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Revista Exitus

On-line version ISSN 2237-9460

Rev. Exitus vol.11  Santarém  2021  Epub May 10, 2022

https://doi.org/10.24065/2237-9460.2021v11n1id1534 

Artigos

A FORMAÇÃO DOCENTE E SEUS DILEMAS NO CAMPO DA EDUCAÇÃO FÍSICA: uma revisão da literatura

TEACHING TRAINING AND ITS DILEMMAS IN THE FIELD OF PHYSICAL EDUCATION: a literature review

LA ENSEÑANZA DE LA FORMACIÓN Y SUS DILEMAS EN EL ÁMBITO DE LA EDUCACIÓN FÍSICA: revisión de la literatura

1Mestre e Doutoranda em Educação em Ciências e Saúde. Instituto Nutes de Educação em Ciências e Saúde - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil

2Doutora em Educação em Ciências e Saúde. Instituto Nutes de Educação em Ciências e Saúde - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil


RESUMO

A pesquisa sobre formação de professores de Educação Física (EF) vem impulsionando intensos debates, principalmente desde a década de 1980, quando o campo começa a se questionar sobre os conhecimentos que o constituem e o papel que desempenha na sociedade. Diferentes posicionamentos disputam espaço nas discussões sobre as funções sociais, autonomia e legitimidade da Educação Física, incorporando um amplo espectro de argumentações que vão desde aqueles que defendem um foco na perspectiva da aptidão física e no desenvolvimento das dimensões biológicas e psicológicas, até aqueles que defendem perspectivas sociológicas e socioculturais da Educação Física (BRACHT, 1992). Deste modo, o presente artigo tem como objetivo apresentar uma revisão da literatura nacional que descreve e discute os principais problemas de pesquisa relacionados à formação de professores de Educação Física, nos contextos do Ensino Superior e da Educação Básica. Para realizar a presente revisão, concentramo-nos na literatura nacional, a partir de buscas em três aplicativos (Google Acadêmico, Capes e Scielo). Com base na análise dos artigos, pode-se concluir que de maneira geral, os estudos apontam a questão da prática do professor de Educação Física como um contexto importante para estudar e pesquisar esse profissional, uma vez que sua identidade ainda se configura em educar, em sua grande maioria, o corpo biológico.

Palavras-chave: Formação docente; Educação Física; Ensino

ABSTRACT

Research on the formation of Physical Education (PE) teachers has been incorporating intense debates, especially since the 80´s, when the field began to question itself about the knowledge that constitutes it and the role it plays in society. Different positions compete for space in discussions about the social functions, autonomy and legitimacy of Physical Education, incorporating a wide spectrum of arguments ranging from those who defend a focus on the perspective of physical fitness and the development of biological and psychological dimensions to those who defend perspectives sociological and sociocultural aspects of Physical Education (BRACHT, 1992). Thus, this article aims to present a review of the national literature that describes and discusses the main research problems related to the training of Physical Education teachers, in the contexts of Higher Education and Basic Education. In order to carry out this review, we focused on national literature, from searches in three apps (Google Scholar, Capes and Scielo). Based on the analysis of the articles, it can be concluded that, in general, the studies point to the issue of Physical Education Teacher practice, as an important context to study and research this professional, since his identity is still configured in educating, the vast majority, the biological body.

Keywords: Teacher training; Physical Education; Teaching

RESUMEN

La investigación sobre la formación del profesorado de Educación Física (EF) ha ido incorporando intensos debates, especialmente desde la década de los 80, cuando el campo comenzó a cuestionarse sobre el conocimiento que lo constituye y el rol que juega en la sociedad. Diferentes posiciones compiten por espacio en las discusiones sobre las funciones sociales, la autonomía y la legitimidad de la Educación Física, incorporando un amplio espectro de argumentos que van desde quienes defienden un enfoque en la perspectiva de la aptitud física y el desarrollo de las dimensiones biológicas y psicológicas hasta quienes defienden perspectivas sociológicas y socioculturales de la Educación Física (BRACHT, 1992). Así, este artículo tiene como objetivo presentar una revisión de la literatura nacional que describe y discute los principales problemas de investigación relacionados con la formación del profesorado de Educación Física, en los contextos de Educación Superior y Educación Básica. Para realizar esta revisión nos centramos en la literatura nacional, a partir de búsquedas en tres aplicaciones (Google Scholar, Capes y Scielo). A partir del análisis de los artículos se puede concluir que, en general, los estudios apuntan al tema de la práctica del Docente de Educación Física, como un contexto importante para el estudio e investigación de este profesional, ya que su identidad aún se configura en la educación, la gran mayoría, el cuerpo biológico.

Palabras clave: Formación del profesorado; Educación Física; Enseñando

1 INTRODUÇÃO

A pesquisa sobre formação de professores de EF vem impulsionando intensos debates, principalmente desde a década de 1980, quando o campo começa a se questionar sobre os conhecimentos que o constituem e o papel que desempenha na sociedade (CRUZ, 2019). Diferentes posicionamentos disputam espaço nas discussões sobre as funções sociais, autonomia e legitimidade da Educação Física, incorporando um amplo espectro de argumentações, que vão desde aqueles que defendem um foco na perspectiva da aptidão física e no desenvolvimento das dimensões biológicas e psicológicas, até aqueles que defendem perspectivas sociológicas e socioculturais da Educação Física (BRACHT, 1992). Esses diferentes posicionamentos remetem ao histórico embate entre corpo x mente, que permeia a área desde a sua origem, repercutindo no que se espera da formação docente. Se, inicialmente, com base na influência médica e militar, os professores de Educação Física tinham como função formar um corpo fragmentado, produtivo, morigerado e adaptado socialmente, ao longo do século XX, o conceito “corporeidade” demarca a formação de um corpo situado historicamente, constituindo espaço de exercício de poder e identidade, sendo, portanto, um elemento indissociável no processo de ensino-aprendizagem (LOURO, 2000).

Essa disputa epistemológica do campo ganhou novos contornos na formação de professores desde 1987, quando as Resoluções 03/87 e 07/04 estabeleceram a fragmentação do curso de graduação em licenciatura e bacharelado (BRASIL, 1987; BRASIL, 2004). A partir de então, mais uma dicotomia (educação x saúde) marcou a formação no campo, desta vez, restringindo a formação docente à licenciatura - que deveria se ocupar da atuação em espaços escolares, enquanto a do profissional de saúde está restrita ao bacharelado - que deveria se ocupar dos espaços não escolares, como clubes, academias etc.

Paralelamente às discussões da EF, o campo de formação de professores se constituiu e veio se fortalecendo desde 1980, incorporando discussões sobre abordagens e conceitos, tais como: profissionalidade e identidade docente, construção da base de conhecimento profissional, saberes docentes, currículo das licenciaturas e as articulações entre disciplinas específicas e formação pedagógica (ANDRÉ, 2010; TARDIF, 2014; TARDIF e LESSARD, 2014; NÓVOA, 2017; NÓVOA, 2019; IMBERNÓN, 2009; ZEICHNER, 2010; CUNHA, 2013).

Diante desses desafios, instiga-nos compreender como o campo de conhecimento sobre formação docente em Educação Física vem se constituindo. Assim, o presente artigo tem como objetivo apresentar uma revisão da literatura nacional que descreve e discute os principais problemas de pesquisa relacionados à formação de professores de Educação Física, nos contextos do Ensino Superior e da Educação Básica. A análise da literatura busca apontar as principais questões e abordagens que compõem a pesquisa no campo.

O trabalho está dividido em cinco seções, incluindo esta introdução. A segunda seção, de “Materiais e Métodos”, descreve os procedimentos metodológicos da revisão de literatura, apontando as bases de dados utilizadas para as buscas dos trabalhos selecionados e seus critérios de inclusão e exclusão. A terceira parte, intitulada “Resultados”, apresenta os 18 trabalhos selecionados na revisão e um quadro apontando três problemas de pesquisa, os temas principais e os artigos correspondentes a esses problemas e temas. O quarto segmento, nomeado “Discussão dos dados”, aponta os principais resultados da pesquisa e seu diálogo com os referenciais teóricos do campo da Educação e da Formação de Professores. Por fim, a quinta subdivisão, com o título de “Considerações Finais” retoma o objetivo principal do trabalho, trazendo os principais resultados e tendências que merecem maior aprofundamento para o campo.

2 MATERIAIS E MÉTODOS

Para realizar a revisão da literatura, concentramo-nos na literatura nacional, a partir de buscas em três aplicativos (Google Acadêmico, Capes e Scielo). Segundo Packer et al. (2014) e Paiva e Martinez (2018), as três bases de dados supracitadas demonstram relevância para pesquisas que visam trabalhar com estado da arte e revisões de literatura. A inserção das palavras-chave: “licenciatura em educação física”, “formação docente” e “saúde” foram escolhidas em razão de a busca ter como objetivo mapear os principais problemas e temas de pesquisa discutido no campo da Educação Física, no que se refere à interlocução entre a formação em saúde e a docência na formação inicial. Definimos como corte temporal da busca, os anos de 2012 a 2017, com o intuito de apresentarmos pesquisas recentes para o campo.

No aplicativo Google Acadêmico, o resultado da busca somou aproximadamente 957 trabalhos, dentre os quais 20 artigos atenderam aos nossos critérios de inclusão. No aplicativo Capes, a busca resultou em 25 trabalhos, dentre os quais nenhum atendeu a esses critérios. No aplicativo Scielo, a busca resultou em 119 trabalhos, dos quais foi possível identificar 4 artigos que foram utilizados em nosso trabalho.

Foram, portanto, selecionados 24 artigos que foram lidos na íntegra. Dentre estes, analisamos as pesquisas de natureza empírica (n=18) no contexto do Ensino Superior e da Educação Básica. Os 18 trabalhos foram triados a partir do idioma português (Brasil) de forma a desvelar as principais questões de pesquisa e dilemas do campo no contexto brasileiro.

Os critérios de exclusão foram artigos, dissertações e teses que discorriam especificamente sobre a formação docente de natureza teórica e somente no campo do bacharelado em Educação Física, sem menção a uma formação pedagógica do profissional.

3 RESULTADOS

A tabela 1 apresenta, em ordem cronológica, as referências dos 18 artigos selecionados para análise e seus respectivos códigos usados ao longo do estudo.

TABELA 1 Referências de Natureza Empírica e seus respectivos códigos 

Referências Código
GARCES, S. B. B.; LAUXEN, S. de L.; ANTUNES, F. R. Os saberes docentes na formação dos profissionais de Educação Física. Revista Atos de Pesquisa em Educação: v. 7, n. 1, p. 198-227, 2012. A1
ROSSI, F.; HUNGER, D. As etapas da carreira docente e o processo de formação continuada de professores de Educação Física. Revista Brasileira de Ciências do Esporte: v. 26, n. 2, p. 323-338, 2012. A2
SOARES JÚNIOR, N. E.; BORGES, L. F. F. A pesquisa na formação inicial dos professores de Educação Física. Revista Movimento: v. 18, n. 2, p. 1-20, 2012. A3
VIEIRA, A. O.; SANTOS, W. dos S.; NETO, A. F. Tempos de escola: narrativas da formação discente ao ofício docente. Revista Movimento: v. 18, n. 3, p. 119-139, 2012. A4
BENITES, L. C.; NETO, S. S.; BORGES, C.; CYRINO, M. Qual o papel do professorcolaborador no contexto do estágio curricular supervisionado na Educação Física?
Revista Ciência e Movimento: v. 20, n. 4, p. 13-25, 2012.
A5
ALVIANO JUNIOR, W.; NEIRA, M. G. Formação inicial em Educação Física e Currículo: uma proposta sob a ótica de seus autores. Revista Mackenzie de Educação Física e Esporte: v. 12, n. 1, p. 117-138, 2013. A6
ZOTOVICI, S. A.; MELO, J. B.; CAMPOS, M. Z. de.; LARA, L. M. Reflexões sobre o estágio supervisionado no curso de Licenciatura em Educação Física: entre a teoria e a prática. Revista Pensar a Prática: v. 16, n. 2, p. 320-618, 2013. A7
BERTINI JUNIOR, N.; TASSONI, E. C. M. A Educação Física, o docente e a escola: concepções e práticas pedagógicas. Revista Brasileira de Educação Física e
Esporte: v. 27, n. 3, p. 467-483, 2013.
A8
KRUG, H. N.; IVO, A. A.; ILHA, F. R. da S.; KRUG, R. de R.; CONCEIÇÃO, V. J. S. da. Avaliando a formação inicial: a percepção de acadêmicos de um curso de licenciatura em educação física. Revista Roteiro: v. 38, n. 2, p. 385-412, 2013. A9
BOMFIM et al. A pesquisa participante na formação continuada de professores de Educação Física: a identificação da realidade. Revista Brasileira de Ciência e Movimento: v. 22, n. 2, p. 133-140, 2014. A10
CRUZ JUNIOR, G.; CAPARROZ, F. E. A juventude entre o desejo e a realidade na formação acadêmica em educação física: das nuvens à docência. Revista
Brasileira de Ciências do Esporte: v. 36, n. 1, p. 155-170, 2014.
A11
MALDONADO, D. T.; LIMONGELLI, A. M. de A. Educação Física escolar no ensino fundamental: prática pedagógica e formação acadêmica. Educação Física em
Revista: v. 8, n. 1, p. 23-33, 2014.
A12
MARQUES, F. B.; FIGUEIRED, Z. C. C. Diretrizes Curriculares Nacionais e suas Repercussões nos Currículos de Formação Docente em Educação Física. Revista
Motrivivência: v. 26, n. 43, p. 30-43, 2014.
A13
MARTINY, L. E.; GOMES-DA-SILVA, P. N. A transposição didática na educação física escolar: o caminho formativo dos professores em formação inicial. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos: v. 95, n. 239, p. 175-196, 2014. A14
SILVA, G. da M.; SILVA, A. C.; LÜDORF, S. M. A. Graduandos de licenciatura em educação física em início e término do curso: concepções sobre a prática docente e o corpo. Revista Arquivos em Movimento: v. 10, n. 2, p. 08-21, 2014. A15
SOUSA, G. R.; MENDES, D. de S. Mídias na formação em educação física: análise de uma disciplina optativa. Revista Motrivivência: v. 26, n. 43, p. 300-315, 2014. A16
COSTA FILHO, R. A. da.; IAOCHITE, R. T. Experiências de ensino no estágio supervisionado e autoeficácia para ensinar educação física na escola. Revista Educação Física da UEM: v. 26, n. 2, p. 201-211, 2015. A17
CARVALHO FILHO, J. J.; BRASILEIRO, T. S. A. B. O currículo e o estágio supervisionado na formação do professor de educação física na Amazônia. Revista Exitus: v. 7, n. 1, p. 222-253, 2017. A18

Fonte: dados da pesquisa.

Suas publicações concentraram-se em revistas específicas do campo da Educação Física e poucos artigos se enquadravam em revistas do campo educacional e de ensino. Foi possível verificar nos 18 artigos analisados três grandes problemas de pesquisa: o primeiro, que denominamos “Docência do Profissional de Educação Física”; o segundo, denominado “Currículo no campo da Educação Física”; o terceiro e último, nomeado “Formação Inicial e Continuada na Licenciatura em Educação Física”.

A seguir, apresentaremos o Quadro 1, com os 18 trabalhos analisados dentro de focos de pesquisa e principais temas. Neles foi possível distinguir um conjunto de conceitos que os integravam, além de temáticas recorrentes, advindas dos campos educacionais e de ensino.

QUADRO 1 Relação das Referências e sua Inserção em Problemas de Pesquisa e Temas Principais 

Problemas de Pesquisa Temas Principais Referências Codificadas
Docência do Profissional de Educação Física Identidade e Profissionalidade do Docente de Educação Física A2 e A4
Práticas Pedagógicas do Educador Físico na Escola A5 e A12
Currículo no campo da Educação Física Processo de Pesquisa e Elaboração do Currículo no Ensino Superior A3 e A6
Mudanças nos Currículos e suas Repercussões nas Práticas Docentes A8 e A13
Formação Inicial e Continuada na Licenciatura em Educação Física Estágio Supervisionado e a formação para docência A1, A7, A14, A17 e A18
Percepções e trajetórias dos estudantes em relação ao currículo da formação A9, A10, A11, A15 e A16

Fonte: dados da pesquisa.

3.1 Docência do Profissional de Educação Física

Os trabalhos A2, A4, A5 e A12 tiveram como objetos de pesquisa a docência em Educação Física. De forma geral, concentraram-se na discussão sobre a educação básica, ressaltando aspectos da profissionalidade docente e dando ênfase aos espaços formativos. Nos quatro trabalhos, observamos dois temas principais na problematização das pesquisas: “Identidade e Profissionalidade do Docente de Educação Física” e “Práticas Pedagógicas do Educador Físico na Escola”.

3.1.1 Identidade e Profissionalidade do Docente de Educação Física

Os trabalhos que abordaram esse tema discutem a carreira do professor da educação básica e o papel central da prática na escola como constituinte de sua identidade e profissionalidade docente. Com base no ciclo de vida profissional de Huberman (2000), A2 evidencia a relação entre necessidades formativas e as diversas fases da carreira de oito professores de Educação Física da rede pública de Bauru - SP. Confirmou-se a hipótese dos autores de que as prioridades de formação variam de acordo com o decorrer da carreira. Na fase de entrada, por exemplo, os depoentes revelaram buscar ações formativas para aprimorar a prática pedagógica e diminuir o choque com o real. Essa necessidade não se sobressaiu em outras etapas da carreira, quando os professores já estavam mais familiarizados e seguros com a prática. Concluem com base em Nóvoa (1999) e Imbernón (2009) que as mudanças educativas precisam necessariamente passar pela formação de professores, mas esta deve se pautar “na cultura profissional, pois atua como espécie de filtro interpretativo da realidade” (ROSSI e HUNGER, 2012, p. 335).

Em uma direção similar, no trabalho A4, os autores também valorizam o espaço de formação dos professores e se baseiam nas narrativas autobiográficas de professores de Educação Física do Ensino Médio da rede estadual do Espírito Santo. Baseiam-se em estudos do cotidiano (CERTEAU, 1994) que buscam identificar a história de formação, o “entrelugar da formação” (FERRAÇO, 2005), por meio de “memórias e fragmentos” dos professores. Foi possível concluir que estes foram se tornando docentes mesmo antes da escolha do magistério, mas ao longo da vida. Identificaram, também, que diálogos tecidos em momentos extraclasse e participação em cursos de extensão universitária são instâncias (auto)formativas importantes.

Dessa forma, é possível observar que, embora com diferentes referenciais teóricos, em ambos os trabalhos destacam-se dois aspectos: consideram a prática da profissão como espaço privilegiado de constituição da identidade docente e assumem o professor como protagonista do processo formativo, baseando-se nas experiências desses sujeitos, tanto para planejar experiências de formação continuada (A2), como para identificar espaços formativos na trajetória docente (A4).

3.1.2 Práticas Pedagógicas do Educador Físico na Escola

Os trabalhos que abordaram esse tema assumiram como foco a relação entre teoria e prática no trabalho dos professores, bem como a interlocução entre universidade e escola. O trabalho A5 teve como objetivo analisar o papel formativo dos professores-colaboradores (professor da educação básica que recebe estagiário - licenciando - na escola). Com base em técnicas de análise documental, entrevistas e observação participante, investigaram as práticas de cinco desses profissionais. Em relação ao papel do professor-colaborador (PC) definido na legislação, encontraram que a legislação brasileira tem avançado nas discussões sobre o estágio, mas existe uma “zona cinzenta”, um vazio, no que diz respeito a sua formação para atuar como “formador de professores” no momento de estágio.

Os autores concluem que há uma desvalorização desse profissional, no que diz respeito ao seu papel de formador, acarretando consequências negativas ao sistema de ensino. Consideram, portanto, fundamental o investimento em políticas de estágio em que as diferentes instâncias (universidade e escola) trabalhem em conjunto, criando articulações entre teoria e prática. Ressaltam que as práticas formativas devem partir essencialmente da experiência dos professores-colaboradores, já que “estes podem ser uma chave importante para o diálogo, na mediação entre os discursos e as práticas, trazendo a dimensão dos saberes pedagógicos (prática do saber) e também uma prática, teoria e reflexão coletiva (saber da prática)” (BENITES et al., 2012, p.23).

A discussão sobre a relação entre teoria e prática, no trabalho A12, ocorreu com base na análise do conhecimento teórico sobre as abordagens de ensino em Educação Física. A pesquisa foi realizada por meio de entrevistas semiestruturadas com oito professores de EF das séries iniciais do Ensino Fundamental. Os resultados apontaram que estes misturam elementos de diversas abordagens da Educação Física, contudo, todos (com exceção de um) afirmam desconhecer essas abordagens, não sendo tratadas na graduação. Os autores concluem que existe uma confusão conceitual na prática pedagógica dos docentes, havendo necessidade de um forte investimento em programas de educação continuada, buscando integrar o conhecimento produzido na academia (universidade) e o construído pelo cotidiano dos professores e estudantes (escola).

Ambos os trabalhos problematizam a relação teoria e prática, partindo da experiência dos profissionais nas escolas. Com base nas percepções desses sujeitos, buscam analisar seus conhecimentos sobre “formação de docentes” (A5) e “abordagens de ensino de EF” (A12). Ao constatar a fragmentação entre teoria e prática, os dois trabalhos indicam o investimento em formação continuada, pautada na integração universidade e escola, como forma de favorecer o sistema educacional como um todo.

3.2 Currículo no campo da Educação Física

Os trabalhos A3, A6, A8 e A13 tiveram como foco de pesquisa a análise do currículo da formação inicial em Educação Física. De forma geral, discutiram-no, ressaltando o lugar da pesquisa na formação, as mudanças ocorridas na área por meio dele e sua repercussão na formação docente. Nos quatro trabalhos, observamos dois principais temas: “Processo de Pesquisa e Elaboração do Currículo no Ensino Superior” e as “Mudanças nos Currículos e suas Repercussões nas Práticas Docentes”.

3.2.1 Processo de Pesquisa e Elaboração do Currículo no Ensino Superior

Os artigos que compõem esse tema abordam a análise de temáticas e componentes dos currículos da formação inicial em Educação Física. Partindo da valorização da reflexão na prática pedagógica (ANDRÉ, 2006) e da leitura crítica da realidade (PIMENTA, 2006), A3 assume como objetivo analisar o espaço da pesquisa no currículo de um curso de formação inicial de professores de Educação Física em uma instituição do Estado de Goiás. Os autores apoiaram-se em Sacristán (2000) para discutir que o currículo é composto por diferentes “níveis curriculares” (currículo prescrito e currículo em ação). Para análise desses diferentes níveis, utilizaram como procedimentos metodológicos tanto a análise documental das Diretrizes Curriculares Nacionais, leis e resoluções; quanto a análise das percepções dos docentes e discentes.

Constataram que os documentos oficiais e do curso ressaltam a indissociabilidade do tripé: ensino, pesquisa e extensão. O Projeto Pedagógico de Curso da instituição prevê que a pesquisa esteja presente em todas as disciplinas e os docentes e discentes confirmaram essa presença com destaque para algumas disciplinas. O artigo menciona autores do campo da Formação Docente (BORGES, 1998; GUIMARÃES, 2006; IMBERNÓN, 2006, 2009; MOLINA NETO, 1997; NÓVOA, 2000; TARDIF, 2014 e VEIGA, 2009) para defender que o processo formativo é contínuo e que a pesquisa deve acompanhar todo o caminho.

O artigo A6 analisou o processo de elaboração de um currículo de formação inicial de professores de Educação Física em uma Instituição de Ensino Superior privada, localizada no Estado de São Paulo. Baseados no referencial teórico dos estudos culturais, analisam o currículo por meio dos discursos proferidos, buscando compreender quais concepções de mundo, dos docentes, de estudante, de Educação Física e escola o constituem. Os autores ressaltam um distanciamento entre o que propõe o PPC e o que acontece na prática da participação docente na construção curricular. Desta forma, concluem que um currículo construído com base em uma “racionalidade instrumental hegemônica” (GIROUX e McLAREN, 2005) abala a democracia.

Ambos os artigos buscam analisar os currículos da formação inicial em Educação Física, com base na análise tanto de documentos quanto na prática dos docentes e discentes. Revelam a importância da pesquisa nos currículos para a formação inicial em A3 e reforçam a relevância de uma construção curricular coletiva em A6.

3.2.2 Mudanças nos Currículos e suas Repercussões nas Práticas Docentes

Os artigos que compõem esse tema discutem como as mudanças nos contextos macropolíticos e nos documentos oficiais influenciam as práticas, seja em relação às concepções dos professores (A8) seja em relação à organização curricular dos cursos de formação em Educação Física (A13). Considerando que as mudanças ocorridas na legislação que norteia o currículo de Educação Física vêm marcando a concepção de professor e sua prática pedagógica, A8 analisou a percepção de quatro professores formados nas décadas de 1970, 1980, 1990 e 2000. O estudo evidenciou que há uma concepção que associa a EF ao lazer e à facilidade, estando desvalorizada no currículo e ressaltam que o trabalho coletivo na escola e a construção de um PPC coerente são fundamentais para possibilitar transformações nas concepções e nas práticas pedagógicas.

O trabalho A13 investigou de quais modos as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) repercutem em currículos de três Instituições de Ensino Superior em Educação Física, uma pública e duas de caráter privado do Estado do Espírito Santo. Dessa forma, além das DCN, analisaram os documentos dos cursos e realizaram entrevistas com os coordenadores. Com base na análise dos três currículos, concluíram que as DCN não representam um engessamento dos currículos, tendo sido interpretadas e colocadas em prática de maneira diversa e, por vezes ambígua, nos cursos analisados.

Os artigos, de forma geral, revelam que as mudanças nas legislações e discussões relacionadas ao currículo da Educação Física não são suficientes para determinar a mudança na prática da formação docente nesse campo. Dessa forma, nem as DCN acarretam, necessariamente, mudanças nas matrizes curriculares das universidades (A13), nem as transformações vivenciadas em diferentes momentos históricos são determinantes para transformar as concepções dos docentes (A8).

3.3 Formação Inicial e Continuada de Professores de Educação Física

Os trabalhos A1, A7, A9, A10, A11, A14, A15, A16, A17 e A18 tiveram como objetos de pesquisa a formação inicial e continuada de professores de Educação Física. De forma geral, os trabalhos se concentraram na discussão sobre o Estágio Supervisionado, o Ensino Superior, ressaltando aspectos da formação para a docência e saberes docentes. Nos 10 trabalhos observamos dois temas principais nas problematizações das pesquisas: o “Estágio Supervisionado e a formação para docência” e as “Percepções e trajetórias dos estudantes em relação ao currículo da formação”.

3.3.1 Estágio Supervisionado e a formação para docência

Os artigos que compõem este tema discutem, prioritariamente, a importância da disciplina de Estágio Supervisionado na formação inicial de professores de EF. Como esta é uma disciplina obrigatória dos cursos de licenciatura, instituída pela Resolução CNE/CP02/2002, esses artigos analisam como a dimensão da prática pedagógica está sendo trabalhada durante a formação.

Com base no referencial de Tardif (2014), A1 objetivou investigar a percepção de alunos e professores que realizaram a disciplina de Estágio Supervisionado de um curso de Educação Física de uma universidade privada do interior do Estado do Rio Grande do Sul. O trabalho teve como meta problematizar os saberes docentes compreendidos por oito professores e 24 alunos do 5º e 6º período, por meio de questionários.

Como conclusão, o artigo revelou que os profissionais investigados relatam que seus saberes se dão através da prática do dia a dia e na convivência com os próprios alunos e colegas de profissão. No entanto, os docentes relatam que não demonstram participação efetiva com espaço e tempo para fazer encontros de reflexão sobre as suas práticas pedagógicas. Entende-se que a principal razão para isso é que a maioria dos professores do Curso de Educação Física são horistas, sendo que apenas três trabalham em tempo integral no curso dessa Instituição, pois possuem além de horas de aula, horas administrativas de pesquisa e extensão.

Já os discentes do curso, apresentam uma fala sobre os saberes docentes de forma amalgamada e plural, na qual se hibridizam significados sobre o que é ser professor. Relatam que apresentam dificuldades nas disciplinas pedagógicas, pois os professores responsáveis não as desenvolvem de forma adequada sendo insuficiente, na visão dos alunos. Assim, percebe-se que as disciplinas de prática docente e de estágio merecem uma reflexão entre docentes e coordenação pedagógica do curso, para estudar modificações cabíveis, visando um melhor aproveitamento por parte dos alunos, já que as disciplinas são fundamentais para a sua preparação como futuros professores de Educação Física.

A7 traz reflexões sobre o estágio supervisionado de uma licencianda em duas escolas públicas de uma cidade do Estado de São Paulo, acompanhando como a estagiária construiu seus conhecimentos sobre a prática. Como conclusão da análise, consideram que a experiência da licencianda foi bastante proveitosa, mas diferente em cada escola.

Concluem, portanto, que como o acompanhamento do supervisor da instituição do ensino superior não é determinado em lei, por vezes, os alunos podem passar pela fase de estágio sem uma aprendizagem efetiva por falta de orientação e recursos - principalmente tempo. Problematizam que muitas vezes os discentes não percebem a importância desse componente, sobretudo, porque não lhes é oferecida oportunidade de reflexão com base em discussões e análises junto a docentes com experiência e responsáveis por essa prática.

O trabalho A14 também assume o desafio de refletir sobre como a experiência do estágio produz conhecimentos teóricos e práticos em relação ao ensino. Contudo, em vez de abordar o conhecimento de práxis, baseou-se na noção de transposição didática. O objetivo foi identificar as práticas pedagógicas utilizadas nas aulas ministradas durante o Estágio Supervisionado por três licenciandos em Formação Inicial no curso de Educação Física da Universidade Federal da Paraíba.

Com a análise, foi identificado um caminho formativo que se aproxima das discussões de autores como Borges (2001), Marcon et al. (2007) e Tardif (2014), segundo as quais a profissão docente se constitui em uma base de conhecimento - knowlegde base (SHULMAN, 1986). O artigo conclui que o estágio oferece uma experiência fundamental para que os futuros professores construam uma formação baseada em saberes docentes, com alta tendência reflexiva, que embase a transposição didática.

O trabalho de A17 também buscou compreender como a disciplina de estágio prepara os licenciandos para atuar na prática, por meio da análise da construção da “crença de autoeficácia” - conceito do referencial da Teoria Social Cognitiva proposta por Albert Bandura em meados da década de 1980. Os autores analisaram os portfólios reflexivos de licenciandos inscritos na disciplina de estágio curricular supervisionado, na fase final do curso de uma universidade pública paulista e analisaram em suas reflexões como se desenvolveram as crenças.

Em síntese, foi possível verificar que os estagiários consideram a vivência na disciplina de Estágio Curricular Supervisionado a mais importante para se sentirem preparados para a atuação como professores na Educação Básica, “como uma forma de se aproximar e conhecer o ´real´ ambiente de trabalho” (COSTA FILHO e IAOCHITE, 2015, p. 209). Além de desenvolver a crença de eficácia, a disciplina também foi considerada importante pelo aspecto da autoavaliação por parte dos estagiários em relação a sua prática.

No trabalho A18, os autores têm como objetivo analisar o currículo como alicerce da disciplina de estágio supervisionado no curso de EF de uma Instituição Federal de Ensino Superior da região Norte. Com base na análise do “currículo formal” e “currículo real”, buscam verificar se o currículo escrito se efetiva no cotidiano da formação inicial, por meio de entrevista com professores (coordenador e orientador de estágios) e estudantes.

Com base nas análises, foi possível verificar que os autores deixam algumas lacunas, tais como a falta de articulação do trabalho entre os docentes e a falta de reconhecimento do trabalho coletivo. Sugerem que haja estímulo à participação do colegiado e acompanhamentos dos estágios supervisionados, já que a consolidação de uma proposta integrada pressupõe integrar os documentos norteadores e a prática dos sujeitos envolvidos na formação.

Os 5 artigos buscam analisar a experiência de estágio supervisionado, com especial atenção para a relação teoria e prática, isto é, formação e docência. Para tal, analisam as falas dos sujeitos envolvidos no processo de ensino-aprendizagem, buscando tanto compreender como a formação os prepara para a prática, em termos de conhecimentos - práxis (A7) e transposição didática (A14) - em termos de concepções/crenças de saberes docentes e autoeficácia (A1 e A17), quanto a aproximação do que é planejado para o que se desenvolve de fato (A18).

3.3.2 Percepções e trajetórias dos estudantes em relação ao currículo da formação

Os trabalhos que compõem esse tema analisam os currículos da formação inicial e continuada de professores, por meio das percepções e trajetórias acadêmicas desses sujeitos. Neste sentido, A9 teve como objetivo analisar a percepção de estudantes em relação aos pontos positivos e negativos da formação inicial oferecida por um curso de Licenciatura em Educação Física de uma universidade pública da região Sul do Brasil. Como metodologia, a pesquisa realizou um estudo de caso na universidade citada, por meio de um questionário com perguntas abertas, respondidas por 20 acadêmicos do último semestre do curso.

As análises revelaram 15 pontos positivos e 13 pontos negativos a respeito do contexto estudado. Corroborando as discussões apresentadas nos artigos do tema anterior, o primeiro ponto positivo destacado pelos alunos foi a disciplina de Estágio Supervisionado como uma oportunidade na formação. Em relação aos pontos negativos, o primeiro ponto destacado foi os “maus professores”. De modo geral, os resultados indicaram tanto pontos relacionados ao currículo escrito (por meio das disciplinas e da grade curricular como um todo), quanto do currículo vivido (por meio das ações dos docentes e dos discentes do curso).

A discussão sobre a influência da formação inicial em Educação Física, na percepção dos estudantes, também foi foco de pesquisa em A15. Esse artigo analisa as concepções de “prática docente” e de “corpo” de graduandos no início e no final do curso de Educação Física de uma Universidade Pública do Rio de Janeiro, por meio de questionários fechados. Foram realizados 90 questionários e, como resultado, os autores apontaram uma mudança ao longo da formação em relação às duas categorias: sobre a prática docente, no primeiro período, no qual os estudantes enfatizaram a importância da área da saúde; no último, houve uma preocupação maior com a educação. Em relação ao corpo, no primeiro período, a grande maioria enfatizou a aptidão física, enquanto, no último, embora também tenham apontado em maior número a aptidão física, incluíram outras preocupações como saúde e expressão corporal. Com isso, os pesquisadores discutem o potencial de mudança que o curso pode acarretar na percepção dos estudantes.

Com base no referencial de Nóvoa (1995), A10 teve como objetivo estruturar um programa de formação continuada voltado a professores de Educação Física (EF) do Estado de Roraima, “dando voz aos docentes” desde o momento do planejamento das ações. Para tal, foi realizada uma pesquisa participante com três gestores do município analisado, da área de educação, por meio de reuniões com esses sujeitos e seminários com a equipe de professores de Educação Física, norteada pela questão: “Quais dificuldades você enfrenta em sua prática pedagógica?”. Além desse material, foram analisados os seguintes documentos: a proposta municipal de ensino da cidade de Boa Vista (RR), os Parâmetros Curriculares Nacionais de Educação Física e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação.

Concluíram que as deficiências encontradas na formação que afetavam a prática pedagógica em um Estado da região Norte do país são similares às que ocorrem em outras regiões. Recomendaram a reflexão sobre a necessidade da formação inicial em Educação Física estar mais próxima das demandas da prática pedagógica e que considere a complexidade do cotidiano escolar.

O estudo A11 analisa a trajetória dos estudantes no curso, voltando seu olhar para a influência da condição juvenil na relação dos licenciandos com a docência na Universidade Federal do Espírito Santo. Por meio da análise da categoria “juventude”, os pesquisadores buscaram analisar o itinerário acadêmico de 26 licenciandos do último período, a partir de questionários e entrevistas reflexivas, identificando seus principais impasses e dilemas.

Em linhas gerais, apontaram que todos eles se sentiram frustrados com o curso no momento da entrada, contudo, a partir dessa frustração inicial, seguiram diferentes trajetórias, de acordo com a interação de diferentes elementos, como a relação com o trabalho e com a família. Embora seja complexa a interação, os autores apontam que houve uma tendência de que jovens menos envolvidos com o curso tenderam a desvalorizar a docência, atribuindo mais peso sobre a baixa remuneração do magistério; já os mais interessados no curso, deram maior ênfase ao valor simbólico-social da carreira.

A partir do referencial de Belloni (2001) A16 buscou analisar a disciplina de “Mídia e Educação Física”, por meio de um grupo focal de alunos que a cursavam em uma Universidade Pública do Estado de Minas Gerais. O referencial apresentado pela pesquisa defende a necessidade de criar espaços para que o campo da educação, juntamente ao campo da Educação Física busque uma utilização mais crítica e criativa dos conteúdos que são apresentados pelos meios de comunicação. O estudo concluiu que a disciplina permitiu que os estudantes incrementassem seu poder crítico diante da mídia e ressaltou a importância de unir os campos da mídia e da Educação Física, com vias a uma formação inicial sólida, crítica e de qualidade.

Os 5 trabalhos reforçam a relevância em estudar os contextos de formação inicial com base nas percepções e experiências dos docentes, considerando que este é um espaço formativo atravessado por diversas questões que merecem atenção como: noções de corpo e prática docente (A15), influência da etapa de vida (juventude) nas escolhas profissionais (A11), relação com as disciplinas e professores (A9), relação com o desenvolvimento da prática pedagógica (A10) e a relação entre mídia e educação (A16). Dando ênfase a diferentes argumentos, em geral, os trabalhos valorizam a análise desses contextos e a aproximação entre universidade e escola.

4 DISCUSSÃO DOS DADOS

De forma geral, em um diálogo entre os artigos analisados e o campo de pesquisa em formação docente, é possível destacar que um aspecto que se sobressaiu foi a valorização de articulação entre teoria e prática na formação e na prática dos professores de EF. Essa articulação foi abordada por meio de três principais discussões. São elas: a) a prática docente como um importante espaço formativo que permite articular a formação e a constituição da docência; b) a articulação entre universidade e escola na formação inicial, constituindo um “entrelugar” ou um “terceiro espaço” que permita a construção de saberes docentes ancorados em teóricos e práticos; c) o papel ativo e o protagonismo dos professores na construção dos currículos, de modo que o currículo não é concebido como algo “abstrato” e externo à prática, mas algo que emerge dela.

Uma das questões apontadas pelos artigos, especialmente os trabalhos que discutem a questão da docência do profissional de Educação Física, traz a prática como um espaço formativo. Os estudos (A2 e A4), quando retratam esse ponto, especificam o espaço em que os docentes atuam, suas experiências e toda a sua trajetória de vida docente, vida esta que começa, inclusive em seus primeiros contatos sociais na Educação Básica como discente. A2, por exemplo, salienta a importância do trabalho coletivo entre todos os atores envolvidos (gestores, docentes, discentes e comunidade educacional) para a reconstrução de uma identidade e profissionalidade docente. Já A4, refere-se à relevância dos professores trabalharem com narrativas autobiográficas de forma a desencadear processos autoformativos, em que o docente possa reconhecer sua autoria na construção dos espaços educacionais em que atua.

Tardif (2014) corrobora essa problemática quando pontua a importância de estudar os contextos em que atuam os professores, bem como suas experiências e seus saberes experienciais. Nóvoa (1995a) e Arroyo (2013) também se alinham com a questão quando reforçam em suas pesquisas a importância de estudar a vida dos professores, seu protagonismo e seus ciclos de vida, pois inferem que tal processo contribui para sua formação na identidade docente durante a vida na educação formal e coopera para uma educação, como afirma Batista Freire (1989) de “corpo inteiro”.

A criação de um “terceiro espaço”3 na formação docente e os elos entre o Ensino Superior e a Educação Básica, foram apontamentos relevantes encontrados nos trabalhos A1, A7, A14, A17 e A18 que mencionaram a disciplina de Estágio Supervisionado, como um contexto importante para a efetivação dessas conexões. As pesquisas apontam (A7 e A18) a urgente necessidade de ressignificar o contexto em que são realizados os estágios supervisionados, para além do âmbito pedagógico e do que se espera das determinações das políticas públicas educacionais, de forma a integrar plenamente teoria/prática e universidade/escola. Nesse sentido, Schön (1997) considera que a formação para a docência em Educação Física necessita aprender mais com as instituições de formação artística (os ateliês de pintura e escultura, os conservatórios de música e de dança) do que com os currículos normativos de um sistema universitário tradicional, fechado e engessado.

O professor precisa ser estimulado a refletir sobre sua prática e sobre como ensinar os seus alunos, de modo a aprimorar cada vez mais o seu modo de aprender e de ensinar de maneira criativa, rompendo com o binarismo entre teoria/prática e com as fronteiras entre universidade e escola. Tais apontamentos possibilitam, segundo Zeichner (2010), a construção de um novo espaço que articule as demandas práticas e as demandas teóricas com a finalidade de integrar o conhecimento prático profissional com o conhecimento acadêmico.

Nóvoa (2017) reforça a importância em pensar a formação dos professores como uma formação profissional e destaca em seu trabalho a necessidade de construção de um novo espaço institucional, citado como “entrelugar”, trazendo a importância da profissão para a formação e da formação para a profissão. Assim, a partir dos artigos citados, não seria importante pensarmos em melhores diretrizes para a disciplina de Estágio Supervisionado? Segundo A7 e A18, um caminho relevante é uma melhor integração entre docente, escola e universidade, de tal modo que esses atores realizem reflexões com qualidade nas ações pedagógicas. Tal disciplina não poderia ser um início para que a efetivação desse “terceiro espaço” e “entrelugar” de fato se concretize?

Outro dado importante trazido pelas pesquisas são os professores como “protagonistas da construção curricular” e não somente como objeto do currículo. Tal apontamento é trazido por Cunha (2013) no sentido de estudar o professor concreto da ação pedagógica. Essa perspectiva de estudo, segundo a pesquisadora, contribuiu para compreendê-lo em sua dimensão técnica, pessoal e profissional. Nesse sentido, observamos em nossas pesquisas, especialmente nos trabalhos A8 e A13 uma descontinuidade do que é indicado nas legislações/textos para o que ocorre, de fato na prática. A pesquisa A8, sugere que para existir esse protagonismo ações pautadas na escola e o trabalho coletivo dentro dessa realidade promovem transformações nas concepções e nas práticas pedagógicas. Assim sendo, acreditamos na importância de uma construção coletiva do currículo e ressaltamos a necessidade de mobilizar uma energia intelectual ativa nos espaços educacionais (ZEICHNER, 2010) para reforçar as conexões críticas que são indicadas no que os docentes de Educação Física fazem (currículo vivido) e do que se espera que eles realizem (currículo prescrito).

Uma dimensão importante trazida pelas pesquisas para que de fato se concretize o protagonismo dos professores na construção do currículo é investigar suas histórias de vida e sua identidade docente. Nóvoa (1995a, 2000), Huberman (2000) e Folle et al. (2009) ressaltam a relevância de se trabalhar com esse enfoque de maneira a superar o caráter generalista que se tem atribuído à figura do professor, desvendando crenças, valores, competências e sua relação estabelecida com a profissão.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

No sentido de investigar como a área de conhecimento sobre a formação docente em Educação Física vem se constituindo, dentro de um campo de intensas dicotomias, como apontado na seção de introdução deste trabalho, objetivamos apresentar uma revisão da literatura nacional que descreve e discute os principais problemas de pesquisa relacionados à formação de professores de Educação Física nos contextos do Ensino Superior e da Educação Básica.

Com base na análise dos artigos, pode-se concluir que os estudos apontam a questão da prática do Professor de Educação Física como um contexto importante para estudar e pesquisar esse profissional, uma vez que sua identidade ainda se configura em educar, em sua grande maioria, o corpo físico, e a questionar-se com mais uma dicotomia - a relação teoriaprática.

Os artigos analisados também reforçam a centralidade do elo entre Educação Superior e a Educação Básica e a considerar o docente, não só como um “aplicador e executor” dos conhecimentos advindos do campo científico, mas um construtor e produtor de saberes. A partir desse ponto, defendemos veementemente a importância e a relevância de as pesquisas que envolvem a formação docente desse profissional prezarem em unificar esses dois contextos, de forma a proporcionar projetos e trabalhos que possibilitem e transformem o contexto social.

Em suma, os trabalhos analisados nesta revisão de literatura apoiaramse em estudos do campo da Educação e da Formação dos Professores, com diálogos específicos para o campo da formação do profissional de Educação Física. Salientamos que a pesquisa não pretende esgotar a temática tão cara para a área, mas apontar tendências que merecem maior aprofundamento em estudos posteriores.

3O conceito deriva da pesquisa de Zeichner (2010) que o utiliza como uma lente para discutir os diversos tipos de cruzamento das fronteiras entre universidade e escola na formação de professores dos Estados Unidos. A proposta, segundo o autor é a criação de espaços híbridos em que se incentiva um status igualitário entre os participantes.

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Recebido: 12 de Setembro de 2020; Aceito: 16 de Dezembro de 2020; Publicado: 20 de Março de 2020

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