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Revista Exitus

versão On-line ISSN 2237-9460

Rev. Exitus vol.10  Santarém  2020  Epub 30-Mar-2022

https://doi.org/10.24065/2237-9460.2020v10n0id1262 

Artigos

OS IDEAIS PEDAGÓGICOS PRESENTES NA FORMAÇÃO DO PROUCA: uma reflexão crítica

THE PEDAGOGICAL IDEALS PRESENT IN TEACHER EDUCATION SUPPORTED BY PROUCA: a critical reflection

LOS IDEAES PEDAGÓGICOS PRESENTES EN LA FORMACIÓN DEL PROUCA: una reflexión crítica

Josemar Farias da Silva1 
http://orcid.org/0000-0001-7258-7822

Selma Suely Baçal de Oliveira2 
http://orcid.org/0000-0001-6765-4568

1Doutorando em Educação. Docente do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Amazonas – IFAM, Manaus, Amazonas, Brasil. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0001-7258-7822. E-mail: josemar.silva@ifam.edu.br

2Doutora em Educação. Professora Titular da Universidade Federal do Amazonas – UFAM, Manaus, Amazonas, Brasil. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0001-6765-4568. E-mail: selmabacal@ufam.edu.br


RESUMO

O presente texto trata-se de um recorte de pesquisa de mestrado acerca do Programa um Computador por Aluno (PROUCA). De cunho bibliográfico e documental, a análise dos documentos foi inspirada na Psicologia Sócio-Histórica, a partir de onde compreendemos as políticas educacionais enquanto fluxos de discursos e embates que se dão na sociedade, sempre em referência a um contexto social construído histórico e culturalmente. A análise aqui empreendida foi focada na formação de professores desenvolvida no âmbito do programa. Permitiu evidenciar as apropriações neoliberais que se dão no campo educacional relacionadas ao uso do computador, bem como a filiação ideológica dos pressupostos pedagógicos que sustentam e advogam o uso, cada vez maior, das tecnologias na educação e as formações empreendidas neste sentido.

Palavras-chave: Tecnologias na Educação; PROUCA; Psicologia Sócio-Histórica

ABSTRACT

This paper is part of a master's study on the One Computer per Student Program (PROUCA). Bibliographical and documental in nature, the analysis of the documents comprising the research corpus was inspired by Socio-Historical Psychology, from where we understand educational policies as flows of discourses and clashes that take place in society, always against the background of a historically and culturally constructed social context. The analysis undertaken in the study was focused on teacher education developed under the PROUCA program. It allowed highlighting the neoliberal appropriations that occur in the educational field related to the use of computers, as well as the ideological affiliation of the pedagogical assumptions that support and advocate the increasing use of technologies in education and trainings supported by them.

Keywords: Technologies in Education; PROUCA; Socio-Historical Psychology

RESUMEN

Este texto es un extracto de una investigación de maestría sobre el Programa Una Computadora por Estudiante (PROUCA). De naturaleza bibliográfica y documental, el análisis de los documentos se inspiró en la psicología sociohistórica, desde donde entendemos las políticas educativas como flujos de discursos y enfrentamientos que tienen lugar en la sociedad, siempre en referencia a un contexto social construido histórica y culturalmente. El análisis realizado aquí se centró en la formación de docentes desarrollada bajo el programa. Permitió resaltar las apropiaciones neoliberales que ocurren en el campo educativo relacionadas con el uso de la computadora, así como la afiliación ideológica de los supuestos pedagógicos que apoyan y abogan por el uso creciente de las computadoras en la educación y la capacitación emprendida en este sentido.

Palabras clave: Tecnologías en la Educación; PROUCA; Psicología Socio-Histórica

UMA BREVE INTRODUÇÃO

A escola hoje tem sido impactada por uma política pública educacional que concebe o uso da tecnologia enquanto meio que possibilitaria a melhoria na qualidade do ensino e principalmente segundo documentos oficiais, proporcionaria a chamada inclusão digital.

Dois modelos de políticas públicas que propõem distribuir computadores a escolas públicas para uso pedagógico, estão em circulação hoje em dia, embora se baseiem em perspectivas e concepções de aprendizagem diferentes, trazem em comum a pretensa ideia de que a melhoria da qualidade da escola pública passa necessariamente pela introdução de insumos que em conjunto assegurariam melhoria nos processos de aprendizagem.

Nesse contexto, torna-se urgente e necessário promovermos discussões e reflexões sobre as políticas públicas e, mais especificamente, acerca do uso massivo das tecnologias na educação para, assim, refletir sobre suas potencialidades, numa perspectiva crítica. Então é o que nos propomos no presente artigo, buscar referenciais teóricos que nos permitam estabelecer um diálogo afim de se propor formas mais conscientes e críticas de se atuar no contexto escolar com vistas a promover a aprendizagem e a elevação cultural do indivíduo a partir da apropriação dos conhecimentos científicos historicamente produzidos.

Com o presente artigo, buscamos problematizar e compreender, a partir das contribuições da Psicologia Sócio-Histórica, os ideais pedagógicos que permearam e se tornaram constitutivos do processo formativo no âmbito Programa um Computador por Aluno (PROUCA)3, considerando a lógica, os saberes e os dizeres evidenciados na formação, levados a cabo tanto dentro do projeto inicial quanto do programa propriamente dito. Com isso buscamos evidenciar os pressupostos pedagógicos e sentidos atribuídos ao uso das tecnologias na educação disseminados na formação durante a implementação da política em sua fase de formação pedagógica, o que repercutirá nas formas como a escola e professores se apropriarão das Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDICs) e o papel que passará a desempenhar em sala de aula.

Perceber essas questões de fundo, bem como a lógica de construção de conceitos e discursos torna-se relevante do ponto de vista de se contribuir para uma apropriação crítica e uso consciente das tecnologias, comprometido com a mudança social a partir da compreensão de nossa sociedade e sua forma de funcionamento.

Acreditamos que as teorias veiculadas e apropriadas no processo formativo, repercutiram nas diversas práticas adotadas em sala de aula, dessa maneira, objetivamos trazer contribuições para um saber-fazer crítico quanto ao uso do laptop para fins educacionais, visando construir de fato uma escola que promova emancipação e formação crítica do indivíduo, que objetive uma ruptura e superação dessa sociedade, embora saibamos que a educação sozinha não pode dar conta, mas a concebemos enquanto instância de instrumentação a luta e apropriação do conhecimento historicamente produzido pelas gerações ao longo do decurso da humanidade, suas práticas culturais e seus conhecimentos científicos, partindo do princípio de que “o dominado não se liberta se ele não vier a dominar aquilo que os dominantes dominam” (SAVIANI 2007, p. 55).

Então, apropriar-se do que os dominantes dominam é condição de libertação. Pensamento consoante com as ideias de Paulo Freire de que a função da educação é problematizar e conscientizar o aluno. Em nosso entendimento, isto tem a ver com o ato educativo – ato intencional e, portanto, político, de levar os alunos a entender a sua condição de oprimido para atuar em favor de sua libertação.

Estruturamos nosso texto em quatro partes. Na primeira, em uma breve introdução, situamos nosso objeto de estudo, qual seja – o uso das tecnologias na educação, delimitando nossos objetivos, aos quais focam na formação desenvolvida no âmbito de um projeto, que mais tarde se consolidaria como um programa que incentivava e provia meios para o uso massivo de laptops educacionais em escolas públicas. Na segunda, de forma sintética, dados os limites deste artigo, destacamos os pressupostos teóricos e metodológicos que orientaram a realização de nossa análise bem como os procedimentos utilizados. Na terceira parte, em linhas gerais, destacamos duas das principais políticas deflagradas pelo Governo Federal, que visavam à melhoria da qualidade da escola pública via inserção e uso massivo das TDICs, cuja apropriação por parte das escolas e educadores, seriam os elementos necessários à garantia da qualidade da educação – segundo os documentos oficiais. Na quarta e última parte expomos os resultados e discussões onde problematizamos e evidenciamos os pressupostos, concepções e os sentidos que nortearam as práticas e os processos desenvolvidos ao longo da formação para o uso pedagógico dos laptops educacionais, seguida das conclusões.

ASPECTOS TEÓRICO METODOLÓGICOS

A análise ora empreendida parte do aporte teórico metodológico da Psicologia Sócio-Histórica que desenvolve-se a partir dos estudos de Vygotsky e seus colaborares psicólogos russos, construindo uma psicologia do sujeito concreto, imerso em seus condicionantes socais, históricos e culturais, cujos pressupostos teóricos, metodológicos e epistemológicos se baseiam no materialismo histórico e dialético, pois compreende o sujeito e suas práticas, como processo, sempre em referência a um contexto social construído historicamente a partir das condições concretas e objetivas dos diversos modos de produção da existência dos homens (AGUIAR; MACHADO, 2016; BARROCO, 2007; VYGOTSKY, 2004; VIGOTSKY, 1991). Tanto a linguagem quanto o conjunto de significações elaborados pelo sujeito têm um papel fundamental na teoria, seja na constituição do sujeito histórico, seja nas diferentes formas como vivencia, interpreta e dá sentidos e significados ao que lhes acontece. Dessa forma, a captação dos sentidos contidos na linguagem, não em sua aparência, mas em suas determinações históricas e sociais, tornam-se importantes instrumentos analíticos num processo de apreensão da realidade – como o da pesquisa, que vise considerá-la enquanto realidade complexa e multideterminada.

A pesquisa foi de cunho bibliográfico, com levantamento da literatura pertinente ao uso das TDICs na educação em diferentes, mas convergentes dimensões: As políticas educacionais; a relação indissociável entre ensino e aprendizagem, a inclusão digital, a tecnologia como mediação no processo educativo, sem nos esquecer dos processos sociais e econômicos mais amplos que disputam a hegemonia pela escola pública no que concerne aos meios, finalidades, formas, conteúdos, métodos, entre outros.

Nesse recorte, focamos no processo formativo do PROUCA, com levantamentos de leis, decretos, normativas, e na busca de materiais utilizados na formação, como slides, diretrizes, princípios norteadores, além de materiais diversos produzidos pelos integrantes do Grupo de formação de diferentes universidades envolvidos na capacitação, bem como suas publicações decorrentes de forma que fosse possível proceder a análise dos sentidos circulantes em busca dos ideais e propostas pedagógicas que se materializavam no conjunto de diretrizes que comporiam a formação que perpassou as diversas fases, desde o projeto piloto, ao programa propriamente instituído.

O PROUCA NO CONTEXTO DAS POLÍTICAS DE INSERÇÃO DAS TECNOLOGIAS NA EDUCAÇÃO

As tecnologias têm ocupado hoje um papel central em toda a sociedade contemporânea, permeando quase todos os espaços,

de modo que ela não mais pode ser definida como uma somatória de novas técnicas operacionais, mas sim como um modus vivendi, como um processo social que determina as configurações identitárias dos indivíduos e as do processo educacional/formativo (ZUIN, 2010, p. 961).

Em termos educacionais, seu uso tem sido associado a uma melhoria da qualidade da escola pública a partir de ações que visa sua universalização (KRAMER, MOREIRA, 2007). Sabemos que o impacto causado em nossa sociedade é visível, alterando significativamente o mundo do trabalho e as relações entre indivíduos, proporcionado pelo uso cada vez mais intenso de novas formas de interação desencadeadas pelo surgimento cada vez mais crescente de novos aparatos tecnológicos.

Sob o ponto de vista histórico, de acordo com Moraes (1993, 1997) é datado da década de 70 as discussões acerca do uso da informática educativa na escola. As discussões iniciais aconteceram em ambientes acadêmicos, com ações desenvolvidas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1966), a Universidade de Campinas (1973) e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1975). Na maioria dos casos as discussões se deram em centros ou departamentos de computação, matemática ou estatística.

O Brasil buscava, nessa época, criar condições próprias de desenvolvimento tecnológico, visando desde então o desenvolvimento de formas e estratégias que alavancassem o desenvolvimento social, econômico e político.

Assim como a França, os Estados Unidos, o Japão, a Inglaterra e a Suécia, o Brasil tinha interesse em construir uma base própria que lhe garantisse autonomia tecnológica em informática, preocupado inclusive com as questões de soberania nacional e de que forma a informática poderia vir a afetar as relações de poder (MORAES, 1993, p. 17).

Desde então, uma série de ações, projetos e programas foram implementados: EDUCOM, FORMAR, PRONINFE, PLANINFE, PROINFO, compreendendo ações entre criação de espaços de discussões e pesquisas, construção de infraestrutura, formação e distribuições de equipamentos.

Não objetivamos, neste trabalho, fazer um resgate histórico da trajetória do uso das tecnologias na escola. Apontamos apenas algumas questões dada a necessidade de contextualizar para avançarmos em nossa discussão. Optamos por expor em linhas gerais dois dos programas vigentes, relacionados com a inserção do computador na escola, dada a sua amplitude, relevância e impactos sob a escola pública.

O Programa Nacional de Formação Continuada em Tecnologia Educacional denominado ProInfo Integrado, foi instituído a partir do Decreto 6.300 de 12 de dezembro de 2007. Inicialmente gerenciado pela Secretaria de Educação a Distância (SEED/MEC4) e posteriormente pela SECADI, desenvolveu, em parceria com estados e municípios, ações voltadas à universalização do uso das TICs, atuando diretamente a partir dos núcleos de tecnologia Educacional (NTEs) estaduais e municipais.

Como aponta documento que trata do Programa, seus objetivos tratavam de:

  1. I - Promover o uso pedagógico das tecnologias de informação e comunicação nas escolas de educação básica das redes públicas de ensino urbanas e rurais;

  2. II - Fomentar a melhoria do processo de ensino e aprendizagem com o uso das tecnologias de informação e comunicação;

  3. III - promover a capacitação dos agentes educacionais envolvidos nas ações do Programa;

  4. IV - Contribuir com a inclusão digital por meio da ampliação do acesso a computadores, da conexão à rede mundial de computadores e de outras tecnologias digitais, beneficiando a comunidade escolar e a população próxima às escolas;

  5. V - Contribuir para a preparação dos jovens e adultos para o mercado de trabalho por meio do uso das tecnologias de informação e comunicação; e

  6. VI - Fomentar a produção nacional de conteúdos digitais educacionais (BRASIL, 2007).

Em suma, o programa, além de oferecer formação didáticopedagógica para uso das Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs), articula-se com a distribuição de equipamentos tecnológicos como o computador, além da oferta de conteúdos e recursos multimídia que serão utilizados em espaços denominados “laboratórios de informática”.

O PROUCA, instituído pela Lei nº 12.249, de 14 de junho de 2010, e regulamentado pelo decreto 7.243 de 26 de Julho de 2010, destina-se a distribuição de um laptop educacional para escolas de ensino fundamental, baseando no paradigma 1:1 – cada aluno com seu computador; lema esse que é adotado pela One Laptop per Child (OLPC), – organização criada por Nicholas Negroponte e vinculada ao Massachusetts Institute of Technology (MIT), cujas informações veiculadas em vídeo5 disponível no site da OLPC, nos diz que sua missão pode assim ser definida: ”nós queremos criar oportunidades educacionais para as crianças mais pobres do mundo provendo cada uma delas com um laptop resistente, de baixo custo, com baixo consumo de energia e conectado”.

Conforme avaliação realizada pela Câmara dos Deputados através do Conselho de altos estudos, um investimento dessa envergadura justifica-se uma vez que:

  1. I) A imersão tecnológica da escola propicia o desenvolvimento de uma “cultura digital”, na qual os alunos têm suas possibilidades de aprendizagem ampliadas pela interação com uma multiplicidade de linguagens ao mesmo tempo em que se potencializa a inclusão digital de toda a comunidade escolar.

  2. II) O viés da equidade social e o da competitividade econômica convergem ao serem estimuladas as novas habilidades e competências que a era digital exige.

  3. III) A mobilidade e a conectividade do equipamento permitem ampliar os tempos e espaços de aprendizagem de professores e alunos, fundamentais para desenvolver a autonomia que possibilita a educação por toda a vida, como defende a UNESCO.

  4. IV) Por último, a utilização dos laptops conectados à Internet permite a constituição de múltiplas comunidades de aprendizagem, que, interligadas em rede, favorecem a interculturalidade, o trabalho cooperativo e colaborativo e a autoria e coautoria entre estudantes e professores na construção do conhecimento [...] (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2008, p. 16-17).

As políticas educacionais nas últimas décadas têm apostado e depositado nas novas tecnologias, “o poder de converter ‘excluídos’ em ‘incluídos’, sem alterar as relações econômicas que realimentam a expropriação e exploração, (constituindo-se) [...] como uma das principais estratégias de alívio a pobreza” (BARRETO, 2009, p. 49). Ou como se a qualidade da educação passasse apenas pela ausência ou presença de instrumentos tecnológicos modernos.

As tentativas: de ordenar os sistemas educacionais e de promover qualidade na educação, não devem ser orientadas por valores definidos “de cima”. Também não cabe celebrar a capacidade “mágica” de qualquer componente do processo pedagógico (como as novas tecnologias, por exemplo) e vê-lo, por si só, como catalisador de mudanças significativas (MOREIRA; KRAMER, 2007, p. 1046).

Por essas razões, defendemos a tese que os processos educativos os quais pretendam desenvolver a criticidade necessária e possibilite ao indivíduo não somente se apropriar da cultura historicamente produzida, mas capacitálo a ser agente de mudanças, na busca pela superação dessa sociedade, deve prescindir da compreensão acerca dos complexos processos atrelados ao uso das tecnologias na educação, considerando seu papel estratégico na dinâmica da atual conjuntura capitalista e suas demandas formativas impostos á educação, materialializadas no novo papel a ser desempenhado pelos professores, no modelo de competências que advogam, na estruturação de novas matrizes curriculares, preconizando novas formas de ensinar e aprender cuja centralidade reside na defesa e uso massivo das TDICs, como elemento primordial para uma educação de qualidade e desenvolvimento da autonomia – efetivadas nos lemas “aprender a aprender” e de “aprendizagem ao longo da vida” que materializam-se em documentos e prescrições internacionais que influenciam nossas políticas educacionais e seus rumos.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

A formação foi um aspecto tido como de suma importância dentro da implantação do programa, pois havia a preocupação de que, para se garantir um uso efetivo, os professores necessitavam de formação não somente no que concerne à apropriação tecnológica, mas também, aos aspectos didáticos pedagógicos de uso das TDICs.

Acreditamos que as teorias veiculadas e apropriadas em qualquer processo formativo, repercutem nas diversas práticas adotadas em sala de aula, assim objetivamos trazer contribuições para um saber-fazer crítico quanto ao uso do laptop, visando construir de fato uma escola que promova emancipação e formação crítica do indivíduo, que objetive uma ruptura e superação dessa sociedade, embora saibamos que a educação sozinha não pode dar conta, mas a concebemos enquanto instância de instrumentação à luta e apropriação do conhecimento historicamente produzido pelas gerações ao longo do decurso da humanidade, suas práticas culturais e seus conhecimentos científicos, partindo do princípio que no campo contrahegemônico, a visão e compreensão das atuais formas de funcionamento de nossa sociedade e suas diversas formas de exploração do indivíduo, devem ser objetivos a serem alcançados no âmbito da educação escolar, como forma de contraposição e luta por uma escola para além do capital.

Breve descrição: a estrutura e o modelo formativo

Constatamos que no modelo formativo adotado no programa, houve intensa participação das Instituições de Ensino Superior (IES), a partir de seus professores e pesquisadores, bem como dos Núcleos de Tecnologia Educacional, estaduais (NTE) e municipais que são os (NTM), conforme pode ser visto no projeto de formação do Programa o que se deu, conforme documento, “[...] numa rede de colaboração/cooperação” (BRASIL, 2009, p. 2).

Um fato que pode ser considerado um avanço em relação à política do PROINFO deflagrada pelo Ministro Paulo Renato de Souza, ainda no Governo de Fernando Henrique Cardoso, que alijou as universidades do processo decisório e formativo, ficando a formação a cargo apenas dos NTEs, desconsiderando a Universidade “enquanto espaço de excelência para a formação” (MORAES, 2012, p. 258).

No ano de 2007 o GTUCA, composto pelas seguintes universidades: Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Universidade de São Paulo (USP), (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC/MG), Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Universidade Federal do Ceará (UFC), juntamente com especialistas e representantes da extinta SEED/MEC, elaboram um documento denominado “Princípios orientadores para o uso pedagógico do laptop na educação escolar”6 a partir de visitas técnicas realizadas nas escolas ainda na fase I do projeto, que ocorreu em cinco escolas, e fruto de uma ampla discussão no âmbito do grupo de Trabalho e Assessora mento Pedagógico (GTUCA), subsidiado pela visitas técnicas à escolas que constituíram o projeto piloto em sua fase inicial em 2007, relatos de coordenadores, professores e pesquisadores envolvidos na formação e acompanhamento do projeto (BRASIL, 2007a, p. 2).

Dessa forma, o documento tinha “[...] por finalidade contribuir na fundamentação pedagógica do programa” (BRASIL, 2007a, p. 8), principalmente devido à vontade política de se expandir as experiências com o uso do laptop, preparando para a expansão que foi denominada de Fase II com distribuição de equipamentos para mais de 300 escolas “[...] de modo a assegurar o uso do laptop em consonância com as necessidades curriculares e de aprendizagens qualitativas, na perspectiva de inclusão” (BRASIL, 2007a, p. 8). Essas diretrizes de acordo com o documento, visavam subsidiar um melhor uso dos laptops que se concretizem de fato em mudanças pedagógicas seja no currículo, seja na prática dos professores em sala de aula (BRASIL, 2007a).

O documento denominado de “Princípios orientadores para o uso pedagógico do laptop na educação escolar”, a partir de uma série de diretrizes e pressupostos pedagógicas, destacaram a necessidade de se lançar mão de referenciais teóricos a partir do qual se derivem “concepções pedagógicas inovadoras”.

A primeira delas se refere ao conceito de aprendizagem em rede, sendo definida como [...] “uma lógica reticular de nós que se interconectam, permitindo muitos pontos de chegada e de partida. Pautando-se e valorizando a diversidade entre os participantes da rede” (BRASIL, 2007a, p. 12), entre outras questões defendia uma concepção contra a lógica linear que se estabelece na escola como seriação por idade e estratificação por séries.

A segunda concepção refere-se ao rompimento com a lógica de espaços e tempos de aprendizagem, pautando-se na necessidade de se ir para além da sala de aula, como espaço formal de aprendizagem, devido à mobilidade do laptop (BRASIL, 2007a, p. 12).

A terceira concepção refere-se à formação de comunidades de aprendizagem a partir do uso do laptop conectado à internet ampliariam “as possibilidades de diálogo dentro e fora da escola, estimulando o trabalho colaborativo a partir da autoria e coautoria” (BRASIL, 2007a, p. 12).

A quarta concepção que alicerçou a formação, leva em consideração “a necessidade de variados tipos de letramento e uso de múltiplas linguagens proporcionada pelas TDICs” (BRASIL, 2007a, p. 12).

As demais concepções tratam da necessidade de integração curricular às diversas áreas do conhecimento que proporcionassem ao docente no processo de ensino-aprendizagem “trabalhar estratégias como aprender a aprender, aprender a fazer, aprender a ser e aprender a conviver” entendendo que a “tecnologia torna os estudantes e professores autores, coautores e geradores de novos conhecimentos” (BRASIL, 2007a, p. 15).

Destacamos, contudo, que qualquer concepção de aprendizagem não é neutra. É intrínseca à sua constituição, uma certa visão de mundo e de suas formas de funcionamento, de sujeito, de aprendizagem e de desenvolvimento. A educação escolar enquanto locus privilegiado de aprendizagem e desenvolvimento, dentro de uma perspectiva crítica, deve ser considerada como situada e datada – numa determinada sociedade, num certo modo de produção, numa cultura, em suma, em seus condicionantes sociais, históricos e culturais e na disputa pelo seu controle quanto a formas, conteúdos e meios.

Para dar cabo à execução do Projeto em sua fase II, o GTUCA se dividiu em três frentes de trabalho a saber: GT Avaliação, GT de Pesquisa e GT de Formação, esta aconteceria durante a implantação do projeto nomeado como formação em serviço ou formação na ação (BRASIL, 2009; MARTINES, 2011; ALMEIDA; PRADO, 2011) entre outros, pois foi planejada para ocorrer durante a execução do projeto.

Assim, no ano de 2009, inicia-se a formação do PROUCA em sua Fase II que como já sinalizamos, anteriormente, teve um caráter abrangente não somente pela rede de cooperação envolvendo SEED/MEC e várias universidades, mas pela quantidade de beneficiários participantes da formação desde as IES globais e locais, passando pelos NTEs e NTMs, como também professores, gestores, coordenadores e supervisores das escolas, envolvendo aproximadamente 90 Profissionais das equipes das IES globais; 144 Profissionais das equipes das IES locais; 300 escolas UCA7; 600 professores multiplicadores, considerando uma média de dois professores por NTE/NTM; 6.000 professores, perfazendo uma média de 20 professores por escola; 900 profissionais das equipes gestoras das escolas e 300 profissionais das equipes gestoras das secretarias estaduais e municipais (BRASIL, 2009, p. 3).

Cada um dos 27 estados da federação teve a cobertura de uma IES Global para acompanhamento das formações. Por isso pontuamos que este tipo de formação em rede, executada durante o projeto na sua fase de expansão – Fase II, vem integrar-se nas ações do PROINFO na medida em que há, [...] o aproveitamento das iniciativas e bases existentes de gestão e formação estruturadas nos sistemas estaduais e municipais a partir dos NTEs, descentralizados e distribuídos geograficamente (MARTINES, 2011, p. 03).

Do dito ao feito: reflexões sobre o processo formativo no âmbito de constituição do PROUCA

Na medida em que o uso dos laptops educacionais foi ocorrendo na escola, por parte dos professores, alunos e gestores, puderam refletir sobre o uso das tecnologias já existentes na escola, proporcionando uma “ação-reflexão-ação” (ALMEIDA; PRADO, 2011, p. 39), sobre a prática pedagógica e o currículo, articulando a teorias educacionais que permitissem uma compreensão e reflexão sobre os processos pedagógicos auxiliados pelo uso intensivo da tecnologia visando a melhoria nos processos de ensino-aprendizagem (MARTINES, 2011; MARTINES et al., 2012).

A formação em questão, como proclamada, adquire contornos significativos, quando se pretende levar em consideração a realidade escolar na qual os professores estão inseridos, adaptando-se e reconfigurando-se de acordo com cada necessidade específica, valorizando o trabalho do professor e as experiências que trazem consigo, bem como aquelas que se desenvolvem ao longo da execução do projeto.

Estas e outras concepções teóricas têm sido amplamente incorporadas pela academia e pelas políticas educacionais, estando presente nos currículos e na formação de professores a partir da influência de uma vasta literatura nacional e internacional de pesquisas e produções acadêmicas sobre o professor reflexivo, pesquisa-ação colaborativa, teoria da complexidade, comunidades de aprendizagem, letramento digital, da necessidade da interdisciplinaridade ou transdisciplinaridade, da aprendizagem significativa, da aprendizagem por projetos, da noção de web currículo entre outras, tendo em vista a superação do atual modelo de escola, em busca de uma práxis educativa condizente com uma formação essencialmente voltada para emancipação dos sujeitos no processo educativo (educadores e alunos).

O que se configura como um ganho, dentro de muitas das atuais propostas educativas para formação de professores, seja ela inicial ou em serviço (continuada), que ainda operam com um distanciamento entre reflexão e ação, entre teoria e prática, onde historicamente a escola tem se constituído

[...] como uma das formas de materialização desta divisão. Ela é o espaço por excelência, do saber teórico divorciado da práxis, representação abstrata feita pelo pensamento humano, e que corresponde a uma forma peculiar de sistematização, elaborada a partir da cultura de uma das classes sociais. [...] Assim a escola, fruto da prática fragmentada, expressa e reproduz esta fragmentação, através de seus conteúdos, métodos e formas de organização e gestão (KUENZER, 2002, p. 79-80).

Na prática, a formação em questão deu-se de maneira diferente da programada e proclamada, com uma estrutura, organização e conteúdos ainda pautados no modelo técnico-científico de formação de professores como aponta Martines (2012, n.p.) 8, que constituiu em

“Transferência dos modelos de ensino e aprendizagem escolar, para a formação de professores (adultos / profissionais), com Conteúdos não imediatos e descontextualizados e organização das ações tendo como apoio exclusivamente a informação teórica sobre a prática pedagógica e o desconhecimento da escola-instituição”.

Embora o projeto de formação, faça a crítica da escola em sua forma de organização, com conteúdos fragmentados em disciplinas na qual sugere uma concepção de trabalho em rede e interdisciplinar, esboça uma contradição ao estabelecer o curso de formação numa estrutura modular, com orientação para oferta de forma linear, portanto engessada.

Aliado a essas questões, o desenvolvimento dos módulos foi prejudicado como pontua José Armando Valente9 - Integrante do GTUCA desde o início do projeto, atuando como formador/pesquisador junto a IES global UNICAMP, que ao relatar o que não funcionou cita os seguintes problemas:

  1. Metodologia de formação dos módulos pressupunha infraestrutura de Internet que foi deficitária em vários lugares;

  2. A execução dos módulos no laptop nem sempre foi possível (acesso à web, interface do laptop, conteúdo não navegável);

  3. Plataforma e-Proinfo não é amigável e não facilitou o desenvolvimento dos módulos;

  4. Falta de PTA em 2011, o que dificultou as visitas locais e prejudicou ainda mais em função das dificuldades de fazer a formação à distância.

Apesar de um rico conjunto teórico evidenciado na proposta de formação do PROUCA, entendemos que a base teórica predominante refere se ao construcionismo enquanto teoria da aprendizagem que norteou as ações principais de formação, visando ao uso pedagógico do laptop conforme evidenciado em produção científica pelo grupo responsável pela formação, onde afirmam que “a abordagem da formação se fundamenta na ação-reflexão-ação, onde o design do curso foi concebido de modo a concretizar os princípios construcionistas” (ALMEIDA; PRADO, 2011, p. 39, grifo nosso).

Os ideais construcionistas estão presentes na proposta base da OLPC de disseminação dos laptops, que foi desenvolvida com as contribuições de Alan Kay, Nicholas Negroponte e tendo como expoente o pesquisador do Media Lab/MIT Seymour Papert, conforme consta em Brasil (2008) e Miranda et al. (2007).

A experiência brasileira denominado de PROUCA, ao incorporar a visão defendida por esse conjunto de pesquisadores, qual seja, a de colocar o computador na sala de aula na proporção de 1:1, também incorpora os ideais subjacentes a essa prática, na medida em que se acredita que um laptop conectado à Internet na mão de cada aluno é necessário na escola nos dias atuais e na atual conjuntura, parte-se de uma determinada concepção de tecnologia e do que se pode fazer com ela, e ainda de uma determinada concepção de aprendizagem, de ensino e de escola.

A maioria dos professores-pesquisadores, pertencente ao GTUCA foi fortemente influenciada pelos trabalhos de Papert e de sua filosofia Logo10, como é chamada a filosofia que este pesquisador vem defendendo, uma vez que foi um dos pioneiros na área de inteligência artificial e desenvolveu o Logo, a primeira linguagem de programação escrita especialmente para crianças. O Logo é também uma metodologia de ensino baseada no computador, com vistas a explorar aspectos do processo de aprendizagem. “As crianças usam uma tartaruga para executar os comandos do Logo” (BRASIL, 2008, p. 43).

O construcionismo tem uma longa história que tem influenciado o pensamento educacional brasileiro desde a década de setenta. Remonta o ano de 1975, a entrada dos ideais tidos como construcionistas, a partir do intercâmbio da Unicamp com Papert e Marvin Minsky que já apontavam a linguagem Logo, que na época estava sendo desenvolvido no Laboratório Logo, vinculado ao laboratório de inteligência artificial do MIT, como uma possibilidade de aprendizado a partir do computador, conforme pode ser visto em Valente (2005). Ainda para o autor, Papert cria o construcionismo tendo como base o construtivismo de Piaget, usando esse termo pela primeira vez numa proposta de projeto enviado à National Science Foundation, defendendo o construcionismo como a construção de algo significativo por parte do aluno, a partir da presença e uso do computador nesse processo.

Um livro de Seymour Papert que teve bastante repercussão no Brasil na década de 90 e que traz muitos dos seus pressupostos construcionistas intitulase “A Máquina das Crianças: Repensando a escola na era da informática”.

Na edição de 2008, a obra foi quase que totalmente revisada por Paulo Gileno Cysneiros – integrante do GTUCA desde o início do projeto e também responsável pela formação. Nesta nova edição, em seu prefácio, Cysneiros ressalta a importância da obra a partir de suas proposições teóricas, que ocorre num momento oportuno, principalmente pelo surgimento dos notebooks para alunos do ensino fundamental, representando “a mais recente onda tecnológica na educação mundial” (CYSNEIROS, 2008, p. 9).

Ainda de acordo com o autor que prefacia a obra, a ideia de computadores pessoais utilizados como ferramentas de aprendizagem foi lançada por Papert, o qual defende a tese de que “o computador é importante por dar autonomia intelectual ao aprendiz a partir dos primeiros anos de escolarização e, assim, tornar a criança menos dependente de adultos como provedores de informação” (CYSNEIROS, 2008, p. 9). Dessa forma o construcionismo proposto por Papert adquire o status de teoria da aprendizagem e acaba por nortear muitas das práticas desenvolvidas no Brasil, relativas ao uso da informática na educação, sendo desenvolvido a partir do construtivismo Piagetiano, tendo em seu cerne a concepção do sujeito ativo e que constrói seu próprio conhecimento.

De acordo com Moraes (2012), a teoria construtivista proposta por Jean Piaget e a filosofia da linguagem Logo proposta por Papert, tem sido adotada enquanto concepções que norteiam a prática pedagógica quanto ao uso da informática na educação desde os primeiros projetos desenvolvidos no Brasil, o que entusiasmou grande parte das pessoas envolvidas nos projetos. Entretanto, embora se levassem em consideração nas premissas construtivistas, a perspectiva do aluno como construtor de conhecimentos; esses projetos não levavam em consideração “[...] o lado dessa teoria que valoriza o desenvolvimento da moral autônoma, a que busca o equilíbrio entre o “eu” e o “tu”, questões ausentes dessas premissas metodológicas, desconhecendo o que o próprio Piaget a esse respeito escreveu” (MORAES, 2012, p. 256).

Nos projetos nacionais de informática educativa, a perspectiva histórica de construção de conhecimentos, a partir dos estudos de Vygotsky e suas contribuições acerca do desenvolvimento social e cultural da mente, não encontraram morada nos primeiros projetos voltados ao uso da informática na educação (MORAES, 2012).

Papert (2008) afirma que no desenvolvimento de sua teoria sobre o construcionismo inspirou-se nas contribuições de dois grandes pensadores: na Epistemologia Genética desenvolvida pelo suíço Jean Piaget, tendo como base o construtivismo, e no antropólogo e filósofo francês Lévi Strauss, apropriando-se deste último do princípio da bricolagem11.

Porém, percebemos uma nítida influência da pedagogia de projetos proposta por John Dewey nos ideais construcionistas, embora não assumido por Papert, mas evidenciado na versão “construcionista contextualizada12” apresentada por Valente (2005), em que faz várias referências a Dewey acerca da importância do desenvolvimento de projetos para uso das TDIC na educação.

Papert (2008) afirma que devem ser fornecidas às crianças as ferramentas necessárias para que elas tomem as rédeas de seu desenvolvimento, concebendo o computador como uma espécie de máquina do conhecimento, configurando-se como um meio que proporcionaria as mudanças necessárias na educação para que esta dê condições a todas as crianças de pesquisarem por conta própria, segundo seus interesses, tomando as rédeas de sua aprendizagem.

Concebendo o computador como um elemento que potencializa o processo de construção do conhecimento, a partir do desenvolvimento cognitivo, proporcionado pelo uso da máquina, o autor parte da concepção de que entender ou compreender é criar e desenvolver projetos significativos para as crianças; em suma, inventar. E sobre o construcionismo afirma

A atitude construcionista no ensino não é, em absoluto, dispensável por ser minimalista – a meta é ensinar de forma a produzir a maior aprendizagem a partir do mínimo de ensino. [...]. O ensino escolar cria uma dependência da escola e uma devoção supersticiosa aos seus métodos. [...] O construcionismo é construído sobre a suposição de que as crianças farão melhor descobrindo (“pescando”) por si mesmas o conhecimento específico de que precisam; [...] o tipo de conhecimento que as crianças mais precisam é o que as ajudará a obter mais conhecimento [...]. [...] a via construcionista tornará o ensino melhor, assim como menos necessário [...], pois sabemos que podemos aprender sem sermos ensinados e, com frequência, aprender melhor quando se é menos ensinado. [...] Assim, o construcionismo, minha reconstrução pessoal do construtivismo apresenta como principal característica o fato de examinar mais de perto do que outros ismos educacionais a ideia da construção mental. Ele atribui especial importância ao papel das construções mentais no mundo como um apoio para o que ocorre na cabeça [...] (PAPERT, 2008, p. 134-137).

De acordo com Moraes (2012) é notável a influência das correntes construtivistas e construcionistas nas propostas de informática na educação, levadas a cabo pelo governo brasileiro na década de 80 e 90 a partir das contribuições de Piaget e Seymour Papert com sua filosofia Logo. Esse processo, segundo a autora, pode ser evidenciado nas propostas de formação de professores para uso de informática na educação ainda no FORMAR e EDUCOM, enquanto primeiros projetos realizados dentro da política de informática na educação realizada pelo Governo Brasileiro.

A academia passa, então, a exercer influência, na medida em que legitima alguns saberes e práticas em detrimento de outras, no momento em que decidem tais e quais saberes podem e devem circular no processo formativo, imprimindo ai sua marca, visão de mundo, bem como concepções relativas ao ensino-aprendizagem, e às diversas práticas educativas no contexto das TDICs (MORAES,1996; SARIAN; 2012).

Na medida em que na constituição do GTUCA, dá-se espaço, vez e voz a determinado grupo de pesquisadores e não outros, tem um forte significado (SARIAN, 2012), mostrando, com isso, uma determinada forma de pensar a tecnologia o ensino e a aprendizagem, pautadas nas pedagogias do aprender a aprender (DUARTE, 2008) e expressas nos lemas de aprendizagem ao longo da vida, construção do conhecimento a partir de ferramentas tecnológicas como o computador, aprendizagem em rede e colaborativa, aprendizagem significativa e por projetos. Lemas esses condizentes com o construcionismo formulado por Papert, bem consoantes ao estilo moderno e neoliberal de responsabilização e meritocracia dos sujeitos e instituições, com desresponsabilização e recuo do Estado face à escola pública.

É como se, no decurso do processo de ensino-aprendizagem, verbalizássemos para os alunos: vocês são os únicos responsáveis pela aprendizagem, sendo a tarefa do professor apenas de facilitar! Constitui-se num movimento de responsabilização e meritocracia na qual o papel maior do professor consistiria em classificar níveis de aprendizagem – retratos de nossa educação ainda calcada na meritocracia, responsabilização e constante estímulo a uma cultura da competição.

Na perspectiva neoliberal, o fracasso ou o sucesso escolar são responsabilidades exclusivas da escola, do aluno ou do professor, o que nos leva a rememorar a figura das histórias infantis alemãs do Barão de Munchhausen em um de seus contos onde afirma:

Uma outra vez quis saltar um brejo, mas quando me encontrava a meio caminho, percebi que era maior do que imaginava antes. Puxei as rédeas no meio do meu salto e retomei à margem que acabara de deixar, para tomar mais impulso. Outra vez me sai mal e afundei no brejo até o pescoço. Eu certamente teria perecido se, pela força de meu próprio braço, não tivesse puxado pelo meu próprio cabelo preso em um rabicho, a mim e a meu cavalo que segurava fortemente entre os joelhos (RASPE apud BOCK, 2002, p. 18, negrito do autor).

Resgatamos essa imagem do Barão, para representar as concepções ainda muito presentes no imaginário educacional (práticas educativas em sala de aula, formação de professores) – a ideia de um homem que é capaz de se resgatar do pântano com a força de suas mãos presas ao próprio cabelo, esses ideais são consonantes com a

[...] autonomia individual, do homem descolado das suas condições sociais e da possibilidade de autodeterminação de cada um de nós, movidos por uma força interior dada pela semente que está dentro de nós e que nos empurra (natureza humana), é algo muito forte em nossas concepções liberais e positivistas (BOCK, 2002, p. 18).

O que nos leva a questionar se as competências requeridas no modelo atual de formação contribuem para a tão proclamada e buscada autonomia que possibilitem ao indivíduo compreender as contradições inerentes à sociedade capitalista com sua democracia burguesa.

Concordamos com Sarian (2012), ao afirmar que a base epistemológica predominante do PROUCA é o construcionismo, ao qual Duarte (2008) denomina de “pedagogias do aprender a aprender”, incluindo ai também o construtivismo piagetiano, os projetos de aprendizagem e as pedagogias das habilidades e competências13 enquanto variantes do lema “aprender a aprender”, tão difundidos na, assim chamada, sociedade do conhecimento, em que se reconhece uma forte hegemonia dessas pedagogias nas políticas educacionais, a partir da instauração de um consenso baseado em concepções negativas sobre o ato de ensinar bem condizentes com o ideário neoliberal e pós-moderno.

Entendemos, consoante com os referenciais teóricos com o qual dialogamos nesse texto, que diversos sujeitos, portanto diversas vozes, em dado contexto econômico e social constituem o discurso que se materializa nas políticas públicas, num processo em que alguns discursos encontram guarida e são legitimados, enquanto outros são deixados a margem, apagados ou silenciados.

No contexto atual de reestruturação produtiva e de neoliberalismo globalizado, reconhecemos que essas pedagogias acabam por mascarar e ocultar “um processo de acentuação da divisão de classes, uma vez que [...] não propõem a superação do capitalismo e consequentemente, conduzem a relação educação e sociedade de forma idealista”[...] (MARSIGLIA, 2012, p. 244), estando voltadas, apesar de seu discurso contraditório, a satisfazer as exigências e tipos de formação requeridas pelo mercado e por essa sociedade em suas atuais configurações, como também apontado por (OLIVEIRA; LIMA, 2015; BUENO; GOMES, 2011).

Percebe-se que há um gradativo e intenso movimento a partir da produção e incorporação desses discursos, em que opera um deslocamento do ensino para aprendizagem, e muitas das vezes, uma aprendizagem sem ensino (BARRETO, 2009), dos objetivos e dos conteúdos para o método em si, da quantidade para a qualidade. Isso expõe o caráter ideológico dessa política, a partir da escolha deste instrumento de mediação em específico como o laptop educacional. Então há de se reconhecer que “toda ferramenta está impregnada de um viés ideológico, de uma predisposição a construir o mundo como uma coisa e não como outra, a valorizar uma coisa mais que outra, a amplificar um sentido ou habilidade ou atitude com mais intensidade do que os outros” (POSTMAN, 1994, p. 23).

Dessa forma, a busca por competências e letramentos digitais têm se constituído nos discursos oficiais, em modelos e práticas que advogam em função da formação de um novo tipo de trabalhador para se atender às demandas do capital, do qual entendemos que configura-se como um processo de inclusão excludente e exclusão includente. Subsumindo o trabalho pedagógico e os processos que desenvolvem ao funcionamento e lógica própria do modo de produção capitalista, cabendo à educação propor formas de “disciplinamento para a vida social e produtiva, em conformidade com as especificidades que os processos de produção, em decorrência do desenvolvimento das forças produtivas, vão assumindo” (KUENZER, 2002, p. 05), em que, à escola, caberia a educação desse novo trabalhador flexível.

Entendemos a formação do PROUCA como um pacote formativo, tido pelo próprio documento como “um Kit formação” (BRASIL, 2009, p. 18), que num todo se resumiu ao desenvolvimento de competências básicas para os professores no trato com as tecnologias, tendo como base na sua construção, a visão de um grupo de pesquisadores que estabeleceram o que deveria e o que não devia ter a formação, sem a devida escuta dos principais sujeitos que estariam envolvidos nesse processo, a saber – os professores, o que consiste na sua negação enquanto sujeitos.

Os módulos prevêem a vivência de pequenas ações pedagógicas com uso de tecnologias digitais, visando desenvolver nos professores e gestores competências tecnológicas e pedagógicas que lhes permitirão planejar situações de aprendizagem para os alunos (BRASIL, 2009, p.19, negrito nosso).

É na interação com outro que o indivíduo se constrói e se constitui numa determinada cultura e em determinado processo histórico, premissas essas que estão no cerne da Psicologia Sócio-Histórica proposta por Vygotsky e seus continuadores. No processo de formação de professores, historicamente essas premissas não têm sido levadas em consideração.

Sobre o processo de formação de professores baseados em competências, Barreto (2003, p. 279) nos afirma ser uma

[...] iniciativa americana da década de 1970 (Houston, 1974), parte de dois pressupostos fundamentais: (1) o ensino pode ser decomposto em habilidades e competências básicas; e (2) a formação dos professores organizada a partir destas habilidades e competências remete ao desempenho docente “desejável”. A retomada atual dessa proposta analítica também supõe que a totalidade possa equivaler à soma das partes, adicionando-lhe a maior sofisticação tecnológica ora disponível.

Partilhamos do pensamento que se deve levar em consideração que os professores têm uma história de vida e uma história de formação singular, e que num processo de formação de educadores, estes deviam ser ouvidos e chamados a colaborar e, acima de tudo, compreender que a aprendizagem de professores e alunos é situada e acontece em um contexto, que sempre estará ligada à história de vida e condições objetivas e subjetivas ao qual o sujeito está imerso.

Para se atingir uma formação de qualidade, que de fato dê condições ao professor de refletir sua prática, valorizando seus saberes, torna-se importante a superação da visão em que os docentes sejam vistos apenas como usuários finais de um saber objetivo, não os percebendo como agentes críticos, participativos, capazes de criar e desenvolver processos e produtos no decorrer de sua prática pedagógica, principalmente em tempos de precarização, esvaziamento, intensificação do trabalho docente, mercantilização da vida, da educação e da consequente redução de sujeitos no plano do capital, a meros consumidores.

Ao educador é extremamente importante refletir “em que condições econômicas, políticas e sociais desenvolvem a profissão e que necessidades postas pelo capital exigem dos professores esta ou aquela postura” (FACCI, 2004, p. 54), que os instrumentalize a refletir sobre as contradições existentes na realidade social e no meio institucional ao qual está inserido.

No programa PROINFO, da qual o PROUCA é o “parente mais próximo”, embora numa outra lógica, pois o último baseia-se no paradigma 1:1, vemos a lógica de mercado transposta para a educação quando do seu lançamento, ainda no governo de Fernando Henrique Cardoso, que se caracterizou como um momento de intensificação da hegemonia das propostas neoliberais no campo da educação, em que se defendia [...] a exigência de novos padrões de produtividade e competitividade em função dos avanços tecnológicos (BRASIL, 1997, p. 02).

Nossa discussão nos encaminha a confirmar que há existência de uma “agenda globalmente estruturada para a educação” (DALE, 2004), o que nos leva a crer que dificilmente as escolas seriam equipadas com computadores, se isso não se constituísse, como algo estratégico, e visto como um motor de desenvolvimento (informação, conhecimento e tecnologias), em que a educação torna-se o locus privilegiado ao prover o mercado com sujeitos que possuam as competências e a qualidade total requerida em tempos de globalização e reestruturação produtiva, baseada sobretudo na falsa crença de que “[...]sem alterar o processo de formação de professores do ensino básico e sem alterar seus salários aviltantes, tudo irá bem na educação desde que haja televisões e computadores nas escolas (CHAUÍ, 1999, p. 33).

Embora tenha representado uma série de aspectos inovadores e contado com um amplo repertório teórico, advindo da enorme quantidade de pesquisadores envolvidos, desde as IES globais em parceria com os grupos de pesquisa e formação, às IEs locais e formadores dos NTEs de cada estado, responsáveis diretos pela formação dos professores em cada escola; a formação contou com atrasos tanto na distribuição dos equipamentos quanto no processo formativo relacionados à operacionalização dos cursos como bolsas e demais recursos, conforme apontado por Valente e Martins (2011). Entretanto, mesmo nessas condições, entendemos que as perspectivas adotadas, dentro de suas limitações permitiram a escola refletir sobre seu currículo e forma de organização,

Partindo da premissa de que concebemos o computador como uma ferramenta construída pela atividade e trabalho do homem cultural para a realização de tarefas enquanto instrumento de mediação, sendo de fundamental importância o trabalho pedagógico desempenhado pelo docente, pois reconhecemos que

“[...] o processo educacional [...] pode elevar os homens de uma condição primitiva à cultural, quando eles se apropriam do uso de instrumentos e ferramentas externas, até o ponto de se valerem de instrumentos ou mecanismos internos que os tomam de, certo modo, independentes da realidade concreta imediata [...] Nas ferramentas ficam embutidos tanto os processos para seu emprego quanto a potencialidade do processo criativo [...] saber empregá-las implica na apropriação de conhecimentos já conquistados, o que gera condições para novas formulações (BARROCO, 2007, p. 47-236).

É frequente, hoje em dia, em todos os meios, repartições, instituições em geral, ao qual a escola não fica de fora, a difusão da ideia que associa tecnologia à inovação, e que consequentemente, isso levaria a uma melhoria na qualidade do ensino, partindo da premissa de que os meios tecnológicos por si só trariam benefícios aos processos de aprendizagem (MIRANDA et al., 2007).

Belmont Filho (2005) afirma que um dos elementos fundamentais para que ocorra a inclusão digital com sucesso na escola, e a consequente melhoria na qualidade do ensino é esse processo ser mediado por uma pessoa capacitada para orientar o aluno no manejo da tecnologia e na utilização dos conteúdos encontrados na internet, de modo a transformá-lo em conhecimento, garantindo, assim, o aprendizado e, consequentemente, o desenvolvimento do aluno (VYGOTSKY; LURIA, 1996). Dessa forma,

[...] a inclusão do instrumento provoca, em primeiro lugar, a atividade de toda uma série de funções novas, relacionadas com a utilização do mencionado instrumento e de seu manejo. Em segundo lugar, suprime e torna desnecessária toda uma série de processos naturais, cujo trabalho passa a ser efetuado pelo instrumento (VYGOTSKY, 2004, p. 95).

Concordamos com Bonilla (2009) que considera a escola como um local primordial no processo de apropriação da cultura digital por parte dos alunos. Assim a autora afirma: “como a escola deve ser espaço-tempo de crítica dos saberes, valores e práticas da sociedade em que está inserida, é da sua competência, hoje, oportunizar aos jovens a vivência plena e crítica das redes digitais” (p. 04).

Pautada na perspectiva da Teoria Histórico-Cultural e na Pedagogia Histórico-Crítica proposta por Demerval Saviani, Facci (2004), afirma que cabe à educação e à mediação do trabalho do professor, a sistematização e a transmissão dos conhecimentos produzidos e acumulados pela humanidade, às novas gerações que precisam se apropriar dos conhecimentos e da cultura.

A respeito do caráter mediador da escola, Saviani (2003, p. 21) afirma que

[...] pela mediação da escola, acontece a passagem do saber espontâneo ao saber sistematizado, da cultura popular à cultura erudita. [...] se trata de um movimento dialético, isto é, a ação escolar permite que se acrescentem novas determinações que enriquecem as anteriores e estas, portanto, de forma alguma são excluídas. Assim, o acesso à cultura erudita possibilita a apropriação de novas formas por meio das quais se podem expressar os próprios conteúdos do saber popular.

A inserção das novas TICs na educação e, mais especificamente, do computador em sala de aula, enquanto instrumento de mediação pode se tornar uma poderosa ferramenta dinamizadora e amplificadora de meios e técnicas empreendidas nos ambientes formativas com vistas à internalização/apropriação do conhecimento, abrindo novas possibilidades e novas formas de se ensinar e aprender conjuntamente, reconhecendo, para isso, a indissociabilidade do processo de ensino/aprendizagem mediados por um professor consciente acerca do papel da tecnologia em nossa sociedade e de seu modo de produção.

Pesquisas na internet, construção de blogs para sistematizar e socializar o aprendido e construído coletivamente, produção e edição de vídeos, uso de softwares educativos possibilitando simulação e consolidação de conceitos e temas trabalhados em sala de aula, são algumas das possibilidades que o computador pode proporcionar, dinamizando o espaço educativo e proporcionando maior interação entre aprendizes.

Entendemos, porém, que não é suficientemente apenas e tão somente distribuir máquinas sofisticadas e conectadas à internet para se impulsionar e dinamizar o processo de desenvolvimento do sujeito a partir da apropriação da cultura produzida historicamente. É necessário, contudo, instrumentalizar o professor, qualificá-lo, proporcionando formação de qualidade e condições dignas de trabalho a esse mediador de forma a garantir o sucesso da/na escola.

A educação, embora sozinha não possa resolver todos os problemas do mundo, tampouco dar conta de amenizar a pobreza, historicamente produzida, a partir das relações de dominação e exploração de uma classe sobre outra, pode e tem a imperiosa missão de se configurar como um lócus de formação política, formando indivíduos contestadores da ordem instituída, empreendendo forças para a construção de uma lógica mais humana e menos perversa de geração e acumulação de renda. Não uso propositalmente aqui o termo “formar cidadãos” – palavra esta que, ultimamente tem sido reduzida a ter direitos enquanto consumidores, e que, portanto, não tem instrumentalizado o campo de lutas rumo à superação do atual modelo de sociedade e de educação.

É por uma educação que valorize o indivíduo, que reconheça os vários “Joãos e Marias” que existem, enquanto indivíduos capazes, com limitações e singularidades, que contribua e cresça estimulando a partilha e a troca, conscientes de sua inconclusão, mas na permanente busca do que Paulo Freire (1987) chama do “vir a ser mais”, que defendemos uma formação de professores e alunos numa perspectiva sócio-histórica.

CONCLUSÕES

Vale pontuarmos que é quase consenso que a introdução das TDICs na escola pode trazer uma série de mudanças, mas mudanças positivas, e não é objetivo deste trabalho se posicionar contra o uso massivo das tecnologias na escola, no entanto julgamos necessário problematizar suas formas de apropriação pelos alunos, que serão intimamente influenciadas, a partir das relações teórico-práticas e dos ideais pedagógicos que perpassarão as formas e meios relativos a formação docente para seu uso pedagógico. Um modelo formativo que permita compreender a lógica do discurso que é veiculado em cada política direcionada à escola: tecnologia como mobilidade social, ou mesmo como instrumento redentor, devido a sua pretensa “possibilidade de resolver todos os problemas da educação” (constructos bastante difundidos!).

O que nos leva a concluir que estes são os sentidos que circulam e materializam-se via políticas educacionais de TDICs, em especial a do PROUCA, no caso da formação empreendida, confirmando nossa defesa de que as tecnologias na educação da forma e contexto que têm sido implantados, revelam as demandas de formação requeridas nesse tempo histórico, pautadas no lema do aprender a aprender e de aprendizagem ao longo da vida, e em alguns casos de uma aprendizagem sem ensino, como defende o construcionismo e o construtivismo piagetiano enquanto teoria que norteou grande parte da formação e nas pedagogias do aprender a aprender. E Isto tem um significado ideológico e político, porque é importante para o atual sistema na reestruturação produtiva, incluir a todos na sociedade do conhecimento com as competências e exigências que lhes são requeridas, para sua manutenção.

O que suscita alguns questionamentos: Não inserir de forma massiva a tecnologia na escola é deixá-la à margem da sociedade, impedindo o aluno de acompanhar as mudanças e avanços que as tecnologias proporcionam. Não compreender de forma crítica a natureza e o papel de destaque que essa sociedade tem dado ao conhecimento, à informação e à tecnologia é estar à margem do processo, o que entendemos como alienação social14, estando o indivíduo sem condições de apropriação e uso de forma emancipatória, libertadora e impulsionadora do processo de desenvolvimento cultural do gênero humano, impedindo-o de perceber as relações de força que operam em nossa sociedade e nos discursos que ela veicula e legitima. O que nos instiga, enquanto pesquisadores, a empreender esforços no que concerne ao aprofundamento de pesquisas acerca da formação docente para o uso pedagógico das TDICs, que considere a dialética objetividade/subjetividade dos sujeitos – alunos e professores na apropriação e uso das diversas tecnologias dentro de sala de aula, sem desconsiderar as determinações sociais, históricas, políticas e culturais das políticas educacionais e do que estas se propõem a intervir no “chão da escola”, ou seja, nos atores que dela participam e nos processos que desenvolvem.

É nesse contexto de análise, que defendemos as tecnologias na educação a partir de uma apropriação teórico crítica, enquanto instrumento de mediação numa perspectiva sócio-histórica; portanto, sem perder de vista os determinantes, os pressupostos ideológicos e os ideais pedagógicos no qual se assentam o discurso de inclusão digital e uso massivo das TDICs em sala de aula e a formação docente correspondente para seu uso pedagógico, que leve em consideração com base em um sólido referencial teórico-critico que permita a compreensão de que nenhuma tecnologia é neutra, pois carrega em si determinações históricas e reflete uma determinada racionalidade. Defendemos, dessa forma, uma formação docente para uso das TDICs desenvolvida a partir de uma perspectiva sócio-histórica, o que demanda a continuação e o aprofundamento de pesquisas quanto a seus limites e possibilidades, resguardando a centralidade do trabalho docente, em que a tecnologia seja um meio e não um fim em si mesma dentro do processo pedagógico.

3Destacamos que, embora o PROUCA tenha sido instituído como Programa a partir da Lei nº 12.249 em 2010, a composição de grupos de trabalho visando a implementação, acompanhamento e formação foi instituída em 2007 numa fase pré-piloto, fase piloto em seguida expandindo-se até sua institucionalização como Programa, como veremos no decorrer do trabalho. De forma que adotamos a concepção genérica de formação do PROUCA tendo em vista que os ideais pedagógicos subjacentes ao uso das tecnologias na Educação perpassaram a formação da fase inicial até a fase institucionalizada do Programa.

4Extinta, a partir da reestruturação organizacional do MEC conforme decreto 7.690 de 02 de março de 2012. Os programas que eram de sua competência foram transferidos e vinculados a SECADI – Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão, conforme informações disponíveis no site institucional do portal do MEC na época da execução do programa. Encontra-se Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=289&Itemid=356

6Este documento embora produzido em 2007, portanto antes da execução da fase II do projeto, traz de forma mais detalhada as concepções pedagógicas adotadas na formação em relação ao documento produzido em 2009: “Formação Brasil: Projeto, Planejamento das Ações/Cursos” que trata mais das ações e da operacionalização propriamente dita da formação empreendida, o que justifica nos reportarmos com mais ênfase ao documento produzido em 2007.

7De acordo com informações contidas no site institucional do programa foram 301 escolas beneficiadas pelo programa na fase II, mais 49 escolas dos municípios contemplados pelo UCA, Totalizando 350. Disponível em: http://www.uca.gov.br/institucional/downloads/UCA-apresentacao-ClaudioAndre.pdf

8Apresentação de Elisabeth Martines – Líder do grupo de pesquisa e formação da IES local, UNIR/RO, através do EDUCIÊNCIA, e responsável pela formação do PROUCA em Rondônia em parceria com a UNICAMP (IES Global), no III Seminário de acompanhamento do Projeto UCA – UNICAMP Norte – UCA – Rondônia realizado em 31/05/2012. Encontra disponível no site da UNICAMP em: http://styx.nied.unicamp.br/ucanaunicamp/encontros-de-formacao

9Apresentação de Armando Valente – Integrante do GTUCA, Pesquisador e formador junto a IES Global/UNICAMP no Seminário “UCA – Avaliação e Sustentabilidade”, em dezembro de 2012 e promovido em parceria pela SEDUC/RO para socializar experiências das escolas envolvidas no projeto.

10Para Valente (2005, p. 44) “[...] o Logo foi criado como parte das atividades do Laboratório de Inteligência Artificial do MIT, e isso implicou no desenvolvimento de características sofisticadas que permitem a realização de atividades em diversas áreas como gráfica, música, processamento simbólico, robótica, animação e combinações dessas áreas”.

11De acordo com Cruz (2008, p. 1032) “Bricolagem” é um termo oriundo do francês, proposto pela primeira vez por Lévi-Strauss (1976) para se referir a trabalho manual feito de improviso, aproveitando toda a espécie de materiais e objetos disponíveis. De forma geral, bricolagem relaciona-se com os trabalhos manuais ou de artesanato doméstico, todavia, de modo específico, trata-se do aproveitamento de coisas usadas ou partidas, cuja utilização modificase e se adapta a outras funções. Segundo Lévi-Strauss, o bricoleur trabalha com as mãos, usando meios indiretos se comparados com os do artista. O bricoleur está apto para executar grande número de tarefas diferentes. Ele subordina cada uma delas à obtenção de matériasprimas e de ferramentas, concedidas e procuradas na medida do seu projeto. Ainda para o autor, bricoleur, refere-se ao sujeito que faz, aquele que constrói ou cria a partir da perspectiva da bricolagem (p. 139).

12Para Valente (2005, p. 55) a expressão “construcionismo contextualizado” pode ser compreendida a partir da explicação dos seus termos: construcionismo – o aprendiz engajado na construção de um produto significativo, usando a informática; e contextualizado – o produto construído relacionado com a realidade do aprendiz.

13Uma crítica aos ideais da Pedagogia das Competências pode ser visto no texto de Lígia Márcia Martins - “Da formação humana em Marx à crítica da pedagogia das competências, no livro organizado por Newton Duarte publicado em 2004 sob o nome: Crítica ao fetichismo da individualidade.

14Para Marilena Chauí “a alienação social é o desconhecimento das condições históricosociais concretas em que vivemos, produzidas pela ação humana também sob o peso de outras condições históricas anteriores e determinadas” (2000, p. 218). Contudo, acreditamos que “a vida cotidiana não se mostra meramente como o espaço por excelência da vida alienada, mas, ao contrário, como um campo de disputa entre a alienação e a desalienação (ANTUNES; ALVES, 2004, p. 350).

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Recebido: 03 de Abril de 2020; Aceito: 30 de Junho de 2020; Publicado: 17 de Agosto de 2020

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