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Revista Exitus

versión On-line ISSN 2237-9460

Rev. Exitus vol.10  Santarém  2020  Epub 28-Mar-2022

https://doi.org/10.24065/2237-9460.2020v10n0id1247 

RESENHA

POR QUE SE APRENDE TÃO POUCO NAS ESCOLAS BRASILEIRAS?

Rita de Cássia de Souza1 
http://orcid.org/0000-0001-9823-6174

1Professora do Departamento de Educação da Universidade Federal de Viçosa – MG. E-mail: ritasouza@ufv.br

País mal educado, : por que se aprende tão pouco nas escolas brasileiras?. BARROS, Daniel. Rio de Janeiro: Record, 2018. 307pp.


Em 2018, o jornalista Daniel Barros publicou o livro País mal educado: por que se aprende tão pouco nas escolas brasileiras? com o objetivo de mostrar o que ele considerava ser as falhas mais graves do sistema educacional brasileiro e apresentar caminhos promissores para resolvê-los. Para isso, fez cerca de 120 entrevistas com especialistas brasileiros e estrangeiros e visitou várias escolas, onde entrevistou 24 diretores e professores de escolas públicas de treze cidades de sete estados brasileiros, além de conversar com alguns alunos.

O autor defende que condições socioeconômicas ruins não são fatores determinantes para baixos resultados educacionais e apresenta estratégias que considera efetivas a fim de melhorar a aprendizagem, mesmo nas situações mais adversas, comparando iniciativas educacionais de cidades, estados e países citando seus pontos fortes e limitações. A ideia que a educação no Brasil já foi melhor é desmistificada com dados que mostram que os bons resultados obtidos no passado se deviam muito mais à exclusão da grande maioria dos brasileiros das salas de aula, e as políticas públicas que priorizavam a educação das elites e não tinham interesse na universalização da escola. Apenas no final do século XX, a educação deixou de ser privilégio e passou a ser um direito no Brasil. O desafio agora é manter os estudantes até a conclusão da educação básica na escola e ensinar devidamente os conteúdos previstos.

Nos capítulos centrais da obra, Daniel se debruça sobre o que defende ser o principal foco para a melhoria da educação: a formação docente. O autor não desconsidera fatores como situação social, econômica, cultural e familiar que influenciam a aprendizagem escolar, mas restringe-se a discutir variáveis que estão ao alcance da ação de um gestor educacional, argumentando que as verbas educacionais devem ser destinadas a atividades que comprovadamente melhoram o aprendizado. Para ele, um bom professor é o agente de mudança mais significativo na realidade dos alunos.

Daniel ressalta que cursar licenciatura tem sido não uma escolha, mas o que resta aos estudantes que não foram aprovados em carreiras mais disputadas: “Qualquer pessoa que queira ser professor no Brasil acaba conseguindo, independentemente de suas capacidades” (BARROS, 2018, p. 108). Sendo assim, defende sistemas de seleção mais rigorosos para os cursos de licenciatura associados a garantias posteriores que motivem bons estudantes a escolherem a docência, citando iniciativas neste sentido. “O caminho para melhorar permanentemente a qualidade do professorado passa por um tripé” (BARROS, 2018, p.116): 1) melhor seleção de estudantes para as licenciaturas; 2) maior qualidade do ensino nas licenciaturas e 3) atratividade da carreira docente.

Além de muitos professores exercerem a docência sem formação na área, o autor afirma que os cursos de formação docente no Brasil são excessivamente teóricos e não ensinam como ensinar. Daniel defende uma formação altamente pragmática, baseada em situações cotidianas da sala de aula. Quando fala em qualidade no ensino das licenciaturas, enfatiza que técnicas de ensino são mais importantes que conteúdos teóricos e que as universidades vêm privilegiando os segundos em detrimento dos primeiros. Considero que este é um dos pontos mais frágeis da argumentação, mas que sinaliza que as licenciaturas precisam evidenciar as conexões entre teorias e práticas educacionais. Assim como saber como ensinar matemática, faz-se necessário, refletir sobre qual matemática, para que e que métodos favorecem quais tipos de aprendizagens? Saber ensinar é tão importante quanto saber para que, porque e que efeitos este tipo de ensino favorece ou não.

Daniel é defensor enfático do uso de avaliações no sistema de ensino. Mesmo tendo consciência de que as avaliações externas tendem a determinar os conteúdos ensinados nas escolas que podem focar exclusivamente em preparar os alunos para ter bons resultados nos testes, ele considera que a falta de boas avaliações não permite identificar as falhas na aprendizagem e corrigi-las a tempo.

Para ele, a avaliação é útil também para selecionar bons professores, tanto na formação, quanto no exercício docente e insiste que não basta oferecer um bom salário aos professores se eles não sabem ensinar e se não são avaliados, o que reforça práticas pouco efetivas pela falta de estímulos para melhorar seu desempenho. Uma das formas sugeridas de premiar professores com os melhores resultados nas avaliações dos estudantes é torná-los tutores dos seus colegas, utilizando suas experiências para ajudá-los.

O planejamento das aulas, com colaboração e supervisão dos colegas e gestores são citados como estratégias eficazes de melhoria do ensino. No entanto, ele argumenta que a alta rotatividade, o trabalho em várias instituições e os contratos temporários enfraquecem os vínculos dos professores com a escola e os alunos. Quando os professores não são ouvidos e não aderem às políticas públicas, estas fatalmente fracassam.

Daniel argumenta que a reprovação é a pior estratégia para melhorar a aprendizagem, funcionando muito mais para envergonhar, culpar e punir os estudantes, ao invés de ensinar o que não aprenderam. Ele mostra que não há evidência de que o aluno aprenda, quando repete o ano letivo. Muitos professores consideram os discentes burros ou pobres demais para aprender e a baixa expectativa sobre o aprendizado é crucial para que não criem soluções para os problemas de aprendizado.

Apesar do autor escrever um capítulo intitulado O professor não dá uma aula ruim porque quer, em diversos momentos, transparece uma percepção dos professores como descomprometidos com a tarefa de ensinar, como um atributo pessoal e não como um efeito da falta de políticas públicas de estímulo à docência. Na falta delas, é compreensível que os educadores temam o uso de avaliações como instrumentos de punição e favorecimentos, mais do que como incentivos a uma boa atuação docente. A visão de que os docentes estão pouco preocupados com o aprendizado dos estudantes, e interessados exclusivamente em melhores condições salariais e de trabalho, é tão reducionista quanto dizer que os alunos não aprendem porque não querem.

A BNCC, Base Nacional Comum Curricular, homologada em dezembro de 2017, é vista como uma conquista, por definir o que deve ser ensinado e quando, dando ordem e sequência aos conteúdos escolares deixando claro, para pais e professores, o nível de aprendizado esperado em cada etapa de ensino. Por outro lado, Daniel ressalta ainda, se os livros didáticos, principal material de ensino utilizado pelos professores da educação básica, não se adequarem ao novo currículo, todo este esforço pode ser perdido. O autor não discute as disputas em torno dos conteúdos previstos nos currículos escolares, tomando-os como consenso, o que, definitivamente, não são.

Sobre o tempo integral, Daniel conclui que mais horas na escola não significam mais aprendizado e critica a separação entre turno e contraturno, que gera uma desconexão entre o ensino escolar e as demais atividades. Segundo o autor, atividades esportivas e culturais devem ser incentivadas, com o intuito de melhorar o aprendizado dos estudantes. Além disso, quando os professores ficam integralmente na escola, assim como os alunos, os resultados tendem a ser mais efetivos.

Tenho ressalvas ao argumento de que as avaliações escolares, da forma como são elaboradas, sejam a melhor forma de mensurar os resultados das atividades extras oferecidas nas escolas de tempo integral. Talvez esse horário extra na escola seja justamente o espaço e tempo disponíveis para desenvolver habilidades não medidas pelas avaliações, mas importantes para o desenvolvimento humano. Afinal, aprendizagem de conteúdos, exclusivamente, não significa formação integral e é possível melhorar os índices escolares sem necessariamente mais horas de ensino, e sim com um melhor aproveitamento das já existentes.

O autor denuncia o quanto o corporativismo prejudica a gestão escolar, afirmando que a eleição de diretores escolares, sem nenhum critério técnico, tende a favorecer aqueles que não criam dificuldades para os colegas, em detrimento de gestores que tomem medidas impopulares, mas que favorecem melhorias no aprendizado, como exigir pontualidade, penalizar faltas excessivas e injustificadas e cobrar a apresentação de planos de aula bem elaborados.

Finalizando o livro com o epílogo: Pra não dizer que não falei das... habilidades socioemocionais, Daniel parece tentar desculpar-se por uma visão exclusivamente conteudista do ensino, reconhecendo o quanto estas habilidades favorecem ou prejudicam o aprendizado escolar. Talvez tais questões apenas adquiram espaço ao final da obra devido às avaliações padronizadas serem pouco eficazes para mensurá-las. Assim como no tempo integral, o autor considera que as atividades voltadas para o desenvolvimento socioemocional na escola somente devem ser incentivadas se favorecerem melhores resultados acadêmicos.

Trata-se de uma obra que suscita muitas polêmicas: seu autor não é educador, fala de política partidária, defende parcerias público-privadas e tem uma visão bastante mercadológica da educação. Algumas afirmações generalistas não favorecem o diálogo com atores educacionais, como sindicatos e universidades. Apesar disso, o fato de transparecer suas opiniões e defendê-las veementemente com pesquisas nacionais e internacionais são pontos fortes do livro. Como jornalista, Daniel consegue trazer informações relevantes e, as vezes complexas, de uma maneira agradável e de fácil compreensão. As comparações entre dados de escolas e sistemas educacionais de contextos divergentes são muito significativas. Além disso, os casos apresentados humanizam os dados estatísticos. A situação dos professores e alunos nas escolas demonstram o quanto os números (a pobreza, a violência, a falta de perspectiva...) e as políticas públicas, bem com a falta delas, afetam diretamente a vida de pessoas reais.

Não é possível ficar indiferente diante da conclusão sobre: “o quanto uma criança ou adolescente que frequenta a escola pública vai aprender depende muito do local onde nasceu” (BARROS, 2018, p.25) e que “Em Sobral, um jovem de 15 a 19 anos tem 45% mais chances de ser assassinado do que seu correspondente em Teresina” (BARROS, 2018, p.26), nem a comovente história de Babiju, considerado o aluno mais problemático de sua escola, com passagem num centro de reabilitação para menores de idade, abuso de drogas e que, depois de uma reunião na escola, com a família e o Conselho Tutelar, bem como a perda de amigos que haviam sido presos, melhorou suas notas, começou a participar de atividades extraclasse e aproximou-se dos professores. Seu esforço pessoal, no entanto, não lhe permitiu escapar à trágica estatística de um adolescente de 15 anos residente em Sobral.

Esta obra aborda temas que geram discussões calorosas e esse é um dos seus maiores valores. Afinal, educação escolar num país de forte desigualdade social como o Brasil está longe de ser simples, neutra e consensual. Por esse motivo, considero a leitura importante para quem se interessa pelo tema, especialmente professores e gestores educacionais. Pode ser que o leitor não concorde plenamente com as soluções apresentadas para melhorar o ensino no Brasil, mas seu conteúdo provoca inúmeras reflexões. Não se passa pela leitura sem se pensar: afinal de contas, o que é melhorar a educação no Brasil e o que fazer para que isso aconteça? Uma dúvida que pode gerar novas propostas e experiências e nos fazer perseguir a utopia de levar educação pública e de qualidade a todos os brasileiros e brasileiras.

Referências

BARROS, Daniel. País mal educado: por que se aprende tão pouco nas escolas brasileiras? Rio de Janeiro: Record, 2018, 307p. [ Links ]

Recebido: 01 de Abril de 2020; Aceito: 27 de Maio de 2020; Publicado: 22 de Julho de 2020

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