Introdução
Em anos de trajetória, dentro de escolas de educação básica, é comum perceber o desconforto de alguns professores para com a presença – em suas salas de aula e, por vezes, até mesmo a presença genérica na escola – dos alunos que são público-alvo da educação especial (PAEE), ou aqueles alunos que “possuem algum tipo de comprometimento, seja ele físico, psíquico, intelectual e/ou sensorial” (VIEIRA; RAMOS; SIMÕES, 2019, p. 08), abrigados pelo Capítulo V – Da Educação especial (arts. 58 59 e 60) da LDB 9.394/1996 (BRASIL, 1996). Tal desconforto, quando inquirido, é justificado, basicamente, por três fatores: primeiro, os professores alegam que não foram ou não se sentem ‘preparados’ para a atuação com alunos da educação especial; segundo, que, hipoteticamente, tais alunos não aprenderiam como os demais e, terceiro, que estes sujeitos exigem um roteiro diferenciado, uma adaptação das relações, dos conteúdos e das práticas pedagógicas.
Falas como “No 7º B tem 22 alunos e 03 incluídos”; “Dá um desenho pro Fulano pintar e não incomodar os demais”; “Eu não posso dar atenção para os dois incluídos, pois tenho mais 23 alunos na sala”; “E como fica a situação dos ‘normais’, então?”, apenas expressam o desconforto que alguns professores sentem diante da inclusão, tanto em sentido amplo, quanto em relação ao aluno PAEE, pois em geral
(...) os profissionais da escola que atuam individualmente nas salas de aula não possuem respostas para a maior parte das dificuldades apresentadas pelos estudantes e não são capazes de realizar processos reais de ensino para alunos com deficiência quando trabalham individualmente (VILARONGA; MENDES, 2014, p. 140).
Há, todavia, uma fala ainda mais relacionada a esta falta de respostas: “O que eu faço com esse (a) menino (a)?”, verbalizando eventual ausência de uma perspectiva curricular que permita realizar atividades e rotinas de sala de aula com as devidas flexibilizações e adaptações para o aluno PAEE. Dúvidas sobre que fazer, como fazer, porque fazer e em quais condições fazer, geralmente, implicam em uma visão hegemônica de um currículo homogêneo, pautada e fortalecida pelo receio que, episodicamente, o professor pode apresentar, em operar, satisfatoriamente, com a diferença.
A legislação nacional prevê o acesso ao ensino regular de estudantes do PAEE; entretanto, não se pode garantir também atitudes favoráveis a essa política por parte dos professores, como a aceitação e a adoção de práticas inclusivas que efetivem a permanência e o sucesso escolar desses estudantes [...] Dessa forma, as atitudes dos professores com relação à inclusão escolar pode ser um fator chave na determinação do sucesso ou do fracasso da educação inclusiva (TORRES; MENDES, 2019, p.767).
Portanto, e a despeito da presença temática nos documentos jurídico-normativos que orientam a educação nacional, sem o professor assumir a ‘causa’ - que passa também pelo conhecimento e estudo -, a pauta da educação especial terá poucos avanços no ‘chão da sala de aula’.
Com base nestas e em outras percepções, o texto que segue objetiva explorar as discussões sobre currículo e a inclusão em parte da produção científica nacional, inferindo abordagens e indicadores. Para consecução do objetivo, realizamos uma pesquisa analítico-reconstrutiva, pautada pelo procedimento da análise de conteúdo e referenciada na constituição de um corpus empírico formado por artigos de divulgação científica. A perspectiva que conduz o texto é evidenciar quais os debates travados no âmbito acadêmico com potencial para auxiliar na construção de um currículo efetivo para atenção aos alunos PAEE na Educação Básica, considerando as possibilidades dos artigos científicos como material de exame e objeto de discussão e formação - inicial e continuada -, para os professores que atuam na Educação Básica. Nesse sentido
(...) inclusão escolar não pode se tratar apenas da colocação de indivíduos historicamente diferenciados e estigmatizados diante de um currículo que apresenta problemas graves de qualidade expressos pelos baixos níveis de aprendizagem que alcançam e altos níveis de evasão e repetência que proporcionam. Para que esse fato se materialize, a escola precisa enfatizar a reflexão e o diálogo, determinados pelo conhecimento, esclarecimento, isto é, por tudo aquilo que a cultura estabeleceu como verdadeiro na luta contra os mitos (MENDES; SILVA, 2014, p. 10).
Discutir o currículo escolar e sua aderência às especificidades dos alunos da educação especial, pelo viés da produção científica nacional, intenta ratificar a
(...) importância de constantes problematizações sobre os currículos escolares, considerando as dificuldades encontradas pelos professores em lidar com os diferentes percursos de aprendizagem dos alunos, gerando dúvidas sobre o que ensiná-los e como mediar as aprendizagens e avaliá-los (VIEIRA; RAMOS, 2018b, p.07).
Para subsidiar os argumentos do texto, nos apoiamos em autores que destacam o currículo como peça importante nos projetos de efetiva inclusão escolar, além e autores que reforçam posicionamentos inclusivos, em uma revisão seguramente não esgotada pelo texto em tela: Dechichi, 2011; Haas, Silva e Ferraro, 2017; Mendes e Almeida, 2012; Leite e Silva, 2008; Leite, Borelli e Martins, 2013; Mendes e Silva, 2014; Prais, Rosa e Jesus, 2018; Thesing e Costas, 2018; Vieira e Ramos, 2018; Vieira, Ramos e Simoes, 2018; Maturana, Mendes e Capellini, 2019, além de Vieira, Ramos e Simoes, 2019.
Cumpre informar que o texto apresentado é parte integrante de um contexto amplo de pesquisa, que objetiva contribuir para a discussão de políticas e mecanismos institucionais de gestão da educação básica em redes e sistemas públicos de ensino – incluindo processos e políticas de inclusão -, enquanto pauta relevante na composição da agenda educacional.
Da metodologia e do corpus empírico...
A pesquisa que deu origem ao texto em tela foi consubstanciada em uma metodologia analítico-reconstrutiva, pautada pelo procedimento da análise de conteúdo e amparada por breve revisão de literatura. Para o desenvolvimento dos argumentos, a pesquisa foi referenciada na composição de um corpus empírico estabelecido por artigos de divulgação científica, assumindo que tais artigos representam parte das pesquisas e produções sobre um determinado assunto/enfoque/área.
O procedimento metodológico adotado para exame dos artigos foi a análise de conteúdo, utilizando a técnica da análise temática, onde o “[...] tema é a unidade de significação que se liberta naturalmente de um texto analisado, segundo critérios relativos à teoria que serve de guia à leitura” (BARDIN, 2007, p.105). Igualmente, foram seguidos os passos descritos por Bardin (2007), como elementos de um procedimento de análise de conteúdo: 1) pré-análise (ou escolha e organização do corpus documental); 2) descrição analítica (investigação sobre o material); e 3) comentários ou glosas inferenciais.
O corpus documental foi constituído a partir do recorte de periódicos científicos avaliados por pares e publicizados no Portal de Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior / Capes (http://www.periodicos.capes.gov.br/). A escolha pelo referido Portal reconhece a relevância do mesmo na ação de divulgação científica e, por conseguinte, de legitimidade dos discursos vinculados a partir daquele espaço. No Portal - de acesso livre - encontram-se, atualmente, mais de 45 mil títulos com texto completo, em 130 bases referenciais (http://www.periodicos.capes.gov.br/, capturado em 30 de junho de 2019).
Já a elegibilidade do recorte temporal para análise dos artigos, de 2009 a 2018, constituiu-se em face a Política nacional de educação especial, na perspectiva da educação inclusiva (BRASIL, 2008), considerando um hiato de implementação prática dos dispositivos da política, assim como um possível hiato na reação das pesquisas e consequentes produções acadêmicas, acerca dessa política.
Outro critério utilizado foi o foco na Educação Básica e em classes comuns. A opção pela Educação Básica vem dos interesses de pesquisa já consolidados (e referidos anteriormenre), voltados a este nível da educação escolar nacional. Já a opção pelo foco em classes comuns e não especiais vem da necessidade em colaborar com os debates curriculares justamente em escolas regulares, pois são nestas escolas que o professor está mais exposto aos processos de inclusão já que, nas escolas especiais, a inclusão é a regra e não a histórica exceção.
Procedimentalmente, realizamos uma busca simples no portal referido, operacionalizada através da associação das expressões ‘Currículo’ + ‘Educação Inclusiva’, ‘Currículo + ‘Inclusão’, ‘Currículo’ + ‘Educação Especial’, considerando cada um dos termos no ‘título’ e no ‘assunto’ do artigo na busca avançada (onde é possível estabelecer critérios mais efetivos de refinamento). Descartamos os artigos indexados em periódicos especializados, mantendo apenas os resultados apresentados em revistas não-especializadas, na intenção de monitorar as tendências, indicadores e discussões de acesso a leitores em geral e não necessariamente estudiosos da/na área. Desta busca, obtivemos 45 retornos.
Cumpre destacar que, apesar dos termos ‘Educação Inclusiva’ e ‘Educação Especial’, contingencialmente, receberem condição de sinônimo, tratam-se de dois conceitos diferentes. A Educação Especial é compreendida como
(...) uma modalidade de ensino que perpassa todos os níveis, etapas e modalidades, realiza o atendimento educacional especializado, disponibiliza os recursos e serviços e orienta quanto a sua utilização no processo de ensino e aprendizagem nas turmas comuns do ensino regular (BRASIL, 2008).
Por seu turno, a Educação Inclusiva representa um conceito mais abrangente, compondo
(...) uma ação política, cultural, social e pedagógica, desencadeada em defesa do direito de todos os alunos de estarem juntos, aprendendo e participando, sem nenhum tipo de discriminação. A educação inclusiva constitui um paradigma educacional fundamentado na concepção de direitos humanos, que conjuga igualdade e diferença com valores indissociáveis (BRASIL, 2008, p.11).
Sobre os 45 retornos obtidos, foram realizadas, posteriormente, duas triagens: a primeira em relação aos documentos, estipulando como filtro apenas artigos em português e publicados em periódicos revisados por pares. A segunda triagem, de maneira manual, retirando-se do computo geral artigos fora do escopo peculiar das intenções da pesquisa ou que não se relacionavam, especificamente, à Educação Básica. Restaram, para fins de análise, 37 artigos.
ANO DE PUBLICAÇÃO | QUANTIDADE DE ARTIGOS |
---|---|
2009 | 04 |
2010 | 03 |
2011 | 07 |
2012 | 02 |
2013 | 04 |
2014 | 02 |
2015 | 01 |
2016 | 04 |
2017 | 03 |
2018 | 07 |
Total | 37 |
Fonte: Organização da autora, 2020.
A partir dos dados até aqui apresentados, é possível fazer uma primeira inferência: ao realizarmos uma busca exclusiva pelo termo ‘Inclusão’, utilizando-se o mesmo padrão de pesquisa (entre 2009-2018, no título e no assunto), temos um retorno de 848 artigos. Realizando igual procedimento com o termo ‘Currículo’, são localizados 793 artigos. Fazendo o mesmo procedimento com a expressão ‘Educação Especial’, o retorno é de 682 artigos e, com a expressão ‘Educação Inclusiva’, temos 150 retornos brutos (não foi feito nenhum tipo de triagem em relação a estes dados). Diante de tais números, parece lícito deduzir que há uma boa quantidade de produções sobre os temas em destaque: currículo, inclusão, educação especial e educação inclusiva. No entanto, as produções científicas que tangenciam currículo e educação especial ou inclusiva são ainda tímidos.
Sequencialmente, constituímos um corpus de análise com os 37 artigos selecionados, focando sobre eles exames de forma e conteúdo, que nos amparassem para responder a questão de pesquisa: quais as abordagens e indicadores presentes no âmbito acadêmico - reproduzidos em parte da produção científica nacional publicizada em periódicos -, apresentados nas discussões sobre currículo e inclusão para alunos PAEE na Educação Básica?
Discutindo os dados
Com relevância ampliada a partir dos últimos anos, o uso de periódicos como meios de divulgação científica tem se estendido pelas diferentes áreas do conhecimento humano e da produção acadêmica, autorizando a democratização (pelas facilidades de acesso, sobretudo em tempos de bibliotecas virtuais) de estudos e a socialização de resultados. O discurso produzido pela pesquisa científica e indexado em periódicos, consubstancia-se como um discurso de representação, um discurso referencial, de organização dos modelos e paradigmas da ciência ou dos pressupostos científicos em curso.
Assim, os temas e questões pontuadas em artigos de cunho acadêmico revelam, em alguma medida, as tendências reconhecidas e os problemas emergentes na pesquisa científica, sendo que a presença ou não de um determinado tema ou enfoque pode indicar que tal questão ainda não recebeu (ou não merece?) atenção da comunidade científica. Além disso, artigos científicos podem se constituir em suportes referenciais para atividades e eventos de formação docente inicial e continuada.
Consideramos, pois, os artigos científicos disponibilizados no Portal de Periódicos da Capes como parte da produção científica nacional – sopesando que há outros modos de divulgação científica, como livros, capítulos de livros, eventos, palestras... - e, sobre os artigos selecionados, nos debruçamos em análises de forma e conteúdo.
Quando aproximamos a lente de análise sobre os artigos encontrados, nos deparamos com dois atributos de forma: a natureza e o foco das pesquisas. No que diz respeito à natureza, os artigos, em sua totalidade, representam pesquisas qualitativas, exibindo estudos de caso, revisões de literatura, elaborações teóricas e/ou relatos de experiência, pautados em análises qualitativas e circunstanciadas. As pesquisas na área da educação especial em perspectiva inclusiva e seus tangenciamentos com o currículo indicam, pois, para decisões e processos em aspecto qualitativo, informando o olhar apurado do pesquisador para casos singulares de uma realidade que também é singular e, historicamente, constituída. Esse é um dos grandes valores da pesquisa qualitativa, os “vínculos estabelecidos com os sujeitos e os problemas investigados” (ZANETTE, 2017, p. 160).
O trato com a pesquisa qualitativa também pode indicar que o tema é avesso a grandes tratamentos quantitativos e descrições generalistas, posto que os processos pedagógicos afetos à inclusão assumem uma condição idiossincrática, que exige uma leitura mais detalhada e aproximada por parte do pesquisador.
Um bom trabalho científico, que utiliza metodologia mais próxima da realidade a ser pesquisada, deve ser aquele que propicia ao pesquisador “colocar-se no papel do outro”, ou seja, compreender a realidade pela visão dos pesquisados como forma de aproximação entre a vida e o que vai ser investigado. Para isso, ainda um melhor caminho é através da pesquisa qualitativa com metodologia que vise compreender a questão do humano através da dimensão educacional (ZANETTE, 2017, p.153).
No que remete ao foco das pesquisas, foram encontrados quatorze (14) artigos narrando discussões curriculares com o direcionamento voltado às atenções específicas, sendo quatro artigos sobre Surdez (CID 10 H90), quatro (4) artigos sobre Deficiência Intelectual (CID 10 F70); três (3) artigos sobre Deficiência Visual (CID 10 H54), um (1) artigo sobre Altas Habilidades/Superdotação (CID 10 F81) e dois (2) artigos acerca de organizações curriculares para sujeitos com Síndrome de Down (CID 10 Q90). Em outra perspectiva, vinte e três (23) artigos tratam do currículo para a Educação Especial/Educação Inclusiva sob o foco generalista, sem explicitar nenhum quadro específico.
As preocupações pontuais com quadros específicos são compatíveis, em parte, com a presença de sujeitos PAEE na escola regular de Educação Básica. De acordo com dados da Sinopse Estatística da Educação Básica de 2019, a especificidade mais presente na escola (com maior número de matrículas em classes comuns) é a Deficiência Intelectual, com 845.849 matrículas em 2019 (http://inep.gov.br/sinopses-estatisticas-da-educacao-basica), seguida pela Deficiência Física, com 177.988 matrículas em classes comuns sendo que, em terceiro, figuram as matrículas de sujeitos com diagnóstico de Autismo, representado por 151.413 matrículas em classes comuns, no ano de 2019. Não há, na Sinopse Estatística referida, dados específicos sobre alunos com Deficiência Visual (há dados sobre alunos com Baixa Visão ou Cegueira) ou sobre alunos com Síndrome de Down. Tais dados podem ser acompanhados no quadro a seguir:
Especificidade | 2011 | 2012 | 2013 | 2014 | 2015 | 2016 | 2017 | 2018 | 2019 |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Deficiência Intelectual | 314.067 | 365.533 | 401.268 | 448.503 | 490.015 | 520.720 | 585.672 | 659.503 | 845.849 |
Deficiência Física | 77.785 | 87.178 | 91.897 | 96.472 | 100.254 | 104.332 | 111.723 | 120.705 | 177.988 |
Autismo | 18.233 | 20.511 | 23.727 | 31.371 | 41.194 | 56.578 | 77.102 | 105.842 | 151.413 |
Baixa visão | 70.283 | 71.527 | 67.425 | 64.438 | 64.123 | 64.405 | 70.832 | 74.102 | 85.851 |
Deficiência Múltipla | 25.231 | 30.830 | 34.429 | 38.422 | 41.948 | 46.925 | 51.773 | 55.508 | 77.328 |
Transtorno Desintegrativa da Infância – TDI | 31.082 | 33.321 | 29.613 | 30.572 | 32.904 | 33.138 | 35.668 | 41.128 | * não há dados |
Deficiência auditiva | 31.190 | 32.221 | 31.617 | 31.041 | 31.329 | 32.121 | 33.994 | 36.066 | 54.359 |
Altas Habilidade/Super dotação | 10.763 | 10.902 | 12.149 | 13.089 | 14.166 | 15.751 | 19.451 | 22.161 | 39.268 |
Surdez | 25.974 | 27.540 | 25.362 | 24.411 | 22.945 | 21.987 | 21.559 | 20.893 | 24.705 |
Síndrome de Asperger | 4.215 | 5.113 | 5.698 | 6.985 | 8.244 | 10.332 | 12.180 | 13.644 | * não há dados |
Cegueira | 6.481 | 6.453 | 6.229 | 6.090 | 5.691 | 6.037 | 6.159 | 6.295 | 7.477 |
Síndrome de Rett | 1.567 | 1.718 | 1.498 | 1.566 | 1.670 | 1.717 | 2.052 | 1.902 | * não há dados |
Surdocegueira | 440 | 432 | 401 | 338 | 337 | 328 | 316 | 320 | 573 |
Fonte: Organização da autora, com base na Sinopse Estatística da Educação Básica de 2011 2019 (http://inep.gov.br/sinopses-estatisticas-da-educacao-basica), 2020.
Por seu turno, quando examinamos as questões de conteúdo narradas nos artigos que compõem o corpus documental, chegamos a três (03) atributos, identificados como: tema, condução narrativa e abrangência.
No que concerne ao tema, os textos podem ser classificados em seis grandes tópicos: 1) construções e reflexões teóricas; 2) políticas curriculares; 3) sala de recursos e setores de apoio; 4) revisão bibliográfica temática; 5) relatos de experiências e, 6) metodologias e práticas pedagógicas inovadoras.
Em relação ao primeiro grande tópico tematizado nos textos, é apresentado um direcionamento voltado a construções e reflexões teóricas, que compreendem artigos de revisitação conceitual (com o auxílio de alguns autores); textos que flertam com a interdisciplinaridade e trazem ao debate contribuições de diferentes áreas do conhecimento (especialmente a área da saúde), bem como artigos que utilizam novas perspectivas teóricas/operacionais (ou perspectivas anunciadas como novas), como a neurociência.
São frequentes, também, os artigos que tematizam as políticas curriculares desenvolvidas em redes, sistemas de ensino ou unidades escolares, com ênfase nos caminhos que estas políticas tomam em realidades concretas e como tais políticas dialogam com a prática pedagógica cotidiana.
Ainda figuram como temas, nos artigos, a presença e relevância para a organização curricular da escola, da rede ou sistema de ensino, da sala de recursos e setores de apoio, com destaque para o papel de profissionais de áreas interdisciplinares e seu conhecimento específico como sustentação para os arranjos curriculares desenvolvidos em realidades concretas (principalmente, o apoio ao professor de sala de aula).
Os artigos de revisão bibliográfica também encontram espaço entre os temas mais frequentes nos textos examinados, seja esta revisão apresentada como a centralidade do texto, ou apenas um aporte coadjuvante a um estudo de caso, por exemplo.
Em se tratanto de práticas pedagógicas cotidianas e desenvolvidas em situações reais – de escolas e redes de ensino -, também aparecem como temas dos artigos os relatos de experiências e posicionamentos de professores e/ou gestores da educação básica.
Por fim, o sexto tema presente refere-se às metodologias e práticas pedagógicas inovadoras, apresentadas como interfaces e possibilidades para a organização curricular. Tratam-se de textos que apresentam inovações como possibilidades de ação curricular para alunos PAEE, principalmente, através de tecnologias e abordagens interdisciplinares.
Já no que diz respeito à condução narrativa escolhida por alguns autores, há o destaque para o caráter prescritivo e de receituário de parte dos textos, assumindo ou ratificando o papel legal da normatização e regramento. “É preciso”; “é necessário”; “o professor (a escola) deve” são expressões, reiteradamente, encontradas nesses artigos.
A busca por uma orientação minimamente segura e inequívoca aos potenciais leitores, conduz muitos textos ao desempenho de um papel de receita ou normatização. Assim, alguns artigos apresentam-se de maneira prescritiva, conduzindo a narrativa por uma conexão entre a teoria e o exemplo empírico a essa teoria, ou a prática pedagógica cotidiana, a ‘sala de aula’, para onde as prescrições teriam, em tese, maior efeito.
Outro aspecto de condução narrativa reporta-se, justamente, ao lugar reservado ao professor ‘de sala de aula’ no processo de educação especial em perspectiva inclusiva e em sua relação com o currículo. Os textos, de forma bastante convergente, retiram do professor o peso exclusivo pelas eventuais incompatibilidades entre um discurso inclusivo e uma prática curricular excludente. Os artigos demonstram compreensão e prudência ao procurar ‘culpados’, sobretudo, se os mesmos forem os professores, considerando que
(...) é legítima a premissa de que todos podem e devem aprender durante a vida toda. Contudo, esse discurso salienta a incompletude de um professor que precisa aprender estratégias para atender múltiplas demandas no seu cotidiano de trabalho e que está, por isso, sempre em dívida nesse processo diante de um sistema educacional que “se quer inclusivo”. O professor, em contínuo processo formativo, para dar conta de diferentes demandas em seus contextos de trabalho, é responsabilizado pelo insucesso de suas práticas: nessas situações, pode ser acusado de ter pouco conhecimento e/ou ineficiente formação para lidar com o inesperado (THESING; COSTAS, 2018, p. 284).
Elementos como falhas na formação docente inicial e continuada; tempo para planejamento assistido; ausência de apoio institucional; condições de trabalho - principalmente o pluriemprego -; carências em relação a tecnologias assistivas e espaços adaptados, entre outras situações, são apontadas como causas que, eventualmente, podem obstaculizar compreensões e ações docentes mais satisfatórias e inclusivas.
Por fim, no que reportar-se à abrangência, a maioria dos artigos – 32 textos dentre os 37 que compõem o corpus de análise -, dedicam-se a relatar experiências curriculares de exceção, focadas em redes ou sistemas de ensino; em escolas ou grupos de professores/alunos; ou ainda em disciplinas específicas. Apenas cinco artigos dedicam-se a uma reflexão sobre currículo e inclusão a partir de uma perspectiva ampliada.
Percebemos que, nos três atributos, temos a presença de artigos que reportam a modelos e experiências pontuais, narrando e justificando práticas bem-sucedidas e metodologias exitosas. Ocorre que há riscos evidentes quando tomamos experiências de sucesso como modelares – ainda que recheadas de boas intenções – para organizações curriculares em geral e, particularmente, para alunos PAEE. Há que se atentar para
Transformar o currículo em um documento baseado em ideias oriundas de modelos que, aparentemente, são declarados como casos de sucesso em outras realidades não é suficiente para garantir que tal modelo traga resultados positivos. O fato de considerar a realidade cultural do espaço onde determinada escola está, verificando quem são os alunos e professores que ali estão, quais as suas condições socioeconômicas, qual a influência da comunidade no âmbito escolar, entre outras ações, revela a construção de um currículo voltado à inclusão (PRAIS; ROSA; JESUS, 2018, p. 322).
Alguns textos da própria amostra contradizem a perspectiva do receituário, evidenciando as idiossincrasias, diferenças e condições absolutamente peculiares do trabalho pedagógico com alunos PAEE, direcionando suas reflexões para valores críticos e pela compreensão da homogeneidade característica de qualquer ambiente social/escolar. Tais texto compactuam com a recomendação de que
É preciso considerar as condições sociais, intelectuais, motoras e comportamentais de cada aluno, assim como seu ritmo e tempo de aprendizagem. Ao levar em consideração o universo das diferenças individuais presentes em sala de aula, é pouco provável que as mesmas metodologias de ensino e práticas pedagógicas sejam eficazes e proporcionem a aprendizagem de todos os alunos (LEITE; BORELLI; MARTINS, 2013, p. 66-67).
Todos os textos apresentam em comum, entretanto, dois indicativos (mais ou menos) consensuais para o trato com as aderências entre currículo e educação especial/inclusiva: o planejamento individualizado como procedimento protocolar e a necessidade de flexibilizações e adaptações curriculares quando pertinentes. Tais pontos serão tratados no tópico seguinte.
Algumas reflexões sobre o currículo e a inclusão
Há alguns anos, o Brasil exibe uma tendência de ampliação quantitativa, constante e progressiva de matrículas na Educação Básica, na modalidade de educação especial (art. 58 da LDB 9.394/1996), principalmente, em classes comuns, em grande medida impulsionada pela Política nacional de educação especial, na perspectiva da educação inclusiva (BRASIL, 2008).
Se apurados os dados das Sinopses Estatísticas da Educação Básica em anos recentes, visualizamos a tendência progressiva de aumento da demanda, a partir da interpretação do crescimento anual do número de matrículas. Por exemplo, em 2009, o Brasil registrou 639.718 mil matrículas na Educação Básica, Modalidade Educação Especial. Em 2019, esse registro de matrículas já extrapolava um milhão, com 1.250.967 matrículas, um crescimento de quase 100%.
2009 | 2010 | 2011 | 2012 | 2013 | 2014 | 2015 | 2016 | 2017 | 2018 | 2019 | |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Total | 52.580.452 | 51.549.889 | 50.972.619 | 50.345.394 | 49.848.027 | 49.771.371 | 48.616.812 | 48.642.593 | 48.608.093 | 48.455.867 | 47.874.246 |
Ed. Especial | 639.718 | 702.603 | 752.305 | 820.433 | 843.342 | 886.815 | 930.683 | 971.372 | 1.066.446 | 1.181.276 | 1.250.967 |
% | 1,21% | 1,36% | 1,47% | 1,62% | 1,69% | 1,78% | 1,91% | 1,99% | 2.19% | 2,43% | 2,61% |
Fonte: Organização da autora, com base nas Sinopses Estatísticas da Educação Básica de 2007 a 2019 (http://inep.gov.br/sinopses-estatisticas-da-educacao-basica), 2020.
A primeira linha do quadro – organizado em série histórica coincidente com o recorte temporal do texto em tela -, indica o número total de matrículas na educação básica brasileira, em série histórica. A segunda linha mostra, por sua vez, o número de matrículas na educação especial em classes regulares. Já a terceira linha da tabela 01 faz referência ao percentual de aumento das matrículas de alunos especiais em classes regulares, em comparação com a matrícula total de alunos.
Trata-se, sem dúvida, de um número considerável - e tendencialmente em ampliação -, de sujeitos que buscam, na educação básica, espaço para manifestação e desenvolvimento de suas condições específicas de aprendizagem adicionando, assim, o aumento do número de alunos Público Alvo da Educação Especial (PAEE) acolhidos nas escolas regulares - em atenção ao Art. 4º, inciso III da LDB 9.394/1996.
O quadro 04 aponta a tendência de crescimento da matrícula de alunos PAEE em classes comuns em detrimento de sua matrícula em classes exclusivas, corroborando com a ideia de que o aluno PAEE está, progressivamente, frequentando escolas regulares de educação básica.
2009 | 2010 | 2011 | 2012 | 2013 | 2014 | 2015 | 2016 | 2017 | 2018 | 2019 | |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Ed. Especi al em Classe s regula res | 387.031 | 484.332 | 558.423 | 620.777 | 648.291 | 698.768 | 750.983 | 796.486 | 896.809 | 1.014.661 | 1.090.805 |
Ed. Especi al em Classe s exclus ivas | 252.687 | 218.271 | 193.882 | 199.656 | 194.421 | 188.047 | 179.700 | 174.886 | 169.637 | 166.615 | 160.162 |
Fonte: Organização da autora, com base nas Sinopses Estatísticas da Educação Básica de 2009 a 2019 (http://inep.gov.br/sinopses-estatisticas-da-educacao-basica), 2020.
Temos aqui um universo em expansão. Pois quando tal universo em expansão se choca com políticas e práticas curriculares hegemônicas que são, também homogêneas e tendem a desconsiderar o diferente, a partir de um currículo recheado de proposições e engessamentos que indicam/pautam-se quase que exclusivamente pelo desempenho em avaliações em larga escala, temos uma equação que torna dos alunos PAEE um ‘problema’ para as rotinas da escola.
Num certo sentido, a própria necessidade da criação de políticas de inclusão atesta a falta de uma cultura de inclusão. Fosse a educação ordinária inclusiva em si mesma, como, aliás, foi o espírito de seu início que data da democratização da escola abrindo suas portas para todas as crianças, não seria necessária a criação de políticas - extraordinárias - que não surgem senão de modo reparatório a essa tarefa ordinária que é realizada de modo insatisfatório. A grande aposta das políticas de inclusão é a de poder um dia deixarem de existir, após verem suas práticas transformadas numa cultura inclusiva (VOLTOLINI, 2019, p.02).
Se tomarmos o conceito de inclusão como o “processo pelo qual a sociedade se adapta para poder incluir, em seus sistemas sociais gerais, pessoas com necessidades especiais e, simultaneamente, estas se preparam para assumir seus papéis na sociedade” (SASSAKI, 1997, p. 41), podemos pontuar que o aluno PAEE merece experimentar tais papeis sociais desde a infância e adolescência, sendo protagonista de momentos/movimentos pedagógicos que passam, também, por um currículo adaptado às suas condições peculiares e, principalmente, pela visualização de suas necessidades por parte da escola e do professor.
Entretanto, somos cientes que
Muitos são os obstáculos no processo de inclusão, um dos quais é o modo como as pessoas se relacionam com a diferença e significam a deficiência. Em vários casos, a deficiência é permeada por um conjunto de imagens que guiam sentimentos de estranheza, medo e hostilidade. Essa condição afeta as relações entre as pessoas, seja no campo intelectual, no racional, no relacional, no emocional e/ou no afetivo, gerando, assim, imagens e informações impróprias, disposições psíquicas ou afetivas em relação à pessoa que apresenta algum tipo de comprometimento (VIEIRA; RAMOS; 2019, p.05).
Neste cenário, também está o professor, seus receios e ‘amarras’ teóricas e/ou de compreensão. E é o professor o operador de política educacional (e também curricular) mais próximo do aluno PAEE. Parece, pois que, sem julgamentos ou rotulações, cabe ao professor sublimar práticas curriculares direcionadas à efetividade do aprendizado e protagonismo discente.
Isto porque é recomendável que a escola (e o professor como protagonista) tenham uma abertura ampla em relação ao aluno PAEE
(...) there is a movement that must precede the enrollment of the disabled student in the mainstream school. The movement of opening the school to differences, be they of learning, gender, culture, socioeconomic and all other forms of diversity, guarantees to the human being the right to its singularity2 (MATURANA; MENDES; CAPELLINI, 2019, p. 02).
E essa abertura ampla implica movimentos de diversos foros e, também, curriculares. Para que seja garantido ao aluno o acesso a um protagonismo, requer que o currículo em sentido lato e, especificamente as práticas pedagógicas adotadas no interior das escolas, pautem-se pelo planejamento individualizado e pelas flexibilizações e adaptações curriculares.
Há, na perspectiva de alguns autores, uma construção hegemônica da lógica curricular, como a justaposição de interesses individuais e o silenciamento dos mesmos em razão de uma ‘pseudo’ democratização do saber que, em geral, não atenta para as idiossincrasias cotidianas e para alunos que não se ajustam à métrica escolar.
Vieira e Ramos, exemplarmente, ao dialogarem com Boaventura de Souza Santos, adicionam ingredientes ao debate sobre currículo e inclusão, ao referenciarem o pensamento do autor português para o qual
(...) o conhecimento moderno é nutrido por uma epistemologia técnica monocultural, denominada de razão eurocêntrica ou indolente, que coloca o saber científico como único e totalitário, fazendo com que ele encontre dificuldades de reconhecer a existência de outros conhecimentos e com eles dialogar. É uma racionalidade que se mostra audaciosa, preguiçosa e incapaz de interpretar um mundo repleto de experiências e de produzir novas ideias/alternativas para os desafios que emergem no tecido social, constituindo a sensação de que muitos desafios são
insuperáveis/intransponíveis (VIEIRA; RAMOS, 2018a, p. 133). Se considerarmos a mobilidade do tecido social e as novas configurações de grupos que se desenham no seio da história, atender aos estudantes de maneira individualizada não deveria ser, em tese, uma prerrogativa endereçada aos alunos Público Alvo da Educação Especial, mas, sim, de todo sujeito em processo de escolarização. Entretanto, tal lógica esbarra em receios e incompreensões, sobretudo, diante de dois fatores: de um lado, a ideia de que possibilitar experiências diversas a estudantes diversos seria atentar contra a igualdade e, por outro lado – e no caso específico dos alunos PAEE -, a perspectiva de que os mesmos são incapazes de aprender da forma como o padrão de aprendizagem estabelecido pelos currículos oficiais exigiria. Nesta direção
(...) a razão indolente cria a ideia de que estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação são ineducáveis e sem condições de serem envolvidos nos currículos escolares, restando vivenciar experiências voltadas à convivência/sociabilidade social. Muitas vezes, o estudante demonstra processos de aprendizagem significativos, mas, por não se enquadrar no padrão reconhecido, a razão indolente produz no professor o sentimento de não saber ensinar esse sujeito e legitimar o que ele produziu em termos de conhecimento, nos momentos de avaliação da aprendizagem (VIEIRA; RAMOS, 2018a, p. 134).
Para fazer frente a este modelo homogêneo e engessado de aprendizagem que, em certas ocasiões, pode passar ao largo das reais necessidades formativas dos alunos PAEE, os artigos examinados, no corpus documental, investem nos planejamentos individualizados.
Há recorrentes debates sobre igualdade e equidade curricular, episodicamente, compreendidas com uma certa rigidez cartesiana, parametrizando todos os alunos em razão do currículo e não em razão de suas reais necessidades. O fato é que o aluno Público Alvo da Educação Especial, possivelmente, terá uma experiência de escolarização mais densa e satisfatória se tiver suas especificidades e potencialidades contempladas em planejamentos individualizados. Em tais planejamentos
(...) as características cognitivas têm de ser consideradas, sob pena de a escola regular não cumprir o objetivo que se propôs (ou que lhe propuseram) quando passou a receber crianças com essa deficiência, ou seja, permitir-lhes o máximo desenvolvimento cognitivo e social possível (BEZERRA; ARAÚJO, 2011, p. 284).
O planejamento individualizado é a estratégia pedagógica que o professor, ao lancar mão, poderá qualificar o trabalho pedagógico e, seguramente, tornará viável caminhos de aprendizado que levem em consideração a potencialização do desenvolvimento pessoal de cada sujeito.
Para que tal plano tome forma, é relevante que a escola compreenda e defenda as razões pedagógicas para as flexibilizações e adaptações curriculares, estas compreendidas como as modificações de forma, intensidade e posição que o currículo escolar poderá sofrer, em favor de uma aprendizagem menos engessada e mais efetiva/afetiva.
As adaptações curriculares
(...) podem ser entendidas como estratégia didático-pedagógica que contemple a diversidade em questão e seja capaz de oferecer respostas educativas aos alunos com deficiência que se encontram distantes da apropriação de conteúdos curriculares para o ano ou ciclo de ensino frequentado, convergindo para a proposição de um plano de ensino que respeite as diferenças acadêmicas e os ritmos de aprendizagem de todos alunos (LEITE; BORELLI; MARTINS, 2013, p. 67).
Aqui faz-se necessária uma reflexão tempestiva: as flexibilizações e adaptações curriculares não são concessões ou substituições, não se trata de retirar conteúdos e promover outros, mas de cotejar e compatibilizar conteúdos e estruturas curriculares de acordo com as reais necessidades do aluno, sobretudo, após diagnósticos circunstanciados e em razão do planejamento individualizado.
Há uma relação intrínseca entre flexibilização e adaptação, pois “a terminologia adaptação, pode ser interpretada como flexibilização, uma vez que pressupõe a existência de alterações e/ou modificações no processo educacional, essencialmente, no âmbito curricular” (LEITE; SILVA., 2008, p. 10), sendo que tais modificações são realizadas em relação ao aluno e ao seu processo de aprendizagem.
Tais procedimentos convergem para um processo de escolarização heterogêneo, pois
(...) educação que separa fisicamente os alunos é inerentemente discriminatória, desigual e, consequentemente, injusta. Por outro lado, a educação que meramente iguala, oferecendo o mesmo ensino no mesmo ambiente, também pode ser discriminatória, desigual e injusta se não responde às necessidades diferenciadas de alguns alunos (MENDES, 2018, p. 80).
Entretanto, a defesa de adaptações curriculares, quando necessário ao aprendizado efetivo do aluno PAEE, deveria, em tese, ser pauta vencida, posto que a previsão de tal procedimento pedagógico consta na Declaração de Salamanca – da qual o Brasil é signatário – há mais de 20 anos.
Os currículos devem adaptar-se às necessidades da criança e não vice-versa. As escolas, portanto, terão de fornecer oportunidades curriculares que correspondam às crianças com capacidades e interesses distintos. As crianças com necessidades especiais devem receber apoio pedagógico suplementar no contexto do currículo regular e não um curriculum diferente. O princípio orientador será o de fornecer a todas a mesma educação, proporcionando assistência e os apoios suplementares aos que deles necessitem (UNESCO, 1994, p. 22).
Vários artigos componentes do corpus de análise também são uníssonos em relação a outras possibilidades curriculares, menos estanques e mais direcionadas ao atendimento das reais necessidades formativas dos alunos em geral e dos alunos PAEE em particular. Tais compreensões partem do conceito de currículo
(...) como redes de significações que se estabelecem por meio do diálogo entre os conhecimentos que pretendemos ensinar, as diferentes experiências produzidas por alunos e professores nos cotidianos sociais em que habitam, a criação de diferentes estratégias de ensino para fazer o conhecimento significativo para o outro, a reflexão-crítica sobre os desafios presentes na sociedade contemporânea e a maneira como o conhecimento, as informações e as tecnologias se processam. Tomados em sua processualidade e historicidade, os conhecimentos passam a ter significação ao dialogar com os saberes já incorporados, sejam os das vivências cotidianas, sejam os das experiências escolares anteriores, possibilitando a reorganização do pensamento (VIEIRA; RAMOS, 2018b, p.06).
Assim, o currículo e a inclusão ganham aderência e sentido como tendências em parte da produção científica representada por artigos publicados em periódicos nacionais, através de construções conceituais que coligem e defendem movimentos de e para currículos heterogêneos, onde os planejamentos individualizados desaguam nas necessárias e correlatas flexibilizações e adaptações curriculares, garantindo aprendizagens efetivas e satisfatórias.
Conclusão
A pesquisa aqui apresentada tomou como pauta a seguinte questão: quais as abordagens e indicadores presentes no âmbito acadêmico – reproduzidos em parte da produção científica nacional publicizada em periódicos -, apresentados nas discussões sobre currículo e inclusão para alunos PAEE na Educação Básica?
Para apresentar tais abordagens e indicadores, a pesquisa consubstanciou-se em um levantamento documental realizado junto ao Portal de Periódicos da CAPES. A partir de um levantamento que considerou termos de busca afetos ao tema, como Currículo’; ‘Educação Inclusiva’; ‘Inclusão’ e ‘Educação Especial’, chegou-se à formação de um corpus documental de 37 (trinta e sete) artigos que desenvolviam relações entre os termos de busca relatados.
Tais artigos foram examinados em seus aspectos de forma e conteúdo. No que diz respeito aos aspectos de forma, foram destacados dois atributos: a natureza e o foco das pesquisas. A totalidade dos artigos que compuseram o corpus documental apresentaram pesquisas de natureza qualitativa. Em relação ao atributo foco, as pesquisas foram direcionadas, em sua maioria, ao debate sobre currículo para a Educação Especial/Educação Inclusiva sob o foco generalista, sem explicitar nenhum quadro específico.
Nos aspectos de conteúdo, os artigos foram examinados a partir de três (03) atributos, identificados como: tema, condução narrativa e abrangência. Os principais temas tratados nos artigos foram: 1) construções e reflexões teóricas; 2) políticas curriculares; 3) sala de recursos e setores de apoio; 4) revisão bibliográfica temática; 5) relatos de experiências e, 6) metodologias e práticas pedagógicas inovadoras.
Em relação à condução narrativa, os artigos optam, em sua maioria, por um tom prescritivo e indicativo. Há a sensação da necessidade de receitas e caminhos, como pontos de apoio aos eventuais leitores. Porém, os textos também apresentam, em sua condução narrativa, uma opção altamente elogiosa: todos são muito comedidos em relação a eventuais culpabilizações, salvaguardando o papel do professor e suas ações como as ações possíveis em contextos concretos.
No terceiro atributo – abrangência - a maioria dos artigos dedicam-se a relatar experiências curriculares de exceção, focadas em redes ou sistemas de ensino; em escolas ou grupos de professores/alunos; ou ainda em disciplinas específicas.
Percebemos que, nos três atributos, temos a presença de modelos e receitas, iniciativas de socialização de práticas bem-sucedidas e relatos de metodologias exitosas.
Porém, quando fixamos com mais detalhe a lente de análise sobre os aspectos qualitativos de conteúdo, encontramos convergências entre todos da amostra, expressas em dois indicativos (mais ou menos) consensuais para o trato com as aderências entre currículo e educação especial/inclusiva: o planejamento individualizado como procedimento protocolar e a necessidade de flexibilizações e adaptações curriculares quando pertinentes.
Por fim, o texto defende que, para auxiliar na construção de um currículo efetivo para atenção aos alunos PAEE na Educação Básica, há a necessessidade de discussões acentuadas no que diz respeito justamente aos aspectos de planejamento individualizado e das flexibilizações e adaptações curriculares para alunos PAEE.