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Revista Exitus

On-line version ISSN 2237-9460

Rev. Exitus vol.10  Santarém  2020  Epub Mar 28, 2022

https://doi.org/10.24065/2237-9460.2020v10n1id1246 

Artigos

Ensino de estratégias de leitura na sala de aula do 5º e do 8º anos do ensino fundamental

Teaching reading strategies in the classroom from the 5th and 8th years of elementary education

Enseñanza de estrategias de lectura en clase del 5º y 8º años de enseñanza primaria

Aline Diesel1 
http://orcid.org/0000-0002-0942-3005

Silvana Neumann Martins2 
http://orcid.org/0000-0001-7350-0864

Márcia Jussara Hepp Rehfeldt3 
http://orcid.org/0000-0002-0007-8639

1Mestre em Ensino. Professora da rede privada de ensino. Universidade do Vale do Taquari-Univates, Lajeado, Rio Grande do Sul, Brasil. E-mail: aline.diesel@hotmail.com

2Doutora em Educação. Docente do Programa de Pós-Graduação em Ensino. Universidade do Vale do Taquari - Univates, Lajeado, Rio Grande do Sul, Brasil. E-mail: smartins@univates.br

3Doutora em Informática na Educação. Docente do Programa de Pós-Graduação em Ensino. Universidade do Vale do Taquari - Univates, Lajeado, Rio Grande do Sul, Brasil. E-mail: mrehfeld@univates.br


RESUMO

Este estudo buscou conhecer, entre outros aspectos, como as estratégias de leitura são ensinadas na sala de aula. Para a investigação, de cunho qualitativo, foi realizada uma entrevista semiestruturada com duas professoras de Língua Portuguesa do 5º e do 8º anos, vinculadas a uma escola municipal de Ensino Fundamental situada em Marques de Souza/RS. O aporte teórico está fundado em Solé (1998), Kato (1985), entre outros. Como resultados, evidenciou-se que as ações didáticas que, na opinião das professoras, promovem o ensino da leitura são: ‘horas de leitura’, contação de histórias, atividades avaliativas para cobrar as leituras realizadas e a praça literária. Nessas práticas, percebem-se situações significativas, como o estímulo à formulação de hipóteses e à inferenciação. No entanto, tais práticas quase não levavam em conta o ensino de estratégias metacognitivas, pois a maioria de suas ações eram inconscientes, isto é, sem um propósito definido.

Palavras-chave: Ensino de estratégias de leitura; Ensino Fundamental; Prática pedagógica

ABSTRACT

Among other aspects, this study sought to know how reading strategies are explored in the classroom. To the investigation of qualitative nature, it was carried out through a semi-structured interview with two Portuguese language teachers of the 5th and 8th years of a Municipal Elementary Education school in Marques de Souza/RS. The theoretical framework was founded on Solé (1998), Kato (1985), among others. The results emphasized that the following didactic actions promote the reading teaching ‘reading hours’, storytelling, evaluation activities to verify the readings done and the literary square. Significant situations could be perceived within these practices such as the encouragement to formulate hypothesis and the inferences. However, these practices did not consider the teaching of metacognitive strategies because the majority of actions were unaware, that is, there were not a defined purpose.

Keywords: Teaching reading strategies; Elementary Education; Pedagogical practice

RESUMEN

Este estudio buscó averiguar junto a dos profesoras, entre otros aspectos, como es explorada la enseñanza de estrategias de lectura en clase. Para la investigación, de carácter cualitativo, fue realizada una entrevista semi-estructurada con dos profesoras de Lengua Portuguesa del 5º y del 8º año, vinculadas a una escuela municipal de Enseñanza Primaria ubicada en Marques de Souza/RS. El aporte teórico se basa en Solé (1998), Kato (1985) y otros. Como resultados, se evidenciaron que las acciones didácticas que, en la opinión de las profesoras, más ayudan en la enseñanza de lectura son: horas de lectura, narración de historias, atividades evaluativas para cobrar las lecturas realizadas y la “plaza literaria”. En esas prácticas, se perciben situaciones significativas, como el estímulo a la formulación de hipótesis y a la inferenciación. Sin embargo, casi no tenían en cuenta la enseñanza de estratégias metacognitivas, pues la mayoría de las acciones son inconscientes, osea, sin ningún propósito definido.

Palabras clave: Enseñanza de estrategias de lectura; Enseñanza Primaria; Práctica pedagógica

Introdução

As habilidades de leitura da população, de acordo com Sacristán (2008), distinguem notoriamente as pessoas na atual hierarquia de valores da sociedade. Em outras palavras, o valor que a leitura tem na vida das pessoas é fundamental para o exercício da cidadania e para a inclusão social. Por exemplo, o indivíduo que tem melhores habilidades em relação à leitura terá condições de compreender autonomamente os mais diversos gêneros textuais e posicionar-se frente a eles.

Forneck et al. (2015) coadunam com essas reflexões quando ressaltam que cabe à escola a tarefa de formar leitores competentes, mediante o estímulo à autonomia e ao desenvolvimento consciente de estratégias de compreensão leitora. A partir disso, o leitor poderá escolher a estratégia que melhor se aplica às situações de leitura de diversos gêneros textuais com os quais terá de lidar.

Nesse sentido, parte-se da hipótese de que as aulas de leitura nas escolas têm seguido uma sequência que, certamente, é repetida em muitas aulas de Língua Portuguesa. Essa sequência inicia com a leitura de um determinado texto, oriundo de algum livro didático, em voz alta pelos alunos (cada um lê um parágrafo), enquanto os demais acompanham a leitura em seu próprio livro ou folha fotocopiada. Depois da leitura, são feitos os questionamentos orais aos alunos e, após, são estes convocados a responderem a perguntas de compreensão e interpretação. Então, algum aspecto gramatical que se sobressai no texto é explorado, como sintaxe, morfologia, ortografia e vocabulário. Por fim, os alunos produzem o seu texto, baseado nas características de gênero textual abordado no texto lido. Nessa sequência, parece que muitos alunos não são ensinados a compreender de fato o texto. O professor parte do pressuposto de que está ensinando a ler pelo simples fato de oferecer a oportunidade de o aluno decodificar e ao propor-lhes perguntas de compreensão e interpretação. De acordo com Solé (1998), só isso não ensina o aluno a compreender. É preciso ter a leitura como um objeto de conhecimento, de modo a realizar intervenções que ensinem os alunos a desenvolver estratégias de leitura, como ativar o conhecimento prévio relevante, estabelecer objetivos de leitura, esclarecer dúvidas, prever, estabelecer inferências, autoquestionar, resumir, sintetizar, entre outras.

Muito comuns, também, são as inúmeras práticas pedagógicas, objetivando despertar o interesse pelo gosto da leitura, afinal, trata-se de uma importante habilidade para a vida do sujeito, por lhe trazer conhecimentos. Entretanto, por que será que o aluno não gosta de ler? Seria por falta de incentivo? Neste trabalho, acredita-se que o incentivo à leitura é imprescindível, contudo, junto ao incentivo, deve-se ensinar estratégias de compreensão, para que os alunos saibam posicionar-se diante da leitura.

Além disso, percebe-se que, na disciplina de Língua Portuguesa no Ensino Fundamental, o ensino, muitas vezes, ainda é focado em classes e em normas gramaticais desprovidas do texto (SILVA; SILVA NETO, 2013; MIRANDA, 2014). Ou seja, muitos professores de Português, seguindo uma visão tradicional do ensino da língua, trabalham a gramática de forma descontextualizada, sendo o texto – quando existe, pois muitas vezes o trabalho parte de frases isoladas – apenas o pretexto para o estudo de determinada regra gramatical. Corrobora-se, neste estudo, com Porto (2011) ao considerar que a leitura deve ser tida como um objeto de aprendizagem, e não apenas um objeto de ensino.

Objetivando trazer contribuições nesse sentido, entende-se que as aulas de Língua Portuguesa na Educação Básica, especialmente no Ensino Fundamental, devem ensinar os alunos a desenvolverem estratégias de leitura. Isso significa que se deve auxiliar os alunos a reconhecerem elementos implícitos no texto, a fazerem inferências, a reconhecerem ambiguidades e ironias. Nessa perspectiva, o ensino de normas gramaticais no Ensino Fundamental deve ficar para um segundo plano.

Diante das considerações feitas, buscou-se, neste trabalho, entre outros aspectos, conhecer como duas professoras de Língua Portuguesa do Ensino Fundamental exploram o ensino de leitura com os alunos do 5º e do 8º ano. A investigação, de cunho qualitativo, foi desenvolvida em uma escola municipal de Ensino Fundamental situada na cidade de Marques de Souza/RS. Teve como sujeitos as professoras de Língua Portuguesa do 5º e do 8º anos. Como instrumento de coleta de dados, realizou-se uma entrevista semiestruturada.

Feitas tais considerações introdutórias, apresenta-se, na segunda seção desta publicação, o referencial teórico adotado, que está baseado em aspectos relativos ao ensino da leitura no Ensino Fundamental e às estratégias de compreensão leitora. Esta seção é seguida dos caminhos metodológicos adotados no decorrer do trabalho e, após, apresenta-se a análise dos dados coletados. Por fim, apresentam-se as constatações que emergiram da investigação.

A leitura no ensino fundamental

A preocupação em garantir que os estudantes tenham, de fato, habilidades de ler um texto tem assumido cada vez mais destaque nas discussões sobre o ensino da Língua Portuguesa e vem ganhando espaço entre o rol de objetivos dessa área. Assim como as demais disciplinas que compõem a grade curricular do Ensino Fundamental, a Língua Portuguesa é considerada imprescindível no currículo escolar. Ela dá suporte para outras áreas, porque seu objeto é o estudo da língua e, no senso comum, é nessa disciplina que o professor deve qualificar os alunos a ler e a escrever (POSSENTI, 2002).

Nessa linha, na tentativa de seguir a tendência atual de ensino, segundo a qual o ensino da língua deve partir do texto, e não de palavras ou frases isoladas, percebe-se que o texto é usualmente tratado pela escola como um produto de depósito de informações, ou “como um ‘container’, onde se ‘entra’ para pegar coisas” (MARCUSCHI, 2008, p. 242). Isto é, o trabalho pedagógico por vezes é reduzido a identificar nele informações objetivas e superficiais. Ao contrário disso, o autor entende que o texto é um evento comunicativo aberto a algumas possibilidades de compreensão, que irão depender do leitor (seus conhecimentos prévios, seus objetivos de leitura). Contudo, o texto “não é uma ‘caixinha de surpresas ou algum tipo de ‘caixa preta’. Se assim fosse, ninguém se entenderia e viveríamos em eterna confusão” (MARCUSCHI, 2008, p. 242).

Ruaro (2013, p. 189), seguindo essa linha de pensamento, considera que “as habilidades de leitura e de escrita precisam ser pensadas em termos de estratégias de ensino capazes de dar conta da aprendizagem significativa e também da aprendizagem reflexiva”. Em outras palavras, o que o professor aborda em Língua Portuguesa precisa ter significado para o aluno de modo que o “trabalho do educador não caia no vazio da teoria e da prática e não leve o aluno a não pensar no que faz enquanto o faz”.

Nessa ótica, deixar a decifração para um segundo plano, passando a valorizar o ensino de estratégias de leitura, parece ser o melhor caminho. Isso mexe com as conhecidas “horas de leitura”, nas quais o professor, muitas vezes, se reduz a um mero espectador do processo de aprendizagem dos alunos, ao pressupor que o contato com a leitura – ou seja, com a decodificação –, seguido de comentários e emissão de opiniões acerca da leitura, favoreçam a formação de um indivíduo crítico e participativo (RIOLFI et al., 2010). Não se está afirmando que não devam mais ser proporcionados tais espaços, já que são momentos em que o aluno está exercitando a leitura autônoma. É necessário entender que essas situações não são suficientes para efetivar leitores competentes, e que, para tanto, uma série de habilidades precisam ser despertadas nos estudantes desde o Ensino Fundamental, como veremos ao longo deste trabalho.

Dessa forma, o professor de Língua Portuguesa no Ensino Fundamental deve conhecer os caminhos utilizados pelo leitor para compreender o que está lendo. Tais caminhos envolvem processos cognitivos e estratégias que ele adota para aprimorar a habilidade de leitura. Essa será a temática da próxima seção.

O ensino de estratégias de compreensão leitora

Ao tratar de estratégias de leitura, convém referir as concepções de Solé (1998), que traz contribuições significativas nessa área. A autora explica que o leitor proficiente utiliza as estratégias de forma inconsciente; o processamento de informação escrita que o ato de leitura requer acontece de maneira automática. Entretanto, quando encontra algum obstáculo, como uma frase incompreensível, um desenlace inesperado que contradiga as expectativas, uma página colocada de forma incorreta, o leitor proficiente dispõe uma atenção especial e realiza determinadas ações, como reler o contexto da frase, examinar as premissas em que se baseiam as previsões sobre a sequência do texto. Nesse caso, o leitor utiliza-se de estratégias de forma completamente consciente.

Dada a complexidade que permeia o ato de ler, defende-se a necessidade de o professor priorizar o ensino das estratégias, de modo que o leitor tenha consciência de seu processo de leitura, identificando problemas de compreensão e sendo capaz de encontrar soluções para os problemas de leitura, assim que eles ocorrerem. Em síntese, se o trabalho em sala de aula for voltado para as estratégias de leitura, formam-se leitores autônomos, capazes de compreenderem diversos textos, sejam eles difíceis, criativos, ou mal escritos (SOLÉ, 1998).

Estratégias de leitura são consideradas habilidades usadas para promover a compreensão leitora; são procedimentos ou atividades que facilitam o processo de aquisição de informações, variando de acordo com o texto a ser lido (ALVES, 2008). Alguns autores classificam-nas em estratégias cognitivas e em estratégias metacognitivas. Estratégias cognitivas em leitura designam os princípios que regem o comportamento automático e inconsciente do leitor (KATO, 1985). Em outras palavras, ainda seguindo a ideia de Kato (1985), as estratégias cognitivas munem o leitor de procedimentos eficazes e econômicos, responsáveis pelo processamento automático e inconsciente da leitura, enquanto que as metacognitivas orientam o uso das estratégias para desautomatizá-las em situações de problemas de leitura.

Uma das características fundamentais do processo metacognitivo da leitura é a capacidade que o leitor possui de avaliar a qualidade da própria compreensão. Isso significa que o leitor deve perceber quando está entendendo bem um texto, quando a compreensão está sendo parcial ou quando o texto não lhe faz sentido (LEFFA, 1996). Mas não é só isso: um leitor proficiente sabe o que fazer quando está tendo problemas de compreensão.

“Sabe até que ponto está ou não preparado para atender as exigências encontradas, qual é a tarefa necessária para resolver o problema e, o que é mais importante, se o esforço a ser dispendido vale ou não a pena em função dos possíveis resultados” (LEFFA, 1996, p. 45).

As estratégias metacognitivas de leitura dão conta dessas especificidades. Referem-se ao domínio de procedimentos que regem o comportamento do leitor, o qual se volta para si mesmo e se concentra não só no conteúdo que está lendo, mas nos processos que, conscientemente, utiliza para chegar ao conteúdo (LEFFA, 1996). Em outras palavras, são os princípios que regulam a desautomatização consciente das estratégias cognitivas (KATO, 1985).

Solé (1998) classifica as estratégias em três grupos: estratégias antes durante e após a leitura.

Dentre as estratégias antes da leitura, destacam-se as seguintes:

  • Objetivo de leitura: quando o objetivo de leitura é explicitado pelo professor ao aluno, este irá controlar sua própria compreensão, ou seja, estará praticando estratégias de natureza metacognitiva, que possibilitam ao leitor tomar consciência do processo de compreensão e perceber o que é necessário para otimizar esse processo (SOLÉ, 1998).

  • Ativação conhecimentos prévios: Solé (1998) apresenta algumas maneiras de ajudar os alunos a atualizarem os conhecimentos prévios: dar alguma explicação geral sobre o que será lido, ajudar os alunos a prestar atenção a determinados aspectos do texto que podem ativar seu conhecimento prévio, incentivar os alunos a exporem o que já sabem sobre o tema, estabelecer previsões sobre o texto, promover as perguntas dos alunos sobre o texto.

  • Formulação de hipóteses/predição: São estabelecidas a partir do título, das ilustrações, dos cabeçalhos, dos conhecimentos prévios acerca do assunto ou mesmo a partir do próprio autor do texto (SOLÉ, 1998). Conforme a compreensão daquilo que ele está lendo, suas hipóteses iniciais vão sendo reavaliadas e atualizadas (GIROTTO; SOUZA, 2010).

Já entre as estratégias usadas durante a leitura, temos:

  • Fluência na leitura: Girotto e Souza (2010) garantem que, durante a leitura, a maioria das palavras devem ser reconhecidas rapidamente e não decodificadas. A importância disso reside no fato de que reconhecer e compreender uma palavra depende da memória do leitor, a qual armazena o seu conhecimento prévio. Assim, se o leitor não é fluente em reconhecer as palavras, parte de sua memória será utilizada na decodificação, não sobrando muita memória para o exercício da compreensão. Tal entendimento é corroborado por Moraes (2013) segundo o qual, quando não se lê depressa, não fica tempo para as atividades de compreensão.

  • Autorregulação: Essa estratégia permite ao leitor gerir e controlar adequadamente, ele mesmo, sua progressão na leitura do texto. O aluno deve poder determinar regularmente se compreendeu o trecho lido, voltar atrás e reler o que lhe parece nebuloso, ou simplesmente continuar, mas abrandando a velocidade da leitura para melhor integrar as novas informações (MORAES, 2013).

  • Inferência: Para fazer inferências, o “leitor conta com dados do texto, elementos do seu conhecimento prévio, bem como da situação comunicativa; que juntos possibilitarão a ele fazer deduções, generalizações, entre outras operações mentais necessárias à compreensão do texto” (COSCARELLI, 2002, p. 13). Pereira (2009) menciona que as inferências são informações não explícitas no texto, que devem ser acrescidas a ele pelo leitor, respeitando-se as indicações do texto. Isso significa que o leitor não pode seguir livremente suas vontades, mas está atrelado às pistas do texto.

  • Autoavaliação: Serra e Oller (2003) entendem que é fundamental autoavaliar e controlar se está ocorrendo a compreensão do texto e autorregular a atividade de leitura. Para tanto, o leitor deve recapitular o que leu, caso contrário pode estar ocorrendo um ‘aparente avanço na leitura’, mas não na compreensão.

E, por fim, entre as estratégias após a leitura, podemos citar, os seguintes procedimentos, que estão intrinsecamente relacionados entre si:

  • Identificação da ideia principal e das ideias secundárias: É necessário ensinar a encontrar o tema do parágrafo e a identificar a informação trivial; a deixar de lado a informação repetida; a determinar como se agrupam as ideias no parágrafo para encontrar formas de englobá-las; a identificar uma frase resumo do parágrafo ou a elaborá-la.

  • Sumarização: O resumo de um texto é elaborado com base no que o leitor determina como ideias principais, definidas de acordo com seus propósitos de leitura (SOLÉ, 1998). A elaboração de resumos está relacionada às estratégias necessárias para estabelecer o tema de um texto, para gerar ou identificar sua ideia principal e seus detalhes secundários. Para resumir um conteúdo de um texto, deve-se seguir os seguintes passos: omitir, selecionar, generalizar e construir ou integrar.

Feitos essas referências teóricas que sustam a presente pesquisa, passa-se para a apresentação dos caminhos metodológicos percorridos a fim de alcançar os objetivos propostos.

Procedimentos metodológicos

Este estudo, cujo objetivo foi compreender, junto a duas professoras de Língua Portuguesa do Ensino Fundamental, entre outros aspectos, como é explorado o ensino de leitura com os alunos do 5º e do 8º ano, segue uma abordagem qualitativa. Na concepção de Creswell (2010), a investigação qualitativa constitui-se em uma pesquisa interpretativa, de modo que o investigador, instrumento fundamental, esteja diretamente envolvido com a experiência e com os participantes. Nesse sentido, a pesquisa com abordagem qualitativa busca aprofundar os estudos, de modo a obter dados e informações que irão fomentar uma análise subjetiva pelo pesquisador.

O cenário da pesquisa foi uma escola municipal de Ensino Fundamental localizada em Marques de Souza-RS/BRA. Os sujeitos envolvidos foram duas professoras da disciplina de Língua Portuguesa, uma do 5º ano e outra do 8º ano, da mesma escola, localizada em Marques de Souza/RS. Essas professoras foram escolhidas por trabalharem, em 2016, com turmas que realizarão a próxima etapa da Prova Brasil, em 2017, isto é, uma avaliação externa que avalia justamente a compreensão leitora.

A Professora 1, do 5º ano, cursou Magistério (Curso Normal), no Ensino Médio. Por sempre gostar de ler e por identificar-se com a língua inglesa, optou pelo curso de Licenciatura em Letras Português/Inglês. Após concluir a graduação, realizou um curso de especialização em Linguagem e suas Tecnologias, na mesma instituição. Essa professora trabalha há quinze anos com Língua Portuguesa, Língua Inglesa e Literatura e sua experiência profissional perpassa por todas as etapas do Ensino Básico, desde a préescola até o Ensino Médio.

A Professora 2, docente do 8º ano, também é licenciada em Letras Português/Inglês e mestre em Teoria Literária. Acerca da sua experiência em relação ao ensino da compreensão leitora, a Professora 2 também possui quinze anos de docência da disciplina de Língua Portuguesa e Inglesa nos anos finais do Ensino Fundamental.

A coleta de dados foi realizada por meio de uma entrevista semiestruturada com as professoras investigadas. As informações coletadas nas entrevistas foram analisadas com base em alguns pressupostos da técnica da análise de conteúdo, que segundo Bardin (2012), compreende etapas da pré-análise, da exploração do material, do tratamento dos resultados, inferência e interpretação. Parte-se, assim, para a apresentação e análise desses dados coletados.

O discurso das professoras sobre o ensino da compreensão leitora

A partir da análise das informações coletadas nas entrevistas, realizouse um recorte das falas, levando em conta os apontamentos que tiveram maior relevância para o objetivo deste estudo, possibilitando a triangulação entre o propósito deste trabalho, os aspectos teóricos levantados e os dados coletados. Dos dados coletados, emergiram as seguintes unidades temáticas:

Formação continuada sobre o ensino da compreensão leitora

A formação deficiente dos professores de Língua Portuguesa, muitas vezes, é decorrente dos próprios currículos de alguns cursos de Letras, que ainda privilegiam um abismo entre teoria e prática. Nessa perspectiva, a formação continuada vem a complementar o processo de formação inicial. Assim, embora já se tenha traçado anteriormente um perfil das professoras investigadas, é relevante, para os propósitos deste estudo, conhecer sobre a participação dessas professoras em cursos de formação continuada, envolvendo o ensino da compreensão leitora, uma vez que se considera que a formação contínua e a prática pedagógica devem seguir lado a lado.

A Professora 1 fez menção a alguns cursos ofertados pela rede municipal de ensino na qual atua, direcionados à área de produção escrita e leitura, porém, não especificou do que trataram:

Professora 1: Sim, eu já fiz alguns cursos de extensão que o município aqui de Marques fez uma parceria com a Univates. E lá então a gente fez cursos que geralmente eram nas férias de verão e nas férias de inverno, dois ou três dias. Um desses cursos [...] era sobre produção escrita e leitura. Muito bom! Ela nos passou as atividades muito interessantes, troca de ideias, a gente fez também aquele dia com professores de outras escolas.

A professora mencionou como contribuições desses cursos de formação continuada o fato de sugerirem atividades interessantes a serem realizadas em sala de aula, e de promoverem a troca de ideias entre os professores e os ministrantes. Essa professora fez menção, também, a diversos cursos realizados, contudo, voltados para a educação de uma forma geral:

Pesquisadora: Eram essas as formações?

Professora 1: E também eu fiz alguns, mas era mais relacionado à educação, não com o foco tanto para a produção escrita no Instituto Palavrações, em Lajeado. Esse Instituto foi a Travesseiro. Então alguma coisa a gente também aproveita em relação a isso.

A Professora 2, por sua vez, mencionou a participação, durante o curso de licenciatura, em um grupo de estudos sobre o tema “estratégias de leitura”, no qual os participantes analisavam e debatiam as ideias de Solé (1998):

Professora 2: Eu participei uma vez de um grupo de estudos na Univates, [...] que estudava várias obras e uma delas era “Estratégias de Leitura”, da Isabel Solé, eu acho. Então essa foi a única formação que eu tive. Nossas formações continuadas que o município proporciona, elas são bem fracas, na verdade, na maior parte das vezes elas não são específicas, porque há poucos professores de cada área, então eles não têm como bancar cursos específicos de cada área. Então eles fazem aquelas formações gerais.

Pesquisadora: Então, o que tu tiveste sobre o ensino da leitura foi a participação nesse grupo de estudos. Faz muito tempo, tu lembras?

Professora 2: Sim, faz! Foi quando eu ainda não havia me formado. Antes de 2002, por aí, 2000, 2001. Mas claro, que a gente falava em sala de aula também, estudava sobre isso, mas ...foi isso.

Nesse relato, a professora também aponta para a deficiência dos cursos de formação continuada oferecidos pela rede municipal, por serem formações muito gerais. Tal entendimento é corroborado pelo estudo de Galindo e Inforsato (2005), que constataram a necessidade de priorizar, no âmbito da educação municipal, programas de formação continuada baseados nas necessidades docentes, resultando numa escolaridade mais afeita às exigências da sociedade contemporânea.

Com base nessas informações, evidenciou-se que as professoras envolvidas têm uma formação complementar exígua acerca do ensino de estratégias de leitura. Assim, parte-se para a próxima unidade temática, que trata especificamente da visão das professoras sobre o trabalho com a compreensão leitora.

O uso do livro didático

Ainda que o uso do livro didático não seja o foco do estudo, este recurso interfere significativamente no trabalho em sala de aula e pode influenciar no ensino da leitura, tanto positivamente quanto negativamente. Alguns autores entendem que muitos professores acabam se rendendo ao livro didático por possuírem poucos conhecimentos das teorias subjacentes à prática pedagógica, o que pode promover o uso inconsciente desse material pelo professor, o qual se torna um “simples cumpridor de tarefas com um enfoque conteudista” (OLIVEIRA, 2010, p. 14-15).

Sendo assim, buscou-se saber qual a incidência do livro didático na sala de aula das professoras investigadas e como é a relação deste uso com o ensino da compreensão leitora. Nesse sentido, os dados coletados evidenciaram que, ainda que a escola ofereça o livro didático, ele é pouco utilizado, como se pôde perceber na fala da Professora 1:

Professora 1: Nós temos um livro didático, mas não tem um livro para cada aluno. Então, digamos que nos dois 5º anos são uns trinta alunos, tem uns 14 livros. São livros bons, têm uns textos bem interessantes, mas eu acabo ocupando pouco durante o ano, até porque não tem um livro pra cada um, e às vezes eu elaboro, pego um texto de um livro ou de jornal, vou elaborando as atividades, então acabo não utilizando muito.

Essa professora mencionou não existir um livro para cada aluno, o que, na sua percepção, dificulta o trabalho com tal recurso didático. Nessa mesma linha é o entendimento da Professora 2, que também utiliza o livro com pouca frequência, conforme apresentado no seguinte trecho da entrevista:

Pesquisadora: Tu tens algum livro didático nas tuas aulas?

Professora 2: Pouco! Têm livro didático, mas eu uso muito pouco. Às vezes para dar um tema de casa, mas não sou muito de usar.

Pesquisadora: Vocês têm acesso ao livro, tem um para cada um, mas vocês não gostam muito.

Professora 2: É, e às vezes não tem um para cada um. Então tem que fazer duplas, já dificulta também.

Já que o uso do livro didático é restrito na prática dessas professoras, o trabalho com o ensino de leitura se estende a outras estratégias de ensino. Entre elas, estão as célebres “horas de leitura”, tão comuns nas aulas de Língua Portuguesa. A próxima unidade é dedicada a tal temática.

Atividades que promovem o ensino da leitura

A retirada de obras literárias na biblioteca escolar foi mencionada pelas docentes como prática pedagógica que favorece a compreensão leitora dos alunos. A Professora 1, do 5º ano, descreveu como promove esse momento:

Professora 1: [...] eles [os alunos do 5º ano] sempre vão à biblioteca uma vez por semana. Geralmente é na 2ª-feira que a turma dos 5º anos vai à biblioteca. Lá eles retiram um livro, às vezes eu vou com eles na biblioteca. Às vezes eu deixo, porque quando eu vou, eles pedem ajuda: “Profe, qual livro tu sugeres pra nós? Qual livro é interessante”. Então uma segunda eu vou com eles, e uma eu deixo até para eles terem aquela autonomia de... eu vou escolher sem a profe ficar ali auxiliando. Então eles voltam desse momento da leitura, eu deixo sempre um momento para eles lerem na sala. Então, às vezes, 15 min, às vezes 20 minutos eu deixo eles lendo. Quando eles terminaram esse momento da leitura, às vezes, antes de ir à biblioteca, ou depois, 5 alunos, normalmente, ou 6, contam o seu livro que retirou na semana anterior. Então, normalmente eu faço antes de ir à biblioteca trocar. Então eles contam o livro, eu anoto o nome do livro, o número de páginas do livro, o autor, até pra depois, eles verem quantas páginas eles leram, como eles estão se saindo. E muitas vezes eu comento assim: não é questão de número de páginas, é a questão da qualidade também da contação. Não adianta pegar um livro de 200 páginas e ir lá na frente contar ... sem ter ... sem explicar bem! Então eu sempre digo: não adiante a quantidade, e sim a qualidade.

Com base nesse relato, foi possível perceber que a professora procura intercalar suas idas à biblioteca, acompanhando os alunos, para que eles exercitem a autonomia de escolherem, por si só, as obras que gostariam de ler. Voltando a Freire (2000), os estudantes precisam exercitar a liberdade do poder de decidir, tomando consciência dos riscos e consequências de suas decisões. E isso, de acordo com o autor, só é feito decidindo.

De acordo com o relato da professora, após a retirada de livros, é comum despender entre 15 a 20 minutos para que os alunos leiam individualmente. Conforme já mencionado anteriormente, esse momento é valoroso, pois possibilita aos alunos exercitarem autonomamente as estratégias de leitura (Solé, 1998). Contudo, entende-se que, para que esse momento efetivamente tenha valor, é preciso que o professor previamente, em situações compartilhadas de leitura, ensine tais estratégias.

Outra estratégia adotada pela professora em relação às obras retiradas na biblioteca é solicitar que os alunos contem as obras lidas para os colegas. Percebe-se que essa é a forma utilizada pela professora para avaliar a leitura dos alunos. Analisando essa estratégia de ensino, pode-se considerar que ela está, inconscientemente, auxiliando os alunos a exercitarem a estratégia de leitura da sumarização, que envolve estabelecer o tema de um texto, identificar a ideia principal e os detalhes secundários, omitir, selecionar e generalizar informações (SOLÉ, 1998). Tal atividade também contribui para que o aluno exercite a oralidade, outra habilidade que precisa ser explorada nas aulas de Língua Portuguesa (ANTUNES, 2010).

Nessa mesma linha, a Professora 2 mencionou que também realiza esses momentos de leitura e destacou a falta de estímulo/motivação que os alunos têm para a leitura. Para tentar converter essa situação, a professora promove atividades em que avalia a leitura dos alunos:

Professora 2: E uma coisa também que eu esqueci de falar, que eu “cobro”. Talvez seja uma palavra que atualmente a gente não usa, porque cobrar leitura e literatura, muitas vezes a gente fala de prazer, de criar esse hábito, mas às vezes, a gente vai tendo a experiência, vai dando aula, tu vai vendo que não é bem assim. Às vezes, por eles não conhecerem e não terem muito contato, é muito difícil despertar isso neles, mesmo que a gente goste, mesmo que a gente leia com entusiasmo para eles, e mostre a mágica que há nisso, mostre a importância que há nisso, mesmo assim, ainda mais com as redes sociais do jeito que estão. [...] Eu peço para eles contar os livros, retirarem na biblioteca e relatarem os livros na sala de aula. A cada semana, um grupo. A maioria das minhas turmas tem em torno de 15, até 18 a 19 alunos. Então eu fazia dois grupos. Numa semana um grupo relatava e na outra semana outro. Daí eles sentiram que tinham que ler pelo menos dois livros por mês, então eles se sentiram bastante cobrados. Mas a maioria contava.

A partir das práticas pedagógicas retratadas nessa seção e dos aportes teóricos apresentados anteriormente, é possível elucidar que tais ações não desenvolvem a real competência leitora dos alunos, pois ainda são fortemente vinculadas à simples decodificação, como preveem Moraes (2013) e Koch e Elias (2013). O trabalho desenvolvido praticamente não favorece o ensino da consciência das estratégias mobilizadas no ato de ler.

Também cabe fazer uma reflexão sobre o fragmento dessa entrevista, em que a professora relata que motiva os alunos a realizarem leituras em momentos de atividades em que as obras são “cobradas”, por meio da contação ou de atividades escritas avaliativas. A partir dessas situações, questiona-se: é possível motivar um aluno revelando-lhe que as leituras são “cobradas” e que esse conteúdo será avaliado? Isso seria uma motivação ou um estímulo para gerar uma resposta, mesmo que mecânica, dos alunos?

Ao refletir sobre tais ações, percebe-se que, de acordo com a perspectiva de Riolfi et al. (2010) apresentada anteriormente, as professoras basicamente atuam como espectadoras do processo de aprendizagem de leitura dos alunos. Não está sendo privilegiado o ensino de estratégias das quais o leitor deve se valer quando identifica problemas de compreensão, por exemplo, o que ele poderia fazer antes de iniciar a leitura, durante a leitura ou após, para que ocorra uma abstração dos sentidos (KATO, 1985, SOLÉ, 1998; SERRA; OLLER, 2003).

Contudo, é preciso deixar claro também que não se está aqui diminuindo o trabalho desenvolvido pelas professoras, pois se trata de estratégias muito comuns no cotidiano das aulas de Língua Portuguesa e que trazem uma série de saberes tanto para os alunos como para os professores. O problema está em limitar o ensino da leitura a esses momentos, unicamente.

Durante a coleta de dados, os momentos de contação de histórias pelas docentes também foram citadas, dentre as atividades que, na opinião das professoras investigadas, promovem o ensino de leitura, como se verifica nos seguintes trechos:

Professora 1: Às vezes, [...], eu conto uma história ou um livro para eles, peço para eles desenharem sobre o livro lido, ou às vezes fazerem um breve resumo, ou às vezes, só conto e a gente discute oralmente. Aconteceu algumas vezes de um varal com figuras referente ao livro, e eu vou contando por ali, ou alguns fantoches que têm na biblioteca.

Professora 2: [...] uma das coisas que eu faço é ler uma obra literária por capítulos a cada ano, né? Então eu já li “Alice no País das Maravilhas” pra eles. No ano retrasado eu li “Frankenstein”, e ano passado foi “As Mil e uma Noites”.

Acerca dessas atividades com leitura, pode-se reportar a Colomer e Camps (2002). Esses autores valorizam a exposição do aluno a um meio no qual a comunicação escrita cumpre uma função real e destacam a leitura de histórias para as crianças como o fator mais determinante de sua futura aprendizagem da língua escrita, pois permite a descoberta da potencialidade simbólica da linguagem. Além disso, os autores citados também apontam para a importância de conseguir estabelecer uma relação afetiva e positiva com o objeto escrito, para que os estudantes sintam segurança em encarar pessoalmente esse desafio, o que também ficou evidenciado no depoimento das professoras. O trecho a seguir explica melhor tal percepção:

O contato com o escrito tem de implicar a tomada de consciência de seu uso funcional, do saber por que as pessoas leem, de maneira que a ideia de sua aquisição se distancie da concepção de uma tarefa eminentemente escolar, sobretudo por parte dos meninos e das meninas que unicamente associam a língua escrita com as exigências de seu ingresso no mundo escolar (COLOMER; CAMPS, 2002, p. 65).

Essa citação traz à tona a importância de os professores proporcionarem o contato dos alunos com a leitura a partir de experiências reais. Em outras palavras, o contato com a língua escrita não deve ficar apenas em textos de livros didáticos, seguidos de perguntas de compreensão e intepretação. Tal como mencionado pelas professoras entrevistadas, é necessário proporcionar situações reais de contato com a leitura.

Ainda a respeito dos trabalhos com as obras literárias, a Professora 2 apontou detalhes sobre como desenvolve essas contações:

Professora 2: Então, primeiro, quando eu começo a apresentar a obra, eu pergunto o que eles pensam sobre o que isso vai falar, que personagens vão aparecer... Pesquisadora: A partir do título?

Professora 2: Isso, e da capa. E depois na leitura de cada capítulo eu vou perguntando também. Então já tem o conhecimento dos capítulos anteriores, o que eles pensam que pode aparecer, acontecer a partir daí, em relação ao que já aconteceu antes. E fazendo inúmeras perguntas, até sobre palavras que às vezes aparecem, que significado tem essa palavra nesse contexto. Às vezes, eles podem descobrir pelo contexto. Às vezes eles precisam recorrer ao dicionário.

A descrição dessa atividade faz alusão à estratégia de leitura da predição, conforme apresentado anteriormente. De acordo com Solé (1985), as previsões são estabelecidas a partir do título, das ilustrações, dos cabeçalhos, dos conhecimentos prévios acerca do assunto ou do próprio autor do texto, etc. Para a autora, é fundamental para a compreensão que o leitor, antes de iniciar a leitura, formule suas próprias hipóteses ou predições, sobre o conteúdo do texto. Assim, conforme a compreensão daquilo que ele está lendo, suas hipóteses iniciais vão sendo reavaliadas e atualizadas.

Dessa forma, percebe-se o desenvolvimento de estratégias metacognitivas de leitura pela Professora 2. Já a Professora 1 tem desenvolvido um trabalho diferenciado, não tendo um olhar para o desenvolvimento dessa estratégia:

Professora 1: Normalmente eu leio todo o texto, e depois eu faço os questionamentos [...].

Assim, evidencia-se que, nas práticas de contação de histórias realizadas pela Professora 1, os alunos praticamente não são motivados a realizarem estratégias durante a leitura.

Outra situação mencionada por ambas as professoras que, na percepção delas, contribuiu para a compreensão leitora dos alunos foi uma atividade denominada Praça Literária. Conforme entrevista com as professoras, são escolhidas temáticas com as quais cada turma terá que trabalhar: poemas, trava-línguas, adivinhas, recomendação de leitura, entre outras. Após cada aluno escolher seu texto, de acordo com a respectiva temática, o aluno lê com atenção e prepara-se para apresentá-lo na praça principal da cidade.

Professora 1: A gente observou que lá não teve muito a presença do público, mas os alunos em si interagiram muito. Eles se sentiram importantes de ir lá no centro e mostrar um pouquinho do que eles tinham lido, seja uma trava-línguas, seja adivinha (que daí os outros também iam participando), um poema, eu recomendo tal livro[ ...].

Professora 2: Então também eles [alunos] declamam poemas, escolhem o poema e daí também leem, eles dão um significado para aquilo, o que eles entenderam a partir da leitura, o trabalho com sons das palavras, toda essa questão estética também do poema, imagens que ele cria. Então a gente vai trabalhando isso.

A atividade “Praça Literária” mencionada pelas professoras, com detalhamento, revela a relevância que atribuem a esse trabalho para o ensino da leitura. De fato, é um trabalho que estimula os alunos a interagirem, de forma autônoma, com os mais diversos gêneros textuais. Contudo, parece ser um trabalho que evidencia uma percepção tradicional de ensino da leitura, uma vez que o trabalho está focado na simples decodificação, conforme já apontado anteriormente, ou na tradução de signos gráficos aos signos orais, conforme consideram Colomer e Camps (2002).

Ensino de estratégias de leitura

É também relevante analisar como as professoras investigadas consideram ser o trabalho com o ensino das estratégias de compreensão leitora, que é o principal foco deste trabalho. A professora do 5º ano relatou a sequência de estratégias que adota para, de acordo com sua percepção, ensinar a compreensão aos alunos:

Professora 1: Geralmente eu faço assim: na sala de aula eu sempre parto de um texto, pra explicar a parte da gramática. [...] às vezes eu leio o texto, e às vezes cada um lê um parágrafo, ou lê uma frase. E logo depois da leitura, eu geralmente faço alguns questionamentos orais, e depois escritos, então passo no quadro, ou entrego um xérox, onde eles respondem as questões escritas. Mas geralmente faço algumas orais antes. [...] muitas vezes eu faço assim: faço uma propaganda do texto, ou falo “esse texto é muito interessante, vocês vão adorar!” “Gente, prestem bastante atenção!”. Faço, digamos, uma pequena apresentação, às vezes nada, só entrego o texto.

A perspectiva da professora converge com o fato de o trabalho todo partir do texto, o que é fundamental. Na aula de Língua Portuguesa, o texto deve transpassar toda e qualquer prática de ensino, já que ele permeia toda e qualquer situação comunicativa, isto é, “ninguém interage verbalmente a não ser por meio de texto” (ANTUNES, 2013, p. 40).

Também se destaca sua preocupação com a motivação que, de acordo com Solé (1998), é fundamental, sendo que o professor não deveria iniciar nenhuma atividade de leitura sem que os alunos estivessem motivados para ela. Contudo, a autora ressalta que são frequentes nas escolas as práticas de leitura fragmentada, ou seja, nas quais os alunos leem um parágrafo cada um. Essa prática pode atingir um objetivo específico, mas não deve ser usada com exclusividade em razão da pressão de estar sendo ouvido pelos colegas (SOLÉ, 1998). Como sentir-se motivado se o sujeito sempre irá ler com a pressão da audiência?

Nesse exercício de motivação, percebe-se que, inconscientemente, a professora está promovendo algumas estratégias de leitura, como a predição, a ativação dos conhecimentos prévios e a definição do objetivo para a realização daquela leitura. Contudo, esse momento é tão espontâneo e inconsciente por parte da professora, que as estratégias são exploradas muito superficialmente.

A partir do relato, percebe-se que, normalmente, não há o estímulo ao exercício de estratégias como inferências, automonitoramento e predição durante a leitura, fundamentais para que os alunos possam aprimorar suas habilidades de compreensão leitora, tornando-se leitores ativos. Já em relação ao trabalho com as estratégias após a leitura, a Professora 1 mencionou realizar questionamentos orais voltados para a produção de inferências para a compreensão de termos desconhecidos.

Acerca do trabalho com estratégias de leitura realizado pela Professora 2, pode-se perceber que esta, também foca seu trabalho no texto. A seguir, segue transcrito o trecho da entrevista em que ela menciona como desenvolve essa abordagem:

Professora 2: Geralmente eu parto do texto para fazer os outros estudos. Então a leitura está sempre presente. E trabalho em todas as aulas de alguma forma com isso [...] É, aí entra toda essa questão de conhecimento de mundo, inferências. [...] Então, primeiro, quando eu começo a apresentar a obra, eu pergunto o que eles pensam sobre o que isso vai falar, que personagens vão aparecer... E depois na leitura de cada capítulo eu vou perguntando também. Então já tem o conhecimento dos capítulos anteriores, o que eles pensam que pode aparecer, acontecer a partir daí, em relação ao que já aconteceu antes. E fazendo inúmeras perguntas, até sobre palavras que às vezes aparecem, que significado tem essa palavra nesse contexto. Às vezes, eles podem descobrir pelo contexto. Às vezes eles precisam recorrer ao dicionário. [...] Muitas vezes, a gente também fala sobre o texto antes, perguntando se eles conhecem o autor ou a autora, o que já leram daquele autor ou autora, do que ele pode falar nesse texto, o que eles acham que vai tratar. E depois disso a gente vai lendo e eu vou parando a cada parágrafo e perguntando o que eles entenderam, as relações entre as ideias, se eles percebem as relações de causa e consequência e várias outras que têm.

A partir do relato da professora, pôde-se evidenciar que, antes de iniciar a leitura, a partir do título do texto ou da obra literária que ela irá contar para os alunos, ela realiza uma série de questionamentos que promovem a formulação de hipóteses nos alunos sobre o que poderá tratar na obra (predição). Esses questionamentos também auxiliam na ativação de conhecimentos prévios que possam ser úteis para a compreensão da obra. Com isso, ainda serão estabelecidos os objetivos de ler para satisfazer a curiosidade de saber se as hipóteses levantadas serão confirmadas.

Em relação às estratégias durante a leitura, estas também são exploradas de forma mais consciente e significativa. Chama-se a atenção para o exemplo citado pela professora acerca do significado de palavras desconhecidas. Pelo relato da entrevistada, ela ensina os alunos a como fazer para inferir o significado de determinada palavra pelo contexto, o que, de acordo com Solé (1998), é fundamental para que não haja interrupção drástica na leitura, conforme apresentado anteriormente.

Destacam-se, ainda, as pausas feitas durante a leitura para conhecer as inferências produzidas, para estabelecer conexões entre as informações, para confirmar ou refutar as hipóteses, para realizar novas hipóteses, entre outras. Assim, há uma clara convergência entre a prática da Professora 2 com as ideias de Solé (1998): O trabalho em relação às estratégias de leitura da Professora 2 é consciente. Provavelmente por já ter tido uma formação acerca das estratégias de leitura, ela planeja alguns procedimentos, levando em consideração os efeitos desse trabalho para a compreensão leitora.

Conclusão

Ao longo deste estudo, em que se buscou conhecer como duas professoras de Língua Portuguesa do Ensino Fundamental exploram o ensino de leitura com os alunos do 5º e do 8º ano, evidenciou-se que as professoras envolvidas têm uma formação inicial e complementar deficiente acerca do ensino de estratégias de leitura. Embora as estratégias de ensino já venham sendo pesquisadas há alguns anos, essa abordagem não vem sendo explorada nos cursos de licenciatura, nem nos cursos de formação continuada. Apenas uma das professoras mencionou ter ouvido falar da temática numa atividade extracurricular. Disso, levanta-se a seguinte questão: Por que essa temática é tão frequente nas pesquisas científicas, acadêmicas, mas é tão distante das formações continuadas e da prática pedagógica? A hipótese para essa problemática é de que o foco da prática pedagógica ainda esteja em questões gramaticais e não na leitura.

Ainda acerca das formações continuadas, evidenciou-se que se realizam a partir de temas gerais, são voltadas para a educação, e não sobre pontos específicos de cada área. Baseadas nisso, questionamos: Seria o ensino da leitura um ponto específico da área da Língua Portuguesa, ou seria um aspecto que deveria ser abordado em todas as áreas do currículo? Se não há uma formação para o ensino da leitura, como exigir que os professores preparem os alunos para ler autonomamente?

Além disso, foi evidenciado que as professoras investigadas mencionaram quase não usar o livro didático, pois não há um livro para cada aluno. Entre as atividades citadas pelas professoras investigadas, voltadas para o ensino da leitura, está a prática de leitura com obras da biblioteca escolar, contação de histórias em sala de aula, pelas professoras, e a atividade denominada Praça Literária. Nessas estratégias de ensino ofertadas, perceberam-se algumas situações consideráveis, a exemplo do estímulo à formulação de hipóteses e à inferenciação. No entanto, as professoras quase não levavam em conta o ensino de estratégias metacognitivas de leitura, pois a maioria dos procedimentos didáticos sobre essas estratégias eram realizados de forma inconsciente, sem um propósito definido, o que perpassa por uma visão tradicional de ensino de leitura.

Vale, ainda, fazer uma referência às “horas de leitura”, realizadas com obras literárias da biblioteca, tão comuns nas aulas de Língua Portuguesa na Educação Básica. Tais momentos são fundamentais para os alunos exercitarem as estratégias de leitura. Contudo, se praticamente não há o trabalho com as estratégias, esse espaço serve basicamente para os estudantes exercitarem a decodificação.

Diante deste estudo, confirma-se a necessidade de serem promovidos projetos de pesquisa e extensão voltados para o ensino de estratégias de leitura articuladas com a prática pedagógica dos docentes nas escolas de Educação Básica.

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Recebido: 01 de Abril de 2020; Aceito: 10 de Junho de 2020; Publicado: 04 de Setembro de 2020

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