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Revista Exitus

versão On-line ISSN 2237-9460

Rev. Exitus vol.11  Santarém  2021  Epub 10-Maio-2022

https://doi.org/10.24065/2237-9460.2021v11n1id1514 

Artigos

OS CURSOS DE ESPECIALIZAÇÃO RURAL NO ESTADO DE SÃO PAULO NAS DÉCADAS DE 1930 E 1940

RURAL SPECIALIZATION COURSES IN THE STATE OF SÃO PAULO IN THE 1930S AND 1940S

LOS CURSOS DE ESPECIALIZACIÓN RURAL EN EL ESTADO DE SAO PAULO EN LAS DÉCADAS DE 1930 Y 1940

Jaqueline Daniela Basso1 
http://orcid.org/0000-0002-4262-4140

1Professora colaboradora do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu - Mestrado Profissional em Educação- UEMS- Unidade Campo Grande. Professora Adjunta na Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul- UEMS. Doutora e mestre em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de São Carlos. Pedagoga. Pesquisadora no Grupo de Estdudos e Pesquisas sobre Educação no Campo-GEPEC/UFSCar/HISTEDBR e Grupo de Estudos Trabalho, Educação e Políticas Educacioais - G-TEPE/UEMS


RESUMO

Este trabalho pretende colaborar com a construção da memória da educação do campo, tendo por objetivo descrever e analisar os Cursos de Especialização Rural ofertados nas décadas de 1930 e 1940, com o intuito de preparar os professores para o trabalho nas escolas rurais do interior do estado de São Paulo, iniciativa influenciada pelo Ruralismo Pedagógico, movimento que defendia a educação rural enquanto ferramenta para a fixação do homem na terra. Por tratar-se de pesquisa de cunho histórico, valeu-se de revisão bibliográfica e pesquisa documental que se dedicou a um anuário de ensino; decretos; leis e notícias de jornais. Assim, conclui-se que o currículo prático (alicerçado em noções de agricultura, pecuária e higiene) dos Cursos de Especialização Rural não foi suficiente para levar adiante os ideais ruralistas. Dado que, a educação por si só não é capaz de conter um movimento de ordem social e econômica, materializado na migração da população do meio rural para as cidades.

Palavras-chave: Ruralismo Pedagógico; Formação de Professores; Cursos de Especialização Rural; Estado de São Paulo

ABSTRACT

This work intends to collaborate with the construction of the memory of rural education, aiming to describe and analyze the Rural Specialization Courses offered, in the 1930s and 1940s, in order to prepare teachers for work in rural schools in the interior of the state of São Paulo, initiatives influenced by Pedagogical Ruralism, a movement that defended rural education as a tool for fixing man on the land. As it is a historical research, it used a bibliographic review and documentary research that was dedicated to a teaching yearbook; decrees; laws and newspaper news. Thus, it is concluded that the practical curriculum (based on notions of agriculture, livestock and hygiene) of the Rural Specialization Courses was not enough to carry out rural ideals. Given that, education alone is not able to contain a movement of a social and economic order, materialized in the migration of the population from rural areas to cities.

Keywords: Pedagogical Ruralism; Teacher training; Rural Specialization Courses; State of São Paulo

RESUMEN

Este trabajo tiene como objetivo colaborar con la construcción de la memoria de la educación rural, con el objetivo de describir y analizar los Cursos de Especialización Rural ofrecidos en las décadas de 1930 y 1940, con el fin de preparar a los maestros para trabajar en escuelas rurales del interior del estado de Sao Paulo, iniciativas influenciadas por el Ruralismo Pedagógico, un movimiento que defendió la educación rural como herramienta para la fijación del hombre en la tierra. Debido a que es una investigación histórica, utilizó una revisión bibliográfica y una investigación documental que se dedicó a un anuario de enseñanza; decretos; leyes y noticias periodísticas. Así, se concluye que el currículo práctico (basado en nociones de agricultura, ganadería e higiene) de los Cursos de Especialización Rural no era suficiente para llevar a cabo ideales rurales. Dado esto, la educación por sí sola no es capaz de contener un movimiento de orden social y económico, materializado en la migración de la población de las zonas rurales a las ciudades.

Palabras clave: Ruralismo pedagógico; Formación del Profesorado; Cursos de Especialización Rural; Estado de Sao Paulo

INTRODUÇÃO

O presente trabalho, resultante de pesquisa de doutoramento, pretende colaborar com a construção da memória da educação do campo, tendo por objetivo descrever e analisar os Cursos de Especialização Rural ofertados, nas décadas de 1930 e 1940, com o intuito de preparar os professores para o trabalho nas escolas rurais do interior do estado de São Paulo, iniciativas influenciadas pelo Ruralismo Pedagógico, movimento que defendia a educação rural enquanto ferramenta para a fixação do homem na terra.

Por se tratar de um trabalho de cunho histórico, lançamos mão de revisão bibliográfica, que se faz a partir de materiais já elaborados como livros e artigos acadêmicos e análise documental, que diferentemente da técnica de pesquisa anterior se vale de materiais ainda não analisados (GIL, 2002). Para pesquisa bibliográfica utilizamos livros, artigos científicos e revistas publicadas no período estudado. A pesquisa documental, por sua vez, se debruçou sobre um anuário de ensino; decretos e leis e notícias de jornais publicadas nas décadas de 1930 e 1940, materiais localizados no Arquivo Público do Estado de São Paulo; Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional; acervos documentais da Escola Estadual “Álvaro Guião” (antiga Escola Normal de São Carlos) e Fundação Pró-Memória do Município de São Carlos.

A partir disto, iniciamos a apresentação dos resultados fazendo um breve resgate dos antecedentes do Ruralismo Pedagógico no Estado de São Paulo, sobretudo no que tange à formação de professores e à proposta de criação de escolas normais rurais naquele estado na década de 1930. Na sequência nos dedicamos ao nosso objeto de estudos que são os Cursos de Especialização Rural realizados no interior do estado de São Paulo nas décadas de 1930 e 1940, mais especificamente nos municípios de São Carlos, Casa Branca, Espírito Santo do Pinhal e São Manoel.

O Ruralismo Pedagógico e a formação de professores no Estado de São Paulo nas décadas de 1930 e 1940

Os chamados ruralistas se opunham ao processo de urbanização e industrialização do Brasil nas décadas de 1930 e 1940 e defendiam a manutenção da ordem agrária econômica vigente. Embora o processso de urbanização e insdustrialização tenha tido grande alcance ideológico, ainda era muito tímido naquele período, estava embasado na substituição de importações e atrelado à produção das matérias primas agrícolas. Naquelas décadas ganhou vulto o debate acerca do Ruralismo Pedagógico, movimento educacional que pretendia a fixação do homem no meio rural através de uma educação específica para aquele meio, que seria ministrada por professores formados em instituições próprias, as escolas normais rurais.

Estas instituições voltadas à formação docente foram a resposta dada aos anseios do pensadores e educadores ruralistas, sobremaneira Sud Mennucci que logrou instalar escolas normais rurais no estado de São Paulo, lembrando que Mennucci foi Diretor Geral do Ensino no Estado por três vezes, entre 1931 e 1932, em 1933 e 1934 e em final de 1943 (MATTOS, 2004); nestas oportunidades propôs reformas que iam além das questões ruralistas.

As bases das reformas propostas por Sud Mennucci estavam contidas no Decreto 5.335 de 7 de janeiro de 1932 (transcrito na íntegra em MENUCCI, 1932, p. 12-20), decreto que recebeu inúmeras críticas de estudiosos e jornalistas da época, previa a reorganização da instrução pública, passando por questões como a inspeção do ensino; o preenchimento das vagas escolares; a organização dos Grupos Escolares; cargos técnicos, remuneração, entre outros.

As principais críticas ao decreto recaíam sobre a previsão de aumento do número de professores (insuficiente em relação à demanda) e de supervisores de ensino, o que oneraria os cofres públicos. A insuficiência no número de professores era a grande justificativa de Sud Mennucci para aquela reforma geral e, em seu entendimento, seria impossível ampliar a instrução primária sem mestres devidamente formados. (MENNUCCI, 1932)

Assim, a formação docente foi a grande tônica das reformas propostas por Menucci, no final de março daquele mesmo ano de 1932, ele apresenta ao Secretário de Educação e Saúde Pública um projeto de Decreto que reorganizaria o ensino rural (transcrito na íntegra em MENNUCCI, 1932, p. 136- 144), o texto inicia com a seguinte justificativa:

[...] há necessidade inadiavel de formar um quadro de professores normalistas aptos a exercerem o magistério primario na zona rural; que a preparação de tais professores exige um curso especializado, onde se exponham, além das matérias habituais das Escolas Normais, conhecimentos gerais de agronomia e higiene rural; que, além da formação desses professores, urge iniciar a preparação de uma nova mentalidade escolar, francamente voltada para as lides agrícolas; despertando na criança o amor pelas cousas da terra; que tais objetivos consultam os vitais interesses do Estado e respondam ás necessidades economico- sociais da nacionalidade, evitando o exodo dos campos e combatendo a desorganização da vida agraria que ora se processa principal e inicialmente pelas escolas urbanistas que foram localizadas na zona rural (MENNUCCI, 1932, p. 136).

Justificativa que era a tradução do discurso ruralista daquele período, para os ruralistas era urgente que os professores fossem formados de modo a colaborar com a manutenção da mão de obra no meio rural, que levaria adiante a tradição agrária do país, portanto, ficam evidentes preocupações mais econômicas do que educacionais.

O Decreto 5.335 de 7 de janeiro de 1932 previa a criação de cinco escolas normais rurais no interior do estado de São Paulo, as escolas ofereceriam dois tipos de curso, um complementar com três anos de duração e o curso Normal com quatro anos de duração, que contemplaria as seguintes disciplinas: Português; Matemática; Física; Química; Botânica; Geografia Econômica e História da Civilização; Psicologia, Pedagogia e Didática; Tecnologia Agrícola; Zootecnia; Agricultura Geral; Agricultura Especial; Economia Rural; Higiene, Puericultura e Profilaxia Rural; Desenho, Música e Educação Física. (MENNUCCI, 1932)

Além das disciplinas, o decreto antecipava também a organização das aulas que aconteceriam em dois períodos, um dedicado às aulas teóricas e outro às aulas em campo e laboratórios. Os candidatos aos cursos deveriam passar por um exame de admissão e ter 14 anos completos no momento do início das aulas; o exame exigia conhecimentos do curso complementar e revelada “vocação do candidato para a especialidade de professor rural”. (MENNUCCI, 1932, p. 139)

As escolas normais rurais deveriam contar com um grupo rural como escola de aplicação e poderiam contar com duas a quatro escolas isoladas sob sua dependência, servindo de preferência a zonas produtivas distintas. A proposta de reforma previa também a instalação de grupos escolares rurais e escolas isoladas vocacionais rurais que colaborariam para a construção de uma mentalidade rural agrícola e pastoril e nas regiões marinhas adequadas às atividades marinhas e ribeirinhas; aspectos técnicos também eram previstos, além da especificação do que seria tratado nas disciplinas em cada ano do curso normal (MENNUCCI, 1932)

A minúcia da proposta do decreto, a publicação de seu projeto nos jornais paulistas, bem como, a previsão orçamentária descrita no Decreto 5.353 de 7 de janeiro de 1932 não foram suficientes para que ele se tornasse realidade. Sud Mennucci (1932, p. 44) avaliou a situação da seguinte forma: “os homens do governo não a tinham compreendido, não lhe avaliavam o alcance nem lhe suspeitavam a significação”. Portanto, para Mennucci, faltava ao governo do estado a compreensão da importância e necessidade da formação docente própria para as áreas rurais.

Desta maneira, o Ruralismo Pedagógico, que engendrou as propostas das escolas normais rurais no estado de São Paulo, obteve maior sucesso ideológico do que prático: esteve em discussão por duas décadas e gerou poucas mudanças educacionais concretas, se comparadas à dimensão e à importância do meio rural naquele período. Aquelas instituições de formação docente específica para as escolas rurais não chegaram a se materializar no Estado de São Paulo e deram lugar aos cursos de Especialização Rural, iniciativas que, de certo modo, levaram adiante os ideais ruralistas em relação à formação de professores.

Os Cursos de Especialização Rural no interior paulista nas décadas de 1930 e 1940

Diante da ausência de escolas normais rurais no estado de São Paulo, foram criados cursos de Especialização Rural para preparar professores para o trabalho nas escolas rurais. O primeiro deles foi realizado na Escola Normal de São Carlos entre os dias primeiro de setembro e trinta de dezembro de 1936; naquele mesmo ano ocorreram os cursos de férias destinados a orientar professores rurais nas regiões de Casa Branca e Guaratinguetá e na década seguinte foram realizados cursos desta natureza junto a estabelecimentos de ensino agrícola nos Municípios de Espírito Santo do Pinhal e São Manoel. (SÃO PAULO, 1937).

Visando comprovar a realização do curso no Município de São Carlos, buscamos registros oficiais nos Arquivos da Escola Normal de São Carlos, atual Escola Estadual Álvaro Guião; nos Diários Oficiais do estado de São Paulo através do site JusBrasil e, na Fundação Pró-Memória, mantida pela Prefeitura Municipal de São Carlos, e que dispõe de um acervo de documentos municipais, obras históricas e hemeroteca com exemplares dos Jornais Excelsior (impresso) e Correio de São Carlos (microfilme)2 .

Tendo em vista a ausência de documentos nos arquivos da Escola Estadual Álvaro Guião, realizamos busca nos Diários Oficiais do estado de São Paulo, por meio do site JusBrasil, com os descritores “Curso de Especialização para o Magistério Rural Escola Normal de São Carlos 1936” e “Curso de Especialização Agrícola Escola Normal de São Carlos 1936”, porém não localizamos registros que contemplassem nossa pesquisa.

Fomos então à Fundação Pró-Memória, mantida pelo município de São Carlos e que dispõe de acervo de documentos oficiais municipais, livros e jornais do município, inicialmente foram encontradas três obras dedicadas ao Histórico da Escola Normal de São Carlos e à Educação do Município de São Carlos, entretanto nenhuma delas fazia menção ao Curso de Especialização Rural.

Recorremos, na sequência, à hemeroteca em microfilme para a análise das edições do “Correio de São Carlos” jornal fundado em 25 de outubro de 1898, importante periódico regional por mais de cinquenta anos. Consultamos as edições de 25 de agosto de 1936 a 31 de janeiro de 1937 e nelas localizamos oito3 notícias acerca do curso de aperfeiçoamento rural, realizado na Escola Normal de São Carlos, que relataram desde a cerimônia de abertura até a colação de grau.

A primeira notícia foi dada um dia antes da inauguração oficial do curso de aperfeiçoamento rural, que ocorreu em primeiro de setembro de 1936, a iniciativa foi elogiada. O curso aconteceu anexo à Escola Normal de São Carlos, mas as aulas de práticas agrícolas foram realizadas no posto zootécnico, campo cedido pela prefeitura municipal, as aulas de avicultura e citricultura aconteceram no Parque Clube. Almeida Júnior, Diretor do Ensino, o Prefeito Municipal, o Delegado do Ensino, o Diretor da escola normal e professores estiveram presentes na solenidade de abertura e visitaram os campos experimentais (CORREIO DE SÃO CARLOS, 30 de agosto de 1936, s.p.).

A publicação destacou a importância do curso frente ao problema do ensino rural e do professor rural no processo de manutenção do homem no campo, vejamos:

Só o mestre especializado, com radicação no meio, cujos problemas conhece, poderá, como lider da região, desviar o caboclo para a verdadeira rota. Não ha negar que uma das causas basicas da instabilidade do professor tem sido essa: a falta de preparo requerido pelo ambiente em que vae iniciar a sua carreira. Desconhecendo completamente os problemas do campo, o professor que ingressa no magisterio se volve logo para as coisas da cidade. Prefere muitas vezes deixar o núcleo, para viver o meio onde foi creado. Quando o faz, ainda bem: não irá <<inocular o veneno do urbanismo no cérebro tranquilo do nosso caboclo>> O professor especializado ao contrário: fixa-se com amor, ao nucleo rural. Ahi prega com enthusiamo o amanho da terra. Faz despertar, entre as crianças e os paes, o interesse pela melhoria da producção, pelas questões agricolas. Incentiva a cultura racional. Educa o cabloco, que é pae atravéz do filho que vae á escola. Esta com tal mestre, será o centro irradiador de todo o movimento, agrícola e sanitário da zona. E o nosso caboclo não morrerá na miseria nessa terra que sabemos ser <<dadivosa e bôa>> (CORREIO DE SÃO CARLOS, 30 de agosto de 1936, s.p.).

A maneira como o curso é exaltado e a figura do professor rural é apresentada, materializa o discurso ruralista e a credulidade de que a educação seria capaz, não só de manter o homem no meio rural, mas de melhorar as condições produtivas. Assim como acreditava Sud Mennucci, a escola impregnada pelo urbanismo seria prejudicial ao roceiro, que deveria se afeiçoar à terra boa e dadivosa, mesmo diante de todas as carências vivenciadas no meio rural.

Entretanto, é-nos sabido que esta concepção não era unânime; ao proferir discurso na solenidade de abertura do curso, Milton Tolosa, Delegado Regional do Ensino, destacou que:

[...] a escola rural não deve ser uma escola profissional. É uma escola <<comum>>. Escola que dará o mínimo de cultura para todos: ricos e pobres. É a escola democrática, igual para todos, nacionalizadora por excellencia. Seu programa será um minimo commum indispensável á vida social. Igual em todo paiz, essa escola commum formará o cidadão e o fará vibrar, em uníssono, de norte a sul a alma nacional. Não é justo uma escola que forme castas: para a cidade ensino primario propriamente dito: para a roça, o ensino unicamente da profissão rural, sem esperança de melhoras. Teríamos assim duas populações antagonicas: a da cidade de um lado; de outro a do campo, eternamente presa á enxada (CORREIO DE SÃO CARLOS, 03 de setembro de 1936, s.p.).

Ao final de sua fala, Milton Tolosa destaca que o professor especialista em educação rural seria importante para o desenvolvimento de projetos e dos centros de interesse e seu viés ruralista ajudaria em sua familiaridade com as coisas do meio rural. Portanto, o Delegado de Ensino, mesmo tendo um posicionamento diferente dos ruralistas pedagógicos, buscou não desmerecer a iniciativa do Curso de Especialização Agrícola.

Almeida Júnior, Diretor do Ensino do Estado de São Paulo, era contrário à criação das escolas normais rurais. Afirmava que naquele período havia grande número de escolas normais oficiais e livres, além de muitos professores desempregados. A publicação no jornal cita que, em 1935, havia 600 cadeiras vagas e 2000 normalistas se candidatando a elas; por isso, seria mais adequada a criação de cursos de especialização para professores rurais. (CORREIO DE SÃO CARLOS, 3 de setembro de 1936, s.p.)

O diretor destacava que faltava tato às professoras rurais para se adaptarem à vida na roça, mas que não era preciso que elas reproduzissem os costumes dos alunos do campo; além disso, a educação rural enfrentava problemas externos, como a má vontade de fazendeiros e a falta de auxílio das prefeituras (que deveriam auxiliar as escolas isoladas e construir prédios dignos). Entretanto, Almeida Júnior lembrou que existiam algumas iniciativas isoladas, tanto por parte de fazendeiros quanto de prefeituras. (CORREIO DE SÃO CARLOS, 3 de setembro de 1936, s.p.)

Viviani e Gil (2011, p.163) complementam que para Almeida Júnior,

a criação de escolas normais rurais não era solução adequada ao problema da falta de professores nas escolas primárias do interior. Na sua opinião, era preferível a criação de cursos de especialização, em nível superior, para professores rurais dos quais participassem candidatos de fato interessados em lecionar no meio agropastoril, do que a profusão pelo campo de pequenas escolas de formação docente fadadas à precariedade [...], destaca-se a posição do autor contrária à expansão irrestrita das escolas primárias e da escola normal. Ao contrário do discurso sustentado por significativa parte da intelectualidade educacional brasileira, que defendia a importância da criação de novas escolas e da instalação de unidades escolares nas zonas rurais, Almeida Jr. afirmava que o curso normal estava formando mais profissionais do que os estabelecimentos primários seriam capazes de absorver e que as escolas primárias deveriam ser construídas dentro de padrões mínimos de qualidade.

Desse modo, Almeida Júnior não era contrário somente à criação de escolas normais rurais, mas também ao aumento de escolas no meio rural. Suas ideias estavam alinhadas ao posicionamento do governo diante das escolas normais rurais. Assim como vimos em Mennucci (1932), o governo estadual justificava que o número de escolas normais era suficiente e que os professores não encontravam emprego. Porém, temos que ter claro que boa parte dos alunos era atendida em escolas isoladas (compostas por uma única sala, em que um professor atendia a alunos em diferentes níveis de aprendizagem).

Existia, também, um grande déficit na educação, que estava muito longe de resolver o seu grande problema, o analfabetismo. Por tudo isso, precisamos olhar com cautela para os dados anunciados por Almeida Júnior, que nos levariam a concordar com a posição do governo do estado de São Paulo daquele período.

Foi naquele cenário de disputas ideológicas (entre os que defendiam e os que negavam a necessidade da formação específica de professores para as escolas rurais) que ocorreu o curso de Especialização Agrícola em São Carlos; 120 alunas (alunas e ex-alunas da “Escola Normal de São Carlos”) participaram do curso que ensinava noções de higiene e agricultura por meio de aulas teóricas e práticas; as alunas se ocuparam do plantio (o preparo da terra era feito por funcionários) de milho, arroz, feijão, mandioca e cana de açúcar, além do cultivo de hortaliças. Tais momentos foram acompanhados, com grande interesse, pelo prefeito da cidade.

O grande objetivo do curso era preparar as professoras para além de alfabetizar, levar noções de higiene e agricultura para os alunos do meio rural. As aulas de higiene foram ministradas no Centro de Saúde; as alunas foram divididas em seis turmas com 20 estudantes cada. Ali receberam os conhecimentos, participaram de estágio e puderam entrar em contato com a realidade das populações mais pobres, para conhecer suas necessidades. Também aprenderam noções de alimentação, aplicação de injeções, cura do tracoma e outras doenças dos olhos, exames microscópicos, entre outros. (CORREIO DE SÃO CARLOS, 4 de outubro de 1936, s.p.)

O curso ocorrido na Escola Normal de São Carlos dava grande ênfase à higiene e à agricultura. Visava formar um professor que além de ensinar a ler, escrever e contar, fosse capaz de colaborar com a prevenção e trato de doenças, amenizando, portanto, a carência de serviço de saúde no meio rural. É importante termos claro que a escola era (e continua sendo), na maioria dos casos, o único serviço público que chega ao meio rural (questão já discutida por BASSO, 2013). Nesse sentido, o professor assume funções de curandeiro, conselheiro familiar e tantas outras que a carência do meio rural o impõe.

Todas as notícias encontradas exaltaram o empenho do estado e da escola normal de São Carlos na realização do curso, que já se mostrou producente desde os primeiros dias. A solenidade de encerramento aconteceu no dia 9 de janeiro de 1937, sábado, seguida por um almoço, posterior visita ao campo experimental e um baile no Tênis Clube, eventos que contaram com a participação das autoridades locais e do Diretor do Ensino, Almeida Júnior. (CORREIO DE SÃO CARLOS, 08 de janeiro de 1937, s.p.)

A notícia publicada um dia depois da colação de grau dos professores especializados em ruralismo exaltou a importância e sucesso do curso:

O professor primário sempre se sentia como que exilado, quando se via na contingencia de ir para o campo, em funcção de suas atribuições. E a razão está simplesmente no facto de que o professor primario é preparado em nossas escolas normaes, para funccionar em uma zona urbana. Nada lhe é ministrado, numa escola normal, que se relacione directamente com o campo. Por isso, essa tentativa coroada de exito, deve-se á nossa Escola Normal, a primeira a realizal-a no Estado, estando, pois, de parabens (CORREIO DE SÃO CARLOS, 10 de janeiro de 1937, s.p.).

Na terça feira, dia 12 de janeiro de 1937, a última notícia localizada voltou a destacar a importância do curso realizado e a beleza das solenidades de encerramento. Prestou agradecimentos à Diretoria de Ensino do Estado de São Paulo, à “Escola Normal de São Carlos” e à prefeitura municipal de São Carlos, que cedeu os campos experimentais. (CORREIO DE SÃO CARLOS, 12 de janeiro de 1937, s.p.)

As notícias do “Correio de São Carlos”, além de nos trazerem dados importantes quanto ao curso de especialização realizado em São Carlos, evidenciou a justificativa dada pelo governo do estado de São Paulo para a não criação das escolas normais rurais e que existiam posicionamentos distintos diante da educação rural. Naquele contexto, os ruralistas pedagógicos “perderam” a disputa ante os avanços urbanos e industriais, que impulsionavam a migração dos campos para a cidade, movimento que a educação seria incapaz de conter por si só.

No mesmo ano da realização do curso de especialização rural em São Carlos, aconteceu o curso de férias para professores rurais na região de Casa Branca, que foi relatado na “Revista de Educação”, editada e publicada pela Diretoria de Ensino do Estado de São Paulo, em sua edição de março/junho de 1937. O relato feito por Oscar Augusto Guelli, Delegado Regional do Ensino de Casa Branca, referiu-se ao curso que ocorreu de 8 a 19 de dezembro de 1936, naquele município.

Oscar Guelli inicia a fala com destacando o curso como àquele que “constituiu acontecimento de projecção social e de grande repercussão no seio do professorado primário dessa região, especialmente no de Casa Branca” (GUELLI, 1937, p.99). O programa do curso foi composto pelos seguintes temas gerais: higiene, problemas gerais do meio rural e o ensino comum nas escolas rurais. Quanto à higiene, foram tratadas as seguintes questões: “Alimentação do roceiro. Necessidade de incrementar o uso do leite, de frutas e de verduras; prophylaxia das endemias reinantes na região e, breves noções de hygiene aplicaveis ao ensino rural” (GUELLI, 1937, p.99).

Assim como na experiência de São Carlos, a higiene foi um dos temas trabalhados no curso de férias para preparação de professores rurais. Percebemos que os cuidados com a saúde não se destinavam apenas às doenças endêmicas, mas passavam também pela alimentação, que deveria valorizar a diversidade daquilo que o meio rural oferecia, além de preparar os professores para transmitir os conhecimentos de higiene na escola rural.

Os problemas gerais do meio rural foram abordados a partir dos seguintes eixos:

1-A população rural, sua composição e migrações. A família rural. 2-O trabalho infantil na zona rural. Como atenuar os inconvenientes. 3- O papel da escola na solução dos problemas da vida rural: como concorrer para fixar o roceiro em seu meio; como leval-o a concorrer para melhorar o seu padrão de vida. (GUELLI, 1937, p. 99)

A migração da população e a composição familiar estavam no centro dos chamados “problemas do meio rural”: era, justamente, o êxodo dos campos para a cidade, movimento que o projeto de educação ruralista visava conter e, assim, trazia a preocupação com a fixação do homem no meio rural e a melhoria de suas condições de vida.

O curso trabalhou uma questão de grande relevância, mas que, pela natureza de nosso estudo, não temos condições de debater em profundidade: o trabalho infantil nas áreas rurais, cujos inconvenientes deveriam ser atenuados. Existia, portanto, a consciência de que o trabalho infantil era requisitado na lide do campo, para o sustento das famílias. Era preciso, então, encontrar meios para que o trabalho não prejudicasse o desenvolvimento das crianças na escola.

O terceiro grande tema abordado no curso foi o ensino comum na escola rural. Para tanto, foram levantadas as seguintes questões:

Função da escola sob o regime democrático. 2- Necessidade de atender, no ensino, ás condições do meio; 3- Grupos de estudos (equipes) na escola primária rural. 4- O methodo de projectos, na escola rural. 5- O methodo Decroly, na escola rural- O ensino de leitura (GUELLI, 1937, p.100).

A primeira questão era bastante pertinente ao período; mesmo após mais de quatro décadas da Proclamação da República, o Brasil ainda encontrava dificuldades em concretizar os ideais democráticos frente ao governo centralizador de Getúlio Vargas e, ainda mais, em definir o papel da escola diante desta conjuntura política.

Quanto à adequação da escola às necessidades do meio em que está inserida, Guelli (1937, p. 104) avalia que:

Em geral os ambientes são mais ou menos definidos e facilitam a organização escolar. Dessa maneira, o programma, o tempo de trabalho, o critério de selecção, enfim toda a actividade escolar, deve girar em torno das condições do meio e ter em mira as necessidades dele, levando em conta as tendencias innatas da criança para esta ou aquella actividade, pois, o homem não é produto do meio em que vive, mas está em função delle, existindo entre ambos interdependencia.

Dessa forma, a escola deveria considerar além das condições do meio, as aptidões da criança para escolha e organização dos conteúdos e atividades, consequentemente, que o fator biológico era mais relevante do que o social na formação do indivíduo.

Os outros três pontos aventados demonstram o processo de transição entre o modelo tradicional de educação (se é que assim podemos chamálo na realidade brasileira4 )e, os métodos ativos de educação, representados pela preocupação da identificação da escola com o meio, os grupos de estudo, os métodos de projeto e Decroly, demonstrando uma tentativa de levar os modelos educacionais “renovadores” para as escolas rurais.

Vinte e seis professores participaram do curso, em sua grande maioria mulheres, além de cinco diretores dos grupos escolares dos municípios de Vargem Grande, Santo Antônio da Alegria e Casa Branca. Oscar Guelli elenca nominalmente todos eles, além dos professores que ministraram as aulas naqueles doze dias de curso. (GUELLI, 1937, p. 100)

Ao relatar o desenvolvimento das aulas, Guelli (1937, p.101) destaca a simpatia e entusiasmo dos professores:

Em todas as reuniões que succederam á inaugural, não faltou a boa vontade dos professores em geral, boa vontade essa que se salientou como característica do perfil moral daquelles que se responsabilizam pela educação da infancia rural, quaisquer que sejam os aspectos e sectores da atividade (GUELLI, 1937, p, 101).

Além do comprometimento dos professores cursistas, fica clara a questão da moralidade docente, ou seja, o conjunto de comportamentos que se esperava dos professores. Outro ponto destacado foi a identidade dos professores com a escola rural.

Durante o “Curso de Férias”- percebi-o claramente- viveram os professores na alma da escola rural, convencidos todos, plenamente inteirados da necessidade imperiosa e inadiavel que ha de se imprimir ao ensino da roça novas directrizes e novos rumos, no sentido do aperfeiçoamento cada vez mais sensível do nível de capacidade educacional dos escolares que habitam as regiões afastadas dos centros urbanos, desta Região (GUELLI, 1937, p. 101).

O então Delegado do Ensino declarou a preocupação com a melhora da qualidade da educação oferecida nas escolas rurais, entretanto, o próprio programa do curso evidenciava que a formação de uma mentalidade ruralista nos alunos, que colaborasse com a fixação do homem no meio rural e a higiene eram questões preponderantes.

Além das aulas previstas no programa do curso, os professores participaram de palestras sobre as chamadas organizações peri-escolares, ou seja, associações, mutirões, organizações de vários tipos que colaboravam com a interação entre a escola e a comunidade e ampliavam a educação para além dos muros escolares. Dentre os temas trabalhados nestas organizações, estavam a questão do alcoolismo e do cuidado com a higiene, prevenção e trato de doenças.

A atenção dada à higiene se justificava pela precariedade do sistema de saúde naquele período, as vacinas ainda não eram disponibilizadas a toda a população e as epidemias eram frequentes, causando grande número de mortes, cuidar da higiene, portanto, era uma questão de saúde pública. Sobre o homem do campo, Guelli (1937, 103) afirma que,

Um dos mais importantes problemas que affectam a vida do roceiro é o que se refere á sua constituição orgânica, isto é, a sua saude, que por assim dizer, é problema racial. O enfraquecimento e as enfermidades da população rural podem e devem ser combatidos pela pratica de exercicios physicos methodicos e pelo uso constante de alimentação nutritiva, embora simples, evitando-se, consequentemente, medicamentos como até os médicos.

A concepção de Guelli mostra certo preconceito em relação ao homem do campo: sua saúde seria um “problema racial”, mas o que tínhamos, de fato, era a ausência de atendimento médico e de outros serviços públicos no meio rural. Nesse sentido, a importância da colaboração da escola e de outras organizações na prevenção de doenças que enfraqueciam os trabalhadores rurais.

Esclarecidos os pontos trabalhados, Guelli (1937, p. 101- 102) destaca que o curso obteve êxito em seus propósitos, sendo muito bem organizado e realizado com rigor pelos docentes responsáveis por cada tema, o que o levou a fazer a seguinte avaliação:

Percebe-se justamente que, mesmo sendo este o primeiro “Curso de Férias”, excedeu a toda expectativa, reunindo consideravel numero de interessados, que tiveram a feliz oportunidade de ouvir a palavra autorizada de elementos que, na sociedade local, gozam de grande sympatia e dispõem de notável cultura, constituindo-se, por assim dizer, expressões de valor não só profissional como moral (GUELLI, 1937, p. 101).

Os professores que dele participaram, também o avaliaram e produziram um relatório, que foi publicado no artigo de Guelli, o transcrevemos adiante:

O “Curso de Férias” foi, portanto, fonte de noções pedagógicas, que se realçou pelo movimento, precisão e oportunidade dos assumptos por que se norteou e foram discutidos, defendidos e encarados sob ponto de vista elevadíssimos, mercê da gravidade e da seriedade com que se apresentam aos olhos do Governo os problemas da educação e do ensino no meio rural. Foram propostos aos professores que frequentaram o Curso os problemas que a Sociologia rural apresenta como dos mais palpitantes da actualidade, problemas até o presente, pouco estudados e para os quaes devia voltar-se a atenção dos nossos professores. As monografias que sobre o assumpto poderiam ser feitas formariam base para conclusões e syntheses ulteriores, a serem mais tarde proveitosamente consultados quando se tentasse elaborar uma sociologia rural paulista (GUELLI, 1937, p. 102).

Percebemos que o curso de férias realizado em Casa Branca foi avaliado de modo positivo por seus participantes que consideraram as discussões realizadas pertinentes e de alto nível reflexivo, além de trazer à tona discussões que o Governo considerava importantes e, até então, tinham sido pouco estudadas. Além da formação recebida, os professores foram estimulados a propagar os conhecimentos ali adquiridos, por meio de escritos que colaborariam para a compreensão da “sociedade rural” paulista. Utilizamos as aspas por não concordarmos que haja uma sociologia rural, mas que o meio rural e as pessoas que ali vivem são parte de um todo social, dinâmico e contraditório.

Guelli (1937, p. 104) conclui seu relato afirmando que,

[...] grande e notável será o aproveitamento que, na pratica, usufruirão tanto os professores ruraes como os seus alumnos, ficando, assim, em grande parte, satisfeitas as aspirações de progresso que se manifestam em todos os setores da moderna pedagogia, pela qual se processa o ensino primario em nossa terra.

De modo geral, após a análise, tanto do relato de Guelli, quanto do relatório produzido pelos professores, nos parece que o Curso de Férias para professores rurais realizado no município de Casa Branca, interior de São Paulo, em dezembro de 1936, foi exitoso em seus objetivos, colocou em discussão, além dos anseios ruralistas de fixação do homem no meio rural por meio de uma educação específica, a questão da higiene, que estava diretamente ligada à saúde pública e os novos métodos pedagógicos (métodos ativos) que levariam a modernidade à escola rural.

Entretanto, é fundamental observarmos que a avaliação de Guelli exalta as práticas pedagógicas, porém, ao observar o programa do curso ficou evidente que a maior preocupação era a propagação dos ideais ruralistas, a manutenção do homem no campo e a higienização que garantiria a saúde dos trabalhadores. Não nos estranha este desalinhamento entre o discurso e a realidade, uma vez que, a instrução oferecida pelo Estado burguês à classe trabalhadora tem objetivos (embora não declarados) bem definidos em busca da manutenção da ordem social vigente.

Oito anos após a realização dos cursos para os professores rurais em Casa Branca e São Carlos, foram criados os cursos de especialização agrícola5, por meio do decreto 14.002 de 25 de maio de 1944, vale lembrar que naquele ano Sud Mennucci exercia a função de diretor geral do ensino no estado de São Paulo, portanto, o decreto é resultante de seus esforços na direção da concretização do Ruralismo Pedagógico.

O Decreto que dispunha sobre o curso pré-normal e tomava outras providências, previa em seu 11º artigo a criação dos cursos de especialização agrícola.

Artigo 11- Para efeito da especialização de professores que se destinem ao magistério rural, o Governo manterá, junto aos estabelecimentos de ensino agrícola, cursos apropriados com a duração minima de 40 (quarenta) semanas. § 1.° Poderão ser admitidos a matricula nesse curso professores normalistas, com ou sem função no magistério oficial, em turmas, cujo número a Secretaria da Educação fixará. § 2.° Os professores com funções no magisterio oficial, uma vez matriculados, serão postos a disposição de estabelecimento, sem prejuizo dos vencimentos ao cargo, pelo prazo da duração do curso. § 3.° O regimento e o programa desses cursos serão organizados pelo Departamento de Educação em intima colaboração com a Diretoria do Ensino Agricola da Secretaria da Agricultura, Indústria e Comércio (SÃO PAULO, 1944, p. 1).

O curso de especialização duraria em torno de oito meses, sendo os professores em exercício na educação pública, dispensados para sua realização, o requisito mínimo era a formação no Curso Normal, portanto não seria oferecido aos “professores leigos”, que em sua maioria estavam nas escolas rurais. Percebemos que o programa do curso estava diretamente ligado às funções laborais agrícolas, assim como o das escolas normais rurais.

Três dias antes da promulgação deste Decreto que era mais geral, foi criado o curso de especialização agrícola na Escola Profissional Agrícola Industrial Mista de Pinhal, através do Decreto-Lei n. 13.992, de 23 de maio de 1944. Na década de 1930 foram criadas três escolas agrícolas no estado de São Paulo nos municípios de Espírito Santo do Pinhal, São Manuel e Jacareí. A de Espírito Santo do Pinhal, onde aconteceria o curso de especialização agrícola, foi fundada em 1935 e recebeu diversas denominações, tais como, Escola Profissional Agrícola-Industrial Mista, Escola Profissional Agrícola e Industrial, Escola Profissional Agrícola, Escola Agrotécnica, Colégio Técnico Agrícola, Escola Técnica Agrícola Estadual do Segundo Grau, Escola Técnica Agrícola Estadual, sendo em 1998 incorporada ao Centro Paula Souza (SÃO PAULO, s.d., p.1).

Os cinco primeiros artigos do Decreto-Lei n. 13.992, de 23 de maio de 1944 previam as diretrizes gerais do curso de Especialização Agrícola, conforme transcrito adiante:

Artigo 1.º - Fica criado o curso de especialização agrícola que funcionará na Escola Profissional Agrícola Industrial Mista de Pinhal, mediante mútua colaboração entre o Departamento de Educação e a Superintendência do Ensino Profissional, e destinado a professores normalistas que desejarem especializar-se em ensino rural. Artigo 2.º - Esse curso ministrará conhecimentos práticos e teóricos de agricultura, pecuária, pequenas indústrias rurais e higiene, rural, de modo a despertar nos professores o pendor pela vida rural e possibilita ensino primário adequado às necessidades sociais e econômicas do Estado. Artigo 3.º - O curso terá a duração de um ano iniciando-se as aulas em 1.º de fevereiro e encerrando-se a 31 de janeiro, com férias durante o mês de junho. § 1.º - Quando for oportuno, o período letivo do curso adaptar-se á ao ano agrícola. § 2.º - Será obrigatoriamente feita a seleção vocacional dos candidatos à matricula, nos moldes estabelecidos pelo Departamento de Educação. Artigo 4.º - A lotação do curso será anualmente fixada por ato da Secretaria da Educação e Saúde Pública, mediante proposta feita conjuntamente pelo Departamento de Educação e Superintendência do Ensino Profissional, reservandose parte das vagas a professores primários efetivos em exercício e, o restante, a normalistas sem exercício no magistério publico primário. Parágrafo único - As vagas do curso em questão serão preenchidas por professores de ambos os sexos (SÃO PAULO, 1944, p.1).

Percebemos que o referido Decreto estava em consonância com aquele promulgado dois dias antes, porém, detalhando melhor como seria o curso, além da indicação de sua duração e os conhecimentos que seriam ministrados, as condições para ingresso, era prevista adequação ao calendário agrícola, além da coeducação, na qual homens e mulheres poderiam frequentar as mesmas aulas. Assim como nas escolas normais rurais, os alunos deveriam comprovar aptidão com o meio rural e sua lide, por meio de uma seleção vocacional.

O curso funcionaria em regime de internato e semi-internato de acordo com as possibilidades da instituição, com alojamento e alimentação gratuitos; as aulas e trabalhos práticos teriam carga horária mínima diária de sete a oito horas, a letra da lei revela o cunho prático do curso, evidenciado nos segundo e terceiro parágrafos de seu sexto artigo:

Todo o ensino será essencialmente objetivo e as aulas teóricas serão apenas as indispensáveis ao esclarecimento dos educandos na realização de trabalhos práticos. O regimento interno do curso estabelecerá normas para que o ensino terá cunho estritamente prático, cem a participação ativa dos alunos em todos os trabalhos (SÃO PAULO, 1944, p. 1).

Ao considerarmos sua destinação a professores já diplomados pelas escolas normais, o curso de especialização agrícola assumiria caráter prático, pois as aulas teóricas serviriam apenas para esclarecer as atividades em campo, das quais todos os alunos deveriam participar ativamente.

O curso seria composto pelas seguintes disciplinas de cultura técnica: agricultura geral; agricultura especial; criação de animais de grande e pequeno porte; pequenas indústrias rurais; noções de escrituração e economia rural; higiene rural; artes industriais rurais (apenas para homens); economia e artes domésticas (apenas para mulheres), todas as disciplinas compreenderiam aulas teóricas e práticas (SÃO PAULO, 1944, p.1).

Além das disciplinas regulares, todos os alunos fariam estágio de prática de ensino em escola rural típica, servindo de campo de observação e aplicação do aprendido nas aulas. Para isto seria instalada na Escola Profissional Agrícola Industrial Mista de Pinhal uma granja escolar em regime de semi-internato, com duas classes, podendo ser aumentado de acordo com as condições do meio, caberia ao Estado custear o alojamento e alimentação dos professores (desde que, na mesma fazenda onde se encontrava a escola).

O decreto previa também a designação de um professor normalista do quadro do magistério público, com mais de cinco anos de experiência no Ensino Normal secundário e capacidade e especialização no ensino rural, para a função de assistente pedagógico dos cursos de especialização rural; caberia ao assistente pedagógico orientar e acompanhar o desenvolvimento dos estudos e trabalhos dos cursos, bem como verificar o aproveitamento dos alunos em todas as atividades (SÃO PAULO, 1944, p. 1).

Além das questões mencionadas, o Decreto também regulamentava questões administrativas e de provimento das cadeiras. Podemos afirmar, a partir do observado na lei, que o curso de especialização agrícola se aproximaria muito do que previa a parte prática dos currículos das Escolas Normais Rurais (tanto daquelas que existiram, quanto o previsto nas leis que não chegaram a ser colocadas em prática).

Em 18 de outubro 1945, o Decreto 15. 142, aprovou o regimento dos Cursos de Especialização Agrícola na Escola Profissional Agrícola Industrial Mista de Pinhal, complementar ao Decreto anterior, especificou a finalidade do curso, em seu primeiro artigo:

Artigo 1° - O Curso de Especialização Agrícola na Escola Profissional Agrícola Industrial Mista de Pinhal (C. E. A. P.), criado pelo Decreto-lei n.° 13.992. de 23 de maio de 1944, dirigido pelo Diretor da Escola Profissional Agrícola Industrial Mista de Pinhal, tem por finalidade a preparação de professores normalistas para o mais perfeito exercício do magistério primário rural. a) dando-lhes conhecimentos suficientes para o desenvolvimento do programa de ensino das escolas primárias rurais; b) favorecendo-lhes a ambientação no meio rural onde devem viver; c) tornando-os fatores de progresso e radicação da população dos campos (SÃO PAULO, 1945, p. 1).

Desta forma, o curso prepararia os normalistas para o trabalho nas escolas rurais, colaboraria para sua ambientação com o meio rural, onde deveriam viver, tornando as escolas representantes do progresso naquele meio. Portanto, os cursos pretendiam fixar, além da população como um todo, o professor no meio rural.

Assim como a legislação anterior, o Decreto previa aulas de cultura técnica e estágio; o currículo permanecia o mesmo, bem como a organização administrativa e das aulas. Alguns diferenciais foram: a fixação de um limite de vinte alunos por turma; a separação por gênero em atividades que assim o exigissem e, a forma de ingresso dos alunos que se daria, por concurso de títulos no caso dos professores do magistério primário e, por concurso de provas para aqueles que não compunham o quadro do magistério público.

Além destes, era prevista a frequência mínima de noventa por cento nas aulas para a aprovação e os meios de avaliação; as especificações dos regimes de internato e semi-internato. A legislação foi sendo refinada, apresentando cada vez mais detalhes quanto ao funcionamento dos cursos.

As aulas inaugurais dos Cursos de Especialização das Escolas Agrícolas de Pinhal e São Manuel aconteceram quase um ano após a aprovação daquele último Decreto, no dia 20 de agosto de 1946, de acordo com informação encontrada no Jornal de Notícias (JORNAL DE NOTÍCIAS, 13 de agosto de 1946, p.4). Localizamos apenas uma pequena nota na busca realizada na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional nos periódicos dos anos de 1940 a 1949.

À procura de fontes primárias que nos fornecessem mais detalhes sobre o curso, ou seja, atas, registros em livros oficiais, grade curricular e listagem de alunos, entre outros, entramos em contato com a Escola Agrícola, hoje mantida pelo Centro Paula Souza, por meio de vários e-mails e telefonemas, porém, não obtivemos autorização do diretor, tanto para que um funcionário procurasse quanto, para que fossemos procurar, pessoalmente, nos arquivos que estão em poder da instituição.

Mesmo sem estes documentos, a análise dos decretos, tanto de criação, quanto de adequação do Curso de Especialização Agrícola de Espírito Santo do Pinhal, nos confirma o cunho prático deste tipo de curso e a crença ruralista de que, o domínio de técnicas agrícolas e do trato com animais seria suficiente para a formação de um professor rural capaz de colaborar com a fixação do homem no campo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por todo o exposto, consideramos ser possível afirmar que o currículo prático (alicerçado em noções de agricultura, pecuária e higiene) dos Cursos de Especialização Rural apresentados e analisados, não foi suficiente para levar adiante os ideais ruralistas. Uma vez que, seria utópico acreditar que uma educação que ensinaria aos alunos aquilo que a prática laboral já os ensinava cotidianamente, seria capaz de mantê-los em um ambiente que não oferecia condições de vida e trabalho adequados.

Diante da carência de serviços públicos, dentre eles educação; saúde; infraestrutura básica como energia elétrica; estradas adequadas e condições dignas de trabalho, a migração do campo para as cidades foi inevitável, já que diante da modernização e do avanço científico, as pessoas foram em busca do conforto presente nas cidades e de postos de trabalho menos penosos do que aqueles encontrados no meio rural. Assim, não seria a educação o elemento capaz de conter esse movimento de ordem social e econômica.

Desta forma, podemos concluir que, historicamente, os Cursos de Especialização Rural representaram importante tentativa da concretização do Ruralismo Pedagógico no Estado de São Paulo nas décadas de 1930 e 1940, sobremaneira no que tange à formação de professores. Entretanto, conforme discutido, aquele movimento educacional encontrou oposição, não apenas entre educadores e autoridades daquele período histórico, mas do próprio processo de urbanização e industrialização do país que impulsionou o êxodo em massa das populações do meio rural para as cidades. Destarte, nos parece evidente que tanto os Cursos de Especialização Rural quanto o próprio Ruralismo Pedagógico lograram maior sucesso ideológico do que prático.

2Os procedimentos metodológicos de coleta de fontes documentais estão detalhados em BASSO, 2018.

3As notícias estão disponíveis na íntegra como anexo em BASSO, 2018.

4Questão trabalhada por Dermeval Saviani em “Escola e Democracia”.

5Embora tenham recebido nomenclaturas diferentes os cursos de especialização rural e de especialização agrícola possuíam objetivos análogos, ou seja, a formação específica de professores para o trabalho nas escolas rurais.

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Recebido: 10 de Novembro de 2020; Aceito: 12 de Janeiro de 2021; Publicado: 27 de Janeiro de 2021

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