  • Banco de pesquisa (catalogação de livros, sementes, plantas);

  • Oficinas de reciclagem de lixo;

  • Pesquisa sobre ações ambientais que fiquem registradas;

  • Oficinas ambientais que pensem a situação local, regional e global;

  • Criar rotina de estudo no cdcr;

  • Oficinas com a utilização do cdcr para cursos básicos;

  • Cartilha digital (EFA);

Na comunidade rural de Jequitibá, no município de Mundo Novo, Bahia, distante 254 quilômetro de Salvador, a participação média nas reuniões de grupos focais foi de seis pessoas, três mulheres e três homens, sendo dois estudantes da EFA, uma educadora local, duas mães, uma delas professora da escola e o diretor na EFA.

As discussões sobre tecnologias nesta EFA foram muito voltadas para as acentuadas carências que revelaram ser-lhes impostas, principalmente devido à falta de água para as necessidades básicas da escola e da comunidade.

Utilizam água de poço e cada família tem direito a sessenta litros por dia, apanhados em baldes. Afirmaram que o local era rico em água e tinha este recurso em abundância até 1983. Depois disso a água desapareceu. Ao contrário dos outros locais, não identificaram as causas, apenas relataram o problema e as dificuldades que enfrentam em consequência dele.

Na escola agrícola também não contam com tecnologias modernas. Usam para as aulas e para a sua pequena produção local, a enxada, a foice e o machado. Para a plantação cavaram uma cisterna que fornece água para esta, no entanto é imprópria para o consumo humano.

A chegada do CDCR nesta escola representou muito, segundo os participantes. O acesso ao computador e à Internet fez diferença para eles. Na fala de um dos participantes “A Internet é que nos fez ser notados”. Ainda assim, as comunicações continuam precárias entre os locais. Eles afirmam que se comunicam por meio de cartazes, da propaganda boca a boca, e que não tem rádio, nem telefone, nem auto falante, na comunidade.

Um estudante no grupo focal relatou sua experiência com relação à tecnologia. Ela disse que “quando liga o wifi toda a escola fica em silêncio”. Contou que certo dia me disse que estava muito feliz, porque o roteador estava desligado...e por conta disso todos estavam falando com ela. Essa estudante não tem smartphone.

Nas discussões sobre as possibilidades de uso da TDIC dos CDCR pela comunidade para buscar soluções para as suas demandas, os participantes propuseram:

  • Revitalização da nascente;

  • Rádio comunitária (para informar a comunidade o que está acontecendo com a escola);

  • Projeto de reflorestamento;

  • Divulgação sobre a importância da reciclagem (rede socioambiental);

  • Possibilidade de se conseguir um poço artesiano;

  • Projeto de recuperação da nascente, barreiros, cacimbas...;

  • Comunicação...antena de alguma operadora para dar qualidade de sinal de telefone para uma melhor comunicação;

  • Beneficiamento de telefonia pública para a escola, por meio de secretarias;

  • Beneficiamento de provedor de internet gratuita;

  • Reativação do blog e alimentação deste para uma projeção.

Observa-se no teor das discussões dos grupos focais que, as comunidades, desde Mato Verde, em Canarana, passando pela zona rural de Seabra, até Jiquitaia, em Mundo Novo enxergaram no projeto CDCR um grande potencial para a construção de soluções para os seus problemas e demandas. Chama a atenção a forma como eles viram o uso de blogs, rádios comunitárias, sites e redes para a mobilização das comunidades, usando inclusive soluções locais já conhecidas de abaixo assinados e manifestações, desta vez com a aplicação das tecnologias para ampliar o seu poder de mobilização. Viu-se também a crítica a mídia de massa, quando eles disseram que a televisão aliena o cidadão e que a internet com os seus diversos recursos pode ser uma alternativa para melhorar as comunicações locais e envolver o cidadão de forma crítica.

As discussões nos grupos focais foram sempre antecedidas de leituras e debates sobre as bases do projeto Tecsol e do subprojeto CDCR. E reflexões sobre o uso de software livre, sobre tecnologia social e sua importância para o desenvolvimento de soluções locais e de tecnologias de base comunitária, o debate sobre a inclusão sociodigital, com base na ideia de emancipação digital (SCHWARTZ, 2006) e de literacia digital (PINTO, 2015). Além disso, reflexões sobre comunidades de prática, podem ter provocado forte sentimento de engajamento social e de criticidade nestas comunidades, uma vez que as proposições acima, como pode ser visto, extrapolam as possibilidades de ações pontuais de um CDCR.

Os autores e educadores, coordenadores do estudo, em seu processo de avaliação da experiência de terem conduzido estes grupos focais, concluíram que as proposições que emanaram das discussões denotam um fortalecimento do sentimento de pertencimento e de engajamento às causas locais, além de um sentimento de poder, conferido pelo acesso a essas tecnologias.

Observa-se nos produtos das oficinas realizadas nestas comunidades, descritos anteriormente, que esse desejo de mudança e de criação de soluções locais também se manifesta.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Buscou-se atender ao foco analítico da pesquisa, que foi a compreensão do processo de integração das tecnologias nas comunidades rurais, compreendendo que essa integração envolve questões socioculturais, a operacionalização de práticas sociais, assim como os interesses dos sujeitos do processo educativo, bem como identificar a visão, opiniões e ideias dos sujeitos participantes, sobre a integração destas tecnologias nas suas comunidades, buscando a compreensão da sua dimensão.

A equipe central da pesquisa, constitui-se de dois pesquisadores, responsáveis pela coordenação, um grupo de apoio administrativo e pedagógico com duas pessoas e um grupo de educadores sociais, composto de dez membros, que faziam parte do processo de planejamento na sede do projeto em Salvador e viajavam para as comunidades rurais, onde atuavam na implementação das ações.

Registre-se que no período do projeto, além dos aplicativos para dispositivos móveis, foram desenvolvidos seis filmes de curta metragem, todos escritos, dirigidos e estrelados pelos próprios participantes, sendo estes lançados nas comunidades, que viram os seus cenários locais retratados em forma de cultura cinematográfica. Os filmes produzidos estão disponíveis no canal do Projeto Tecsol Bahia no YouTube3.

Dez comunidades optaram pela criação de aplicativos para dispositivos móveis, tendo sido produzidos, pelos participantes onze aplicativos, todos voltados para a solução de problemas locais, tais como cálculos de adubação, ração animal, integração entre estudantes professores e a comunidade, organização de atividades esportivas, divulgação de pontos turísticos das localidades, comercialização dos produtos das escolas agrícolas, dentre outros.

Os aplicativos produzidos também estão disponibilizados nas lojas play stores no Google Play utilizando-se as palavras “cdcr tecsol” como chave de busca, tais como neste exemplo, do link, que dá acesso a um dos aplicativos criados4.

Essas informações sobre os produtos criados no âmbito do projeto, aliados às descrições sobre as impressões dos educadores sociais, que fizeram as observações participantes (MICHAEL, 2009), durante a sua realização e complementados pelas propostas apresentadas pelos participantes nos grupos focais (GATTI, 2005), contribuíram para a compreensão do processo de integração de tecnologias digitais de informação e comunicação nas comunidades rurais.

Permitiram ainda, inferir que as categorias teóricas que foram assumidas pela proposta do projeto, com base nos conceitos de inclusão sociodigital, (PINTO, 2015; SCHWARTZ, 2009; SILVEIRA, 2008; WARSHWAUER, 2006) que é muito mais abrangente do que o simples acesso à tecnologia, envolvendo a sua apropriação pelos sujeitos de forma criativa e crítica.

Ajudaram ainda a perceber, como o propósito de que essas tecnologias fossem compreendidas e integradas às comunidades, não apenas como novidades, desconectadas da sua realidade cotidiana, sim como uma tecnologia social (DAGNINO, 2010), que faça sentido para aquelas pessoas e contribua para a transformação da sua realidade, foi alcançado, tendo em vista os resultados apresentados e a possibilidade de inferirmos que os participantes construíram um grau de autonomia, uma vez que foram os idealizadores e autores de cada produto resultante da ações do projeto.

E, por outro lado, ajudaram na compreensão de que estes grupos sociais poderiam atuar ou já atuavam, como comunidades de prática (WENGER, 2001), aquelas que estão voltadas para conceber e construir soluções para as suas demandas reais.

A resposta à questão principal foi então construída, indicando a possibilidade de ampliação destes estudos para o alcance de objetivos mais amplos e significativos para estes longínquos recantos do Estado, afastados das áreas urbanas e carentes da emancipação, não só digital, mas social e cidadã.

Vale salientar que este projeto ficou interrompido desde o ano de 2016, devido à falta de continuidade do convênio com a SECTI e à redução das atividades de inclusão digital na Bahia, no entanto, o grupo de pesquisa deu continuidade aos estudos e atualmente está desenvolvendo aplicativos com professores e estudantes de escolas públicas em seis municípios baianos, apoiado por um edital interno da Uneb, para ações de combate ao coronavírus, por meio de atividades educativas. O projeto Edu_Covid19, teve início no mês de maio e se estenderá até o mês de agosto de 2020, valendo-se das bases metodológicas e das tecnologias desenvolvidas nesta experiência aqui relatada e analisada.

3O link abaixo dá acesso aos vídeos produzidos nas comunidades, todos concebidos, dirigidos e estrelados pelos moradores locais participantes das atividades e exibidos em praça pública ou locais cedidos pelas escolas e prefeituras para os moradores locais. https://www.youtube.com/channel/UCOnRqCsJZNnANk8OTdkaeVA

4O link abaixo dá acesso aos aplicativos produzidos nas comunidades. https://play.google.com/store/search?q=cdcr%20tecsol

REFERÊNCIAS

DAGNINO, R. A relação universidade-empresa no Brasil e o “argumento da hélice tripla”. Revista Brasileira de Inovação. Rio de Janeiro: Finep, v. 2, n. 2, p. 267-308, jul./dez. 2003. [ Links ]

DAGNINO, R. (Org.). Tecnologia social: ferramenta para construir outra sociedade. Campinas-SP: Komedi, 2010. [ Links ]

GATTI, B. A. Grupos Focais na pesquisa em ciências sociais e humanas. Brasília: Liber Livro Editora, 2005. [ Links ]

JACINTO, A. da S. et al. Aplicativos úteis: um processo de ensino aprendizagem aplicado às necessidades do cotidiano. Revista Internacional de Educação Superior, 4(3), 610-630, 2018. [ Links ]

LANKSHEAR, C.; KNOBEL, M.; PETERS, M. Digital Literacies: Concepts, Policies and Practicies. New York: Peter Lang Publishing, 2008. 321 p. [ Links ]

MICHAEL, A. Etnografia e Observação Participante. Porto Alegre: Artmed, 2009. [ Links ]

PINTO, S. M. da C. Rede de Formação: um modelo em contextos sociais de literacias digitais. Tese de doutorado DMMDC/UFBA, Salvador, 2015. [ Links ]

SCHWARTZ, G. Educar para a emancipação digital. 2006. Disponível em: http://download.cidade.usp.br/.../educar. Acesso em: 17 jul. 2009. [ Links ]

SILVEIRA, S. A. A noção de exclusão digital diante das exigências de uma cibercidadania. In: HETKOWSKI, T. M. (org.). Política Pública e Inclusão Digital. Salvador: Edufba, 2008. [ Links ]

WARSCHAUER, M. Tecnologia e Inclusão social: a exclusão digital em debate. São Paulo: editora SENAC, 2006. [ Links ]

WENGER, E. Comunidades de práctica: aprendizaje, significado e identidad. Cognición download desarrollo humano. Paidós, 2001. [ Links ]

Recebido: 10 de Março de 2020; Aceito: 16 de Junho de 2020; Publicado: 30 de Julho de 2020

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